Momentos económicos… e não só

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A classe média, o que é?

Interessante trabalho do Observador, aqui, sobre o que os partidos definem como classe média quando a invocam. Tenho para mim que há também uma outra definição implícita para os partidos (classe média = grupo importante de votantes para o meu partido, o que varia obviamente de partido para partido).

Mas para ter uma ideia do que é a distribuição dos rendimentos (do trabalho, sobretudo, acrescidos de prestações sociais) em Portugal e como evoluiu nos últimos anos, sugiro a conferência de Carlos Farinha Rodrigues, sexta-feira dia 23, no ISEG, para apresentação de um trabalho sobre o tema das desigualdades económicas (no âmbito dos trabalhos da Fundação Francisco Manuel dos Santos). Para comparação, uma análise com alguns anos do mesmo autor está disponível aqui.

Uma primeira visão dos resultados do trabalho mais recente foi apresentada no Expresso da semana passada. E está disponível no microsite Portugal Desigual.


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Poupança, riqueza e a política do Bloco de Esquerda

Agora que o Bloco de Esquerda é parte da solução governativa, é importante dar atenção ao que são os seus instintos profundo, os que constituem na realidade o seu programa político, pois será assim que serão insistentes para com a governação socialista. E as recentes declarações de Mariana Mortágua (aqui), “do ponto de vista prático, a primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro” traduzem esse instinto profundo, e uma visão de sociedade.

Se à primeira vista a preocupação com as desigualdades suscita compreensão e até empatia, o “modelo” de sociedade que está subjacente às afirmações não foi explicitado, e deverá ser difícil explicitar pois dificilmente conseguirá ser coerente com valores base de liberdade e democracia. Tomado literalmente significa que o Bloco de Esquerda é avesso à poupança, a qualquer poupança, e que redistribuirá essa poupança. Parece ter também a ideia de que “acumular” é mau, inerentemente mau. Ora, um sistema económico dificilmente consegue sobreviver em liberdade sem haver poupança e liberdade de cada um utilizar o fruto do seu trabalho da forma que entender, dentro das regras gerais da sociedade. E até a solução para combater as desigualdades tem uma conotação negativa: em vez de melhorar os que estão pior, há que trazer para baixo os que conseguirem melhorar. Antecipo que nos próximos dias Mariana Mortágua venha esclarecer que não é contra a poupança dos trabalhadores, que estava a falar dos 0,01% em acumulação da riqueza, ou seja reposicionar a sua afirmação na corrente politicamente correcta. Porém, será apenas reposicionar, pois a convicção das palavras é a da visão profunda de acumular ser mau, e apenas a redistribuição ser o único objectivo social, e que pretende apenas colocar em causa o “capitalismo que temos” (ou alguma variante deste termo).

Mais importante seria explicitar qual o seu modelo alternativo de funcionamento económico – sem poupança, não há fundos privados para serem canalizados para investimento, e terão que vir de poupança pública (impostos superiores às despesas do Estado, mas espera se vai tudo para redistribuição também não há poupança pública…) ou de poupança externa (mas quem vai querer investir cá, e ter investimento estrangeiro não é vender o país aos capitalistas dos outros países?). Bom, então passemos sem investimento, nem público nem privado. Sem investimento, e sem capacidade de acumular resultados positivos na actividade económica, as empresas desaparecem. Não tem problema, neste modelo alternativo o sector público assume o que for preciso. Mas quem decide no sector público esse funcionamento económico? e como o equilibra com a redistribuição (admitindo que ainda haja alguma coisa para redistribuir)? bom, se alguém o faz, fica com grande poder e grande poder chama a corrupção. Bom, o melhor é mesmo manter algumas empresas privadas mas fixar todos os preços que praticam (espera, isso já está a ser tentado na Venezuela, com os resultados de escassez e escalada de crime). Ou seja, não é nada claro que haja um “modelo” alternativo na mente de Mariana Mortágua que possa funcionar.

