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sobre a proposta de taxa turística

A proposta de introdução de uma taxa turística, por dormida e por entrada em Lisboa, de baixo valor tem resultado numa discussão pública acesa, ironias à parte.

Faz neste momento falta uma sistematização de ordem técnica sobre a medida proposta.

O primeiro passo é saber que problema procura resolver. O segundo passo é saber que alternativas existem. O terceiro definir um critério pelo qual se possam ordenar as alternativas.

A justificação apresentada é fazer reflectir sobre os turistas os custos acrescidos de limpeza e manutenção do espaço público, bem como as iniciativas “de natureza artística, cultural e recreativa”. Parece simples mas não é. Sendo este o objectivo, então parte das receitas deveria ser para o orçamento da CML de manutenção de espaços, com consequente redução do que viria de outras fontes, digamos Orçamento do Estado. A outra parte, para iniciativas culturais que (supostamente) atraiam turistas, tem a parte estranha de obrigar alguém a pagar por algo que não sabe se quer usufruir (as tais iniciativas) e não lhe dando a escolha de usufruir ou não. Mais estranho é quando se diz que as receitas são reinvestidas no sector turístico, afinal trazendo ainda mais pressão para a limpeza e manutenção dos espaços da cidade. Sem uma definição clara do problema que justifica a tax é difícil perceber a justificação. Talvez a justificação seja mais simples, e se queira apenas mais receita de alguma fonte.

Suponhamos que o objectivo de promover mais turismo é o que está subjacente, então alguém beneficia com esse turismo adicional (que gera os tais custos extra que a CML reclama existirem), e nesse caso deveriam ser os beneficiários a incorrerem na despesa que a nova taxa gera. Sendo uma despesa que beneficia todos, poderá haver um problema de coordenação em que ninguém quer contribuir à espera que outros façam a despesa. Nesse caso, a taxa turística surge como um instrumento de coordenação para essa despesa, mas será o melhor instrumento para o fazer?

Sem saber que problema se procura resolver é difícil enunciar as alternativas. E mais ainda depois escolher entre elas. É aqui que a discussão se perde.

Podemos ainda assim enunciar alguns aspectos que podem fazer diferença:

a) como é que os turistas reagem? deixar de viajar? viajar mas alojarem-se em locais mais baratos? pagam esta taxa mas como têm um orçamento definido procuram gastar menos noutras despesas de viagem, fazendo com que os euros da taxa paga sejam menos euros em restaurante, por exemplo, e apenas para ilustração. (se tal sucedesse, do ponto de vista económico quem paga a taxa são os locais onde os turistas fariam menos despesa).

b) se os turistas reagirem, reduzindo a procura, então os hoteleiros poderão querer absorver parte do custo baixando os seus preços, caso em que a taxa é na verdade paga em parte por nacionais

c) quais os custos de cobrança e entrega dos valores destas taxas? é preciso assegurar que os custos não são superiores ao valor da taxa – e se a CML ressarcir os custos de cobrança, terá que fazer uma estimativa desses custos para as entidades hoteleiras.

O ideal era que com uma taxa, apenas os turistas pagassem e não alterassem as suas outras despesas nem deixassem de vir a Lisboa. Neste “mundo ideal”, a taxa seria apenas uma transferência de riqueza dos turistas para a CML. Que depois seria aplicada algures, mas sendo uma transferência líquida não seria prejudicial. Assim, o que é relevante saber é como os turistas alteram, se alteram, as suas decisões. E sobre esse aspecto também não encontrei nada que tivesse sido apresentado.

A ideia desta taxa não é originalidade portuguesa, e uma rápida busca mostra que a mesma discussão surge noutras paragens: Roma, Dubai,  Veneza, Catalunha, e muito mais.

Curiosamente, para Portugal, aparentemente deveria já existir alguma noção quantitativa dos efeitos destas taxas, mas não fui capaz de encontrar o texto de suporte, apenas o resumo:

Taxation of tourism activities: evidence from Portugal, M.ª Lurdes Varela

Abstract: The paper will discuss whether the increase or introduction of tourism taxation should be addressed through specific or general indirect taxation. With this objective, the paper will describes the concept of tourism taxes and will present different reasons that are in its bases of adoption. The paper also offers some numerical exercises comparing the effects of specific and general tourism taxation in Portugal, a developed country with a sizeable tourism industry. The expected significant effects of tourism taxation in countries where tourist activities represent a major economic sector require the use of modern methodologies to evaluate them, such as CGE models. According several authors these techniques offer important advantages compared to traditional partial equilibrium approaches, since they capture intersectoral and macroeconomic links.The article will try to prove if both specific and general taxes on tourism would be able to yield improvements in terms of revenues and internalization of costs without obstructing the economy.


