Momentos económicos… e não só

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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (14)

O sexto capítulo do documento da OCDE apresenta uma discussão das experiências de vários países com as limitações orçamentais decorrentes da crise de 2008, e é da autoria de M Blecher. Sobre as respostas mais comuns às limitações orçamentais decorrentes da crise, quatro são destacadas pelo autor: a) redução da despesa com medicamentos via negociação de preços mais baixos (imposição, acordo de payback com a indústria farmacêutica em Portugal), redução de salários, e cortes generalizados. A única resposta que não foi adoptada em Portugal que é destacada é o corte na despesa hospitalar através da redução dos pagamentos e do volume de actividade. Não houve em Portugal uma redução deliberada e generalizada da actividade hospitalar.

Sobre o que resultou e não resultou, o autor aponta que as melhores respostas envolveram a redução de hospitalização excessiva por troca de um maior papel dos cuidados de saúde primários, redução da utilização inadequada dos medicamentos, menor utilização dos pagamentos por acto (fee-for-service) que têm incentivos para sobre-prestação de cuidados de saúde.

E das respostas consideradas mais negativas em termos de qualidade, resultados e acesso, refere a utilização de copagamentos, cortes cegos de serviços ou de pessoal, redução de coberturas ou de serviços de prevenção.

 

Termina aqui a leitura comentada deste documento. Apesar de ainda existirem mais quatro capítulos, um dedicado a aspectos do efeito do envelhecimento no financiamento de cuidados de saúde de carácter social, e aos processos orçamentais para as despesas da saúde seguidos em três países da União Europeia (França, Reino Unido e Holanda). Esses capítulos são sobretudo interessantes para a análise do processo orçamental, e não tanto para a sustentabilidade das despesas públicas com cuidados de saúde (apesar de como se viu não serem aspectos separados, devido ao papel do conceito de espaço orçamental como um todo e das opções políticas dentro desse espaço orçamental por diferentes tipos de despesa).


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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (13)

No documento da OCDE, o capitulo 4, assinado por C Hulbert e C Vammalle, dedica-se à descentralização do financiamento e da despesa em saúde, sobretudo relevante em países com acentuada descentralização da despesa pública em saúde, o que não é a situação de Portugal quando comparado com países como a Espanha, a Itália ou a Finlândia.

Passo, por isso, para o capitulo 5, da autoria de Rodrigo Moreno-Serra, que trata dos efeitos das políticas de contenção de custos nas despesas públicas em saúde.

Rodrigo Moreno-Serra faz uma revisão da literatura sobre o que funcionou e não funcionou noutros países, distinguindo entre medidas do lado da oferta e medidas do lado da procura.

De uma forma sumária, vejamos as principais conclusões:

  • alterações na forma como os prestadores de cuidados de saúde são pagos têm-se traduzido em menor despesa – assinala os pagamentos por capitação e a redução dos pagamentos por acto. A utilização de pagamentos por episódio a nível hospitalar tem tido resultados mais ambíguos.
  • a introdução de concorrência entre hospitais tem sido associada com menores custos, maior eficiência e melhor qualidade nos estados unidos e no reino unido desde que a concorrência não ocorra no elemento preço. Quando há concorrência no elemento preço os resultados de saúde são menores.
  • a concorrência entre entidades seguradoras (uma questão que não se coloca em Portugal porque a opção tomada é de ter um Serviço Nacional de Saúde) se acompanha de mecanismos de contratualização também tem produzido resultados (com os denominados sistemas de pay-for-performance).
  • no campo do medicamento, as políticas de genéricos são apontadas como um instrumento útil no controle da despesa em saúde.
  • sobre o controle orçamental, refere que este só por si não é suficiente, à semelhança do que foi argumentado noutros capítulos deste documento por outros autores
  • quanto a controles de acesso à profissão, um tema que também tem sido repetidas vezes introduzido pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, refere que normalmente resulta em aumento de despesa devido aos aumentos salariais que as profissões assim protegidas conseguem alcançar

Do lado da procura, refere aspectos como

  • copagamentos: reduzem a despesa no curto prazo por passarem despesa pública para despesa privada, mas têm efeitos negativos em termos de resultados de saúde e iniquidades no acesso a cuidados de saúde, mesmo que haja politicas de isenção desses copagamentos.
  • sistemas de referenciação (gatekeeping), em que os cuidados de saúde primários são a porta de entrada e o primeiro ponto de contacto com o sistema de saúde, surgem como uma forma promissora de conter o crescimento das despesas em saúde, mas termina com uma nota de cautela sobre a ausência detalhada sobre os efeitos da introdução destes sistemas de gatekeeping.
  • controle dos medicamentos cujo custo é coberto pelos sistemas de protecção (Serviço Nacional de Saúde, no caso português) sobretudo quando são usadas metodologias de avaliação de tecnologias em saúde.

