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Governo, economistas e combustíveis

Hoje, no meio do trânsito, ouvi uma notícia que fui depois confirmar (aqui, no Público). O Governo reduz a tributação sobre o gasóleo nas zonas de fronteira para evitar que as empresas vão abastecer a Espanha, onde o preço é suficientemente mais baixo para valer a pena a deslocação.

É uma opção política, mas legitima, podendo-se discordar ou não.

O que me chamou a atenção foi a afirmação que surge no final da noticia:

“O Governo já afirmou que a medida não deverá ter impacto nos cofres do Estado, estimando que a perda de receitas fiscais por via do reembolso (que rondará os 150 milhões de euros) seja compensada com um aumento do volume de abastecimentos feitos nos postos portugueses.”

É aqui que o Governo devia ir consultar os seus economistas no Ministério das Finanças e colocar-lhes uma pergunta simples: Qual o valor estimado para a elasticidade procura preço de gasóleo que é compatível com esta afirmação?

Esta formulação é bastante técnica,  mas explica-se rapidamente – quando se altera uma taxa de imposto altera-se o preço final do produto, se o preço final se altera espera-se que o consumo do mesmo produto reaja (baixando se o preço aumenta, aumentando se o preço baixa). Para a receita fiscal se manter constante é preciso que o efeito indirecto de aumento de consumo em Portugal (por desvio de consumo que estava a ser feito em Espanha) compense o efeito directo de se cobrar menos imposto em todos os consumos que são feitos em Portugal (o imposto não discrimina entre quem iria ou não iria abastecer em Espanha, por ser impossível conhecer esse padrão).

Esta sensibilidade do consumo ao preço é conhecido tecnicamente por “elasticidade procura preço”. E no caso destes impostos, terá que ser elevada (superior a 1) para que esta neutralidade fiscal se verifique. Um estudo antigo, de 2001, (não encontrei nenhum recente numa busca rápida) indicam que esta elasticidade no curto prazo está bastante abaixo de 1, embora aqui se esteja a tratar de um subconjunto de consumidores de gasóleo que poderão ser mais sensíveis ao preço que o média do consumidores.

Ou seja, a informação conhecida sobre os fundamentos económicos do sector sugere que é improvável que a receita fiscal se mantenha constante (ou aproximadamente constante), como foi afirmado, pelo que cabe ao Governo fazer prova de que realizou os cálculos necessários para que tal seja uma expectativa razoável. Até os pode ter feito, e nesse caso deveria divulgar para dar credibilidade à afirmação. De outro modo, é “politicalware” – afirmações para justificar mesmo que não tenham suporte real.

Curiosamente, se subir ou descer este imposto fosse neutral do ponto de vista fiscal, porque é que houve a preocupação de o subir anteriormente? (por causa dos consumidores de combustíveis que não têm possibilidade de ir a Espanha, e têm por isso uma procura que não se pode alterar muito – baixa elasticidade procura preço – ?)


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impostos sobre sacos plásticos e pouca receita, é surpresa?

Numa notícia do Observador, ver aqui, é feita referência ao facto de uma estimativa de imposto sobre os sacos plásticos de 34 milhões de euros ter dado apenas uma receita de 1 milhão de euros. A surpresa que é expressa na notícia, reflectida na consideração de “maior falhanço”, pode ser vista de outro modo. Este foi um imposto lançado dentro do “chapéu” geral que se poderá chamar de fiscalidade verde, e tinha como objectivo reduzir a utilização de sacos plásticos finos, que se transformavam em poluição de forma quase instantânea devido à sua fragilidade. Se se pretende alterar um comportamento e se lança um imposto como instrumento, não se pode esperar que o comportamento mude e a receita fiscal seja a que seria produzia caso o comportamento não tivesse mudado. É simplesmente contraditório (mas infelizmente comum formar-se essa expectativa em análises apressadas, incluindo análises oficiais e na produção de estimativas de receitas).

No caso dos sacos plásticos, era relativamente notório que um mês depois da entrada em vigor do imposto que os hábitos dos portugueses na utilização dos sacos de plástico estava em alteração – o ajustamento ao imposto estava a ser feito por redução da utilização, o que sugeria uma redução da receita fiscal. E se falhou a meta da receita fiscal, significa que resultou o objetivo de redução de poluição por sacos de plástico finos.

