Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


6 comentários

sismo fiscal

foi o termo usado por Bagão Félix para caracterizar o que veio a público da proposta de escalões e taxas de IRS para o futuro (não será apenas uma questão do próximo ano, tudo indica). Os jornais de hoje apresentam já simulações de como se alterará o pagamento de imposto, tendo alguns como título que os rendimentos mais baixos são mais penalizados. De acordo com as informações disponibilizadas nessas mesmas simulações, isso não é verdade e a implicação decorre de se olhar para o número errado para aferir dos efeitos distributivos do IRS. Não se pode olhar, como é feito, para a percentagem de aumento do imposto pago – senão quem passa a pagar 1€ (um euro) quando nada pagava, tem um acréscimo percentual infinito, quem passa a pagar 2€ e pagava 1€ tem um acréscimo percentual de 100%. Dadas as diferenças da base, os aumentos percentuais são pouco relevantes. Mais importante, a meu ver, é olhar para o peso que o aumento do peso mensal do imposto tem no total do rendimento familiar. Tomando como boas as simulações de um dos jornais, uma pessoa solteira sem filhos e com rendimento mensal de 1500 euros (a 14 meses), categoria A, pagará mais 81€ de imposto por mês, cerca de 5% do seu rendimento bruto. Uma outra pessoa nas mesmas condições mas com rendimento de 4000 euros terá um aumento de imposto mensal de 341€, que são 8,5% do seu rendimento. Se tomarmos um casal com dois filhos, em que um dos membros recebe 1500€ mês e o outro 750€ mês (ainda em 14 meses), o seu imposto mensal aumenta 75€, ou 3,4% do rendimento do agregado familiar. Se este mesmo casal com dois filhos tiver cada um dos membros do casal a receber 4000€, o seu imposto aumenta 400€ por mês, 10% do respectivo rendimento agregado.

Ou seja, a proposta de escalões e taxas do governo coloca realmente um maior peso de esforço relativo nos escalões de maior rendimento. A critica de penalização dos rendimentos mais baixos não é por isso correcta.

Aspecto diferente é saber se o esforço pedido é exagerado ou não. E aqui alinho com Bagão Félix no termo de sismo fiscal. Embora sem grande precisão, que não houve tempo para recolher com grande detalhe toda a informação e não conheço em detalhe os sistemas fiscais dos países, uma busca rápida na internet dos escalões e taxas marginais de imposto, bem como das deduções específicas, permite ver quanto é que cada nível rendimento paga de imposto em cada país (no caso dos países fora da zona euro usei a taxa de câmbio do dia). A inclusão das deduções específicas é relevante, pois o rendimento tributável é dado pelo rendimento auferido menos o valor dessas deduções. Por isso, quando se diz que o primeiro escalão de IRS paga 14,5% de imposto, não significa que rendimentos até 7000 paguem esse valor, é preciso retirar primeiro a dedução específica relevante (as simulações normalmente apresentadas têm este aspecto técnico incorporado, embora usualmente os quadros de apresentação do IRS só apresentem os valores dos escalões e as respectivas taxas aplicadas dentro de cada escalão – a taxa marginal de imposto).

O quadro seguinte mostra uma ideia (sujeita a correcções de quem conhecer melhor os sistemas tributários dos países envolvidos) do que paga, para um mesmo rendimento, uma mesma pessoa consoante o país em que vivesse. O primeiro quadro inclui a sobretaxa de 4% aplicável a todos os rendimentos. Vê-se muito claramente que o cidadão português vai pagar muito mais do que pagaria num outro país (dos usados aqui para comparação), e substancialmente mais do que no ano passado. O esforço pedido é por isso um “sismo fiscal”. Espanha também tem uma sobrecarga fiscal (temporária?), mas que se revela para estes níveis de rendimento menos pesada. As diferenças são sobretudo notórias a partir dos 20000 € anuais, ou seja cerca de 1500€ por mês.

Se retirarmos os 4% de sobretaxa, continua-se no limite superior do esforço fiscal exigido, mas com menor diferença ficando similar à situação de Espanha (com sobretaxa neste país).

Por fim, o terceiro quadro apresenta a evolução da taxa média de imposto antes e depois do “sismo fiscal”, em que se vê o aumento da percentagem do rendimento que vai para imposto para os diferentes níveis de rendimento – é a distância vertical entre as duas linhas. Essa distância é menor para níveis de rendimento mais baixos.

Duas observações finais: Primeiro, estes valores não foram reconfirmados ou validados por terceiros. Poderão vir a ter correcções se houver nova informação que o justifique.

