Momentos económicos… e não só

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Políticas públicas em saúde: 2011-2014

A semana passada fiz a apresentação de um estudo sobre o efeito de algumas políticas públicas adoptadas pelo Ministério da Saúde no período 2011-2014 (ver aqui). “Algumas” é importante, porque aspectos relacionados com recursos humanos, por exemplo, não foram tratados (por definição do âmbito do trabalho), nem aspectos da qualidade (tratados numa análise da OCDE), nem aspectos de reforma hospitalar nem “governance” nas unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde, havendo outros documentos que o fazem.

Caindo no final da campanha eleitoral, era inevitável alguma crítica relacionada com esse momento. Agora, passado esse momento, é tempo de outro tipo de discussão. Nos próximos dias irei fazendo alguns destaques, que completam a apresentação feita e o trabalho jornalístico que foi feito. Por enquanto, a sugestão de leitura da versão final do texto, e para quem quiser conhecer melhor a base do que é afirmado, a consulta do que chamamos volume complementar.

Para encontrar ambos:

Versão final do texto, disponível aqui. (20,8 MB)

Volume complementar, contendo detalhes da discussão apresentada no texto da versão final, disponível aqui. (31,7 MB)


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o guião da reforma do estado (take 2) – (2)

Os comentários à nova versão do novo documento estão segundo a ordem de leitura, e para facilidade vou colocando as páginas que os suscitam.

(p. 6) – refere-se a disponibilidade para o “compromisso político  e a negociação social” para o pós-troika (pós-17 de maio), como se houvesse uma grande liberdade de decisão depois dessa data; haverá maior flexibilidade, mas certamente não existirá grande capacidade para passar a aumentar a despesa pública. Suspeito que seja apenas “frase para encher”, uma vez que não se vê que processo estruturado será criado para incluir os contributos de qualquer “discussão pública”.

(p.8) – “Nos próximos anos, o foco terá de estar, também e decisivamente, nas reformas e medidas que favorecem o investimento.” – aumentar a capacidade de investimento implica também aumentar a poupança interna (a menos que se queira novamente recorrer a poupança externa… empréstimos do exterior?); mas com os tímidos sinais de retoma começam já a surgir as tentações de aumento de consumo (e de bens duradouros importados). Embora um mês não faça uma tendência, as notícias de março de 2014 do INE não são sossegadoras: “As exportações de bens aumentaram 1,7% e as importações de bens 6,0% no 1º trimestre de 2014, face ao período homólogo (+5,2% e +7,5% respetivamente no período de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014). O défice da balança comercial aumentou 621,7 milhões de euros e a taxa de cobertura diminuiu 3,5 pontos percentuais (p.p.) para 81,9%. Em março de 2014 as exportações de bens diminuíram 1,3% e as importações de bens aumentaram 2,1% face ao mês homólogo (respetivamente +4,4% e +5,9% em fevereiro de 2014). ”

Pode haver alguma esperança que o aumento das importações seja resultado de aumento de investimento, mas não ainda sinal de que assim seja, o que o INE nos diz é ainda demasiado vago “acréscimo registado no Comércio Intra-UE (generalizado à quase totalidade dos grupos de produtos, mas em especial nos Veículos e outro material de transporte, Combustíveis minerais e Máquinas e aparelhos”, pois pode ser investimento ou consumo.

Embora fosse melhor que o crescimento do PIB estivesse apoiado no crescimento das exportações e do investimento (que constrói capacidade produtiva para o futuro, e potência aumentos de produtividade seja dentro de cada sector seja aumentando a produção nos sectores mais produtivos), a possibilidade de se ter (e querer?) um aumento do PIB conduzido pelo consumo, em ano pré-eleições legislativas, para mostrar retoma económica, não é de excluir como objectivo político. Veremos se depois a prática corresponde a esta intenção.