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DEO 2014-2018 (10)

Reforma estrutural da administração tributaria e aduaneira – papel menor da estabilidade do quadro fiscal, quando é dada recorrentemente importância maior por parte dos agentes económicos –

 

A parte final do DEO é dedicada à receita, aos impostos:

a) Reforma estrutural do sistema de tributação das empresas (IRC) – curiosamente continua a não ser dito quais são as principais áreas que beneficiam e se estão nos sectores de bens e serviços não transaccionáveis ou transaccionáveis; Gostava de ter a certeza que a expectativa é que esta reforma ajude a infletir a estrutura produtiva e o investimento para os sectores de bens e serviços transaccionáveis, e evidência nesse sentido ainda não foi produzida.

b) Reforma do IRS – com a referência à promoção da mobilidade social, e também à avaliação da tributação que incide sobre os rendimentos do trabalho, com o objectivo de reconhecer e valorizar o mérito e o esforço – o que significa? E se houver esforço sem resultados? parecem mais palavras com pouco conteúdo operacional

c) Protecção das famílias e IRS – É por causa do IRS que não há mais natalidade? Pode ser um argumento de equidade, valor social, para ter essa protecção mas usar o argumento da eficiência para aumentar a natalidade parece-me arrojado.

d) Reforma da fiscalidade verde – conversa pouco objectiva – não é melhor saber qual a falha de mercado que pretende corrigir dado que o objectivo não é gerar receita? ou afinal o objectivo será mesmo gerar receita?

 

E no final de tudo, desta leitura, quais são as medidas e os objectivos com que o Governo se compromete, e o que sucede se não os alcançar?


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o guião da reforma do estado (take 2) – (3)

Na secção dedicada às condicionantes da despesa no novo documento, além de actualização de números, auto-elogios e lamentos, é adicionado um parágrafo: “Como adiante se observará, o fim do período de exceção, com o termo do programa com a “troika”, permitirá começar a corrigir, progressivamente, os efeitos injustos que a restrição teve nos funcionários da Administração Pública, bem como recuperar, substancialmente, rendimento dos pensionistas, face aos cortes da CES. Uma coisa e outra dentro das regras do Tratado Orçamental e com o contributo virtuoso do crescimento.”

Estas duas frases levantam diversas perplexidades, face a todo o discurso político que tem sido usado. Primeiro, parece dizer que a redução da despesa só poderia ser materialmente feita com cortes em salários e em pensões, as duas grandes categorias. Mas que esses cortes são injustos no caso dos funcionários públicos. O que não sei se totalmente compatível com dizer-se que a “justiça” salarial implica avançar para uma tabela retributiva única. Há um problema de discurso em compatibilizar os “efeitos injustos” aqui referidos e a convergência para uma tabela salarial única, que implica cortes de salários, como sendo “justa”. Ou é justo cortar apenas alguma coisa, e não tanto como foi feito, ou é justo cortar mais em alguns salários do que noutros, ou outra coisa qualquer, mas algo falta para ligar as duas posições.

O segundo aspecto é que se está a alimentar a expectativa de que havendo crescimento económico se fará a reposição dos valores de salários e do rendimento dos pensionistas (embora o substancialmente deixe antever que não será na totalidade). Ou seja, já está aqui a prometer uma repartição dos ganhos do crescimento económico que venha a haver. O que não está clarificado é se essa repartição é dada pelo actual sistema fiscal que define as receitas que o Estado recebe que depois são usadas para estes fins, ou se é dada pelo que é permitido pela reposição dos valores de tributação existentes antes da “enorme” subida de impostos, nomeadamente sobre o rendimento, que existiu nos últimos anos (e que continua devagarinho a subir, como se viu com o recente incremento no IVA).  É que provavelmente a actual carga de tributação exerce um efeito forte contra a criação de empresas e contra o crescimento económico, e não são programas de apoio ao emprego ou benefícios fiscais ou palavras que se pretendem inspiradoras e de confiança que tomarão o papel da capacidade de um investimento privado gerar retorno para quem investe.

