Momentos económicos… e não só

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Reformas e equipas de coordenação

Foram publicados os despachos que criam as coordenações nacionais para o relançamento da reforma hospitalar, cuidados de saúde primários e cuidados continuados integrados (Despachos 199/2016, 200/2016  e 201/2016). Estas equipas de trabalho têm, de acordo com o que é dito nos despachos, um horizonte de três anos (“O mandato do Coordenador Nacional e da sua Equipa de Apoio é de 3 anos”). Este horizonte permite antever que estas equipas terão o tempo para pensar e depois serem elas próprias a aplicar/seguir as propostas de reforma que façam. Se assim for, é de alguma forma o modelo que foi seguido há dez anos com a reforma que criou as unidades de saúde familiar, e que deu bom resultado no arranque. Por outro lado, existe o risco de demorar demasiado tempo a ter propostas e sua respectiva aplicação. Aliás, será interessante saber se estes grupos irão produzir propostas que sejam colocadas em discussão pública, ou se serão equipas já directamente operacionais na aplicação de reformas. Os próprios despachos que instituem as coordenações indicam as áreas de intervenção esperada de cada uma, algumas que exigem algum pensamento e provavelmente discussão mais ampla do que apenas o grupo de coordenação, como forma de divulgar e consensualizar os princípios e métodos dessas reformas. Por exemplo, no caso do que é indicado na reforma hospitalar, há muitas áreas ligadas ao exterior do que é o sistema hospitalar. Embora haja indicações das áreas de interesse, há incertezas sobre o ritmo que terão estas coordenações e o processo pelo qual as propostas são construídas, eventualmente discutidas e depois implementadas. Na construção de reformas na área da saúde, aprendemos já que o processo de realização é bastante importante.

Veremos alguns dos pontos indicados nestes despachos das coordenações em próximos textos.

 


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Projeto de programa eleitoral do PS – versão para debate público (2)

A primeira proposta do PS é dedicada a procurar garantir um melhor acesso dos cidadãos ao SNS no seu primeiro contacto quando se sentem doentes, “ampliando a capacidade de, num só local, o cidadão obter consulta, meios de diagnóstico e terapêutica que ali possam ser concentrados, evitando o constante reenvio para unidades dispersas e longínquas”. Embora não o seja dito neste ponto, o pensamento é de reforço de cuidados de saúde primários, procurando também ao mesmo tempo resolver um problema crónico de utilização excessiva de urgências (que é um problema por resolver de uma forma que desperdiça recursos escassos situações clínicas que podem ser igualmente resolvidas com mais proximidade nos cuidados de saúde primários). Esta é também uma proposta que surge no mais recente relatório sobre Portugal pela OCDE, e que vai de encontro ao que tem sido encontrado como factor relevante para a procura do primeiro ponto de contacto com o Serviço Nacional de Saúde – conveniência de atendimento e realização de exames num único momento e local.

A transição do actual uso da urgência hospitalar como ponto privilegiado de acesso não programado dos cidadãos (onde vão quando se sentem doentes e querem resolver rapidamente a sua situação) para esses outros locais é algo que precisa de ser pensado com cuidado, não sendo de excluir que nalguns casos a própria urgência hospitalar possa ser a melhor solução (no relatório OCDE, é apontado que ter especialistas de medicina geral e familiar nas urgências hospitalares pode também ser uma solução nalgumas zonas).

A segunda proposta muda de plano, e em vez de acesso centra-se na protecção financeira das famílias. A proposta é que os “32% [de pagamentos das famílias] têm que ser progressivamente revertidos para valores que não discriminem o acesso, nem tornem insolventes as famílias.”

Há aqui algumas observações relevantes. Segundo a Conta Satélite da Saúde (cujo ano mais recente nesta data de consulta é 2013), as despesas directas das famílias com saúde são 27,58% das despesas totais em saúde. Houve uma subida deste valor desde 2010, inevitável face à redução dos benefícios fiscais que transformavam despesa privada em despesa pública em saúde através do sistema de impostos.

Mais importante do que esta percentagem, numa lógica de protecção das famílias que parece estar aqui presente, é o peso das despesas com a saúde nos orçamentos familiares. Esta preocupação tem sido formalizada no conceito de despesas catastróficas em saúde, isto é, despesas que provocam uma redução no rendimento disponível do agregado familiar suficientemente forte para que haja um efeito empobrecedor ou de redução substancial de outros consumos essenciais das famílias.