Na revisão de outras políticas que têm sido seguidas, uma observação interessante é que refere que reformas que procuram aumentar a componente de seguro social por redução do financiamento por tributação geral têm levado a despesas de saúde públicas e totais mais elevadas. Curiosamente, a análise feita em 2006 pela Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde apontava já nessa direcção, com a informação então disponível. As implicações para as politicas de financiamento das despesas públicas em saúde são importantes, pois esta observação sugere que não há vantagem, em termos de controle da despesa pública em saúde, em passar de um sistema de Serviço Nacional de Saúde financiado por impostos para um sistema como o da ADSE, financiado por contribuições dos beneficiários, ligadas aos respectivos salários.


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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (12)

Ainda no capitulo 3 do documento sobre sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde disponibilizado pela OCDE, há um conjunto de observações que mostram que Portugal não está isolado nos problemas que tem encontrado nesta área. Ou seja, significa que a resolução dos problemas de sustentabilidade orçamental e despesas com a saúde tarda não por incapacidade dos diversos ministros e equipas que tem passado pelo ministério da saúde e sim pela dificuldade do problema, presente em muitos outros países.

Uma dessas observações é as análises económicas produzidas pelos Ministérios da Saúde não terem grande influência sobre os Ministérios das Finanças (ou as entidades que tratam da determinação do orçamento do Estado, consoante os países), sendo que estes últimos reconhecem que têm dificuldade em avaliar e compreender essas análises. E quando inquiridos sobre que aspectos consideram prioritários (figura 3.12, reproduzida abaixo), a visão de fora dos Ministério da saúde recai sobre os suspeitos do costume: despesas hospitalares e despesas com medicamentos, referidos por uma larga maioria dos países inquiridos, 20 e 18 países respectivamente, num total de 25. Só depois surge a preocupação com a despesas em cuidados continuados, programas de prevenção e cuidados de saúde primários (3 países em cada caso).

Ou seja, também aqui Portugal não tem sido diferente dos outros países. E se nos últimos anos se olhou com grande destaque para a despesa com medicamentos, as tentativas de controlar as despesas hospitalares têm sido menos bem sucedidas. O novo Governo pretende fazer mais uma tentativa, actuando, aparentemente, pela reorganização interna da actividade hospitalar (conforme se poderá inferir dos termos da nomeação de António Ferreira para uma das coordenações nacionais de reforma do Serviço Nacional de Saúde).

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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (11)

Este terceiro capítulo do relatório da OCDE, sobre as práticas orçamentais para despesas em saúde seguidas nos países da OCDE, detalhe depois alguns dos resultados do inquérito feito junto das entidades nacionais. Uma das regularidades encontradas é que as entidades encarregues do processo orçamental deixam normalmente a distribuição do orçamento pelas categorias de despesa a cargo do ministério da saúde (ou equivalente), e fazem-no mais do que com outras áreas da despesa pública. Ou seja, limitam-se a estabelecer tectos de despesa dentro dos quais depois o ministério da saúde opera. Esses tectos de despesa refletem sobretudo prioridades orçamentais dos governos em termos do défice público e não factores específicos da despesa pública em saúde. E apesar desses tectos à despesa pública em saúde, também noutros países ultrapassar esses tectos tem sido frequente. Há, pois, uma dificuldade generalizada em conter os orçamentos das despesas públicas em saúde.