 


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à espera do DEO…

no trânsito, rádio ligado, a ouvir a notícia que o DEO – Documento de Estratégia Orçamental, será divulgado (?) amanhã, em hora não anunciada ainda, por estarem a ser realizados ainda cálculos de grande complexidade pelos técnicos do Ministério das Finanças. Até acredito que assim seja, mas fico então com uma dúvida sobre o que se passa:

a) o conselho de ministros aprovou uma versão que não é a última, e então o documento final não será realmente o que foi aprovado e sim o que os técnicos do ministério das finanças decidirem que é;

b) os técnicos do ministério das finanças estão agora a ajustar as contas para justificar e sustentar as decisões tomadas no conselho de ministros, que foram então tomadas com informação insuficiente ou limitada;

qualquer das opções é má, por razões diferentes.


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e o que pode resultar dos resultados das autárquicas?

ao contrário do que se possa pensar do título, não estou a pensar em leituras políticas a nível nacional, ou a nível local sequer, ou em política.

A questão mais interessante, do ponto de vista económico, e ligando à reforma do estado, é outra. Com as eleições realizadas, e com o decréscimo do número de câmaras municipais nas mãos dos partidos da coligação governamental, será que se conseguirá desbloquear uma verdadeira reforma da administração local. A união de freguesias foi uma resposta tímida ao desafio do Memorando de Entendimento de obter uma administração local mais eficiente. Dizer que se reformou a organização administrativa do país com essa união de freguesias não é razoável.

Mas com esta mudança no mapa autárquico, a resistência informal (via pressão interna dos partidos) será substituída por pressão pública, o que tornará mais claros os argumentos a serem usados nalguma tentativa de reforma.

Um segundo aspecto de interesse dos resultados é o aumento de casos em que cidadãos agrupados de forma não partidária ganham a presidência de câmaras municipais. Uma vez que existe literatura a demonstrar o efeito dos ciclos eleitorais na despesa pública feita pelas autarquias (ver aqui os diversos trabalhos de Linda Veiga e associados, Universidade do Minho), será interessante seguir se o comportamento destes novos eleitos irá seguir o padrão habitual e associado a presidentes eleitos em listas de partidos ou não.

 


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Qualidade e eficiência | Conferência “Sistema de saúde para além de 2014”

Para a  conferência, foi-me solicitado um texto escrito, pelo aqui fica o dito, para comentários que queiram fazer

Qualidade e eficiência | Conferência “Sistema de saúde para além de 2014”

Pedro Pita Barros

Nova School of Business and Economics

1 Introdução

A proposta de reflexão tem como ponto de partida o sistema de saúde nas suas características a médio e a longo prazo, nas vertentes de qualidade e eficiência. O tema é em si mesmo bastante vasto pelo que a presente intervenção se centrará num conjunto limitado de aspectos. Esses aspectos encontram-se associados, por escolha, a um problema particular, a capacidade de gestão das unidades de saúde. Em termos de solução, colocam-se para discussão intervenções de carácter geral e central. A delimitação do âmbito deste texto permite a apresentação de propostas para fomentar uma melhor gestão das unidades do Serviço Nacional de Saúde e com essa melhor gestão promover quer a qualidade quer a eficiência.

2 Princípios fundamentais

As propostas de evolução do sistema de saúde português, e do Serviço Nacional de Saúde em particular, não podem deixar de atender aos princípios fundamentais que se pretende satisfazer com a organização do sector.

O primeiro desses princípios é a protecção em caso de doença, independentemente das condições financeiras: universal e abrangente. Os pagamentos no momento de consumo não devem prejudicar a componente de protecção contra despesas de saúde necessárias. O segundo princípio é o da promoção da saúde na população e não apenas resolução das situações de doença.

As mudanças a realizar no funcionamento do sector da saúde devem procurar satisfazer estes dois princípios. O Serviço Nacional de Saúde em particular deve ter a sua organização orientada para que sejam respeitados.

3 Conceitos de eficiência

Existem vários níveis e correspondentes definições de eficiência.

Há a eficiência na utilização do sistema de saúde, que significa prestar cuidados de saúde apenas quando os benefícios excederem os custos da intervenção.

