Hoje decorre no Museu da Carris a conferência “Portugal em Exame”, com a nova geração da Nova School of Business and Economics (os ditos millenials) a darem a sua visão sobre as transformações da economia portuguesa.
Nestas conferências corre-se sempre o risco de ter os “mesmos do costume” a falar para os “mesmos do costume”, veremos se a nova geração consegue introduzir desafios e ideias novas.
Intervenção inicial de Francisco Pinto Balsemão, com ênfase sobre a necessidade de sair do “marcar passo” em que se tem estado desde o início do milénio, com um crescimento que não tem sido suficiente para assegurar uma convergência em termos de PIB per capita com o agregado da União Europeia. A falta de investimento surge como uma preocupação fundamental.
Seguiu-se Carlos Alvares do Banco Popular, que fala do capital humano e da importância de reter talento, mas também da necessidade de “capital” para investir. Importância de ter um “pacto” para as políticas de crescimento e emprego. Necessidade de ter leis menos complexas e mais claras (um melhor funcionamento da Justiça é um aspecto importante para quem quer investir, nacional ou estrangeiro). Também é preciso uma política fiscal mais estável e previsível. A banca está a fazer o seu trabalho, na visão de Carlos Alvares, mas precisa de ajuda, não de ajuda no sentido de intervenção pública, mas sim em não ter regras que impliquem dificuldades em pequenos empresários em fazer suprimentos para as suas empresas, mesmo que tenham os fundos para isso depositados no sistema bancário. É um elemento pouco usual referir, mas acaba por ilustrar bem como os pequenos, ou não tão pequenos, grãos na engrenagem do funcionamento económico criam dificuldades que cumulativamente penalizam a dinâmica empresarial e o crescimento económico.
Seguiu-se a apresentação do Nova Economics Club, com Henrique Pita Barros, Miguel Costa Matos e Patricia Filipe (foto abaixo). Tema da apresentação: como transformar o pais? transformação económica e empresarial e transformação social. Primeiro tema: capacidade financeira das empresas. Ciclo vicioso de problemas de liquidez, pagamentos em atraso, baixo crescimento, que gera problemas de liquidez. Não é um problema de falta de bons projectos e sim um problema de capitalização e de crédito. Segundo tema focado: digitalização dos processo de produção e comercialização. Importância dos robots nos processos de fabrico – menor intensidade da sua utilização do que sucede noutros países europeus. A infraestrutura em si mesma é boa, com bom acesso a internet, que precisa de ser mais aproveitada pelas empresas portuguesas.
Terceiro tema: o papel das empresas na promoção da igualdade de género, como problema de civilização mas também como “custo” para o desenvolvimento económico por desaproveitar talento que poderia ser melhor usado.
Quarto tema: precariedade no mercado de trabalho, e o problema de criar investimento intangível dos próprios trabalhadores e das empresas na relação laboral, que favoreça a produtividade futura.
Segue-se um painel “político” (assim classificado pelo moderador), com Francisco Louçã e Luis Marques Mendes.
Francisco Louçã identifica 5 problemas: 1) grande divida externa, nomeadamente privada; 2) média de crescimento actual no euro foi muito baixa, período de estagnação; 3) nível baixo de investimento, e a história secreta do investimento é que descontadas as amortizações temos crescimento negativo; 4) nível de desigualdade, pobreza e desemprego estrutural que é muito importante; 5) tem uma condição de regras europeias que nos limita na utilização de medidas de política (a União Europeia é um projeto falhado que não tem capacidade de resolver os seus problemas). Defende aumento da procura para responder à estagnação (exportações, investimento e consumo). Efeito de confiança de aumentar pensões e rendimentos. Com taxa de juro zero, não há política monetária para facilitar o investimento. A chave da economia portuguesa é “confiança” e que para isso é preciso libertar-se dos tratados europeus.
Luis Marques Mendes – há incerteza no plano europeu e mundial, uma Europa cada vez menos competitiva à escala global, problemas de natureza conjuntural e estrutural são agravados por esta incerteza. Ou seja, é necessário reduzir incerteza naquilo que está ao nosso alcance. Reforçar confiança [num ponto que é comum com Francisco Louçã]. Mais do mesmo não é solução. Três prioridades: sustentabilidade financeira no Estado (implica também repensar as funções do estado para ter menor despesa, combater centralismo, cultura do mérito dentro do estado [a minha sugestão é que se releiam as intervenções e sugestões surgidas nas Sextas da Reforma]); estabilidade das políticas públicas; entendimento, mesmo que informal, quanto ao nível global da despesa pública. Não será possível ter pactos de regime em Portugal, mas considera exequível um acordo social de médio prazo até final da legislatura. Último ponto: competitividade e sistema financeiro sólido para financiar a economia (problema que não ficou resolvido no tempo da troika), papel da capitalização das empresas. Necessidade de um choque de atitude: cultura de criar riqueza e de criar valor.
Francisco Louçã: problema de crescimento da economia portuguesa não está na recente crise internacional, está na entrada do euro; “destroçou” a competitividade da economia portuguesa.
[temas que gostaria de ter visto mais tratados: – não haver referência clara à forma de ter investimento que seja verdadeiramente produtivo e capacidade do sistema de financiamento das empresas – bancos sobretudo – conseguir fazer uma seleção adequada dos projectos de investimento ; não haver referência à forma de facilitar a dinâmica empresarial – entrada mas também saída de empresas e recolocar os activos em utilização útil; não terem tocado no tema de precariedade salarial como forma de distorção do mercado de trabalho]
(e termina por aqui a breve incursão no jornalismo económico informal :D)
Ressabiado é o termo.
Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.
Ricardo,
Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
Vitor Constâncio deixou-se levar para ela
b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?
Caro Pedro
È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.
Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.
Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.
Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?
Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.
Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.
Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.
Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.
A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.
Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.
Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.
Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.
Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com
Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
informação que estava então disponível.
b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação
Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
– que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
– que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
– que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão
Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.
As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:
Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?
Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.
(Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)
(1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);
(2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;
(3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.
Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.
Concordamos em discordar neste caso.
Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.