Mas o que está subjacente à afirmação é errado até no sentido mais próximo de não ser a melhor forma de alcançar o que pretende. A melhor forma de reduzir as desigualdades é fazer subir quem está em baixo, e nesse processo a “acumulação”, a poupança, é um elemento essencial, e não apenas a redistribuição. (ver aqui uma análise séria sobre o papel das poupanças na mobilidade social e económica, e na redução das desigualdades de rendimento).

Adicionalmente, estas afirmações facilmente sugerem que depois do “acumular de casas” outras medidas possam aparecer (por exemplo, porque não tributar outros instrumentos de poupança, perdão acumulação, como os certificados de aforro e outros instrumentos de colocação da dívida pública?). O receio de qualquer manifestação de acumulação, digo poupança, ser tributado para redistribuir poderá fazer desaparecer essas poupanças, ou por consumo ou por serem colocadas em instrumentos dificilmente observáveis – para os “ricos”, certamente aplicações no exterior, para os outros talvez ouro ou simplesmente o tradicional colchão. Não tenho a certeza de qual será a forma de ajustamento, mas se o princípio anunciado pelo Bloco de Esquerda e tacitamente aceite pelo PS é tributar a “acumulação”, quem “acumula” irá alterar o seu comportamento e todas as formas que consigo pensar de ajustamento de decisões não são a favor de fomentar o crescimento económico ou da produtividade, essencial para a melhoria das condições de vida das pessoas.

Há ainda os que recebem a redistribuição, afinal isto deve ser neutro, certo? estamos só a tirar de uns para dar a outros. A “pequena” questão é como os comportamentos económicos de uns e de outros se alteram. Um exemplo extremo ajuda a clarificar a minha preocupação. Suponhamos que se pretende que todos tenham o mesmo rendimento, independentemente de estar ou não a trabalhar. Se isso for assegurado, a opção de trabalhar, ou não trabalhar, deixa de ter qualquer implicação para o rendimento, por definição. Logo, quantas pessoas optarão por trabalhar? Se houver um número suficientemente grande de pessoas que deixa de trabalhar como assegurar os bens e serviços essenciais? será necessário obrigar a que as pessoas trabalhem, numa lógica de “escravatura de Estado”? o modelo económico vigente leva a que à existência de trabalho pela expectativa de “acumulação” (poupança) e pela necessidade de rendimento. Desaparecendo ambas com a política de “ir buscar a quem acumula” para redistribuir, então o caminho para a pobreza material ou para “escravatura de Estado” encontra-se aberto.

E por fim, pelo menos neste post, a interferência com a liberdade económica de poupar/acumular, sacrificando consumo hoje para poder ter algo mais no futuro. Se duas pessoas com o mesmo rendimento do trabalho tiverem opções diferentes, em que uma decide poupar para dar mais educação aos seus filhos ou para ter um tempo de reforma melhor (podendo incluir nessa forma de poupança adquirir imóveis para usufruto próprio ou como fonte de rendimento para o futuro) e outra decide fazer todos os anos viagens de turismo fabulosas, porque deve ser a primeira penalizada com tributação adicional? Não se quebrará de forma injusta a igualdade na liberdade de usar os rendimentos que alcançar?

Não sei se receio mais que a afirmação seja resultado de um “modelo” económico alternativo que está presente na atuação do Bloco de Esquerda (embora o seu manifesto eleitoral de 2015 não permita perceber que modelo de funcionamento económico da sociedade pretendem, pois tem apenas ideias avulsas e não um visão global da sociedade), ou que seja resultado do entusiasmo do momento, sem ter pensado em todas as consequências do que a afirmação significa.

 


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Dilema: ter sanções ou não ter sanções?

A grande discussão económica das últimas semanas, brevemente interrompida pelos sucessos desportivos recentes, é se a União Europeia irá, ou não, aplicar sanções de natureza económica a Portugal, no cumprimento das regras a que Portugal voluntariamente se comprometeu quando integrou como fundador a zona euro.

