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Conferência “Portugal em Exame”

Hoje decorre no Museu da Carris a conferência “Portugal em Exame”, com a nova geração da Nova School of Business and Economics (os ditos millenials) a darem a sua visão sobre as transformações da economia portuguesa.

Nestas conferências corre-se sempre o risco de ter os “mesmos do costume” a falar para os “mesmos do costume”, veremos se a nova geração consegue introduzir desafios e ideias novas.

Intervenção inicial de Francisco Pinto Balsemão, com ênfase sobre a necessidade de sair do “marcar passo” em que se tem estado desde o início do milénio, com um crescimento que não tem sido suficiente para assegurar uma convergência em termos de PIB per capita com o agregado da União Europeia. A falta de investimento surge como uma preocupação fundamental.

Seguiu-se Carlos Alvares do Banco Popular, que fala do capital humano e da importância de reter talento, mas também da necessidade de “capital” para investir. Importância de ter um “pacto” para as políticas de crescimento e emprego. Necessidade de ter leis menos complexas e mais claras (um melhor funcionamento da Justiça é um aspecto importante para quem quer investir, nacional ou estrangeiro). Também é preciso uma política fiscal mais estável e previsível. A banca está a fazer o seu trabalho, na visão de Carlos Alvares, mas precisa de ajuda, não de ajuda no sentido de intervenção pública, mas sim em não ter regras que impliquem dificuldades em pequenos empresários em fazer suprimentos para as suas empresas, mesmo que tenham os fundos para isso depositados no sistema bancário. É um elemento pouco usual referir, mas acaba por ilustrar bem como os pequenos, ou não tão pequenos, grãos na engrenagem do funcionamento económico criam dificuldades que cumulativamente penalizam a dinâmica empresarial e o crescimento económico.

Seguiu-se a apresentação do Nova Economics Club, com Henrique Pita Barros, Miguel Costa Matos e Patricia Filipe (foto abaixo). Tema da apresentação: como transformar o pais? transformação económica e empresarial e transformação social. Primeiro tema: capacidade financeira das empresas. Ciclo vicioso de problemas de liquidez, pagamentos em atraso, baixo crescimento, que gera problemas de liquidez. Não é um problema de falta de bons projectos e sim um problema de capitalização e de crédito. Segundo tema focado: digitalização dos processo de produção e comercialização. Importância dos robots nos processos de fabrico – menor intensidade da sua utilização do que sucede noutros países europeus. A infraestrutura em si mesma é boa, com bom acesso a internet, que precisa de ser mais aproveitada pelas empresas portuguesas.

Terceiro tema: o papel das empresas na promoção da igualdade de género, como problema de civilização mas também como “custo” para o desenvolvimento económico por desaproveitar talento que poderia ser melhor usado.

Quarto tema: precariedade no mercado de trabalho, e o problema de criar investimento intangível dos próprios trabalhadores e das empresas na relação laboral, que favoreça a produtividade futura.

Segue-se um painel “político” (assim classificado pelo moderador), com Francisco Louçã e Luis Marques Mendes.

Francisco Louçã identifica 5 problemas: 1) grande divida externa, nomeadamente privada; 2) média de crescimento actual no euro foi muito baixa, período de estagnação; 3) nível baixo de investimento, e a história secreta do investimento é que descontadas as amortizações temos crescimento negativo; 4) nível de desigualdade, pobreza e desemprego estrutural que é muito importante; 5) tem uma condição de regras europeias que nos limita na utilização de medidas de política (a União Europeia é um projeto falhado que não tem capacidade de resolver os seus problemas). Defende aumento da procura para responder à estagnação (exportações, investimento e consumo). Efeito de confiança de aumentar pensões e rendimentos. Com taxa de juro zero, não há política monetária para facilitar o investimento. A chave da economia portuguesa é “confiança” e que para isso é preciso libertar-se dos tratados europeus.

Luis Marques Mendes –  há incerteza no plano europeu e mundial, uma Europa cada vez menos competitiva à escala global, problemas de natureza conjuntural e estrutural são agravados por esta incerteza. Ou seja, é necessário reduzir incerteza naquilo que está ao nosso alcance. Reforçar confiança [num ponto que é comum com Francisco Louçã]. Mais do mesmo não é solução. Três prioridades: sustentabilidade financeira no Estado (implica também repensar as funções do estado para ter menor despesa, combater centralismo, cultura do mérito dentro do estado [a minha sugestão é que se releiam as intervenções e sugestões surgidas nas Sextas da Reforma]); estabilidade das políticas públicas; entendimento, mesmo que informal, quanto ao nível global da despesa pública. Não será possível ter pactos de regime em Portugal, mas considera exequível um acordo social de médio prazo até final da legislatura. Último ponto: competitividade e sistema financeiro sólido para financiar a economia (problema que não ficou resolvido no tempo da troika), papel da capitalização das empresas. Necessidade de um choque de atitude: cultura de criar riqueza e de criar valor.