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Patriotismo, preços e comportamento económico

O prémio da melhor frase da semana passada vai directa para o Ministro da Economia, que “pede aos Portugueses que não abasteçam em Espanha” por civismo e para pagarem impostos em Portugal em lugar de os dar ao Governo espanhol. Até se compreende a preocupação. Mas ao mesmo tempo levanta duas preocupações. A primeira é sobre a compreensão do comportamento económico. Não deveria haver qualquer espanto por parte do Ministério da Economia (ou de qualquer economista) sobre o ajustamento de comportamento dos consumidores – procurar adquirir o produto que pretendem onde for mais barato, ponderando preços e custos de deslocação. Antecipar a reacção natural dos consumidores a alterações de preços é essencial. O patriotismo não faz parte das escolhas económicas de consumo.
A segunda preocupação é saber se as estimativas de receita que estavam previstas como resultado do aumento de tributação sobre combustíveis nas contas do Governo tiveram em conta este ajustamento (que naturalmente reduz a receita fiscal por comparação com uma situação de procura fixa e aumento do imposto). É que a redução dos preços internacionais do petróleo baixa o preço da gasolina em Portugal e em Espanha. Se Portugal decide manter o preço ao consumidor subindo o imposto e a Espanha não o faz, o preço em Espanha torna-se obviamente mais atractivo e irá buscar procura a Portugal, fazendo com que as receitas fiscais em Espanha aumentem.

Além de pedir aos Portugueses que não procurem adquirir combustível onde for mais barato, outros elementos da wish list do Ministro da Economia poderão ser (a) pedir ao Governo espanhol que por solidariedade mande para Portugal as receitas adicionais de imposto que os portugueses a comprar em Espanha irão provocar; ou (b) pedir ao Governo espanhol que também aumente os impostos em Espanha.

Este episódio faz relembrar os problemas que houve no passado sempre que se tentou interferir de forma permanente nos preços dos combustíveis não se obteve bons resultados (há quinze anos, num dos  Governos de António Guterres também foi uma tentação a que não resistiu – noticia aqui e aqui – com resultados que foram depois desastrosos; também o choques petrolífero dos anos oitenta e a forma como se tentou (não) ajustar criaram problemas à economia portuguesa).


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Sustentabilidade financeira nos sistemas de saúde (9)

A secção seguinte do capítulo de J White no documento da OCDE sobre sustentabilidade de sistemas de saúde foca na escolha entre financiamento por receitas gerais de impostos ou por receitas consignadas à saúde.

A utilização de receitas consignadas em finanças públicas não é isenta de discussão e de problemas. Desde logo porque não garante eficiência do sistema tributário (isto é, recolher um determinado volume de fundos necessários com a menor distorção causada na economia). E sobretudo porque aumentos das receitas consignadas resultam usualmente em aumentos da despesa, que depois se torna difícil de reverter quando essas receitas consignadas se reduzem.

Por outro lado, no campo da saúde, usar receitas consignadas pode tornar mais fácil, junto da opinião pública (leia-se eleitores), aumentar impostos. Receitas consignadas tornam mais claras as consequências das decisões orçamentais, o que numa fase de pressão para o seu crescimento resultará em contribuições acrescidas (o exemplo da evolução para a auto-suficiência da ADSE ilustra este potencial mecanismo das receitas consignadas, ainda que no caso da ADSE se tenha tornado o volume de receitas superior às despesas).

Em qualquer caso, é improvável que receitas consignadas consigam ultrapassar o problema conhecido como “soft budget constraints”, isto é, gasta-se que depois de alguma forma as verbas irão aparecer porque se está a falar de saúde.

É no final desta discussão que J White apresenta a sua proposta de combinar um sistema de orçamentos por entidade financiados por receitas consignadas à saúde.