É evidente que para Portugal, agora e neste momento, é melhor não sofrer sanções. E será sempre verdade “agora e neste momento”, qualquer que ele seja. O que está em causa não é se as sanções por si vão ajudar a economia portuguesa. Não vão. A questão é saber se Portugal (e já agora cada um dos restantes países do euro, pelo menos) tem capacidade de viver num mundo de decisões de política económica com regras fixadas previamente. O propósito dessas regras é evitar erros de política económica ou aproveitamento dos mecanismos europeus à custa dos restantes parceiros (e se todos fizerem isso, no final todos ficarão pior – é o velho problema da “conta do restaurante” ).

A criação de regras tem o potencial de gerar melhores decisões de política económica em geral, mas tem que lutar contra a tentação de subverter essas regras no futuro, argumentando que não se aplicam. Este debate sobre a relevância das regras é permanente. Há cinco anos, num outro texto, procurei explicitar o que nos diz a análise económica (ver aqui).

Mas qual é o problema de Portugal argumentar que não lhe devem ser aplicadas as sanções previstas pelos tratados que Portugal livremente assinou? Se o argumento se baseia em não estarem preenchidas as condições para essa aplicação, então a discussão é sobretudo uma discussão técnica, e deverá ser conduzida nesse plano. E Portugal tem neste caso toda a razão em discutir com os serviços da Comissão Europeia que preparam os documentos para a decisão política.

Mas se o argumento é que apesar de estarmos nas condições de aplicação de sanções, essa aplicação é prejudicial à economia portuguesa e como tal não deverá ser aplicada, então estaremos a ajudar a minar a credibilidade da estrutura montada para o enquadramento das decisões económicas, e também a minar a credibilidade nacional (quando Portugal se comprometer no futuro com decisões de longo prazo, os nossos parceiros “aprendem” desta situação que procuraremos renegociar mais tarde, o que afectará os termos com que quererão trabalhar com Portugal). O que se joga com as sanções a Portugal e Espanha no contexto europeu é a credibilidade de um sistema em que podem ser tomadas decisões de longo prazo e esperar que os países as cumpram versus um sistema de negociação permanente, com a incerteza a ele inerente. A discussão que tem sido feita em Portugal mostra a preocupação (grande) com o momento presente, ignorando os efeitos de longo prazo na credibilidade e reputação do país e dos mecanismos europeus (aspecto em que Portugal não está sozinho, claro).

 


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e quanto ao crescimento económico?

o INE publicou no dia 31 de maio informação sobre a evolução da economia (ver aqui). Os dois pontos cruciais:

“O consumo privado, em volume, apresentou uma variação homóloga de 2,9% no 1º trimestre de 2016, 0,6 p.p. acima da taxa de variação observada no trimestre precedente.(…) Esta evolução deveu-se sobretudo à aceleração da despesa com bens duradouros, que passou de uma variação homóloga de 7,5% no trimestre anterior para 12,8%, refletindo em larga medida a evolução da componente automóvel. (…)  A FBCF em Outras Máquinas e Equipamentos [leia-se investimento em equipamento em termos não técnicos] também contribuiu negativamente para a evolução da FBCF total, com uma diminuição homóloga de 4,2% (taxa de -4,4% no 4º trimestre).”

Ou de outra forma, o “plano” de crescimento de aumentar o rendimento disponível para consumo traduz-se em importações de automóveis de forma significativa (o que será bom para os stands automóveis, mas sobretudo para os países de onde importamos esses automóveis), e a capacidade produtiva da economia e a sua produtividade vão provavelmente continuar numa rota anémica (senão mesmo descendente). Os desafios à economia portuguesa, e a quem pensa as políticas económicas, aumentam.

Sendo certo que ainda é cedo para avaliar se a estratégica macroeconômica sobre a qual assentam as esperanças do actual governo irá ou não funcionar, estes não deixam de ser sinais que merecem atenção. A tentação de “matar o mensageiro” vai certamente existir. Mas vale a pena recordar que o investimento e o crescimento da produtividade e da economia não se decretam centralmente, e surgem sim de milhares de pequenas decisões de entidades independentes.