Francisco Louçã: problema de crescimento da economia portuguesa não está na recente crise internacional, está na entrada do euro; “destroçou” a competitividade da economia portuguesa.

[temas que gostaria de ter visto mais tratados: – não haver referência clara à forma de ter investimento que seja verdadeiramente produtivo e capacidade do sistema de financiamento das empresas – bancos sobretudo – conseguir fazer uma seleção adequada dos projectos de investimento ; não haver referência à forma de facilitar a dinâmica empresarial – entrada mas também saída de empresas e recolocar os activos em utilização útil; não terem tocado no tema de precariedade salarial como forma de distorção do mercado de trabalho]

(e termina por aqui a breve incursão no jornalismo económico informal :D)

 

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Cerâmica Valadares e Autoeuropa

Uma noticia de ontem aqui sobre a nova cerâmica Valadares. O aspecto que mais me chamou a atenção foi o ter passado pouco tempo (para Portugal) até se encontrar uma nova utilização produtiva dos mesmos activos, físicos e humanos, uma vez que irão ser contratados antigos trabalhadores pelo conhecimento que possuem. À frente do projecto irão estar antigos dirigentes da empresa. Desde há muito que um dos problemas de funcionamento da economia portuguesa é deixar que os activos produtivos (equipamento, pessoas, capital organizacional) se perca rapidamente sempre que uma empresa entra em falência. Cabe agora à empresa, à gestão e aos trabalhadores que forem contratados, mostrar que tem capacidade de ser rentável.

No mesmo dia foi dada a notícia de que a Autoeuropa irá parar um dia para acomodar a falta de peças resultante de um incêndio numa das empresas que a fornece. Significa que os riscos de uma gestão muito exigente de stocks são partilhados com os trabalhadores, dando flexibilidade à empresas para manter um elevado padrão de produtividade. Também no sector do calçado (pelo menos) houve “adaptabilidade de horário” (creio ser este o termo), e o hoje é um sector com reputação internacional e fortemente exportador.

É esta capacidade de renovação e de adaptação que tem de ser procurada pelas empresas e trabalhadores e que levará, se generalizada, ao crescimento da economia portuguesa. Não me surpreenderia saber que há ainda muitas empresas paradas com os equipamentos a estragarem-se e os trabalhadores com elevado conhecimento específico a perderem-no, ou empresas onde um pouco de flexibilidade nos horários e dias de funcionamento poderia contribuir para uma gestão mais eficiente.


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negociar à grega e o que implica para o futuro

A grande incerteza europeia do momento é o que vai ser o comportamento do novo governo grego. Como bem descreve Ricardo Reis, as opções disponíveis não são muitas nem especialmente atractivas. Sobretudo agora que os novos governantes gregos vão ter que lidar com outros governos e instituições europeias em vez de falar para dentro do seu país para ganhar votos. E a incerteza não se desfaz (a propósito da qual, um excelente texto de Paulo Sande como leitura sugerida).

O que podemos encontrar neste braço de ferro?

A favor do Governo grego:

– elevado nível de dívida pública – será necessária uma qualquer solução, embora dificilmente venha a ser uma solução “sem dor” para os gregos;

– vontade (?) de eliminar a corrupção e os diferentes cartéis e grupos de poder que estão instalados;

Contra o Governo grego:

– pensar que é possível voltar ao que era o emprego público e os apoios públicos às mais diversas actividades

– pensar que não existe uma “restrição orçamental” (para o Governo)

E não é claro que o “esticar a corda” não tenha mais riscos para a Grécia do que para os restantes países da União Europeia e da zona euro em particular.

Tomando a situação actual, sem crescimento na Grécia dificilmente conseguirão pagar a dívida; mas o crescimento grego não surgirá automaticamente apenas por despesa pública; a Grécia tem um problema de longo prazo, não um problema conjuntural  de baixa procura; neste contexto, nas negociações referentes à dívida grega, o problema não é só saber se esta dívida toda actual pode ou não ser paga, é saber também como é que se evita que volte a acontecer de novo (na Grécia, e em certa medida como evitar que o argumento se repita nos outros países com problemas de dívida pública). E a esse respeito, não há nenhuma ideia que tenha surgido, sobre como limitar a possibilidade de voltar a suceder o mesmo.