Para Portugal, a Comissão para a Sustentabilidade Financeira do SNS em 2006 sugeria que receitas consignadas, ou um imposto específico, deveria ser uma solução apenas de último recurso. De outro modo, a despesa tenderá a acompanhar a evolução das receitas quando estas crescerem, e tenderá a exigir aumento de contribuições/taxas de imposto específico quando as despesas crescerem mais rapidamente. Por outro lado, com uma parte financiada por receitas consignadas ou impostos específicos para a saúde, haverá naturalmente uma tentação de reduzir o financiamento por via das receitas gerais, como forma de globalmente aumentar as receitas de tributação. Ou seja, o ajustamento do agente “Estado” é tão ou mais importante que a sensibilidade da opinião pública a aumentos de impostos com receitas consignadas.


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sobre “uma década para Portugal” (10)

Seguindo a lista de medidas do relatório, a próxima é “redução dos custos com o cumprimento das responsabilidades fiscais”, que tem como pontos de interesse a simplificação do sistema de taxas. Sendo boa ideia simplificar, dois comentários rápidos: não há qualquer ideia do impacto que possa ter nos vários objectivos de interesse. E por outro lado, perde-se a oportunidade de pensar em termos das distorções que são criadas pelas taxas marginais de imposto muito diferentes das taxas médias para níveis de rendimento relativamente baixos (quando comparados internacionalmente). Este aspecto está ligado a um aspecto que foi mencionado a propósito do mercado de trabalho – investimento específico que aumente a produtividade. Do ponto de vista do trabalhador, investir pessoalmente tempo e esforço em ser mais produtivo para passar de um salário de 1500 para 2000 euros por exemplo, significa o quê? se for aumentando em 500 euros qual o seu rendimento liquido adicional (dependerá da taxa marginal de imposto que tenha de pagar e das contribuições para a segurança social); e se for uma passagem de 2000 para 2500 euros? e de 2500 para 3000 euros mensais? Pode-se argumentar que estes não são a maioria dos salários pagos em Portugal, mas se há preocupação com reter profissionais qualificados, ter inovação, etc., os salários líquidos em Portugal irão ser comparados com os que podem ser obtidos fora.

E surge depois a “redução do IVA da restauração de 23% para 13%”. A única forma de entender esta medida é a teimosia política. Não se está a ver onde esta medida aumente a produtividade da economia (a restauração não será uma actividade de elevado aumento da produtividade), nem como consegue aumentar a internacionalização das empresas portuguesas, ou como dá emprego a pessoas com maiores qualificações, ou promove a inovação (bom, há as duas estrelas Michelin do Chef Avillez, mas será esse caminho realmente alcançável e com esta redução do IVA). E porque irá uma taxa menor reduzir a evasão do imposto? (e não deveria a evasão ser combatida de outra forma se for significativa?). Pressupõe também que a redução do IVA se traduz numa transposição de menores preços para os consumidores. De certeza que será assim? ou o mecanismo antecipado é que com menor IVA haverá mais abertura de restaurantes com preços mais baixos?

Nesta medida, preciso de muito mais informação para ficar convencido que tem os efeitos que anunciam que tem.

Da redução do IVA da restauração segue-se para a tributação do património imobiliário. Onde à (tradicional) promessa de simplificação (que com elevada probabilidade ficará à espera dos documentos legais necessários) se propõe uma recalibragem dos valores das taxas. O objectivo parece ser diminuir os custos de mudança de residência própria, que é provavelmente um dos obstáculos a um melhor funcionamento da economia, levando as pessoas para onde há oportunidades de emprego. Embora simpatize com a ideia, há demasiadas perguntas sem resposta, e que provavelmente tenderão a travar qualquer mudança: qual o impacto orçamental? qual o impacto no mercado imobiliário? qual o impacto distributivo? qual o efeito riqueza que provoca via preços das habitações – ao baixar o imposto num certo tipo de habitações, aumenta-se a procura dessa tipologia, o que fará o seu preço subir, o que tem uma redistribuição de riqueza implícita.

Por fim, vem aqui autonomizado o “imposto sobre heranças de elevado valor”, que tinha sido introduzido quando se falou na diversificação das fontes de financiamento da segurança social. É feita uma justificação com base em comparação internacional. Seria interessante que também fosse adicionada informação sobre o que sucedeu quando esses impostos foram introduzidos e saber se as receitas estimadas corresponderam às receitas efectivas do imposto.