É necessário evitar uma atitude comum: a de ver quem estava no anterior Governo como incapaz. Sucedeu isso com a equipa de Passos Coelho e Vitor Gaspar (que dava a sensação de pensar quem o antecedeu como tendo falhado por falta de capacidade técnica), e sucede até certo ponto com a actual equipa governativa, ao usar o argumento de que Portugal não cresce por causa de ausência de estímulo da procura (culpa das “políticas neo-liberais”). Há claramente necessidade de passar para a análise mais profunda de porque não melhora o desempenho económico global em Portugal, e pode-se começar com uma pergunta, aplicável a todos os Governos dos últimos 20 anos: admitindo que todos eram tecnicamente capazes e interessados no crescimento económico do país, porque falharam as sucessivas políticas? (dizer que os agentes económicos não compreenderam o alcance estratégico das medidas não é resposta, dizer que as políticas não foram bem definidas é irrelevante quando se está a julgar a definição pelos resultados, dizer que quem as pensou era incompetente não será suficiente, é preciso ir mais fundo)


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o livro de Mário Centeno que chegou à Assembleia da República

Numa recente intervenção no Parlamento, um deputado do PSD, Miguel Morgado, questionou o ministro  das finanças, Mário Centeno, sobre o que este escreveu num ensaio sobre o mercado de trabalho (ensaio disponível aqui).

Na altura da publicação do ensaio (em 2013), fiz uma leitura comentada dos principais pontos de interesse que encontrei, e cujos links abaixo permitem recuperar essa leitura. Por sintetizar, reproduzo o último comentário (ligeiramente editado).

“Soluções para melhorar o funcionamento do mercado de trabalho, por Mário Centeno

A reforma do mercado laboral tem que possuir três características:

–       reduzir os custos de despedimento

–       uniformizar as diferentes formas contratuais

–       tornar universal o seguro de desemprego

Os pontos centrais são:

–       internalização pelas empresas dos custos de despedimento – quem despedir mais deverá pagar uma taxa de contribuição superior para a segurança social

–       reformar o subsídio de desemprego criando contas individuais – assim, uma maior duração do período de desemprego terá maior custo para o trabalhador, a disponibilidade para aceitar um novo emprego será maior. Deverá haver sensibilidade do mecanismo aos condicionalismos do ciclo económico. Um dos pontos chave será a credibilidade de um sistema deste tipo – será que as regras conseguiriam ser cumpridas?

–       Associar o financiamento de programas públicos com a relação económica que lhe dá origem – está aqui a pensar em licenças de maternidade e doença, pensões, etc…, que deveriam ser financiados sem aumentar  os custos de trabalho para as empresas.

–       Negociação directa de salários da empresa com os seus trabalhadores, com a criação de um novo instrumento de negociação colectiva, sem intermediação do sindicato sectorial (creio que o termo chave aqui para Mário Centeno é o “sectorial” e não o “sindicato”)

–       Contrato único – com pagamento de compensação por perda involuntária do emprego, crescente com a antiguidade na empresa e com um limite máximo, bem como um aumento do período de pré-avso de despedimento.

Apesar de interessantes estas propostas deveriam detalhar mais a forma como afectam os incentivos das partes a investir na relação laboral, como estimulam a manutenção de  “pares” empresa-trabalhador muito produtivos e como levam à separação de “pares” pouco produtivos.

O elemento central das propostas era procurar mecanismos e definições de regras do mercado de trabalho que procurem encontrar os pares empresa-trabalhador mais produtivos, que me parece ser um bom critério para avaliar o interesse destas e de outras propostas para o mercado de trabalho.”

A leitura comentada completa:

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/03/21/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-1/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/03/22/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-2/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/03/26/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-3/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/03/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-4/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/15/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-5/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/16/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-6/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/19/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-7/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/22/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-8/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/23/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-9/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/24/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-10/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/26/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-11/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/30/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-12/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/04/30/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-13/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/05/02/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-14/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/05/07/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-15/

https://momentoseconomicos.wordpress.com/2013/05/08/o-trabalho-uma-visao-de-mercado-16/


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uma nova troika, uma nova vida

Não, não é um novo resgate a Portugal.

Não, não é uma discussão sobre a legitimidade política (ou a sua falta) do Governo que agora tomou a posse.