A médio e longo prazo, a própria exigência grega de só falar com as instituições europeias, desfazendo a troika, diminui ou aumenta as possibilidades de uma cedência hoje poder ser tomada como precursora de cedências futuras? Há, pois, mais aspectos em jogo do que apenas o Syriza cumprir os primeiros pontos do seu programa eleitoral (e a negociação parece ser o primeiro e mais importante, que justifica a aliança estabelecida – se e quando houver uma negociação concluída, esta coligação poderá ser mantida?).

Para uma primeira semana, não deixou de ser a “agitação” prometida, veremos que solução será encontrada.


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produtividade, se faz favor

O anúncio de novas medidas de estágio para desempregados (programa Reativar, noticia aqui e aqui) levou a uma reacção das centrais sindicais que se baseou numa interpretação política da medida (aqui e aqui) e também seguida pela oposição parlamentar (aqui) – como forma de reduzir artificialmente o desemprego.

Embora não tenha conseguido encontrar detalhes do programa no site do Governo, a informação disponibilizada na comunicação social sugere que este programa terá algumas condições adicionais sobre as empresas (terem contratado de forma permanente estagiários anteriores) e sobre os trabalhadores.

Pode-se esperar que esta medida seja solução para o desemprego de pessoas com mais de 30 anos (as abrangidas pelo programa)? a resposta é quase certamente um “não”, pois para um retomar duradouro do emprego é necessário aumentos de produtividade, que terão de estar na base do crescimento económico que todos dizem querer. É aliás curioso notar como o tema da produtividade saiu da atenção pública e mediática.

Ora, aumentos de produtividade na economia como um todo surgem ou da mobilidade entre sectores, passando trabalhadores de sectores com pouca produtividade para outros com maior produtividade (e que podem implicar mobilidade geográfica dos trabalhadores), ou transformação de processos produtivos, ou produção de bens e serviços de maior valor (neste caso, aumenta o valor da produtividade e não apenas a produtividade física).

O programa anunciado pode ajudar neste aspecto? ao promover que trabalhadores (que já passaram pelo mercado de trabalho) e empresas “experimentem” a sua relação, pode contribuir para que sejam encontradas situações de maior produtividade, boas para ambos os lados (sobre esta lógica de “experimentação” e pares trabalhador – empresa, deixo a sugestão de (re)ler o livro de Mário Centeno, O trabalho, uma visão de mercado).

As medidas acessórias criadas apontam para que se evitem “os profissionais dos estágios e formações” (sejam empresas ou trabalhadores), e até o facilitar da mobilidade geográfica parece estar a ser contemplado.

Dois aspectos adicionais que podem ajudar a um papel útil destes estágios: a) haver uma majoração no apoio ao estágio se o trabalhador entrar num estágio numa área de actividade distinta das que teve no passado; b) a avaliação final do programa (estará prevista?) ter informação não apenas sobre estagiários e transformação em emprego dos mesmos mas também sobre produtividade dos trabalhadores colocados, como forma de perceber o papel que o programa possa ter tido na criação de melhores “pares”, como contraponto das acusações de serem apenas apoio às empresas” ou terem “fins meramente eleitoralistas”.

No fundo, a pergunta é como é que a medida contribui para que haja maior produtividade na economia, que é a única forma duradoura de ter mais emprego (todos estarão de acordo com este objectivo) e salários mais elevados (todos estarão de acordo também com este objectivo).


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coisas estranhas dos jornais de hoje,

 

 

Abutres à solta ou criar dimensão crítica para extrair algo?

Quanto será o “desconto” nesta aquisição de dívida financeira?
dividas__GES


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Business days

1. United Health tenta compra da Espirito Santo Saúde fora de bolsa – mas porquê? porque não compra em bolsa, de uma forma clara e transparente? comprar em bolsa significa oferecer as mesmas condições a todos os que investiram na ES Saúde, significa também que não haverá “comissões” ou coisas similares, e basta a suspeita para tornar a transacção complicada.

2. Potenciais investidores passam o lamento de que o Governo nunca mais se decide a privatizar a TAP. ok, e também aqui o processo deverá ser transparente e decidir se a venda é ao melhor preço ou se entra em conta um projecto estratégico, e se sim quais os mecanismos de credibilidade do mesmo.

3. Zeinal Bava sai da Oi. O que sucede agora à fusão com a PT, e o que sucede à PT? Exemplo de como transacções “fora do mercado” (problema da relação Rioforte – PT) a prazo diminuem valor, e redistribuem fortemente a favor de uns.

4. Ébola na Europa é ameaça para o turismo português? O que se passa em Madrid e como será afectado o turismo espanhol vão dar o primeiro sinal.