Segundo, apesar das limitações, e como têm propósitos ilustrativos, deve-se ter uma leitura de conjunto.


3 comentários

mudanças fiscais

duas noticias de ontem merecem um rápido comentário, ambas no campo da estrutura fiscal. A primeira é a discussão sobre os escalões de IRS e sobre se o seu número é elevado ou não. No actual contexto, é inevitável pensar-se que se vai traduzir num aumento de impostos sobre o rendimento. Para além desse sentimento que gera, por o governo ter necessidade de mais receita, também as circunstâncias de incerteza aconselham prudência numa mudança dessas, e o “conservadorismo” nas estimativas de impacto da mudança irá traduzir-se que a falhar-se previsões se falhe arrecadando mais impostos do que menos. Todo o processo acabará por ter um enviezamento no sentido do aumento de impostos. Não é claro que esta seja a melhor altura de fazer uma reforma fiscal, na medida em que as necessidades de curto prazo vão ditar uma estrutura que depois será permanente. Aliás, o desdobramento de alguns escalões ao longo do tempo tem sido resultado de exigências do momento e não de uma filosofia de longo prazo sobre a estrutura óptima de tributação.

O segundo comentário é sobre o benefício fiscal do IVA para os contribuintes, com a notícia de que será automaticamente registado (pelo menos nalguns sítios) e que o contribuinte terá apenas que fornecer o número de contribuinte. A funcionar é uma forma de reduzir os custos do cidadão em aceder ao benefício. Mas também foi dito, a confiar nos relatos da imprensa, que para os serviços que não tiverem este automatismo, será mantida a obrigação do utente guardar as facturas para inspecção por “divergência fiscal, que tem de ser avaliada pelos serviços.” Oops, beneficiar de forma automática aumenta a minha probabilidade de ter de perder tempo a explicar ao fisco as facturas que guardei. Reduzir os custos do benefício por um lado, mas aumentar por outro. Será que 250 euros (máximo) de crédito fiscal compensam perder tempo nas repartições de finanças? Não se conseguirá pensar aqui num noutro sistema mais simples? que não imponha custos adicionais sobre os cidadãos? por exemplo, o cidadão “reclamar” online o crédito, introduzindo no portal das finanças as facturas e respectivo valor ao longo do ano, que poderiam ser validadas por cruzamento de informação pelo próprio estado?  (mesmo que nem toda a gente tenha acesso online seria pelo menos uma forma de reduzir os custos).

Claro que também se pode ter a dúvida sobre o funcionamento do sistema. Aqui tenho um pouco mais de confiança que o habitual, por experiência própria. Há algum tempo, por um serviço prestado, uma entidade argumentou que não me daria recibo em papel, pois o mesmo ficaria disponível online via portal das finanças. Não acreditando muito, lá deixei de exigir esse recibo em papel. Até que um dia decidi verificar no portal das finanças se lá estava. Embora tenha demorado um pouco mais do que pensava, encontrei finalmente esses pagamentos efectivamente registados, e melhor organizados do que se eu tivesse guardado (e provavelmente perdido) os recibos em papel. Conceptualmente, não haverá grande diferença no novo sistema, só uma questão de dimensão, o que nos tempos informáticos que vivemos é cada vez menos uma forte restrição. Não será provavelmente por aqui que se terá sucesso ou insucesso e sim pela avaliação do incómodo de ainda ter que guardar alguns documentos, e da probabilidade de ter que perder tempo a mostrá-los à administração fiscal.


Deixe um comentário

o peso do estado (parte 1)

o peso do estado na economia pode ser medido de várias formas; uma das mais informativas é o peso da despesa pública sobre o PIB, seja em % seja em número índice que dá a evolução a partir de um ano base. As duas figuras no final deste post dão essa evolução em Portugal e na Europa a 27, desde 1995 até 2010. É visível o aumento desse peso do estado na economia portuguesa. Mas ainda assim, esta é uma sub-estimação do verdadeiro peso do estado sobre a economia. Estes rácios são valores médios, mas em termos de incentivos económicos poderá ser mais interessante olhar em termos marginais e em termos de efeito sobre consumos intermédios relevantes. Sem ter a pretensão de um tratamento exaustivo, dois exemplos ilustram como o peso do estado sobre o desenvolvimento da economia pode ser bem superior ao que o valor médio sugere, na medida em que o crescimento e desenvolvimento de actividades é tributado a uma taxa mais elevada do que se poderia supor à partida. O primeiro exemplo é de consumo de electricidade, o segundo do mercado de trabalho (a detalhar em post futuro).