A justificação da taxa por comparação com as taxas de IRS é até certo ponto abusiva. A tributação em IRS corresponde a uma tributação de um fluxo. Se as heranças forem em imóveis, por exemplo, como são tributados em IMI, a tributação sobre herança é mais próxima de um imposto sobre aquisição do que de um imposto sobre rendimento. E sendo um stock pagaram-se impostos nos rendimentos que geraram esse stock. Se a herança for poupança está-se a tributar poupança que se queria estimular. No caso dos imóveis, o registo de novos donos por herança será mais complicado (poderão não ter liquidez para fazer o pagamento). Será que foram pensados todos os incentivos que este imposto introduz?


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sobre “uma década para Portugal” (9)

A segunda grande área de propostas do relatório tem como título “Uma fiscalidade promotora da criação de emprego e dos investimentos em capital humano”, dentro da qual surge em primeiro lugar “aumento da progressividade do IRS, nomeadamente através da eliminação gradual da sobretaxa”.

Esta primeira medida é apenas e simplesmente a retirada da sobretaxa sobre o IRS em 2016 e em 2017. Não é dito qual a receita que se perde, e quais os efeitos sobre emprego, sobre o incentivo ao investimento específico, sobre o crescimento, sobre a sustentabilidade das contas públicas. Deve, provavelmente, ser vista como uma vontade, dado que as condições das contas públicas para esses anos serão determinantes para a sua aplicação ou não. Não é, por si, grande novidade como intenção nem constitui factor diferenciador como proposta de política.

Mais arrojada é a medida seguinte, “compromisso de apoio ao rendimento e restrições de liquidez das famílias”. O que parece estar subjacente é criar um “choque de consumo” – relançamento da economia portuguesa “através da dinamização da procura interna e da poupanças das famílias”.

A dúvida imediata é como compatibilizar com outras ideias – ao mesmo tempo aumentar consumo e poupança (que se disse ser demasiado baixa) sem ter um aumento de produtividade.
A solução apresentada é imaginativa “o financiamento da medida é feito através do ajustamento das pensões num valor actuarialmente neutro para o sistema” – ou seja, é como cada pessoa “pedisse” emprestado à sua pensão futura para aliviar a restrição de liquidez hoje. Só que então implica pensar no sistema de pensões como um sistema de capitalização, ou pelo menos baseado em contas actuariais de capitalização. Mas foi dito noutras medidas que se tem e vai-se ter um sistema de repartição (ainda que as contas ilustrativas então apresentadas fossem as de um sistema de capitalização para constituição da pensão). Ou seja, há aqui uma grande indefinição sobre qual o sistema de pensões que se pretende e como funciona. As diferentes medidas têm que estar de algum modo harmonizadas nos instrumentos que utilizam.

Por outro lado, a próprio lógica da medida pode ser questionada. Porque é esta restrição de liquidez uma falha de mercado? Aparentemente tem por base o pressuposto que se deve manter o nível de consumo anterior, o qual não se pode considerar que fosse um nível de consumo “eficiente” face à capacidade de produção da economia. Creio que se está a confundir restrição de liquidez com restrição orçamental (o consumo é limitado pelos recursos disponíveis).

Outro pressuposto, que não é explicitado ou demonstrado, é que ao colocar mais rendimento nas mãos das famílias tal irá criar procura que leva a investimento e por esse caminho postos de trabalho. Ora, se houver um aumento de rendimento das famílias é provável que parte vá dirigir-se para bens importados.

Por outro lado, como é aliás reconhecido, nem todas as famílias terão restrições de liquidez, e sendo a medida não discriminatória, estar-se-á a forçar todos a pedir emprestado da sua pensão futura, numa conta intertemporal de descontos e benefícios que não existe, e que pelo menos deverá ter associada também a possibilidade de não consumir (o que significa então uma transferência de pensão pública para sistema de pensão privada como forma de compensação de quem não tiver restrições de liquidez?). Por outro lado, se houver incerteza suficiente sobre as regras futuras de pensões e miopia quanto ao futuro em termos de construir o plano de rendimentos intertemporal (uma “falha de mercado” que justifica sistemas públicos de pensões), então a proposta acentua essa “miopia”. A esperança parece ser que este choque gere crescimento económico que permita depois repor o valor das pensões (mas se for numa lógica de conta intertemporal terá que ser por aumento de descontos e apenas por aumento de rendimento ou por alteração da taxa de desconto?). (sugestão de leitura sobre estes aspectos de miopia aqui).