Uma comparação que gostava de ver feita, por alguém, é quanto uma empresa com 5 empregados a ganharem 1000 por mês cada, com vendas exactamente suficientes, antes de IVA, para pagar esses salários, gerava em termos de contribuições para o estado (TSU, contribuição patronal, IRS, e IVA; IRC seria zero por definição neste exercício, e estou a ignorar outros impostos, taxas e contribuições que possam existir) em 2010 e quanto é que para os mesmos salários e vendas, receberia hoje o Estado. É preciso começar a perceber melhor qual o efeito dos níveis de tributação sobre a actividade económica, mais do que pensar apenas a tributação em termos de receita para o Estado ou como instrumento de redistribuição de rendimento.

Sem saber mais sobre estes efeitos, é difícil avaliar o que será o resultado da aplicação prática deste parágrafo (assumindo que é para ter efeitos práticos e não apenas para preencher espaço político e mediático, obviamente).


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Sobre a nova taxa anunciada sobre as vendas de medicamentos

Uma rápida entrevista na rtp sobre este assunto disponível aqui e algumas ideias mais sobre o tema.

Primeiro, o papel que esta taxa pode ter:

a) ter sido mencionada como instrumento de negociação para conseguir um acordo de payback com a indústria farmacêutica, à semelhança do que sucedeu noutros anos. Neste caso, não terá efeitos além do que for acordado.

b) se for aplicada na lógica de transferência pura e simples da indústria farmacêutica para o Estado, é um desconto de preço que beneficia apenas o Estado, sem haver transferência de parte da poupança para os utentes. Neste sentido, o lançamento da taxa é uma forma de o Estado se apropriar de toda a poupança gerada relativamente a uma descida administrativa de preços, no caso do mercado em ambulatório. A descida administrativa de preços no mercado ambulatório teria também consequências sobre as margens das farmácias, o que não sucede com o lançamento de uma taxa. No caso do mercado hospitalar, há uma equivalência entre a taxa e um desconto de preços. Em termos de repercussão da taxa de imposto sobre os cidadãos, os medicamentos sujeitos a receita médica nas farmácias têm preços máximos regulados por referenciação internacional (comparação com os preços praticados em três países de referência), pelo que não haverá possibilidade de aumento de preços nesses medicamentos. No caso do mercado hospitalar, a disponibilidade para dar descontos em negociações de preços será menor, sendo implicitamente repercutido a imposição da taxa em menores descontos. A única reacção possível será a saída do mercado de empresas ou de medicamentos, o que considero ser pouco provável.

Segundo, que efeitos poderá provocar que sejam menos óbvios:

As notícias publicadas sugerem que a taxa de imposto praticada poderá vir a estar ligada ao valor das vendas de cada empresa – em que para vendas maiores, ou com maior crescimento, será aplicada uma taxa de imposto superior. Uma regra desta natureza tem propriedades interessantes mas também potencial para efeitos inesperados, consoante as características de cada mercado (ou segmento do mercado) de venda de medicamentos.

Para medicamentos que não tenham concorrência, esta regra motiva a que a indústria farmacêutica não queira aumentar as suas vendas, contribuindo então para a contenção da despesa pública.

Para medicamentos em que haja concorrência (por exemplo, grupos homogêneos em que produtos genéricos concorrem com o produto original, ou situações em que há medicamentos substitutos próximos), esta regra reduz o interesse na concorrência via preço como forma de aumentar a quota de mercado. Ou seja, fomenta uma menor concorrência e gera uma tendência para a estagnação das quotas de mercado em valor das empresas. O que até pode ser contraditório com o objectivo de aumentar a quota de mercado de genéricos – as empresas que tomarem decisões, de preços ou de promoção, que procurem aumentar as suas vendas de produtos genéricos terão uma penalização se forem bem sucedidas. Desconheço quantitativamente a importância deste factor, mas deverá ser considerado na decisão da taxa a aplicar e da sua evolução com o volume de vendas em valor.

Mais interessante, a meu ver, será utilizar o efeito de incentivo desta taxa de uma forma que permita atacar um outro problema, o problema das dívidas hospitalares à indústria farmacêutica. Se houver parte da determinação da taxa a aplicar ligada ao crescimento da dívida hospitalar com cada medicamento (ou companhia farmacêutica), a própria empresa passa a ter interesse em que as suas vendas sejam incluídas dentro das despesas normais e não como dívida. Exercerão por isso pressão para que não seja criada dívida. Este elemento parece-me bem mais interessante, em termos de efeitos sobre o funcionamento do mercado, do que uma taxa de imposto determinada unicamente pelo valor das vendas (ou seu crescimento, ou quota de mercado).