Temos, por outro lado, a eficiência na recolha de fundos. Neste caso, a preocupação é com a combinação de fontes de financiamento que tenha as menores distorções, quer sobre a utilização do sector da saúde quer sobre a economia em geral.

Há, também, a noção de eficiência na prestação, em que se procura que os cuidados de saúde prestados na medida certa o sejam com as combinações de recursos mais adequadas e sem desperdício de recursos.

A procura de eficiência é, assim, uma procura de eficiências no sistema de saúde, a níveis diferentes e requerendo instrumentos eventualmente diferentes para ser atingida cada uma delas.

Relativamente à noção de qualidade, existem muitas definições possíveis e várias distinções (por exemplo, qualidade de resultados versus qualidade de processos). Há por vezes a noção de que qualidade e eficiência são objectivos antagónicos, mas na verdade mais qualidade frequentemente coincide com maior eficiência. E maior eficiência não significa necessariamente menor custos, se incluirmos na noção de eficiência não deixar de prestar cuidados de saúde cujo benefício excede o seu custo para a sociedade.

Quando se falar em eficiência na utilização do sistema, e se considera as várias possibilidades de definição, há que responder, para pensar no sistema a médio e a longo prazo, a diferentes questões: Que tipo de doenças serão mais frequentes? Quais serão as mais susceptíveis de serem influenciadas por decisões relativas ao sistema de saúde? Que participação do cidadão se quer e que é possível? Que instrumentos podem ser usados para conhecer a “procura” e para gerar um uso adequado do sistema de saúde? Que organizações? Como lidar com a crescente informação e sua transformação em conhecimento?

Não será dada aqui resposta a estas perguntas, embora para se ter uma visão coerente sobre o futuro do sistema de saúde seja preciso que respostas, nalgum momento do tempo, tenham de ser encontradas.

4. Eficiência na recolha de fundos

Há um consenso generalizado sobre o financiamento solidário por impostos, com progressividade nas contribuições. Não é opção que seja contestada de forma ampla. Ainda assim, e até se ter uma discussão completa, há que responder, mesmo que seja negativamente, a algumas questões.

Haverá abertura para funcionamento de sistemas alternativos? Será que pode ser encarada uma evolução da ADSE ou de sistemas como a Advancare, Médis ou Multicare para alternativas ao SNS, recebendo uma capitação, eventualmente ajustada pelo risco individual, por cada beneficiário?

Embora interessante, as preferências da população parecem descartar a oportunidade desta discussão.

5. Eficiência na prestação

Os ganhos de eficiência são a resposta mais frequentemente apontada como solução para as actuais dificuldades do sistema de saúde português. Sem deixar de considerar relevante reafirmar que a preocupação com a eficiência de funcionamento deve estar presente, é mais útil dar atenção ao que motivar, dentro das organizações do sistema de saúde, a procura dessa eficiência.

A primeira chamada de atenção é que se deve focar os esforços na redução da taxa de crescimento dos custos, e não apenas no seu nível. O ter-se uma noção da dinâmica dos custos é essencial.

O segundo aspecto é focar na capacidade de organizar de eliminar desperdícios e de ter as combinações de recursos adequadas.

Para atingir essa eficiência será provavelmente mais adequado focar nos resultados, e não tanto numa “normalização” exacta do processo de prestação de cuidados de saúde (exemplo: utilizar os mesmos medicamentos em todo o lado, ou verificar que os resultados são similares?)

6. Como melhorar a gestão nas entidades do Serviço Nacional de Saúde?

Sendo o Serviço Nacional de Saúde o elemento basilar do sistema de saúde português, e sendo também a instituição sobre a qual a política pública no campo da saúde tem capacidade de actuação, apresentam-se de seguida algumas ideias sobre como melhorar a gestão. Há muitos outros aspectos do funcionamento do Serviço Nacional de Saúde que também são susceptíveis de melhoria, mas a necessidade de contenção desta intervenção obriga a opções. A opção deliberada é a incidir a discussão sobre formas que levem a uma melhoria do processo de gestão dentro do Serviço Nacional de Saúde. Essa discussão está organizada num formato em que se apresenta primeiro o problema identificado, e depois a proposta de solução.