Não deitando já fora esta medida, o ónus está nos proponentes mostrarem de forma detalhada como funciona e que instrumentos necessita, e sob que hipóteses terá o efeito que dizem que terá.


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o investimento público, uma vez mais a sair da sombra…

As discussões sobre investimento público e o seu papel para o crescimento económico seguem ciclos, e com o início da corrida para as eleições legislativas vão começar a surgir os apelos para a despesa pública. E claro que toda a despesa que se anuncie não é despesa, será investimento público, e investimento público é obviamente bom, sobretudo se for em infra-estruturas (logo, tudo será infra-estrutura de alguma coisa, naturalmente). Será?

O investimento público não é bom ou mau por si mesmo. Numa perspectiva macro associada com Keynes, a ideia de que qualquer despesa pública é boa para o crescimento económico, tem que ser vista nas respectivas condições em que foi defendida e se estamos a falar num curto prazo com excesso de capacidade ou a pensar num longo prazo com crescimento da produtividade e da capacidade produtiva da economia. Até porque aprendemos da forma mais dura que financiar despesa pública com dívida crescente tem os seus riscos (é preciso alguém tomar a dívida, naturalmente).

Pensando na capacidade produtiva da economia, interessa saber qual o retorno (social) do investimento que é realizado. E aqui Portugal não tem sido historicamente brilhante. Ou seja, em média, decide-se mal quais os projectos de investimento público que são realizados. Alguns dos projectos até terão uma boa taxa de retorno no investimento realizado, mas outros com maus resultados reduzem a taxa de retorno média.

Assim, quando se volta a falar de investimento público, será fundamental que se falem dos mecanismos pelos quais esse investimento público é seleccionado em termos de projectos concretos – em vez de falar de uns quantos milhões para estradas e/ou equipamentos sociais (e até às eleições isso vai surgir), que se refiram quais os projectos concretos, que se dê tanto quanto possível a base de evidência para a taxa de retorno desse investimento, e já agora o registo de projectos realizados e seus resultados dos proponentes  desse investimento – sei que talvez seja injusto, mas propostas de investimento de quem no passado apenas conseguiu falar de “elefantes brancos” em termos de investimento público devem ter aplicado um factor de desconto.

Mas não é só o investimento público que deverá ser escrutinado. Há igualmente projectos de investimento privado que têm de ser bem analisados, pois há alguma tentação de fazer com que os projectos privados sejam rentáveis desde que tenham apoio de fundos públicos.

Como leitura sugerida sobre a taxa de retorno do investimento público, António Afonso e Miguel St. Aubyn, Macroeconomic rates of return of public and private investment – crowding-in and crowding-out effects, European Central Bank, 2008. (publicado na revista The Manchester School, mas a versão working paper é gratuita), reproduzo abaixo a conclusão do artigo:

“Public investment can either crowd in or crowd out private investment. In strong crowding-out cases, it is possible that increased public investment could lead to a decrease in GDP. In our paper, by estimating VARs for 14 European Union countries, plus Canada, Japan and the United States, we estimated that, between 1960 and 2005:

– public investment had a contractionary effect on output in five cases (Belgium, Ireland, Canada, the United Kingdom and the Netherlands) with positive public investment impulses leading to a decline in private investment (crowding-out);
– on the other hand, expansionary effects and crowding-in prevailed in eight cases (Austria, Germany, Denmark, Finland, Greece, Portugal, Spain and Sweden).(In somewhat related work Zou (2006) reports that public and private investment have expansionary effects on Japanese economic growth, while in the US the relevance for economic growth of private investment is higher than the one from public investment.)