O exemplo consiste em “arrumar” uma conta real de electricidade de forma diferente:

– total da factura de um T0: 22,75 euros. Neste valor inclui-se:

  • 2,39 de taxa de audiovisual, que é imposta e tributada a 6%
  • 0,05 de imposto especial de electricidade
  • 0,09 de taxa especial de DGEG
  • 3,78 de IVA sobre o consumo de electricidade
  • 4,48 de custos de interesse económico geral (isto é decisões do estado que colocaram os consumidores de electricidade a pagar) incluidos no acesso às redes, e sobre os quais incide o IVA (já incluído na linha anterior).

Significa que do total de 22,75 euros, quase metade, 10,79 euros se destinam ao estado, sob diferentes formas. Os restantes 11,96 são então usados para pagar a produção, transporte, distribuição e comercialização de electricidade.

Para estes 10,79 euros de electricidade, o “equivalente de imposto” que é lançado pelo estado é de 90%  (10,79/11,96)- a “taxa de imposto” proporcional que é equivalente a todas estas contribuições é bem superior ao rácio despesa pública / PIB (que pode ser visto como uma aproximação aos impostos, presentes e futuros, que o estado lança).

 


1 Comentário

evasão fiscal, episódio 1

As notícias sobre as multas que serão passíveis de serem aplicadas aos cidadãos que não pedirem factura fez-me ir relembrar alguns princípios sobre evasão fiscal, de um ponto de vista económico.

Um desses princípios é a ideia de contrato moral, desenvolvida por Bruno Freye colegas, sendo aspecto relevant sue o “psychological tax contract presupposes that taxpayers and the tax authority treat each other like partners, i.e. with mutual respect and honesty. If tax administrations instead treat taxpayers as inferiors in a hierarchical relationship, the psychological tax contract is violated and citizens have good reason not to stick to their part of the contract and evade taxes.”

Outro princípio, ver aqui, a partir da página 43, é o de que não é socialmente óptimo gastar recursos para levar a evasão fiscal para zero, e que há uma discussão a fazer sobre que auditorias fazer e como, quais as penalidades associadas, etc…, não esquecendo que se podem facilmente gerar desigualdades associadas com a evasão fiscal. No caso dos pedidos de factura pelos cidadãos, os poucos que forem penalizados por não pedirem facturas sentirão uma injustiça face ao enorme número dos que não pediram facturas e não foram penalizados, a menos que se gastem recursos desmesurados em fiscalizar a maioria dos cidadãos.

Por fim, um terceiro ponto central é a observabilidade da transacção, na medida em que comprador e vendedor tenham interesse e facilidade em ocultar a transacção e o respectivo imposto a ser pago. A utilização de pagamentos a dinheiro é uma forma de fazer passar a evasão fiscal despercebida, e dificilmente auditável. A tentação de criar indicadores de referência (por exemplo, o número de mesas ou o número de empregos num restaurante) só levará à procura de formas de “disfarçar” a actividade desenvolvida. Além de que trabalhos de outra natureza, como reparações que tenham lugar dentro de casa, só poderão ser “auditados” mediante invasões de privacidade (inaceitáveis?).

Uma perspectiva interessante é a dada no The Economist, aqui, em que se mostra preocupação com o tema, mas onde se conclui que há áreas mais importantes onde actuar.

A preocupação com a evasão fiscal é louvável, e a possibilidade de dedução fiscal de despesas constitui uma ideia interessante, por dar ao cidadão o incentivo para ultrapassar o incómodo de pedir factura (e uma vez criado o hábito, esse pedido tenderá a ficar mais automático); mas ao mesmo tempo, a mensagem de que quem não pedir factura poderá ser penalizado com multas constitui uma menorização do cidadão enquanto tal, que deixa de ser um parceiro da autoridade fiscal para ser um “perseguido” por essa mesma autoridade fiscal. Esta “quebra” no contrato moral entre cidadãos e autoridade fiscal poderá ter um efeito mais forte do que o incentivo dado pela dedução fiscal. Seria, a meu ver, mais interessante que se procurasse reforçar o efeito de incentivo da dedução fiscal com medidas de reforço do contrato moral e da motivação cívica para pedir facturas, do que dar maior visibilidade aos aspectos de repressão (de comportamentos que serão dificilmente observáveis de forma generalizada).