Problema: A gestão anual de um orçamento não é propriamente gestão. Há a necessidade de um horizonte plurianual para que se possa planear adequadamente (3 a 5 anos) com alguma certeza sobre os recursos disponíveis para realizar essa gestão.

Proposta: Criação de um fundo de estabilização do Serviço Nacional de Saúde, que funcionando de forma anti-cíclica consiga um perfil de financiamento do SNS compatível com estabelecimento de orçamentos a três anos para as instituições do SNS. Este fundo em anos de maior desafogo orçamental recebe fundos do orçamento do estado, em anos de menor crescimento económico, complementa o orçamento do Serviço Nacional de Saúde. A credibilidade das regras do fundo são o aspecto central para determinar o seu sucesso.

Problema: Há falta de organização no funcionamento interno das instituições do SNS.

Proposta: Auditorias à gestão de operações e identificação de melhores práticas como forma de motivar maior eficiência

Ter equipa(s) dedicada(s) a esta tarefa, sendo que no espaço de 5 anos todos as unidades do Serviço Nacional de Saúde deveriam participar. Estas equipas estariam dependentes de um organismo central e actuarão como equipas de consultoria interna do Ministério da Saúde, criando um conhecimento acumulado divulgado publicamente. Poderá colocar-se a questão de serem equipas do Ministério ou ser preferível recorrer a consultoras externas. O recurso a consultoras externas, desejável em vários contextos, é aqui menos interessante pela importância da divulgação de boas práticas de forma pública e pelo custo que uma sua utilização permanente poderá envolver.

Problema: Há grande dificuldade de fazer sair do sistema prestador do SNS instituições que não funcionem adequadamente.

Proposta: Começar por perceber o que pode ser encarado como actividade standard (“commodity”) e sujeita a concorrência. Motivar a eficiência via concorrência e saída do que funcionar mal. Sendo actividade standard, conseguir substituir as unidades prestadoras de cuidados de saúde que tenham funcionamento adequado não será problemático. Esta proposta tem implicações em termos de âmbito de funcionamento das actuais unidades de saúde, podendo ser desejável autonomizar partes e/ou concentrar actividade.

Problema: Há falta de planeamento estratégico nas unidades do SNS.

Proposta: Criação de gabinete de apoio ao planeamento estratégico (para unidades de cuidados de saúde primários e para unidades hospitalares), numa lógica de serviço partilhado e não de centralização de gestão. Não seria um centro de emissão de normas de gestão, e sim um centro de recursos especializados em planeamento estratégico que seria usado pelas diferentes unidades de saúde, contra um pagamento que sairia do orçamento de cada instituição. A existência de um pagamento interno ao SNS é crucial para promover responsabilidade na utilização dos recursos partilhados.

Problema: Evitar soluções estáticas para problemas dinâmicos. Há a necessidade de criar pressão permanente para a melhoria em vez de estar sempre a fazer a “última grande reforma” do Serviço Nacional de Saúde.

Proposta: Focar as organizações em processos de melhoria contínua da qualidade como forma de ter pressão constante para melhoria. Pensar em termos de melhoria da qualidade, nomeadamente de resultados, é claramente mais motivador do que ter um processo contínuo de redução de custos, além de ajudar a concentrar a atenção no médio e longo prazo e não nas contas e custos deste ano e quando muito do próximo ano.

Problema: Necessidade de envolvimento dos profissionais de saúde no processo de mudança e no processo de sustentabilidade financeira do SNS.

Proposta: Permitir mecanismos de apropriação das poupanças que sejam geradas por melhor gestão e melhor desempenho dos profissionais de saúde. Esses mecanismos não podem ser aumentos permanentes de salários, e sim benefícios associados com o desempenho. Devem ser uma parte visível mas não maioritária da remuneração.

Problema: Assumir as implicações da inovação ser o principal motivo para crescimento dos custos em cuidados de saúde.