These effects correspond to point estimates and care should be taken in their interpretation, as 95 percent confidence bands concerning public investment effects on output always include the zero value.

When it is possible to compute it, the partial rate of return of public investment is mostly positive, with the exceptions of Finland, Italy, Japan and Sweden. Taking into account the induced effect on private investment, the total rate of return associated with public investment is generally lower, with the exception of France, and negative for the cases of Austria, Finland, Greece, Portugal and Sweden, countries where the increase in GDP was not sufficiently high to compensate for the total investment effort.

Private investment impulses, by contrast, were always expansionary in GDP terms and effects were usually significant in statistical terms. Public investment responded positively to private investment in all but three countries (Belgium, Greece and Sweden). The highest estimated return was in Japan (5.81 percent, partial), and there were very few cases of slightly negative private investment rates of return, either partial or total – Belgium, Denmark and Greece.”


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Pacto para a saúde (5)

Voltando ao tema do pacto para a saúde, e sem preocupação de seguir a ordem dos vários pontos, tomemos o referente às deduções fiscais na saúde.

As deduções fiscais na saúde têm dois efeitos – por um lado, dão protecção pública, via sistema fiscal, a despesas de saúde, quer sejam realizadas no sector público (taxas moderadoras, co-pagamentos de medicamentos comparticipados pelo SNS) quer sejam no sector privado. São, na verdade, uma cobertura de seguro adicional num sistema de pagamento antecipado pelo cidadão e reembolso posterior pelo Estado. Por outro lado, são uma protecção selectiva, na medida em que apenas quem paga impostos beneficia destas deduções – quem não tem rendimentos ou rendimentos suficientemente elevados não tem qualquer ganho das dessas deduções fiscais. A dedução fiscal é uma percentagem da despesa realizada (10% em 2014, 15% em 2015: “dedução das despesas de saúde: 15% do valor suportado como despesas de saúde, por qualquer membro do agregado familiar, com o limite global de € 1.000, com a aquisição de bens e serviços, isentos de IVA ou à taxa reduzida.“), significando que quem gasta mais também recebe mais em termos dedução fiscal. A limitação do total de dedução fiscal em rendimentos mais elevados procura fazer com quem tenha rendimentos mais elevados tenha menor benefício fiscal.

De qualquer forma, apenas pelo aspecto de as famílias que não pagam impostos não terem benefício fiscal por não terem imposto ao qual abater esse benefício, as deduções fiscais reduzem a progressividade do sistema fiscal.

Antes de discutir os valores concretos destas deduções, o primeiro passo é saber qual o papel que se pretende para estas deduções fiscais, e se esse papel não poderia ser cumprido de outra forma. Por exemplo, em tudo o que seja pagamento das famílias em despesas de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), a protecção financeira deve ser dada logo no pagamento (taxa moderadora ou co-pagamento), ou ser por reembolso via sistema fiscal?  E no caso das despesas privadas realizadas pelas famílias, porque é preferível o reembolso via sistema fiscal a pagamentos directos do SNS a serviços que sejam prestados pelo sector privado e que o SNS considere dever cobrir? É importante que a arquitectura global do sistema de saúde seja internamente consistente, em que os instrumentos de protecção financeira usados sejam consistentes com os objectivos. Por exemplo, se for dado como desejável que o primeiro ponto de contacto do cidadão com o sistema de saúde seja nos cuidados de saúde primários, a decisão do cidadão recorrer directamente a um especialista (ou a um hospital) privado deverá ter cobertura financeira via sistema fiscal? é que a dedução fiscal actua como uma redução do preço pago pelo cidadão quando recorre a uma alternativa que não é a considerada mais desejável na arquitectura do sistema.

Elementos centrais desta discussão são a) que grau de cobertura financeira dar pelo Estado (seguro público)? b) em que medida considerações de eficiência devem ser incluídas? c) em que medida considerações de equidade devem ser incluídas; d) qual o melhor instrumento para assegurar esse grau de cobertura financeira?

A discussão deste ponto do pacto para a saúde passa por responder a estas perguntas. Veremos se com o aproximar das eleições os programas partidários lhes darão resposta, ou se simplesmente se limitam a “jogar” com os valores e abrangência das deduções fiscais em saúde.