Comentário: esta tem sido também a tradição em Portugal, o que tendo a vantagem de deixar ao ministério da saúde a utilização do conhecimento que tem para determinar as áreas de maior ou menor despesa tem a desvantagem de poder facilmente gerar tectos de despesa que não são realistas. A experiência dos últimos 20 anos, através da frequência de orçamentos rectificativos e de acumulação de dívidas por parte de organismos do Serviço Nacional de Saúde refletiu em vários momentos essa característica (o que alguns chamaram subfinanciamento crónico da saúde). Ou seja, é hoje em dia claro que simplesmente estabelecer limites de despesa numa óptica de controle orçamental puro não é credível como instrumento para controlar a despesa pública em saúde, sendo necessários procurar outros instrumentos, que actuem de forma mais directa sobre o tipo de despesa que é feito.

Interessante é também a informação de que muitos países produzem previsões de longo prazo, mas que depois só raramente são usadas no processo orçamental e na tomada de decisão. A incerteza dessas projeções é provavelmente factor relevante, tal como a taxa de desconto intertemporal implícita no decisor político. A este respeito, apresentam um quadro onde indicam os anos de estimativa para a despesa em saúde que é apresentada no orçamento do estado (ver a primeira figura no final deste texto). Portugal é um dos 4 países (em 26) onde apenas um ano é reportado. A Holanda, no outro extremo, tem previsões para a despesa orçamental em saúde para os 5 anos seguintes. Três anos é o horizonte mais comum, fazendo provavelmente um balanço entre a incerteza da previsão e a utilidade de ter estas previsões. Seria interessante se Portugal também conseguisse realizar esse exercício de previsão.

Mas se Portugal não está no conjunto dos países que apresentam estimativas plurianuais, já nos tempos de reporte de informação a um organismo central de controle orçamental Portugal está bem. Apesar de não aparecer no aparecer na figura 3.8 do relatório, Portugal tem um tempo de reporte de 1 a 2 meses, pois mensalmente a Direcção Geral do Orçamento apresenta a execução orçamental do mês anterior incluindo o Serviço Nacional de Saúde e as dívidas em atraso do Ministério da Saúde e individualizando os hospitais EPE.

 

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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (6)

Ainda no capítulo 1 deste relatório da OCDE há a identificação de possíveis instrumentos para assegurar (ou procurar assegurar) a sustentabilidade orçamental das despesas públicas em saúde: obter novas formas de financiamento (origens de fundos), melhorar a eficiência da despesa pública em saúde e redefinir as fronteiras entre despesa pública e despesa privada. Os esforços na origem de fundos podem ter duas fontes: alargar a base de contribuições de uma forma geral, o que em sistemas como o português significa um esforço global de incluir todas as fontes de rendimento na tributação geral, ou então criar novas contribuições, nas quais se incluem os chamados “sin taxes” (sobre tabaco, álcool e elementos de alimentação não saudável). Mas chamam a atenção que este aspecto de diversificação de fontes de fundos é sobretudo importante nos países em que as despesas públicas em saúde são pagas a partir de contribuições baseadas em salários e não tanto em impostos gerais.

Sobre a melhoria da eficiência da despesa pública em saúde, as ideias apresentadas são retocadas de outras discussões, e incluem contenção da despesas com medicamentos, com destaque para o papel dos medicamentos genéricos como fonte de poupança de despesa; redução das variações de prática clinica; melhoria da coordenação entre níveis de cuidados de saúde, nomeadamente nas doenças crónicas; alteração da forma como se pagam aos prestadores de cuidados de saúde; e prevenção e promoção da saúde. A importância destes aspectos tem sido referida várias vezes, e o problema encontra-se mais na definição de medidas concretas e sua aplicação do que na identificação dos grandes temas.

Na redefinição do papel do sector público e do sector privado, as implicações retiradas pelo relatório são colocadas de forma clara: não se deve reduzir a cobertura da população nem ter aumentos generalizados de copagamentos. Mesmo nos copagamentos, é reconhecido que se forem valores pequenos, para “gerir a procura” então não vão levar a receitas substanciais. Aqui, parece-me que esquecem que o benefício da despesa que evitam, que reduz a pressão orçamental por contenção da despesa (com pouco valor) e não por aumento da receita. Este é um efeito pouco medido, o de custos evitados com as taxas moderadoras (nos termos usados em Portugal), e não parece ser um efeito muito forte.