É sim sobre a troika que é constituída pelas reuniões semanais dos representantes das bancadas parlamentares de apoio ao Governo (mais do que economês, os próximos tempos serão marcados pelo parlamentês). Segundo relatos da imprensa, “Estas reuniões foram decididas entre PS, BE, PCP e PEV por forma a que os partidos partilhem informação e conheçam a agenda do Governo, atempadamente.”

Pressuponho que estas “reuniões de coordenação” permitirão ao Governo antecipar quando uma medida não terá apoio parlamentar suficiente. O que significa que a troika PCP + BE + PEV terá na prática direito de veto sobre as propostas legislativas do PS, em reuniões à porta fechada.

Um aspecto, que cruza economia política e ciência política, é que efeitos pode ter a existência destas reuniões de coordenação, em particular sobre medidas que tenham benefícios concentrados em alguns grupos e custos dispersos pela população, que dão usualmente lugar a actividades de lobbying. Em termos de “convencimento dos méritos” das propostas por parte de grupos, quando há uma maioria absoluta bastará convencer quem detém o poder de decisão relevante no quadro dessa maioria absoluta – por exemplo, uma isenção especial de algum imposto, ou alguma despesa específica num sector ou região particular. Ou seja, quem quiser fazer lobbying terá que centrar-se apenas num ponto. Com a existência desta troika parlamentar, torna-se agora necessário convencer mais do um decisor, mais do que um partido. E ou aumentam os recursos desperdiçados em lobbying ou este será menos eficaz (ou ambas as coisas).

Globalmente, será agora mais natural a manutenção do status quo. Não é so a vida do Governo que se torna mais difícil, é também a vida dos grupos que procuram influenciar medidas legislativas (antecipo que não só em termos de recursos a usar mas como os usar – as agências de comunicação quanto terão de (re)aprender neste campo?). Por exemplo, greves de transportes, “exigências” sobre tempos de reforma, manifestações, serão a nova forma de lobbying, em substituição das “reuniões de gabinetes”?

Será também curioso saber se as medidas fundamentadas tecnicamente terão vida mais fácil do que as medidas de cariz sobretudo político a passar no crivo desta nova troika. Não teremos certamente relatórios trimestrais da troika para acompanhar a acção governativa, veremos se as declarações para a imprensa farão esse papel. Acompanhemos o que nos dizem (e venham a dizer) os “political scientists” do nosso país nos próximos tempos, com esta nova troika e uma nova vida para os mecanismos de produção legislativa.


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Joseph Stiglitz, Desigualdade num mundo globalizado

Ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, cheia como raras vezes terá sucedido, Joseph Stiglitz trouxe a sua visão sobre o crescimento das desigualdades económicas, suas origens e as implicações que daí retira. A análise estatística incidiu sobretudo sobre os Estados Unidos.

Pontos chave da apresentação:

  • a desigualdade na riqueza é maior que a desigualdade nos rendimentos
  • a desigualdade que tinha permanecido constante no pós-segunda guerra mundial cresceu significativamente nos últimos 30/40 anos
  • neste período de crescimento da desigualdade o crescimento dos salários foi inferior ao crescimento da produtividade
  • o crescimento da desigualdade não é decorrente de crescimento diferencial das empresas, pois a desigualdade entre o topo da gestão e os trabalhadores comuns dentro das empresas aumentou muito significativamente
  • não é o mecanismo de acumulação de riqueza apontado por Piketty que está a gerar esta desigualdade (o efeito desse mecanismo é pequeno comparado com o crescimento observado da desigualdade).

Para Stiglitz, a principal razão para o crescimento da desigualdade está nas políticas adoptadas, a nível macroeconómico – a austeridade – e a nível macroeconômico – a regulação e definição de regras de funcionamento para a economia.

Em consequência, a resposta aos problemas da desigualdade terá que passar sobretudo por decisões políticas, micro e macroeconômicas. Sem abandonar a lógica de funcionamento de uma economia de mercado, a proposta de Stiglitz, que está exposta no seu último livro, é a de olhar para as regras de funcionamento das economias, a forma como estruturamos os mercados. A este respeito, teve uma posição bastante crítica dos novos tratados internacionais, nomeadamente o TTIP -Transatlantic Trade and Investment Partnership.