Da análise mais detalhada deste conceito de despesas catastróficas, e que pode ser feita de várias formas, infere-se que em Portugal os copagamentos com medicamentos são especialmente relevantes para os agregados familiares de menores rendimentos, enquanto a utilização de serviços privados (incluindo no parte relevante cuidados de saúde oral / medicina dentária) é relevante nos escalões de rendimento mais elevados. A evidência mais recente para Portugal é de 2010/2011, do último inquérito às despesas das famílias realizado (este ano deverá iniciar-se outro). Duas análises de despesas catastróficas podem ser consultadas aqui e aqui.

Infelizmente, não há um detalhar de como o programa do PS pretende proceder a este re-equilibrio, que será mais uma questão de que protecção financeira se quer dar. O que obriga a conhecer o perfil de despesas catastróficas, por um lado, e o custo do “risco” destas despesas para as famílias (se não é despesa privada, terá que ser despesa pública).

Admitindo que estas despesas privadas directas são demasiado elevadas, então a consequência imediata é a redução dos copagamentos nos medicamentos, aumentando a parte comparticipada pelo Estado. Se não for este o “mecanismo”, interessa saber qual possa ser. Repor deduções fiscais, por exemplo, é outra possibilidade, mas que terá como consequência beneficiar mais os níveis de rendimento médio e alto (os rendimentos baixos que não chegam a pagar impostos não beneficiam por definição de uma dedução fiscal).

Note-se que os valores de 2011(26,35%), 2012 (28,36%) e 2013 (27,58%)  incluem o efeito de redução de preços de medicamentos que se fez sentir nesses anos e que exerceu um efeito protector das famílias (os casos de despesas ditas catastróficas de saúde teriam certamente sido mais se não tivesse ocorrido a redução dos preços dos medicamentos).

Assim, para debate fica a forma pela qual se podem reduzir as despesas directas das famílias. Os medicamentos parecem ser um ponto de análise relativamente óbvio, nas três componentes – nível de consumo (prescrição), preço (pressão para redução), e cobertura dada pelo Serviço Nacional de Saúde (eventual aumento da proporção do preço paga pelo SNS).


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falta de médicos de família

Das notícias: “O ministro da Saúde admitiu hoje que existe um milhão de portugueses sem médico de família, mas anunciou que os concursos que estão a decorrer deverão resultar num ganho destes profissionais para 500 mil pessoas.”

Também pelo que foi sendo divulgado, onde há maior número de residentes em Portugal sem médico de família é na zona de Lisboa e Vale do Tejo.

O que levanta uma questão global de saber que soluções têm que ser procuradas. A contratação é a solução mais simples e de curto prazo, mas será a solução permanente? Independentemente deste esforço neste momento, é necessário ter uma perspectiva de mais longo prazo sobre os recursos humanos e a forma como se articulam dentro do Serviço Nacional de Saúde para dar resposta às necessidades da população. É necessário começar a pensar em novas soluções organizativas, e em conhecer as posições dos vários partidos políticos, agora que nos começamos a aproximar do tempo eleitoral. Arrumado o tempo da troika, e passados dez anos sobre o início das USF, é o momento de repensar que caminho se vai percorrer, algo que deverá ter lugar quando começar uma nova legislatura.


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“ciência” via redes sociais

Apesar de não cumprir os requisitos apropriados de representatividade, utilizar a internet para recolher informação é uma forma simples e pouco onerosa de ganhar informação, em concreto saber se vale a pena investir recursos em linhas de investigação; assim, para quem tiver curiosidade e paciência, aqui fica um pequeno conjunto de perguntas sobre utilização inesperada de cuidados de saúde: quero responder às perguntas.

Fica o compromisso de depois colocar aqui os resultados (no inicio de Março).


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mercado, médicos e contratualização

A Ordem dos Médicos divulga no seu site um manifesto subscrito pela própria Ordem, pela Associação Nacional das USF, pela FNAM e pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (que naturalmente também disponibilizam o manifesto).