18 comentários

benefícios fiscais com a saúde

De acordo com os últimos números, referentes a 2009 e disponíveis no site da Direcção-Geral de Contribuições e Impostos (aqui), as deduções à colecta em sede de IRS foram de 659 milhões de euros em 2009, correspondendo a 30% das despesas privadas apresentadas para o efeito.

Baixando para 10%, em lugar dos 30%, a despesa fiscal reduz-se em cerca de 439 milhões de euros, pelo menos, sendo provavelmente um pouco mais já que os dois últimos escalões de IRS não passarão a ter possibilidade de dedução de despesas de saúde. Seria interessante que houvesse informação adicional sobre as deduções por escalão de rendimento, para 2010, para ser possível algumas contas adicionais (se essa informação existe, não fui capaz de a encontrar):

– suponhamos que se permitia continuar a deduzir 10% – quanto seria esse valor?

– suponhamos que 50% do valor de despesa de base às deduções dos dois últimos escalões deixa de passar recibo; qual o imposto de IVA e IRS aí perdido?

só para provocar a produção de números mais exactos, usemos os valores de 2009 com algumas hipóteses, para ver estas contas podem ser relevantes.

Para a resposta à primeira pergunta, admitamos que os dois escalões de rendimento mais elevado fazem 40% das deduções à colecta com despesas de saúde – se as deduções totais são 30% e foram 659 milhões de euros, a despesa subjacente será de cerca de 2196 milhões de euros, 40% deste valor são cerca de 878 milhões de euros, os 10% de dedução evitados são 88 milhões de euros.

Se com a dedução a 0%, a) se se deixar de passar recibo em 50% dos casos,  com uma taxa de IVA de 10% em média, b) se 70% desse valor for valor sujeito a IRS ou IRC, a uma taxa média de 25%, a perda conjunta de receita fiscal é de 123 milhões de euros (44 de IVA, 79 de IRS/IRC).

Ou seja, a falta de incentivo a pedir recibo pelos dois últimos escalões de rendimento, se estes forem os que mais utilizam estas deduções fiscais com saúde, poderá facilmente traduzir-se numa perda de receita fiscal, em comparação com estes escalões de rendimento manterem a possibilidade de dedução de 10%.

Estes valores são apenas exemplo, e não constituem sequer estimativas, pois não desconheço os valores reais necessários para os cálculos exactos. Contudo, creio que se exige que estes cálculos sejam feitos e apresentados, para que não restem dúvidas sobre a adequação da medida tomada (de outro modo, ficará a sensação de mera demagogia política).

A importância da taxa zero de dedução fiscal destas despesas não deve ser menosprezada. Foi a sua relevância que motivou a recomendação da Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde (feita em 2006) para que as deduções fiscais passassem para 10% em todos os escalões de rendimento, tendo feito parte dessa Comissão um representante do Ministério das Finanças.

Basta também olhar para o exemplo de Itália, em que a ausência desta dedução cria toda uma classe de profissionais liberais na saúde (e não só) “empobrecida” nas estatísticas oficiais, face à evasão fiscal.

Acresce que um aumento da evasão fiscal é um convite ao desrespeito generalizado do Estado e das suas regras, de forma dificilmente quantificável em euros, mas claramente negativa para a recuperação da economia portuguesa e do seu crescimento.

Por tudo isto, fica um pedido: convençam-me, por favor, com números e não com discursos, que é fiscalmente vantajoso reduzir a 0% as deduções fiscais com saúde nos escalões de rendimento mais elevados.


2 comentários

impostos, benefícios fiscais e a troika

Estava novamente a reler o “first update” de 01.09.2011 do “Memorandum of Understanding on Specific Economic Policy Conditionality”, por outras razões, e às tantas li dois aspectos que me parecem contraditórios, será só a mim?

“1.22 Reduction of personal income tax benefits and deductions, with a yield of at least EUR 150 million in 2012. Measures include:

i. capping the maximum deductible tax allowances according to tax bracket with lower caps applied to higher incomes and a zero cap for the highest income brackets;”

e logo depois

“1.27 Increase efforts to fight tax evasion, fraud and informality to raise revenue”

mas retirar totalmente as deduções ficais em despesas que impliquem a passagem de recibo para os níveis de rendimento mais elevado não é um convite quase explícito para que haja evasão fiscal?