(Nota: para a importância destas deduções fiscais no sistema de saúde português, sugere-se a consulta da conta satélite da saúde publicada pelo INE, sendo de apontar que antes das recentes reduções nestas deduções, o seu valor – o seguro público dado pelo sistema fiscal – era claramente superior ao total dos prémios de seguro privados pagos pelas famílias em Portugal – ver aqui)

 

o slide 28

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direitos de autor e fisco, Astérix e Rui Zink

Leitura recomendada na manhã de hoje: Asterix au Portugal, por Rui Zink. Na essência do problema, como os rendimentos de direitos de autor são tributados a uma taxa efectiva mais baixa (só metade dos rendimentos são englobados), os serviços do fisco decidiram passar a verificar com “muito empenho” o que é classificado como tal. No caso que Rui Zink  menciona, realizar uma conferência não é contemplado.
Nesta questão, como em muitas outras, o zelo tributário de combate aos excessos (que os haverá) implica um custo sobre o que é a prestação de boa vontade – os convites gratuitos para falar e participar aqui e ali, incluindo escolas, igualmente referidos por Rui Zink (e que relembra algo de similar que se passou com Ruy de Carvalho há um ano e tal; também João Miguel Tavares anda às voltas com o mesmo problema).

A actividade criativa, pelo que tem de intangível, é difícil de “contabilizar” para efeitos fiscais. Mas mais do que isso, o desenvolvimento da actividade criativa depende muito de aspectos pessoais de empenho – uma conferência tanto pode ter uma componente criativa, de empenho em apresentar algo de novo, como ser simplesmente uma reprodução de algo existente.

Compreendendo a necessidade de monitorização das situações de direitos de autor, a mesma deverá ter a capacidade de atender ao que é a natureza dessa actividade criativa.

Ou então levar à solução “Asterix”, com duas sugestões: primeiro, para cada conferência o fisco passar a ser consultado sobre se configura situação criativa ou não, com oito dias para emitir parecer de oposição a que seja o caso, com fundamento do parecer de oposição, caso contrário considera-se que seja direitos de autor. Ou seja, um sistema de notificação prévia, a cargo de quem convida para dar uma conferência, à qual o fisco tem um prazo curto após o qual há deferimento tácito; segunda sugestão, para os convites gratuitos a “escritores, músicos, actores”, ser imputado um valor de donativo, ou mecenato, dos mesmos, a ser deduzido contra o rendimento tributável. Se grandes empresas podem fazer mecenato e reduzir os seus impostos, se os donativos monetários individuais a instituições podem ser deduzidos ao rendimento tributável, não há razão para que os donativos em espécie não o possam também ser (haverá um problema de verificação, mas tenha-se um registo electrónico de cada convite e evento para verificação pelo fisco).

Complicado? sim, mas a presunção de que qualquer actividade criativa é um acto de evasão fiscal é injusta, mesmo que existam casos de abuso que sejam encontrados.

E para 10 minutos de entretenimento, Asterix and the place that sends you mad.

PS. Declaração de interesses – recebo direitos de autor por livros publicados, e tenho por isso simpatia para com as actividades criativas.

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Braço de ferro energético

A decisão da REN e da GALP de não pagarem a taxa energética levanta diversas questões (ver aqui uma descrição rápida do que é a taxa). Algumas são económicas, outras legais, outras são de sensibilidade face à sociedade.