Por fim, resta saber qual o valor quantitativo que a taxa irá ter, pois as poupanças para a despesa pública em medicamentos (transferência de valor mais propriamente) que se pretendem alcançar são substanciais, se se pretender que seja este o instrumento a usar para alcançar o objectivo de despesa pública em medicamentos.


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Tributação e reformas por comissão

Foram anunciadas duas novas comissões para reformas fiscais, uma associada com as áreas de ambiente e energia e outra para o IRS. Estas duas comissões seguem-se à reforma do IRC.

Sendo bom que o sistema fiscal seja avaliado e revisto periodicamente, é salutar que se conheçam os objectivos destas comissões. Dizer apenas que têm como objectivo rever os impostos é pouco, pois essa revisão é passível de ser realizada com diferentes objectivos em mente: objectivos de receita, objectivos de eficiência económica, objectivos de redistribuição, pelo menos. E se alguns objectivos podem ditar alterações no mesmo sentido, é fácil encontrar objectivos que conflituam entre si nas implicações sobre o tipo e montante de impostos. Ora estes objectivos têm que ser conhecido à partida. Não cabe a estas comissões determinar qual é o objectivo do sistema tributário português. E sempre que houver conflito entre objectivos, deverão ser representantes da sociedade a determinar essas escolhas. Há escolhas sociais que não devem ser mascaradas como assuntos técnicos. Cabe às comissões técnicas determinar qual a melhor forma técnica de atingir os objectivos que são especificados.

Tomemos o exemplo do IRS, será que cabe à comissão que venha a ser nomeada determinar o grau de progressividade do imposto sobre o rendimento? Prefiro pensar que o nível de redistribuição, maior ou menor, é uma escolha social, não de uma pequena comissão.


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desigualdades legítimas e ilegítimas – o imposto de 75% em França

Num interessante artigo de João Cardoso Rosas no Diário Económico, entitulado “imposto a 75%”, da análise da proposta francesa de tributar os rendimentos anuais acima de 1 milhão de euros (taxa marginal, apenas aplicável ao que exceder esse valor), a desigualdade é apresentada como “legítima” por João Cardoso Rosas  “na medida em que permita a existência de um sistema de incentivos sociais” e afirma ainda que “se as desigualdades são justificadas desta forma – e não há nenhuma outra plausível para as justificar” então o imposto de 75% faz sentido.

Ora, é sobre este último aspecto que tenho dúvidas em geral. Primeiro, porque estamos a olhar apenas para um indicador – rendimento gerado num ano que passa pelo sistema de impostos. Rendimento não é equivalente a riqueza, e nem tudo o que é “retorno económico” passa pelo sistema de impostos, ou pelo menos não passa da mesma forma. Uma propriedade agrícola que tenha produtos que são consumidos pelos seus proprietários não passa pelo mercado, não gera rendimento tributável embora gere retorno económico. Não é que esta seja uma situação frequente ou qualitativamente importante; ilustra apenas que rendimentos sujeitos a imposto não são uma medida completa para analisar desigualdades. Pode ser a melhor que temos, mas daí não a podemos tomar como moralmente absoluta e fonte de legitimidade.

O segundo aspecto sobre as desigualdades de rendimento é que podem ser o resultado de escolhas livres e lícitas de cada pessoa. Para um exemplo simples, suponhamos duas pessoas, com formação que lhes permite ter exactamente as mesmas duas oportunidades de rendimento: a) trabalhar 16 horas por dia, com rendimento bruto de 8,000 euros, e b) trabalhar 7 horas por dia com rendimento de 3,000 euros por mês. (os valores são apenas para ilustração)

Será que é lícito criticar a opção de umas pessoas por a) e de outras por b)? Se uns escolherem a) e outros escolherem b), temos desigualdades de rendimento, mas também desigualdades de tempo de trabalho – porque devem ser as primeiras removidas por tributação, mas não as segundas? É aqui que não sigo o princípio de legitimidade de João Cardoso Rosas em dizer que apenas os incentivos sociais justificam desigualdades de rendimento. Se essas desigualdades resultarem de escolhas diferentes por haver preferências diferentes para um mesmo conjunto de oportunidades, porque não são legítimas?