Creio que no passado já ouvi defender que a “eficiência fiscal” no sentido de não dar incentivos à evasão fiscal incluía deduções fiscais para despesas associadas com profissões liberais ou situações onde se torne especialmente fácil acordar-se em não passar recibo (perdendo-se mais em rendimento não tributado do que benefício fiscal). Ficava mais descansado se fosse anunciado que estas contas foram feitas, e que a solução encontrada, de não haver benefícios fiscais para rendimentos muito elevados, é a melhor.


Deixe um comentário

Documento de Estratégia Orçamental (o fim…)

Última secção, dedicada às perspectivas de médio prazo. Primeiro aspecto importante  – o peso dos juros na evolução do saldo orçamental, que obrigam a que a despesa noutras áreas tenha que se reduzir de forma mais forte.

Segundo aspecto, podemos guardar o quadro III.8 em que tem o efeito esperado de cada medida para depois comparar com uma avaliação do seu resultado (admitindo que depois se fará uma avaliação, claro). Esta comparação não é apenas para dizer que falharam aqui ou ali. Isso vai suceder certamente. Com mais de 20 medidas explícitas no quadro, é estatisticamente difícil que não haja umas que vão estar acima da previsão e outras abaixo (o facto de a previsão ser apresentada apenas a um digito facilita depois essa comparação). O importante é saber quais são as alavancas mais relevantes para alterar a despesa pública. A relevância vem de dois factores: impacto da medida, e facilidade de provocar esse impacto. Se o impacto (esperado) está expresso na tabela, já a facilidade de provocar esse impacto não é objecto de qualquer apreciação – parece que todas as medidas são igualmente fáceis de aplicar e de fazer funcionar. Duvido fortemente que assim seja.
Em termos de cenários, não deixa de ser especialmente assustador ver que as receitas fiscais mesmo em 2015 não tendem a baixar (já sei que vão dizer que baixa o ritmo do seu crescimento, mas aqui interessa mesmo é o nível, não apenas o crescimento). Correcto que a despesa está prevista baixar, nomeadamente a despesa primária, mas sem se pensar a mais longo prazo que as receitas fiscais deverão crescer menos que o crescimento da economia, o Estado tenderá sempre a aproveitar momentos de maior crescimento para gastar mais, e tipicamente gastando em despesa rígida. De certa forma, o nosso sistema de decisão da despesa e receita pública vai estabelecendo que a receita fiscal não pode baixar. Ora devia-se prever a 8 ou 10 anos que houvesse essa redução, para forçar a redução da despesa pública mesmo em tempo de crescimento económico, para níveis que sejam os adequados para o Estado fornecer os bens e serviços que a Sociedade considera adequados. É conhecido que há pressões naturais para a despesa pública crescer nalgumas áreas (sobretudo segurança social e saúde), mas há a necessidade de maior pressão – basta olhar para o que se passa hoje, em que os sucessivos aumentos de impostos geraram na população uma predisposição para o corte da despesa pública que não deve ser menosprezado ou desbaratado.

No caso da segurança social, deveria haver um esclarecimento completo a cada cidadão do que pode esperar no futuro, das limitações da despesa pública que podem afectar as pensões que vão ser pagas, para que se possa planear e ajustar.

O realismo dos números apresentados sugere fortemente que em 2015 ainda estaremos no início do processo de recuperação da economia – a dívida ainda será de magnitude similar à actual; o défice público, se tudo correr bem, estará controlado; mas se a economia não crescer ou crescer menos do que o previsto até esse aspecto pode falhar.

O caminho é claramente estreito, e o jogo político das oposições e Governo facilmente poderão fazer-nos sair dele.


Deixe um comentário

Ajustamento fiscal por via do alargamento da base tributável = (?) mais impostos

No final do documento de estratégia orçamental vem toda a parte de impostos, contendo muitas e variadas intenções.

Inevitável, a ideia de alargamento da base tributável, mas cuja concretização corresponde unicamente a alterações de taxas de imposto e de valores de incidência. Ou seja, todos os que já pagam impostos vão pagar mais. Não é claro que haja contribuintes fora do sistema de tributação que sejam chamados agora a contribuir. Ou pelo menos escapou-me na leitura, tão fixado fiquei em todos os aumentos de taxas, aumentos de valor sobre os quais incide o imposto e redução de benefícios. Alargamento da base tributável significa aqui tributar mais os mesmos.