Começando por estas últimas, num contexto em que o salário mínimo se encontrou congelado por vários anos, em que foi imposto um aumento “enorme” de impostos, em que houve redução de salários na função pública, em que as pensões foram reduzidas, haver empresas que se recusam a pagar uma contribuição extraordinária cria, obviamente, um sentimento negativo a essas empresas, e de revolta com o Estado se este mostrar que tem dois pesos e duas medidas. Não será compreensível que a mesma administração fiscal que obriga o cidadão primeiro a pagar e depois a reclamar, mesmo quando é ela que erra, aceite que estas empresas não paguem primeiro e contestem depois. A ilustrar esta reacção, o texto de João Miguel Tavares e a posição de José Gomes Ferreira. A decisão da REN e da GALP empurra o Estado para uma posição de força inevitável. Essa posição de força passa, segundo se percebe, por iniciar já procedimentos de fiscalização. Que é uma reacção perigosa se for apenas retaliação, não cabe ao Estado usar a máquina fiscal para intimidar os agentes da sociedade. Contudo, neste caso de desafio claro, não poderia o Estado deixar de dar um sinal do seu compromisso firme com a cobrança desta contribuição inscrita em Orçamento do Estado, tal como todas as outras medidas similares que incidem sobre os cidadãos. No caso da GALP, a exposição pública negativa que está e vai ter poderá vir a ter reflexos sobre a sua actividade. Aliás, será curioso saber se num quadro concorrencial em que com os mercados liberalizados de energia (electricidade e gás natural) os consumidores poderão passar a preferir a EDP (que pagou a contribuição) à GALP, ou numa versão mais simples, os consumidores que ainda estão com a EDP por inércia tomarem a decisão de manterem os seus contratos na esfera da EDP (agora na EDP Comercial) e não considerarem a GALP como alternativa.

A REN é diferente pois não vende directamente à população, e tem um monopólio legal na actividade de transporte de energia e gestão do sistema (electricidade e gás natural).

Sobre as questões legais, não tenho conhecimento dos pareceres jurídicos. Da GALP não encontrei comunicado, apenas menção na TSF (aqui) “após cuidada análise suportada em pareceres jurídicos de reputados jurisconsultos, decidiu não proceder à auto liquidação da contribuição extraordinária sobre o setor energético, em virtude da ilicitude deste tributo”. O comunicado da REN (aqui) refere que não paga “na medida em que continua a avaliar a legalidade daquela contribuição.”  E para esta frase da REN gostava de ter a opinião de juristas sobre as condições que um agente económico, individual ou colectivo, pode não pagar algo inscrito no Orçamento do Estado por estar a avaliar a legalidade dessa medida, ou por ter um parecer jurídico de sentido contrário à norma. A resposta não é irrelevante na medida em que durante 2014 muitos cidadãos pagaram taxas ou tiveram reduções de salários que foram depois  efectivamente declaradas inconstitucionais. Isto é, podem as medidas do Orçamento do Estado ser contestadas por pareceres pedidos privadamente e quem os pediu recusar-se a cumprir as medidas baseado nesses pareceres?

Sobre as questões económicas, é relativamente claro que as empresas pretendem evitar o que é uma transferência de valor das mãos dos seus accionistas para o Estado. Sendo apenas uma transferência que não afecta, não distorce, as decisões operacionais das empresas, deve ser julgada nos seus méritos distributivos. E sendo uma contribuição lançada sobre os activos das empresas tem a característica de não levar as empresas a ter comportamentos de fuga à contribuição (será difícil esconder os activos, sobretudo no caso da REN em que sendo uma empresa regulada, a remuneração que recebe está associada ao valor dos activos – reduzir o valor dos activos reduziria a contribuição mas reduziria num valor maior a remuneração que recebe); tem também vantagem face a uma contribuição que fosse lançada sobre o volume da actividade das empresas e susceptível de ser facilmente repercutida sobre os consumidores.

Num outro plano, este braço de ferro poderá ser o anúncio de uma posição mais agressiva das empresas. Penso em particular na REN que é e será uma empresa regulada pela natureza da sua actividade. O regulador sectorial deverá a partir daqui ficar mais preparado para lidar com uma entidade privada que defende os seus accionistas (e não o valor social da actividade desenvolvida). É também de considerar que o regulador e o Estado deverão evitar o recurso aos escritórios de advogados que aconselham estas empresas. Não numa perspectiva de perseguição por estarem a dar pareceres contrários ao Estado, mas porque não é razoável que uma mesma entidade possa estar dos dois lados. No caso das consultoras de auditoria, já se viu os problemas que resultam de uma proximidade grande às empresas auditadas. No caso dos pareceres jurídicos, há que eliminar à partida qualquer tentação ou conhecimento privilegiado na elaboração de diplomas ou enquadramentos legais (seja em que sentido for).