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Sorteios e facturas

A ideia de sortear carros com base nas facturas pedidas pelos consumidores que aparentemente vai ser usada em Portugal (de acordo com o que está no site do ministério das finanças – ver aqui) é, à primeira vista, estranha por misturar dois mundos que raramente associamos – a sisudez fiscal com os jogos de sorte e de azar.

Esta ideia de associar sorteios ao cumprimento de obrigações fiscais surgiu recentemente da literatura sobre comportamento humano em ambientes económicos (a chamada economia comportamental). Diversos estudos têm mostrado a capacidade de pequenas alterações no enquadramento das decisões individuais produzirem resultados que a mera imposição de regras ou obrigações não é capaz, e a utilização de lotarias ou sorteios é uma dessas “pequenas” alterações. A ideia em si mesma não é originalidade portuguesa (leia-se aqui).

Apesar do atractivo que a ideia em si mesma tem e de se terem verificado efeitos de mudança de comportamento, a minha preocupação com esta aplicação em Portugal é que forma os portugueses vão encontrar para “jogar” com o sistema, ou melhor aproveitar o sistema montado de forma a maximizar as suas possibilidades de ganhar. Por exemplo, se cada factura dá direito a uma entrada para o sorteio, então o incentivo a desmultiplicar facturas é imenso – cada item comprado num supermercado deveria dar lugar a uma factura diferente porque corresponde a mais uma entrada para o sorteio.

Estou já a pensar pedir factura por cada item adquirido – por exemplo, os 30 cêntimos de cada pão adquirido poderão ter a sua facturinha. Estou já a ver os efeitos no emprego nas caixas dos supermercados se cada cliente quiser uma factura por item das compras do mês, na indústria do papel, na indústria dos servidores de computador, na indústria de… (adicionar o que se lembrarem).

Provavelmente vai haver alguma afinação das regras, mas se for limitado o número de entradas por pessoa para evitar este comportamento “abusivo”, também o incentivo a pedir a factura diminui. Por exemplo, se for limitado a um número fixo de entradas, depois de alcançado esse número não há interesse em pedir mais facturas. Estou curioso por saber como este incentivo (perverso?) de desmultiplicação de facturas será tratado.

(e claro também curioso de saber se será sorteado um Tata, um carro chinês, um carro alemão …)


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temas dos dias que correm…

1) os cortes

Desde que se falou na reforma do estado social que somos sucessivamente bombardeados com afirmações genéricas de intenções, que de tanto repetidas cansam mais do que ajudam.

Anúncios repetidos de cortes nos próximos três anos, sem detalhes, criam ansiedade mas não dão qualquer pista sobre o ajustamento que os agentes económicos atingidos terão de realizar. Sendo bom saber qual é o plano geral, torna-se desgastante estar sempre a ouvir o mesmo.

2) os “ensaios” (ou fugas de informação?) através da imprensa – esta semana foi o corte nas pensões usando o factor de sustentabilidade – o que é praticamente chinês para a maior parte das pessoas. Essencialmente o que o factor de sustentabilidade das pensões, que já existe, faz é ajustar a pensão à expectativa de vida no momento da reforma – numa visão simplista, o factor de sustentabilidade faz com valor total = valor da pensão por ano X número de anos esperados da pensão seja constante – se o número de anos que se espera receber a pensão aumenta por maior longevidade da pensão, então o valor da pensão em cada ano terá que baixar para garantir o valor total constante. Assim sendo, aumentar a idade da reforma  usando o factor de sustentabilidade para não significa corte da pensão, significa que se gasta menos hoje para gastar mais no futuro. Ou seja, será uma medida que compra tempo, e não corresponde a uma poupança permanente e duradoura. Diferente será se cortarem o valor total da pensão, mas nesse caso não seria usar o factor de sustentabilidade. Agora, e relembrando uma velha ideia que Carlos Pereira da Silva repete há vários anos sem qualquer resultado prático – devia-se saber actuarialmente qual o valor dos descontos de cada pessoa convertidos ou convertíveis em pensão, ajustados de factores de redistribuição. Sem isso, as discussões sobre justiça nos valores das pensões serão conversas de café informadas (mal informadas, muito provavelmente) sobre o tema.