Em termos de cobertura de serviços, a recomendação é ser especifico e selectivo na definição do que é coberto pela protecção pública face a despesas de saúde, com destaque para o papel da avaliação de tecnologias em saúde (que agora em Portugal estará a cargo do Infarmed, com o novo sistema SiNATS). Em concreto, sugerem estratégias activas de permanente ajustamento dos serviços que são incluídos – se a introdução de novas tecnologias se traduz em tornar obsoletas outras, então essas deverão ser eliminadas da cobertura pública, sobretudo quando a utilização das tecnologias se revela cumulativa (isto é, usam-se todas) em vez de substitutiva (a nova substitui a velha tecnologia, em lugar de se adicionar).

E assim termina este primeiro capitulo. Seguem-se os próximos no relatório.

(continua)


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (3)

O primeiro capitulo do relatório da OECD tem como titulo “sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde – porque é uma questão, o que pode ser feito?”, e será por isso o capítulo central de todo o documento. Aliás, é assinado como OCDE e não por indivíduos, dando conta de ser uma posição oficial da organização e não dos seus autores individuais.

Na introdução coloca as principais conclusões, que serão posteriormente sustentadas. E esta introdução é clara no que diz, mesmo quando mostra que os prefácios não se encontram completamente alinhados com as conclusões retiradas do trabalho técnico. Traduzindo de forma livre, é dito que o rápido crescimento das despesas em saúde têm sido amplamente entendido como resultando de aspectos tecnológicos e de riqueza/rendimento crescentes, como a demografia (leia-se envelhecimento) e as características institucionais como sendo factores relevantes mas muito menos relevantes.

A primeira grande conclusão apontada está ligada ao contexto e não às despesas em saúde por si só. Refere que a sustentabilidade orçamental exige que os governos façam uma gestão credível das finanças públicas (toda a intervenção pública). Os sistemas de saúde colocam desafios devido aos custos crescentes que exercem pressão sobre as finanças públicas, sendo decorrentes sobretudo dos novos tratamentos e da pressão permanente para melhoria nos cuidados de saúde prestados. E a referência ao envelhecimento surge não pelo lado da despesa mas pelo lado da receita, devido à redução de contribuições que possa gerar (sobretudo nos países em que as contribuições são uma proporção dos ordenados das pessoas activas).

A conclusão seguinte mais do que conclusão é uma constatação – os agentes políticos têm três formas de assegurar a sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde – obter mais contribuições para financiar as despesas de saúde (suponho que estarão aqui a falar de contribuições específicas, o que é difícil de realizar com impostos gerais), de melhorar a eficiência da despesa pública em saúde (isto é, com a mesma despesa assegurar a expansão de tratamentos e melhoria dos cuidados de saúde prestados) e reavaliar as fronteiras da despesa pública e da despesa privada (e teremos que ver adiante em que se traduz exactamente esta ideia). Importante é a afirmação que encerra este parágrafo: cortes de despesa cego (tipo 10% em todas as despesas) é uma forma de responder às pressões orçamentais mas que provavelmente terá efeitos negativos.

Termina a introdução deste capítulo, certamente não por acaso, com a referência a que os cuidados de saúde são muito valorizados pela população, pelo que um aumento da despesa em saúde não é automaticamente um problema, em particular se os cidadãos estão disponíveis para pagar esse aumento via aumentos de impostos (sic) ou cortes nas outras áreas da despesa pública. O desafio que identificam é assegurar que qualquer aumento na despesa pública respeita as restrições de sustentabilidade orçamental e tem benefícios que compensam esse aumento de despesa. A importância desta conclusão não deve ser subestimada – o objectivo dos sistemas de saúde não é a sustentabilidade orçamental, esta é uma restrição ao que se pretende fazer, pelo que dentro dela se tem que encontrar a melhor forma de utilizar os fundos disponíveis, e isso significa fazer escolhas e estabelecer prioridades. O processo pelo qual se fazem essas escolhas não deverá ser o que é mais visível politicamente ou mediaticamente (hoje estas duas coisas são quase a mesma, mas mantenhamos a distinção). E não se exclui que possa haver um aumento de contribuições, se for essa a preferência social. No caso de Portugal, o facto das despesas em saúde do Serviço Nacional de Saúde serem financiadas por impostos gerais (a verba sai do Orçamento do Estado e não de uma contribuição específica) tem a vantagem de não ficar dependente do número de pessoas activas na população (o efeito negativo de envelhecimento apontado a propósito de outros países), mas tem a desvantagem de qualquer contribuição específica poder ser “apropriada” pelas outras áreas de despesa pública através da redução da componente financiada por impostos gerais.