5. Voltar ao 1. e esperar que a venda seja feita em bolsa, para confusão e preocupação chegam os outros pontos.


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de André Azevedo Alves, sobre a lei da cópia privada

como sugestão de leitura, no Observador.

Recupero ainda outros links de interesse:

O blog da Jonas, aqui

As contas sobre a estimativa de “custo” (receita perdida) para os artista, aqui,

O site da Associação para a Gestão da Cópia Privada: aqui, e do relatório e contas de 2013, extractos seleccionados, no final deste post.

E mesmo depois de ter lido vários textos a favor da legislação aprovada, continua a não ser clara a base económica dar argumentação – a ideia de de que se deve transferir todo o “valor” criado, no limite, para o artista, não é base das transacções económicas em geral. Imaginemos que se aplicava o mesmo principio à gasolina – então cada um deveria pagar por um litro de gasolina o valor das viagens que iria realizar. O argumento dá lugar ao que se chama de monopolista perfeitamente discriminante, em que se pode alcançar eficiência nas decisões de produção mas onde as consequências redistributivas são brutais. Pelo mesmo argumento, devia-se pagar à industria farmacêutica qualquer valor que ela pedisse pelos medicamentos que coloca no mercado, pelo valor que geram. Ou em vez de cobrar bilhete nos transportes públicos, estabelecer um imposto per capita por cada habitante de cada cidade, pois não usou o transporte público mas podia ter usado. É difícil não ver aqui apenas uma transferência de rendas, e ainda por cima de uma forma de cria distorções e perda de valor social.

As entidades que beneficiam:

SPA

GDA

GEDIPE

AUDIOGEST

e ainda Ministério das Finanças (por via do IVA sobre a taxa).

Os extractos do Relatório e Contas:

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Extracto do Relatório e Contas da AGECOP

 

 

 

 

 

 

 

 

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Segundo extracto do Relatório e Contas da AGECOP

 

 

 


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o que devia ter sido feito antes, mas surge vários anos depois

uma avaliação dos possíveis efeitos da famosa descida da TSU, por Pedro Rodrigues e Alfredo Marvão Pereira (aqui), com a  principal conclusão a ser: “a descida da TSU (compensada por um aumento da taxa geral do IVA) é uma medida com pouca potência para criar emprego e acelerar a nossa convergência à União Europeia em termos do nosso rendimento.”

Para leitura, discussão e contraditório, se for o caso.

 


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BES e grupos familiares

Uma pergunta interessante é quanto dos problemas do grupo Espirito Santo derivam de ser um grupo familiar.

O primeiro aspecto é ter gestão de um banco que se subordina depois aos interesses de um grupo de accionistas que assegura o controlo através de uma cascata de participações. Outro aspecto central: o tempo que se está no topo da gestão da empresa ou do grupo, com pouco escrutínio sobre a qualidade dessa gestão. Estes aspectos foram bem descritos por Ricardo Reis, aqui.

Mas há outros problemas com que grupos económicos familiares se defrontam (uma revisão da literatura aqui), bem como vantagens. Curioso que entre as vantagens se apontem as ligações políticas – que terão “falhado”, ao não haver o sim político a que a CGD emprestasse ao Grupo Espirito Santo –

Outras vantagens, como capital humano e visão de longo prazo, têm que ser vistas também no contexto da economia em que se está. Restringir a gestão do grupo económico à família é “exigir” que o talento de gestão dentro da família seja maior do que o talento que poderá ser encontrado no exterior, no “mercado”, e quanto maior for a educação em geral da população, mais difícil será que essa vantagem de manter a gestão dentro da família seja duradoura.

Por fim, a visão de longo prazo, ao manter um negócio de família com a perspectiva de ser um legado para as gerações futuras, poderá evitar-se tomar decisões de curto prazo com custos para a sobrevivência no longo prazo. Não conheço o suficiente do Grupo Espirito Santo para saber se as regras internas dentro da família asseguram essa visão de longo prazo a quem está à frente do grupo, ou apenas garantem o interesse nos resultados durante o período que está à frente.

De um ponto de vista mais científico, há neste caso do grupo Espirito Santo material interessante para ser estudado também pelos outros grupos de natureza familiar de grande dimensão em Portugal.


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BES e supervisão bancária

Uma das características do caso BES tem sido as críticas à actuação dos reguladores, nomeadamente ao Banco de Portugal (e num segundo nível à CMVM). Embora compreenda a tentação de criticar essas entidades, encontro alguma dificuldade em compreender a substância em muitas das criticas. Supervisão e regulação não são formas de gestão pública de entidades privadas. Não se pretendem substituir às decisões privadas. Não têm como objectivo evitar erros de gestão dos bancos privados. Têm como objectivo definir um enquadramento claro para o desenvolvimento das actividades bancárias, de verificar que esse enquadramento é respeitado e de penalizar quando não é.