3) os “swaps” de taxa de juro – tenho esperado para ver uma discussão e esclarecimento claro sobre isso. Apesar de algumas tentativas (por exemplo, Gomes Mota no Diário Económico e Pedro Rodrigues no seu blog), no geral o discurso público deixou muito por esclarecer. Por um lado, é claro que os swaps na versão mais elementar são apenas instrumentos de seguro, como o seguro de acidente automóvel, seguro de imóvel, seguro de viagem, etc…

Isto é, não se sabendo qual a taxa de juro futura, e querendo assegurar alguma certeza quanto a isso, realiza-se um seguro. Exemplo simples: suponhamos que a taxa de juro daqui a dois anos poderá ser 10% com probabilidade 1/2 ou ser 0,5% com probabilidade 1/2. Se quiser ter um seguro, posso acordar com uma instituição que me faça uma taxa de juro de 5,25% (=1/2 x 10%  + 1/2 x 0,5%), e nesse caso se a taxa de juro for 10%, essa instituição dá-me a diferença (10%- 5,25%) para que eu em vez de pagar 10% pague 5,25%, mas se for 0,5%, terei que pagar eu a diferença (5,25% – 0,5%) – ganhei a garantia hoje de qual será o valor futuro da taxa de juro. Pagar quando as taxas de juro são baixas e receber quando são elevadas é o equivalente a no seguro automóvel ter pago um prémio e não receber nada porque não tive um acidente, e se tiver acidente receber um pagamento pelos danos envolvidos. Esta cobertura de risco não tem nada de mal, e envolverá pagar uma comissão pela realização do contrato, tal como nos prémios de seguro pagamos as despesas administrativas das companhias de seguros.

Primeiro desvio a este contrato elementar poderá ser contratos desequilibrados – se a taxa de juro garantida no exemplo acima fosse 8% e não os 5,25%, haveria um desequilíbrio a favor da instituição que fizesse o contrato para me dar o seguro de taxa de juro – haveria o que na gíria actual se chama de renda excessiva, ou poder de mercado, e deveria-se ver se constituiria um abuso de poder de mercado impor essa taxa, por exemplo.

Segundo desvio, para instrumentos que não entendo bem, e que são essencialmente especulativos, completamente fora da lógica de cobertura de risco.

Até agora, não foram dadas informações sobre quantos contratos caiem no primeiro caso (cobertura de risco pura), quantos caiem no segundo caso (rendas excessivas/abuso de poder de mercado) e quantos caiem no terceiro caso (erros de gestão, deliberadamente correndo riscos que não têm relação com a actividade das empresas em causa).

 


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sobre a taxa de poupança, hoje no dinheirovivo.pt

Agora tornou-se popular pensar na “agenda de crescimento” ou outro termo qualquer, como forma de fugir à realidade do ajustamento actual; se a prazo quisermos pensar no crescimento da economia, não vai ser suficiente dizer que queremos ter crescimento, ou que queremos “re-industrializar” o país, é preciso pensar no equilíbrio geral da economia para conseguir apoiar de forma permanente um maior esforço de investimento, o que implica quase forçosamente um aumento da taxa de poupança da população, é este o tema do meu artigo no dinheirovivo.pt de hoje. O quadro seguinte apresenta a evolução da taxa bruta de poupança das familias face ao respectivo rendimento disponível. Para reflexão.

taxa_poupança


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hoje de manhã, na rádio, a ouvir

o ministro das finanças na sua intervenção no Parlamento, apanhei a lição sobre progressividade fiscal e uma citação, incluindo página, de definição de progressividade de tributação sobre o rendimento. Mas dado que se chegou a citar desta forma, três rápidos comentários:

a) a definição dada é correcta – progressividade é ter a taxa média de imposto paga a aumentar;

b) ter taxa marginal superior à taxa média efectiva de imposto é condição suficiente para ter progressividade; mas não é condição necessária. Um sistema de tributação com uma isenção inicial (dedução específica) e uma taxa marginal constante e igual para todos os níveis de rendimento também dá uma taxa média efectiva crescente (a isenção inicial é cada vez menos importante com o aumento de rendimento).

c) e uma outra citação “… it is a major mistake to design the income tax structure to meet equity motives without taking into account the impact on work effort.” Jean Hindricks e Gareth Myles, Intermediate Public Economics, 2006, The MIT Press, p. 478. E se há profissões ou trabalhos em que não há flexibilidade de ajustar horários, outras há em que se poderão notar efeitos relevantes para efeitos de análise do impacto das alterações dos impostos (por exemplo, situações de trabalho em part-time). O que na verdade quis foi também ter uma citação.