Em termos de intervenção pública, no aspecto microeconómico, a proposta é rever as regras que dão excessivo poder de mercado às empresas, em particular às grandes empresas. Aqui podemos relembrar um outro prémio Nobel da economia, George Stigler, que chamou a atenção para a regulação como uma actividade onde também há procura e oferta, e onde as empresas podem procurar protecção de concorrência via regulação, ou via regras de funcionamento do mercado em geral. Claramente, as regras de defesa da concorrência que temos, e que levam à existência de uma Autoridade da Concorrência em Portugal, e entidades similares nos outros países, não evitam que as empresas desenvolvam outras formas de poder de mercado, nomeadamente influenciando a produção de legislação.

No aspecto macroeconómico, Stiglitz propõe uma expansão orçamental financiada por impostos sobre os lucros das empresas, como forma de proteger a classe média de mais impostos sobre o rendimento (de outro modo, a expansão serviria para aumentar as desigualdades e não diminuir). A necessidade de olhar para os efeitos de impostos sobre as empresas e o seu efeito nas desigualdades mas também na própria orientação do investimento é para mim evidente, como argumentei há dois anos (aqui) quanto ao conhecimento que precisamos de ter a propósito da redução do IRC como mecanismo de estímulo ao crescimento da economia portuguesa.

Algumas partes da intervenção de Joseph Stiglitz tiveram um cunho panfletário, de intervenção política, e menos de análise económica. A essa parte cada um dará o valor que quiser. Os elementos económicos invocados são relevantes, e o deslocar da atenção para o campo das escolhas políticas na definição das regras de funcionamento das economias de mercado é uma proposta válida e importante.

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mais sugestões de leituras, a propósito do novo governo

Tendo tomado posse o novo governo, a “explosão mediática” destes dias é o escrutínio do pensamento e das histórias passadas dos novos ministros. Bem como dos conselhos e expectativas referentes aos diferentes ministérios. Acaba por ser uma overdose de informação. E decidi dar my two cents em leituras recomendadas.

A primeira, geral, sobre a reforma do estado e da administração pública, é o documento Sextas da Reforma, que recolhe os contributos de um ano de reuniões abertas, patrocinadas pelo Banco de Portugal, Conselho das Finanças Públicas e Fundação Calouste Gulbenkian. Inclui um texto de Maria Manuel Leitão Marques entitulado o Estado Simples, além de muitas outras boas ideias e propostas.

A segunda leitura, direccionada para a área da Saúde, é o relatório Gulbenkian com uma visão para o sistema de saúde português (e na verdade aplicável também a muitos outros países, dado que os problemas de longo prazo não são muito diferentes). A tentativa de colocar as ideias apresentadas na agenda política e num consenso mais formal não resultaram, conforme relata Artur Santos Silva (notícia do jornal Tempo Medicina), mas agora em início de legislatura será mais simples (?) conseguir uma visão comum, que permita políticas de longo prazo.

E por fim, “O Adivinho“, com toda a sua ironia sobre a leitura de entranhas de animais  (leia-se estudos nos dias de hoje) para ver o futuro, e “A Zaragata“.

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Programas de governo: contando palavras

Têm sido escritas muitas análises dos programas de governo, comparando as opções políticas e as propostas dos partidos proponentes. Cada análise inclui, mesmo que não seja de forma propositada, o ponto de vista de quem escreve, quase inevitavelmente.

Uma curiosidade que tenho é perceber se o programa do XX Governo (o segundo Governo liderado por Passos Coelho) está mais próximo do programa do XIX Governo (o primeiro liderado por Passos Coelho) ou da proposta de programa do PS (o que a acontecer será o XXI Governo).

Para me isolar do meu próprio enviesamento, decidi usar um programa de contagem de palavras, e agrupar por temas (o que será sempre discutível, embora juntar desemprego, desempregado, desempregadas, etc., seja razoável).

Os diferentes programas têm dimensões diferentes, e convém olhar para o número absoluto de palavras e para o número relativo.