Proposta: Promover a utilização generalizada dos mecanismos de avaliação económica das tecnologias de saúde, em adição à avaliação do valor terapêutico adicional, e impondo que à entrada de alguma tecnologia com elevado valor deverá corresponder a saída de outra tecnologia com baixo valor para o custo que tenha.

Problema: A inovação – novas terapêuticas – como principal motivo para crescimento dos custos em cuidados de saúde.

Proposta: Premiar a inovação organizacional e não apenas a inovação técnica ou tecnológica, virada para as terapêuticas e diagnóstico. Premiar a inovação de processo que para os mesmos resultados consiga ter menores custos; ou para os mesmos custos consiga ter melhores resultados. Onde está custos, leia-se também taxa de crescimento dos custos, para não se perder a visão dinâmica.

7 Considerações finais

Com o presente texto procurou-se responder ao desafio de numa apresentação de 15 minutos apresentar propostas que promovam a qualidade e a eficiência do sistema de saúde português no médio e no longo prazo.

Esta abrangência de tema obriga a uma delimitação clara, pelo que se optou por focar em aspectos de eficiência e em particular problemas, e propostas de solução, que afectam a eficiência de funcionamento das instituições do Serviço Nacional de Saúde.

Deliberadamente, omitiram-se referências a muitas outras áreas onde será possível e desejável melhorar a organização e o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde e do sistema de saúde.

A grande linha de intervenção pública subjacente às propostas apresentadas é simples: que mecanismos é possível usar para facilitar uma gestão mais adequada?

Lisboa, 7 de Março de 2013


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Rever a Constituição?

Num diário económico apareceu “Entrevista Eduardo Catroga – Temos de rever a Constituição para não ser um entrave à governação”, fui ver curioso o que tinha sido dito: “Temos um problema estrutural que é a necessidade de rever a Constituição para que esta não constitua um entrave à acção governativa”.

Confesso que este tipo de visão me causa problemas, independentemente de pessoalmente considerar que a Constituição pode e deve ser revista.

Embora não seja jurista, não creio que se deva ver a Constituição como sendo um instrumento (ou um obstáculo) da acção governativa. E se uma Constituição não colocar qualquer restrição em qualquer momento, então não vale a pena ter Constituição.

A Constituição deve reflectir valores e princípios da sociedade, e ser entrave à acção governativa quando ela ultrapassa determinados limites – e não procurar eliminar a constituição sempre que os limites não são convenientes a uma das partes da sociedade, que se encontre em “acção governativa”. Porque o mesmo princípio de não ser entrave se aplicaria a todos os governos, e se por acaso houvesse um governo “Chavista” em Portugal (à la Venezuela ou Bolivia) as limitações da Constituição à acção governativa viriam de outra direcção.

A este respeito, sugiro a leitura do interessante artigo do Bruno Faria Lopes (aqui) e uma primeira tentativa de contribuir para a revisão da constituição que não partiu dos partidos politicos aqui (iniciativa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, em versão epub, para versão em PDF ver  aqui). De qualquer modo, rever a Constituição apenas porque ela limita a acção deste governo é um mau motivo para essa revisão (e não será certamente por isso que será feita uma revisão, que necessita de um entendimento alargado na Assembleia da República).

Os constitucionalistas devem também ter o papel de esclarecer de forma inequívoca qual o papel de uma Constituição, e que possibilidades existem, em termos conceptuais, para esse papel.


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completamente …. o quê?

Hesitei muito sobre se deveria escrever a propósito das declarações de António Borges. Primeiro, porque as sensações imediatas são mais emoções que razão; segundo, porque entretanto toda (ou quase toda) a gente decidiu falar e emitir a sua opinião sobre o assunto. Passados alguns dias, talvez se consiga olhar para o que foi dito com mais calma.

Sobre a dimensão política das afirmações, não me pronuncio. Aliás, essa dimensão foi já suficientemente explorada, tal como a dimensão de estratégia de comunicação. Só achei estranho que nenhum comentador tivesse pedido para ver os exames do curso que António Borges dá, só para tirar as dúvidas do que é suposto os seus alunos saberem.