Da sua leitura, são possíveis alguns comentários rápidos:

a) a lógica de contratar serviços está estabelecida, o que se coloca em cima da mesa é o processo pelo qual é realizada

b) é saudável que haja aqui uma preocupação expressa para 2015 antes de entrarmos em 2015 – na verdade, para todo o sistema fazer sentido, tem que ser estabelecido antes, e até seria preferível que estabelecesse um quadro de referência para 3 anos (por exemplo), que não é incompatível com mudanças de exigência ou de evolução de regras e indicadores, que deverão ser anunciadas desde já e cumpridas no momento de aplicação.

c) nota-se uma tensão entre indicadores de resultados (ganhos em saúde são referidos frequentemente) e indicadores de processo (o que se faz). Há aqui uma necessidade geral de clarificação adicional, mesmo em termos conceptuais, que faz sentido neste momento em que a noção de contratar (contratualizar, se preferirem essa palavra) se encontra assimilada. Por exemplo, basta que haja diferentes formas de gerar os mesmos resultados em saúde que insistir em certos indicadores de processo obrigam a que se opte por uma dessas formas. Ou se quer valorizar o que é feito pelos resultados (e deixar ao critério de quem está no terreno a melhor forma de lá chegar), ou se quer valorizar a forma como se faz (e nesse caso é importante olhar para o processo como sendo o aspecto central).

d) encontra-se a preocupação sobre a forma como são definidos os indicadores – de forma simples, exigir melhoria permanente significa que quem já for eficiente não tem as mesmas possibilidades que quem for ineficiente. É uma velha questão – pagar pelo nível absoluto do indicador já alcançado ou pagar pela melhoria que for conseguida? é que as propriedades de cada tipo de pagamento não são as mesmas em termos de motivação de esforço. Embora não com estas palavras, esta preocupação está perfeitamente explicitada e é legitima.

e) a forma de encontrar os objectivos para indicadores que irão alicerçar sistemas de remuneração tem diversas dificuldades – deixada apenas a quem paga pode resultar em objectivos pouco sensatos, mas se deixada apenas a quem recebe resultará em objectivos pouco sensatos em sentido oposto, pelo que a “negociação” deverá estar sujeita a alguns princípios e talvez seja a altura de encontrar mecanismos diferentes de ajudar a estabelecer esses objectivos. Por exemplo, definir o que sejam valores de referência resultantes da melhor prática observada (digamos que se num determinado indicador, hipoteticamente, a taxa de melhoria das unidades que apresentam melhor desempenho é inferior a 2%, então exigir 10% de melhoria é absurdo para quem tem esse melhor desempenho, mas colocar em 0% poderá ser demasiado fácil). A utilização de factores de comparação, definidos à priori, e imunes a manipulação por qualquer das partes, poderá ser um desses mecanismos.

Temos uma discussão interessante pela frente, assim seja realizada de forma séria por todas as partes envolvidas, no sentido de procurar encontrar uma soluçar realizável, credível e que seja passível de ser colocada em prática rapidamente, neste “mercado interno ao SNS regulado”.


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Sobre a evolução dos cuidados de saúde primários,

a visão num editorial da Lancet sobre o relatório de um grupo onde participo para a Comisssão Europeia, com o documento final disponível aqui. Encontra-se em discussão pública outro relatório sobre qualidade em saúde, com destaque para patient safety (aqui).

EditoLancetOpinionPrimaryCareEXPH


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o relatório sobre a 11ª avaliação da troika – saúde (4)

Uma pergunta é saber se esta 11ª avaliação da troika trouxe alguma coisa nova, em termos de compromissos. A resposta é positiva. No campo dos cuidados de saúde primários, é introduzido um novo item: estabelecimento de horários de atendimento que permitam satisfazer as necessidades da população e oferecer alternativas às urgências hospitalares. (comparar o ponto 3.41 do memorando, 9ª revisão resultante da 10ª avaliação, com o ponto 3.37 da 10ª revisão resultante da 11ª avaliação).

Esta medida poderá partir do pressuposto que os horários de atendimento são a principal barreira a que haja um maior desvio de procura da população quando se sente doente para os cuidados de saúde primários (centros de saúde, organizados em USF ou não).   Embora seja uma ideia com apelo, há que ter também em atenção que o recurso às urgências surge não só de uma questão de acessibilidade de horário mas também, e talvez sobretudo, de uma questão de acessibilidade a tecnologia de diagnóstico que se espera ter disponível (fazer logo todos os exames, em lugar de ter que ir nos dias seguintes fazer esses exames, por exemplo).

 


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sobre a evolução do conceito de cuidados de saúde primários,

documento e consulta pública na Comissão Europeia, aqui. Será bom que também de Portugal se recebam contributos, como forma de afirmação do que por cá de bem e bom se faz. Em consulta pública até 11 de Maio de 2014.


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Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health da Comissão Europeia

Três documentos  do Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health da Comissão Europeia, sobre:

a) definição de cuidados de saúde primários

b) critérios de avaliação de sistemas de saúde

c) PPPs em saúde

E sobre o painel e as suas actividades, ver aqui.