Contar palavras não desvenda o conteúdo das propostas, dá quando muito a importância de cada tema (podendo ter igual importância mas de sentido oposto quando se comparam programas, basta ter um “não” à frente por exemplo). Ainda assim, como exercício de tratamento sumário dos programas, pensei que me poderia dar uma primeira visão do que cada programa (ou proposta de programa) considera mais relevante em termos de temática.

Uma primeira curiosidade é o termo “memorando”, que surgia 16 vezes no programa do XIX Governo, e que desaparece completamente no programa do XX Governo e na proposta do PS para programa de Governo.

A proposta do PS é a que tem mais palavras, quase 50% mais do que o programa do XX Governo, que por sua vez era também ele cerca de 50% maior, em palavras, do que o programa do XIX Governo. Dividi (de forma ad-hoc) os termos que mais interessam por 3 grandes temas: economia, sector público e sociedade. Para cada um destes temas, os quadros seguintes apresentam o número de palavras associados com os termos, sendo que variantes do mesmo termo foram somadas (os exemplo mais óbvios, utilização de masculino/feminino e/ou singular/plural).

Sem grandes surpresas, o programa do PS tem mais referências a quase todos os temas, por ser um texto mais longo. Ainda assim, só com os números absolutos é possível perceber que as Misericórdias, que surgiam com várias referências no programa do XIX, praticamente desaparecem no programa do XX Governo e na proposta no PS. Os aspectos de desemprego, equidade/pobreza, emigração e sector público, por seu lado, aparecem com mais força no programa do PS. Tal como a energia e o mar. Já os temas de “reformas” e “digital” têm pouca atenção no programa do PS face ao programa do XX Governo (sendo que o digital não surgia no programa do XIX Governo).

Em termos relativos, olhando para o peso relativo de cada tema dentro do total dos temas a que dei atenção, os gráficos mostram os elementos relativos ao funcionamento do mercado privado recebiam mais atenção no programa do XIX Governo do que no programa do XX Governo, que lhes deu mais atenção que na proposta do PS. Inovação e Investimento recebem mais importância na proposta do PS, embora exportações e infraestruturas tenham menos importância relativa do programa do PS. Enquanto o XIX Governo se referia frequentemente a solidariedade, a proposta do PS incide mais em desigualdade/equidade/pobreza. Reflete provavelmente a linguagem própria de cada área política.

A vantagem dos quadros e dos gráficos é permitirem a cada um identificar o que sejam as diferenças nas áreas que mais lhe importam.

Construindo um indice de diferença entre os três documentos com base na diferença entre a frequência relativa de palavras (dentro dos temas seleccionados) entre cada dois programas (elevando ao quadrado cada diferença e somando todas as parcelas), ao valor 0 a igualdade entre propostas. A diferença entre a proposta do PS e o programa do XX Governo tem um score de 0,06, a diferença entre os programas do XIX e do XX Governos tem um score de 0,13 e o score da diferença entre o programa do PS e o programa do XIX Governo é 0,18. Ou seja, também por aqui se encontra uma aproximação do programa do XX Governo ao PS, mais do que ao Governo anterior.

Economia Proposta PS XX Governo XIX Governo
Agricultura e pescas 71 53 44
Banca 27 11 7
Crescimento 36 45 31
Digital 30 54 6
Empresas/Empreendedorismo/industria 278 204 161
Exportações 34 28 24
Infraestruturas 35 28 21
Inovação 84 46 27
Investimento 187 120 60
Mercado/sector privado/concorrência/competitividade 283 268 206
Salários/remunerações/rendimentos 80 49 30
Mar 67 33 18
Economia 228 194 131
Energia 101 51 21
Regulação 33 27 20
Sector Público Proposta PS XX Governo XIX Governo
Ambiente 123 88 35
Autarquias 33 38 15
Desemprego/emprego 244 154 99
Memorando 0 0 16
Contas Públicas/Orçamento 36 39 32
Pensões 28 22 16
Sector Público 354 233 147
Reformas 39 77 37
Social 292 227 154
Impostos 34 25 11
Privatizações 6 4 11
Saúde 87 62 66
Sociedade Proposta PS XX Governo XIX Governo
Emigração 38 5 4
Envelhecimento/Demografia 46 34 14
Equidade/desigualdades/Pobreza 77 28 19
IPSS/Misericórdias 1 2 32
Natalidade 28 16 14
Solidariedade 24 23 31
Sociedade

Sociedade

Sector Público

Sector Público

Economia

Economia

(nota: os valores das figuras são as percentagens de termos em cada tema no total dado pela soma de todas as palavras de todos os temas para o mesmo programa).