(continua)


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (2)

O sumário executivo do documento da OCDE faz, como seria de esperar, um resumo do que a OCDE considera serem as principais conclusões dos vários capítulos (que são assinados por diferentes autores).

Neste sumário volta-se a ter a referência ao rácio despesa em saúde sobre PIB, ainda que novamente sem justificação de porque é essa a medida de sustentabilidade orçamental adequada. Já na identificação das pressões sobre a despesa em saúde surgem os “suspeitos do costume”, alinhados pela ordem de importância que tem sido encontrada na literatura: novas tecnologias que permitem alargar os tratamentos disponíveis e a qualidade dos mesmos, aumento (fortemente associado ao crescimento do rendimento) das expectativas da população quanto à intervenção do sistema de saúde e o envelhecimento da população.

Outra conclusão apresentada neste sumário executivo é a grande diversidade de formulações institucionais para os sistemas de saúde no que respeita à origem de fundos, à gestão e à prestação de cuidados. O desafio comum é conseguir satisfazer as necessidades e expectativas da população dentro das restrições de sustentabilidade orçamental.

Dentro deste grande desafio, uma primeira necessidade é a de diagnosticar correctamente quais são as ameaças à sustentabilidade orçamental. E aqui fazem a identificação de um efeito do envelhecimento sobre a sustentabilidade orçamental que não é o aumento das despesas, é sim o impacto que o envelhecimento tem em termos de contribuições para os mecanismos de segurança social. Quanto uma pessoa se reforma a percentagem do salário que vai para a segurança social, soma da contribuição do trabalhador e da empresa, reduz-se drasticamente, o que diminui os fundos disponíveis. Ou seja, o problema do envelhecimento para a sustentabilidade orçamental não vem do aumento da despesa, vem da redução da receita global. Este efeito será tanto maior quanto mais as despesas em saúde forem financiadas por contribuições sociais alicerçadas nos salários dos trabalhadores activos.

O desafio seguinte é o de ter informação suficiente em tempo útil para poder constituir um mecanismo de alerta que permita intervenção das políticas públicas. O terceiro ponto é a existência de análises regulares do funcionamento do sistema de saúde para procurar formas de encontrar poupanças na despesa, incluindo-se aqui a existência de previsões plurianuais para as despesas em saúde.

Um quarto ponto relevante é o papel da descentralização da despesa para níveis regionais, dentro de alguns países, da qual decorrem questões de excesso de despesa por haver um governo central que acorre em caso de necessidade às regiões, e de se tornarem patentes desigualdades geográficas.

São, de seguida, referidos os instrumentos disponíveis para procurar assegurar a sustentabilidade orçamental, incluindo-se aqui políticas do lado da oferta (formas de pagamento a prestadores, concorrência, etc.) e políticas do lado da procura (sistemas de referenciação, política do medicamento, co-pagamentos e taxas moderadoras, avaliação de tecnologias em saúde, etc.).

Não há propriamente uma defesa de um instrumento como sendo melhor do que os outros, nem a identificação de um cocktail óptimo de medidas. Há a referência a que medidas que aumentem a concorrência, que estabeleçam incentivos para mais eficiência, etc., têm resultado nalguns países, e que medidas que procuram promover concorrência entre entidades seguradoras ou modifiquem as condições de exercício profissional têm tido resultados menos claros.

Do lado da procura, os efeitos associados com copagamentos incluem problemas de acesso a cuidados de saúde, mas a principal conclusão que ressalto é que a promoção do crescimento dos seguros de saúde privados não tem sido eficaz como forma de reduzir as pressões sobre a sustentabilidade orçamental (aspecto que também me parece ser verdade para Portugal, e que está associado à natureza particular das despesas em saúde, em termos de características de risco e de assimetrias de informação).

Sobre a utilização da avaliação de tecnologias em saúde como fonte de redução da pressão sobre a despesa, remetem para a pouca evidência disponível sobre o seu impacto.