Interessa-me olhar para a dimensão económica subjacente, até porque como bem notou Marcelo Rebelo de Sousa vai de encontro ao que o próprio primeiro-ministro disse, embora de forma menos agressiva, e que revela (?) o pensamento económico que lhe possa estar subjacente.

Em termos de teoria económica, na representação mais simples de uma economia, em situações de concorrência, a produtividade dos trabalhadores (na última unidade produzida) é o elemento determinante do salário real. Ou, outra forma de o dizer, o valor da produtividade iguala o salário. Se a produtividade aumenta menos do que os salários nominais e os preços dos produtos vendidos não acompanham, cria-se um desfazamento que em termos económicos mais cedo ou mais tarde tem de ser corrigido – ou a empresa desaparece, ou baixa salários, ou aumenta produtividade, admitindo que em termos de preços a empresa tem que acompanhar a concorrência (especialmente verdade no caso das empresas exportadoras, que para a mesma qualidade de produto, em geral, não podem praticar preços muito mais elevados que a sua concorrência).

Do ponto de vista das empresas, o salário relevante neste contexto é o salário acrescido de todas contribuições envolvidas, que é por isso diferente do salário liquido recebido pelos trabalhadores (em que para além das contribuições pagas directamente pelo empregador, ainda têm que pagar a sua parte da contribuição para a segurança social e ver retido a componente de imposto sobre o rendimento).

Uma das implicações mais antigas da teoria económica é que esta diferença entre salário liquido e salário bruto é inibidora de contratações que seriam mutuamente vantajosas para trabalhador e empresa. Uma das distorções no mercado de trabalho, destruidora de emprego, é esta diferença. No caso da medida proposta pelo primeiro-ministro, e defendida por António Borges, esta distorção aumentava, pelo que não pode ser este o motivo de defesa da medida. Também não foi este o argumento invocado contra a proposta por quem se mostrou contra. Note-se que uma descida da TSU do empregador, financiada de outra forma, levaria a uma redução desta distorção. O aumento só surge porque a contribuição do trabalhador aumenta mais do que a redução da contribuição do empregador. O argumento contra esta distorção é o de que actualmente não é por ter salário maior ou menor que as pessoas aceitam um novo emprego ou manter o que já têm. Na actual conjuntura, até pode ser verdade, mas medidas desta natureza para promover o emprego não se espera que tenham resultados a três meses, por isso o prazo relevante de discussão é mesmo o médio prazo, onde a distorção se fará sentir.

Sendo assim, é necessário procurar outras explicações.

Do lado de António Borges, e juntando com declarações de outros defensores da proposta apresentada, as principais vantagens da medida eram a) baixar salários de forma generalizada; b) permitir um aliviar de tesouraria às empresas, substituindo-se esta medida à actuação do sector bancário no proporcionar de liquidez às empresas com maiores dificuldades nesse campo.

Sobre a importância de baixar salários dedicarei outro texto, mas é de notar que nada impedia que os salários fossem aumentados aos trabalhadores pelas empresas que estivessem em condições de o fazer, e que até o poderiam fazer aumentando apenas aqueles trabalhadores que considerassem merecedores, e nos restantes “aceitariam” a imposição de decréscimo salarial. Neste sentido, surge até como uma medida de flexibilidade salarial, e não apenas de decréscimo salarial. Os empregadores poderiam gerir da forma que considerassem adequada a folga gerada pela redução da TSU a seu cargo, mesmo que em termos totais viesse a ocorrer uma maior distorção.

O elemento aparentemente não previsto neste argumento é a reacção emocional e de justiça percepcionada face à medida que faz passar directamente dinheiro do bolso dos trabalhadores, em que já sofreram aumentos de impostos e nalguns casos reduções salariais impostas pelas empresas, em pequenas e médias empresas, para os empregadores, que poderão aplicar essa transferência a salvar a empresa ou simplesmente aumentar os seus rendimentos próprios.