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perceber as diferenças

O recente documento do PS sobre as implicações das suas propostas eleitorais contém um quadro sumário do “Impacto macroeconómico do programa eleitoral do Partido Socialista”. É uma óptima contribuição para o debate, pois permite confrontar os valores apresentados com outras previsões. É uma pena porém que seja em formato de “caixa negra”, pois não se conhecem os parâmetros exactos pelos quais as diferentes opções se traduzem em crescimento económico, desemprego, etc. Não é essencialmente diferente do que fazem outras previsões de outras entidades, mas em qualquer caso, como a qualidade das previsões de impacto dependem das hipóteses subjacentes, não as conhecer invalida que se possa dizer se são realistas ou não. Pareceu-me útil comparar as propostas, e o cenário inicial, com duas outras fontes: a Comissão Europeia, na avaliação que fez antes do Verão, e com os valores constantes do documento do Conselho das Finanças Públicas da Primavera 2015).

O ponto crucial do cenário macroeconómico está no forte crescimento do PIB que as medidas pretendem gerar. Uma forma de aumentar o impacto seria, na lógica de comparação com um cenário inicial, baixar esse ponto de referência, o que não é feito. Assim, o julgamento das propostas do PS é inteiramente sobre a razoabilidade de criar o crescimento anunciado. Tudo o resto advém daí, incluindo um desagravamento fiscal (o rácio receitas totais do Estado / PIB baixa rapidamente), com redução do peso da despesa com pessoal e com as prestações sociais (embora aumentem em valor absoluto, as despesas salariais mais do que cenário base e as prestações sociais menos que no cenário base – resultado provável do crescimento económico gerar menos necessidade de algumas prestações sociais). O pagamento de juros em valor absoluto é sempre mais elevado no cenário das políticas do PS do que no cenário base, embora em termos relativos isso seja atenuado pelo forte crescimento do PIB, resultado da idêntica evolução no volume de dívida pública (aumenta em termos absolutos mas não em termos relativos).

Em termos da relação entre despesa pública e nível de rendimento agregado, os cinco anos apresentados e a informação dada não permitem inferir que modelo se encontra subjacente e que valores estão envolvidos, embora aparente ter um “multiplicador” superior à unidade. Uma rápida busca na internet levou-me a este post do Pedro Romano (aqui) que tem uma análise simples que aponta nesse sentido.

Globalmente, não sendo totalmente implausíveis, os valores de impacto no crescimento parecem ser bastante optimistas.

(as previsões do Conselho das Finanças Públicas podem ser consultadas aqui)

(as previsões do Post-Program Surveillance Report da Comissão Europeia podem ser consultadas aqui)

 

 

As estimativas da Comissão Europeia (comparar com o cenário base do PS) sobre a economia portuguesa - avaliação de acompanhamento pós-programa de ajustamento

As estimativas da Comissão Europeia (comparar com o cenário base do PS) sobre a economia portuguesa – avaliação de acompanhamento pós-programa de ajustamento

A estimativa PS sobre o impacto no cenário macroeconómico das políticas propostas pelo PS

A estimativa PS sobre o impacto no cenário macroeconómico das políticas propostas pelo PS

Receita total Governo/PIB - documento PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

Receita total Governo/PIB – documento PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

 

 

Despesas públicas com pessoal - cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

Despesas públicas com pessoal – cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

Crescimento do PIB - cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

Crescimento do PIB – cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

 

Dívida pública - cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia

Dívida pública – cenários PS vs Conselho das Finanças Públicas e Comissão Europeia