Na componente de aumento das receitas para resolver a sustentabilidade orçamental, a preocupação expressa é com os efeitos sobre o funcionamento da economia que pode ter um aumento das taxas marginais de imposto, defendendo-se uma maior base de contribuições. Em particular, referem que os “sin taxes” podem ter efeitos relevantes em termos de saúde pública mas são de papel reduzido no volume de financiamento. Aliás, não seria de esperar outra coisa – se se espera que o imposto sobre tabaco reduza o consumo de tabaco não se pode esperar que seja uma fonte de receita importante.

No final, há um aspecto que será crucial no desenvolvimento da sustentabilidade orçamental das despesas em saúde e que não se encontra focado neste relatório: não se fala em reorganização do sistema de saúde, a prazo a sustentabilidade orçamental, e com ela a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde, não se joga nos aspectos e nos instrumentos macro e sim no funcionamento e nas funções das organizações do sistema de saúde, será preciso ter uma visão diferente (e aqui socorro-me do Relatório Gulbenkian, que tem mais de um ano e que bem poderia ter um maior papel no delinear de estratégias de sustentabilidade orçamental no campo da saúde).

(continua)


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e não param de surgir documentos sobre o sector da saúde,

agora do Tribunal de Contas (aqui), com o título, “Auditoria orientada para a verificação dos impactos da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA) nas Administrações Regionais de Saúde”.
Fica para leitura depois de férias, ainda há outras coisas na pilha de leituras a fazer.


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Sessão dos prémios “Saúde Sustentável”

No dia 7 de Julho decorreu a entrega dos “Prémios Saúde Sustentável”, promovidos pela Sanofi e pelo Jornal de Negócios. Nessa sessão, estive num painel de debate sobre o tema da sustentabilidade. Aspectos que retive dessa discussão, em forma de notas breves (e não muito organizadas):

  1. Efeitos do período de ajustamento (2011-2014) na saúde: há pelo menos 15 anos que se discute a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde, e possivelmente será uma discussão que continuará durante muito tempo. Não é específica do período de ajustamento. Em termos de indicadores de saúde, não pioraram, o que demonstra uma capacidade de resistência da população. Houve durante este período um maior aperto orçamental nas organizações do SNS (redução de custos, redução de salários), no qual houve também uma diminuição no investimento em equipamento (e na manutenção do existente).
  2. Quando se fala de sustentabilidade, há múltiplas visões a considerar. Há uma visão macro que é conseguir fundos suficientes para satisfazer as necessidades adequadas da população de cuidados de saúde em tempo útil. Há uma visão dinâmica, em que não interessa apenas a despesa ocorrida num ano e sim a sua trajectória. Há uma visão abrangente, em que a sustentabilidade não é um problema meramente de arquitectura financeira do sistema de saúde. Um mau desenho da componente financeira do sistema de saúde inviabiliza a sustentabilidade financeira, mas um bom desenho apenas não a garante. É necessário olhar para o longo prazo e perguntar que necessidades de cuidados de saúde e como as satisfazer?. Há uma visão agregadora, a sustentabilidade resultará de muitas pequenas acções, de todos os agentes, no dia a dia.

Dos outros participantes, algumas notas das principais ideias:

Couto dos Santos – notas positivas deste período: 1) estimulou a tomada de decisões; 2) apertos geram adaptação – encontrar potencialidades para atingir outros resultados; 3) contributo do sector privado para a sustentabilidade – o poder político deve ver o todo do sistema de saúde e não apenas o sector público. Como nota negativa, a tendência para ter uma análise só de números, a economia não se deve sobrepor à política; e também não gosta da discussão de despesa em percentagem do PIB. Também a reforma hospitalar cai nesta nota negativa.

[estas notas negativas merecem dois comentários: primeiro, a minha concordância com a irrelevância de discutir percentagens do PIB como objectivo e garantia de despesa pública, e por várias razões: primeiro, interessa utilizar adequadamente os recursos disponíveis, gastar por gastar é errado, tal como é errado não gastar onde se tem ganhos evidentes de saúde; em segundo lugar, é uma regra que se derrota a si própria – nos anos de crescimento do PIB, vai-se gastar mesmo que com pouco resultado, nos anos sem crescimento ou com crescimento no PIB vai-se argumentar que a despesa em termos absolutos não pode descer para não prejudicar a população. Mais interessante será se um compromisso de percentagem do PIB para despesa pública em saúde for usada para alimentar um fundo de estabilização, que permita suavizar flutuações nas verbas canalizadas para o Serviço Nacional de Saúde, o que por sua vez permite estabelecer orçamentos plurianuais e horizonte estável de gestão para as instituições do SNS.