Mas também falhou perceber melhor o lado das empresas.

Do lado dos empregadores, a principal motivação da reacção adversa esteve associada com a motivação dos trabalhadores face a esta medida e as consequências que a mesma pudesse ter. Este argumento não está presente na descrição teórica simples que apresentei inicialmente. O desenvolvimento desse tipo de argumentação está contudo presente na teoria económica, na chamada teoria dos salários de eficiência (o leitor interessado pode ver aqui um resumo e uma visão crítica aqui, mas também existem outros motivos para os empregadores não quererem baixar salários, que em geral estão associados com a ideia de relação de longo prazo com trabalhadores como forma de motivação e promoção da produtividade; um tratamento dos vários motivos pode ser visto aqui). A resistência dos empregadores a baixar salários não resulta apenas e unicamente de aspectos redistributivos, ou sequer de “visões marxistas” da economia. Este aspecto é crucial para perceber a divergência de opiniões entre uma proposta que se julgava “amiga” das empresas e a resposta destas.

A julgar pelas reacções observadas, o factor de perturbação dentro das empresas criado pela redução salarial associada com a proposta apresentada pelo primeiro-ministro teve mais peso que o alivio financeiro proporcionado pela medida. Esse diferente peso também revela que os empregadores dão maior peso ao longo prazo, em que essa perturbação laboral terá mais consequências para a empresa, do que dão ao curto prazo (ou ao futuro imediato), em que certamente o alivio financeiro seria bem vindo.

Não sendo eu especialista no mercado de trabalho, é desejável que outros refinem aspectos da análise acima (mas também não quis escrever um paper científico!), pois há outras características do mercado de trabalho que podem ter relevância, como os processos de negociação salarial, contratação colectiva, etc.

De qualquer modo, é bom saber que os alunos do primeiro ano de António Borges são capazes de articular modelos de determinação salarial complexos com situações de falta de liquidez das empresas em contexto de recessão.


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no dinheirovivo.pt de hoje

sobre o que será o sucesso ou o falhanço central do Ministério das Finanças neste ano de 2012, aqui. Não coloco o défice público como o elemento central. Claro que falhar as metas do défice são um falhanço, como cumprir seria um sucesso. Só que há um aspecto mais crucial – algo duramente criticado em documento de agosto 2011:  ter mecanismos que controlem a capacidade dos organismos públicos criarem despesa. Essa foi uma meta a que este Governo se comprometeu, e em que depende essencialmente de si (ao contrário do défice, que tem vários aspectos externos a influenciar, como se tem discutido, a recolha de impostos e as prestações sociais).


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o mito do estado empresário

O mito do estado empresário está mesmo enraizado no pensamento político português, e é desses “instintos profundos” que resulta grande parte da nossa paralisia em geral.

Hoje, no trânsito, com a rádio ligada, estava a ser dada uma notícia sobre a linha do Vouga, que aparentemente irá ser encerrada. Um deputado de um dos partidos da coligação governamental era referido como tendo afirmado que “achava” que a linha era viável e urgia o Governo a olhar para o assunto. Eram focadas as ligações entre Aveiro e Águeda e entre Águeda e Espinho, se não estou enganado.

Desconheço, confesso, qual a verdadeira viabilidade económica dessas linhas e de que condições depende essa viabilidade.

O que me assusta é a ideia de que deve ser o Governo a fazer essa avaliação.

Pelos vistos, não cabe às empresas de transportes fazer essa avaliação, tem que ser o estado empresário, ao mais alto nível.

Pelos vistos, não passou pela mente do deputado ir para além do “achar” e fazer um business plan demonstrando essa viabilidade económica, ou incentivar alguém ou alguma empresa a fazer esse plano e a candidatar-se a explorar as ditas ligações sem apoios do estado.

Nada disso, cabe ao Governo avaliar a viabilidade económica da linha! Apesar de toda a retórica continua no fundo da alma a querer-se um estado que esteja presente em tudo, que tudo pague. E vindo do grupo político de apoio ao Governo, demonstrando o enraizamento desta ideia.