É verdade que na área seguinte se fala de combate à fraude e evasão fiscais (aliás, não poderiam deixar de o fazer nem que fosse por uma questão de imagem), mas as medidas são muito menos concretos, e por isso mesmo menos claras nos efeitos que podem produzir. Por exemplo, seria muito difícil adicionar que para além de “um quadro penal e processual mais exigente para os crimes fiscais mais graves” se adopta um compromisso de actuação rápida? compromisso temporal para resolver os casos? E dado que muita evasão fiscal ocorre em áreas conhecidas, não será possível ter um sistema de “cliente mistério” que ajude a detectar e possa ser usado como prova? ou um sistema em que a indicação de uma situação fraudulenta por parte de um cidadão não se traduza em mais complicações para o cidadão do que para quem exerce a fraude? Será possível concretizar? É que de outro modo, fica apenas mais um parágrafo de boas intenções.

No fim, aparece o aspecto mais importante: reforma do sistema fiscal por via da simplificação dos impostos sobre o rendimento; não só a simplificação é bem vinda, como qualquer novo código de tributação deveria conter cláusulas que tornassem especialmente difícil a criação de excepções e isenções.

A discussão dos princípios dessa tributação deve ser feita de forma clara, bem como as suas implicações – que grau de progressividade se quer ter? o que implica essa progressividade em termos de redistribuição de rendimento e de distorções de decisões no mercado de trabalho?

 

 


1 Comentário

mais um passo

Mais um passo foi dado no sentido de sabermos o que o Governo realmente pretende como concretização do memorando de entendimento.

O Documento de Estratégia Orçamental 2011 – 2015 é mais um (mais um…) passo intermédio até ao desvendar do plano de acção, prometido para o Orçamento. Ainda assim, o seu conteúdo vai para além do aumento de impostos que tem sido divulgado pela imprensa. O aumento de impostos está lá, é verdade, mas devemos olhar com atenção para os outros aspectos tratados no documento. Na verdade, devemos ver este documento como um compromisso do Governo consigo mesmo e com os cidadãos.

Uma parte importante do Documento é dedicado à organização interna do Estado. Mas vamos por partes na análise do documento.

A primeira parte é, como vem sendo usual nestes documentos, de enquadramento macroeconómico. O enfoque na descrição histórica cai sobre o baixo crescimento da produtividade e logo da economia. Mas reconhece dois aspectos importantes:

a) que parte substancial do problema económico é interno, poderá ter sido revelado mais cedo ou agudizado pela crise internacional, mas não deixa de ser um problema interno. A mera recuperação das outras economias não o irá resolver.

b) que o Estado tem um problema grave – falta de disciplina orçamental que assenta em grande medida num débil processo orçamental – ou seja, o Estado não consegue ter disciplina porque não tem internamente os meios para verificar essa disciplina.

Adicione-se aqui uma miopia sempre presente nas previsões económicas, traduzidas no quadro que mostra as diferenças entre a realidade e os documentos PEC – programas de estabilidade e crescimento – sucessivos. Se as melhores previsões oficiais que se conseguiram fazer foram estes, como se podia esperar que os credores acreditassem no rumo da economia portuguesa?

A correcção do processo orçamental e uma maior precisão técnica nos documentos elaborados são melhorias internas do Estado que têm de ser feitas. A primeira é essencial para haja de facto contenção da despesa, e nos deixemos de lamentar com o ciclo de conferência de imprensa – aumento de impostos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(ps. amanhã continuarei com a análise do documento)


8 comentários

e as noticias são:

Depois de uma tarde a rever trabalhos e a preparar o regresso às aulas, uma olhada rápida pelos títulos das noticias online (têm ligeiras variantes de acordo com quem escreve):

PS quer taxa adicional de 3,5 por cento no IRC para empresas com lucros acima dos dois milhões de euros
Vice-presidente do PSD quer imposto sobre poluidores

e continuo sem perceber porque é que a “força criativa” se continua a voltar para aumentar impostos, sobretudo os ditos extraordinários – para além da sua capacidade de gerar receita, que tem de ser avaliada, se são extraordinários, mas a despesa é estável, como é que impostos extraordinários este ano resolvem o problema de fundo? Uma coisa é dizer que precisamos de espaço para respirar e cortar a despesa, outra é estar esperar que tudo se resolva por isso e ir colocando remendos todos os anos.

Imposto sobre os poluidores – é pelo menos diferente das ideias mais comuns pelos dias de hoje, mas tem a curiosa característica de se a prazo o comportamento dos poluidores se alterar, poluindo menos, a receita desce (e poluirem menos é bom!); os impostos destinados a corrigir comportamentos não conseguem atingir dois objectivos com sucesso: corrigir o que se pretende e dar receita significativa.

E agora será que se consegue apresentar ideias concretas para reduzir a despesa? sim?