No caso do BES / Grupo Espirito Santo, há também que incluir aqui entidades de supervisão de outros países, dado que existem holdings com sede no exterior, ou participadas com problemas noutros países (BES-Angola).

A determinação do momento certo de intervenção é sempre delicada. Esta discussão fez-me relembrar uma outra a propósito do momento de intervenção no caso BPN, e que reproduzo abaixo.

Pontos essenciais, que recupero a) haver necessidade de intervenção não é sinónimo de falha na supervisão; e, b) existe o risco de intervenção “demasiado cedo”.

Apontar o dedo ao regulador porque não fez a microgestão das entidades reguladas, neste caso o BES, é algo excessivo. As perguntas que se devem fazer é 1) se as regras de regulação deveriam ser diferentes? (e podem ser diferentes no quadro europeu?) 2) se a intervenção deveria ter ocorrido mais cedo.

Não creio que a resposta a qualquer das duas revele um clamoroso erro das entidades de supervisão.

Na minha leitura da cronologia, foi a intervenção (discreta, de bastidores) do Banco de Portugal que levou à necessidade de aumento de capital do BES, que obrigou a revelar a situação do grupo e os problemas com o BES Angola, e foi a recusa do poder político em instrumentalizar (dar apoio público) a CGD no apoio ao grupo Espirito Santo que tornou públicas as dificuldades (e levou no arrasto a PT com uma decisão que surge cada vez mais como de “favor” a um accionista e que teve já custos na operação de fusão com a brasileira Oi). A tentativa de obter uma solução de “economia de mercado” em vez de penalizar os contribuintes, directa ou indirectamente, já ou no futuro, parece não estar a resultar apenas com a mera mudança de gestão no BES. Mas tal não é uma falha de supervisão.

A decisão rápida deste fim de semana de cindir o BES em dois demonstra que esta possibilidade já devia estar a ser pensada (não se monta certamente em dois dias – identificar claramente o que são os activos “bons” e “maus” não se faz num par de horas), com a recolha da informação necessária; não resolve o problema do grupo Espirito Santo, mas essa não é a função do regulador prudencial (Banco de Portugal). Será que agora vai ser acusado de ter agido demasiado rápido?

 

Do passado, no Blog SEDES, 11 de Julho de 2009:

BPN, Parlamento e Banco de Portugal

Cada vez com maior frequência não compreendo o que se passa neste país.

Não estava à espera de ouvir o Governador do Banco de Portugal comentar os resultados da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o BPN.

É certo que o Governador foi duramente atacado no decorrer do inquérito. É certo que muito do que foi dito
sobre a supervisão bancária é despropositado.

Mas globalmente, e dentro do espectáculo politico a que nos habituaram no Parlamento, a condução da comissão até foi realizada com alguma sobriedade. Se houve alguns excessos, a existência desta comissão também contribuiu
para a ideia de que não poderá haver impunidade para quem tiver cometido fraudes, e que a informação não surge apenas por fugas de informação para os jornais.

A reacção agora do Governador do Banco de Portugal parece trazer apenas o sabor de quem se sentiu injustamente atacado (e repito, em vários aspectos isso pareceu-me ser verdade), e dele esperaria um maior distanciamente emocional.

10 comentários até agora

10 Comentários para “BPN, Parlamento e Banco de Portugal”

  1. Pascoala 11 Jul 2009 as 12:38

    Ressabiado é o termo.

  2. ricardo saramagoa 11 Jul 2009 as 16:12

    Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
    A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
    Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
    Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
    Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.

  3. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 8:06

    Ricardo,

    Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
    a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
    Vitor Constâncio deixou-se levar para ela

    b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
    que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?

  4. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 16:24

    Caro Pedro

    È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.

    Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.

    Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.

    Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?

  5. José Telesa 12 Jul 2009 as 16:24

    Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.

    Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.

    Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.

    Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.

    A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.

    Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.

    Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.

    Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.

    Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com

  6. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 17:59

    Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
    a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
    informação que estava então disponível.

    b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação

    Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
    – que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
    – que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
    – que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão

    Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
    em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.

  7. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 18:39

    As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:

    Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
    Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
    será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
    Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?

  8. José Telesa 16 Jul 2009 as 20:53

    Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.

    (Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)

    (1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);

    (2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;

    (3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.

  9. Pedro Pita Barrosa 16 Jul 2009 as 20:59

    Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.

    Concordamos em discordar neste caso.

    Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.