Se fosse um pedido para o Governo avaliar a componente de serviço público que pudesse estar presente – que externalidades existem? efeitos de redistribuição por apoio à mobilidade de população sem outras alternativas? coesão social na área? – ainda poderia caber dentro da esfera que se espera para o Governo. Não sendo assim, a pergunta deve ser devolvida à comunidade empresarial, que deverá mostrar, pela acção e gestão concreta, se as linhas em causa são ou não economicamente viáveis.


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Mi(ni)stérios

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Mi(ni)stérios

21/11/2011 | 04:55 | Dinheiro Vivo

Economia
Tornou-se evidente que o Ministro da Economia e Emprego se tornou o alvo político do momento. Mas entre as várias declarações de diverso tom proferidas durante a semana, não deixa de ser curioso que não se tenha produzido qualquer análise séria e detalhada do que o Orçamento do Estado prevê para 2012 neste campo. A discussão centra-se ao nível das declarações deste ou daquele, faltando objectividade.

Vejamos, é por demais claro que nos dias que correm a concessão de subsídios deixou de ser um instrumento privilegiado. O custo de oportunidade desses subsídios público aumentou consideravelmente, e se no passado já era duvidoso qual a rentabilidade da sua aplicação, hoje dificilmente se conseguirá justificar do ponto de vista social a concessão de avultados subsídios (claro que do ponto de vista privado, é sempre interessante receber subsídios, pelo que os pedidos não esmorecerão).

Olhando para as intenções do Ministério da Economia e Emprego, tal como descritas no Relatório do Orçamento do Estado, a aposta para o crescimento futuro da economia está no empreendedorismo e inovação. Dificilmente encontraremos um diagnóstico que discorde da importância desse caminho. Só que os interlocutores habituais, oficiais ou mediáticos, são normalmente empresas ou representantes de empresas ou trabalhadores. Ou seja, representantes do que existe e não do que poderá existir e ser inovador. Por exemplo, se uma inovação criar um novo sector de actividade à custa de outro existente, apenas este último terá “representantes” a procurar medidas que o defendam do primeiro.

O principal instrumento do Ministério da Economia está na definição de enquadramentos e regras. Que devem ser o mais neutrais possíveis na escolha entre sectores actuais e potenciais, se se quer de facto promover a inovação. Promover inovação significa também uma enorme capacidade da equipa dirigente do Ministério da Economia e Emprego em resistir às pressões, públicas e privadas, oficiais e informais, que existem e vão existir a favor deste ou daquele sector, desta ou daquela empresa.

Justiça
O bom funcionamento do sistema judicial é reconhecidamente uma das pré-condições para que ocorra o investimento necessário para que a actividade económica volte a crescer em Portugal. O Memorando de Entendimento é muito claro num conjunto de exigências de melhorias operacionais no sistema judicial. Sem essas melhorias, a possibilidade de um qualquer investimento ser “expropriado” ao investidor por mau funcionamento do sistema de justiça é obviamente um dissuasor importante desse investimento em primeiro lugar. Ora, olhando para o Relatório do Orçamento do Estado para 2012, a preocupação principal aparenta ser reforma e revisão de códigos, e pouco ou nada sobre metas de melhorias operacionais, redução de tempos de decisão, etc…

Não sendo especialista da área da Justiça, depois de ler o que está no Memorando de Entendimento, a sensação é a de que o problema está na aplicação das leis, e não no seu conteúdo, de uma forma geral. Avançar para alterar conteúdos servirá apenas para continuar a justificar o mau funcionamento operacional da aplicação da justiça em Portugal. Deve-se exigir mais.

Não é claro como o Ministério da Justiça pretende colocar, em curto espaço de tempo, o funcionamento do sistema judicial ao serviço da sociedade e da economia, em lugar da procura do sistema legal perfeito.

Pedro Pita Barros
Nova School of Business and Economics
ppbarros@novasbe.pt