 


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sobre a utilização de cuidados de saúde, 2012 vs 2014 (1)

Há umas semanas, coloquei a quem quisesse aceitar o desafio de preencher um breve questionário online, similar a outro realizado em 2012, dois anos antes (ver aqui). A ideia foi ver o que teria mudado em dois anos, numa amostra que não é representativa, de uma forma simples e que não pretende substituir-se a análises mais rigorosas que têm de ser feitas.

O interesse neste exercício decorre de considerar que alterações muito bruscas e acentuadas da situação se acabariam por reflectir também numa amostra pequena e enviesada para utilizadores de internet. Os resultados, que irei aqui mostrando ao longo da semana, têm por agora a surpresa (?) de não mostrarem mudanças negativas acentuadas em dois anos. Aliás, se alguma evolução há, é positiva, na redução das esperas muito longas.

Uma possibilidade é porque o Serviço Nacional de Saúde conseguiu manter a sua capacidade de resposta durante este período de dois anos. Outra possibilidade é que apenas posso retirar essa conclusão na resposta às pessoas que têm computador, paciência para responder a inquéritos online, com um nível de educação e rendimento acima da média nacional. Mesmo com essas ressalvas, e também como agradecimento a quem colaborou respondendo, os próximos posts irão dando conta dos valores encontrados, até para ver a aparente ausência de evolução negativa se mantém.

A existência de maiores barreiras de acesso a cuidados de saúde pode ser avaliada pela análise das percepções sobre tempos de espera médios. No inquérito realizado foram incluídas perguntas sobre essas percepções. A primeira questão foi sobre “Qual a sua percepção acerca do tempo de espera médio desde o momento em que entra no serviço de urgências, até ser atendido por um médico num [hospital público/hospital privado/centro de saúde]?”

Para isso, três indicadores são usados: proporção de pessoas que percepciona um tempo médio de espera superior a uma hora, proporção de pessoas que tem uma percepção de tempo médio de espera inferior a 30 minutos, e por fim proporção de pessoas que percepciona um tempo médio de espera superior a duas horas.

Esta informação foi recolhida com referência a três entidades prestadoras de cuidados de saúde: hospitais públicos, hospitais privados e cuidados de saúde primários.

Um aumento destas percepções e sob a hipótese de que em média reflectirão a experiência da respectiva actividade poderá ser resultado de um aumento da procura, uma menor capacidade de resposta, ambas, ou mesmo apenas um aumento da procura que ultrapassou a capacidade de resposta. Apenas com esta informação não é possível fazer uma separação entre as diferentes explixações alternativas.

O gráfico seguinte apresenta de forma combinada as respostas, e a parte que tem surpresa é que 2014 parece reflectir uma situação melhor do que em 2012.

Grafico2

Realizando testes de diferenças de médias entre anos para cada uma das categorias, confirma-se que em alguns casos há uma percepção de menores tempos de espera em 2014.

Como esta diferença de percepção média pode ser ditada por características da amostra, análise de regressão (para resposta 0/1 em cada um dos três indicadores), traduz-se num conjunto de efeitos curioso.

Para a expectativa de esperar mais de 2 horas nos cuidados de saúde primários, 2014 tem uma menor probabilidade de as pessoas indicarem essa situação, sendo que quem tem cobertura adicional de subsistema público e/ou seguro privado tem uma percepção de maior tempo de espera.

(Nota: nas análises de regressão foi usado um nível de significância individual dos efeitos de 10%, alguns dos efeitos associados com diferenças entre anos desaparecem se for usado um nível de significância de 5%, mas o resultado de redução de pessoas que antecipam esperar mais de 2 horas nos cuidados de saúde primários permanece).

Sobre os tempos de espera para atendimento em hospitais públicos ou em hospitais privados, as diferenças entre anos nunca são significativas, sobretudo depois de acomodadas as diferenças entre as amostras, e em que algumas características de quem respondeu se encontram associadas com efeitos sistemáticos: os mais idosos têm uma expectativa de menor tempo de espera nos hospitais públicos, e as pessoas com seguro e/ou subsistema público (ADSE sobretudo) apresentam uma expectativa de tempo de espera nos hospitais mais elevado. Quanto aos hospitais privados, não se detectou nenhum padrão que associe características individuais aos tempos de espera para atendimento antecipados.

Para ilustrar a importância de acomodar as diferenças entre amostras, de 2012 e 2014, a figura seguinte apresenta a distribuição das idades, mostrando que as pessoas que responderam em 2012 tinham uma idade média mais baixa.

idade