O outro comentário diz respeito à reforma hospitalar – cada vez mais parece-me melhor olhar para a reforma hospitalar não como um big-bang de transformação e sim como um processo contínuo de melhoria dentro de cada hospital, procurando responder à evolução das necessidades da população. E apesar dos comentários habituais sobre o hospitalocentrismo em Portugal e sobre o caminho a percorrer de levar a passar algumas das actividades assistenciais para os cuidados de saúde primários, ainda assim temos dos sistemas de saúde europeus com maior papel para os cuidados de saúde primários.]

Martins Nunes: O sector da saúde foi o sector que melhor resistiu à tempestade financeira; a crise conduziu a uma questão política importante: todos os partidos em apoio do Serviço Nacional de Saúde; a crise teve efeitos nas pessoas, e o CHUC respondeu criando um centro de trauma psicogenético, para ter capacidade de resposta face às necessidades de saúde da população. Encerraram hospitais psiquiátricos mas abriram outro tipo de resposta. Há uma dívida geral para com os profissionais de saúde, que se empenharam na defesa do Serviço Nacional de Saúde mesmo em contexto de corte salarial. Sobre as questões de substituição de equipamento, há um investimento diminuto desde 2005/2006, pelo que resolvendo o problema financeiro há que entrar neste campo. Há um problema generalizado da introdução da inovação e dos preços dos respectivos produtos. Portugal tem que transformar conhecimento em valor e procurar a internacionalização. Não é possível fazer uma reforma estrutural sem envolver os profissionais de saúde, o que se consegue criando compromissos a nível político e a nível de profissionais de saúde, bem como envolver os utentes (e aumentar a respectiva literacia em saúde). Nas escolhas mais difíceis tem que se encontrar a capacidade de fazer compromissos. Há três pontos essenciais: a) conhecer o que se passa dentro de cada instituição, incluindo a sua história; b) transformar os actores da reforma nos autores da reforma; c) fazer uma adequada gestão das expectativas (e em tempos de crise, são baixas e favoráveis à mudança).

Leal da Costa: A apresentação de resultados de saúde pela DGS mostra que houve melhorias ao longo do tempo; a sustentabilidade deve ser vista como continuidade do Serviço Nacional de Saúde no tempo; estão garantidas as condições de sustentabilidade para manter uma boa prestação de cuidados; não esquecer a relevância do contínuo espacial – o SNS garante uma equidade geográfico, o acesso a cuidados de saúde está garantido a todos os portugueses; há vulnerabilidades da sustentabilidade, nomeadamente nos factores determinantes da saúde como os maus hábitos de vida, o tabaco a alimentação; há consenso político sobre a incapacidade de injectar mais dinheiro no SNS sem haver crescimento económico; o SNS vai ter que ser mais eficiente, com melhor critério na utilização de recursos; apostar na prevenção; para o futuro é necessário ter novo pensamento sobre a forma de tratar; pensar nos cidadãos com maior papel na defesa da sua saúde; a inovação terapêutica tem que ser mais adequada no seu custo.


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os preços dos novos medicamentos

A discussão sobre o valor da inovação e dos medicamentos que surgem vai estar na agenda dos próximos anos. Essa discussão tem-se, conscientemente ou não, centrado quase exclusivamente em como encontrar fundos para pagar a inovação aos preços que as empresas os pretendem colocar. O que cria dificuldades. E que impede de se olhar para outras soluções.

Para procurar soluções olhando de uma forma diferente para este problema, colaborei numa reflexão livre, ao jeito de ensaio, com um conjunto de médicos da vizinha Espanha. Creio que se tornará cada vez mais claro que a procura de uma solução terá de ser conjunta entre países, e não unilateralmente.

O resultado deste esforço pode ser encontrado aqui. Reflexões adicionais de Fernando Lamata, aqui. Cobertura mediática em Espanha, disponível aqui.