foi o termo usado por Bagão Félix para caracterizar o que veio a público da proposta de escalões e taxas de IRS para o futuro (não será apenas uma questão do próximo ano, tudo indica). Os jornais de hoje apresentam já simulações de como se alterará o pagamento de imposto, tendo alguns como título que os rendimentos mais baixos são mais penalizados. De acordo com as informações disponibilizadas nessas mesmas simulações, isso não é verdade e a implicação decorre de se olhar para o número errado para aferir dos efeitos distributivos do IRS. Não se pode olhar, como é feito, para a percentagem de aumento do imposto pago – senão quem passa a pagar 1€ (um euro) quando nada pagava, tem um acréscimo percentual infinito, quem passa a pagar 2€ e pagava 1€ tem um acréscimo percentual de 100%. Dadas as diferenças da base, os aumentos percentuais são pouco relevantes. Mais importante, a meu ver, é olhar para o peso que o aumento do peso mensal do imposto tem no total do rendimento familiar. Tomando como boas as simulações de um dos jornais, uma pessoa solteira sem filhos e com rendimento mensal de 1500 euros (a 14 meses), categoria A, pagará mais 81€ de imposto por mês, cerca de 5% do seu rendimento bruto. Uma outra pessoa nas mesmas condições mas com rendimento de 4000 euros terá um aumento de imposto mensal de 341€, que são 8,5% do seu rendimento. Se tomarmos um casal com dois filhos, em que um dos membros recebe 1500€ mês e o outro 750€ mês (ainda em 14 meses), o seu imposto mensal aumenta 75€, ou 3,4% do rendimento do agregado familiar. Se este mesmo casal com dois filhos tiver cada um dos membros do casal a receber 4000€, o seu imposto aumenta 400€ por mês, 10% do respectivo rendimento agregado.
Ou seja, a proposta de escalões e taxas do governo coloca realmente um maior peso de esforço relativo nos escalões de maior rendimento. A critica de penalização dos rendimentos mais baixos não é por isso correcta.
Aspecto diferente é saber se o esforço pedido é exagerado ou não. E aqui alinho com Bagão Félix no termo de sismo fiscal. Embora sem grande precisão, que não houve tempo para recolher com grande detalhe toda a informação e não conheço em detalhe os sistemas fiscais dos países, uma busca rápida na internet dos escalões e taxas marginais de imposto, bem como das deduções específicas, permite ver quanto é que cada nível rendimento paga de imposto em cada país (no caso dos países fora da zona euro usei a taxa de câmbio do dia). A inclusão das deduções específicas é relevante, pois o rendimento tributável é dado pelo rendimento auferido menos o valor dessas deduções. Por isso, quando se diz que o primeiro escalão de IRS paga 14,5% de imposto, não significa que rendimentos até 7000 paguem esse valor, é preciso retirar primeiro a dedução específica relevante (as simulações normalmente apresentadas têm este aspecto técnico incorporado, embora usualmente os quadros de apresentação do IRS só apresentem os valores dos escalões e as respectivas taxas aplicadas dentro de cada escalão – a taxa marginal de imposto).
O quadro seguinte mostra uma ideia (sujeita a correcções de quem conhecer melhor os sistemas tributários dos países envolvidos) do que paga, para um mesmo rendimento, uma mesma pessoa consoante o país em que vivesse. O primeiro quadro inclui a sobretaxa de 4% aplicável a todos os rendimentos. Vê-se muito claramente que o cidadão português vai pagar muito mais do que pagaria num outro país (dos usados aqui para comparação), e substancialmente mais do que no ano passado. O esforço pedido é por isso um “sismo fiscal”. Espanha também tem uma sobrecarga fiscal (temporária?), mas que se revela para estes níveis de rendimento menos pesada. As diferenças são sobretudo notórias a partir dos 20000 € anuais, ou seja cerca de 1500€ por mês.
Se retirarmos os 4% de sobretaxa, continua-se no limite superior do esforço fiscal exigido, mas com menor diferença ficando similar à situação de Espanha (com sobretaxa neste país).
Por fim, o terceiro quadro apresenta a evolução da taxa média de imposto antes e depois do “sismo fiscal”, em que se vê o aumento da percentagem do rendimento que vai para imposto para os diferentes níveis de rendimento – é a distância vertical entre as duas linhas. Essa distância é menor para níveis de rendimento mais baixos.
Duas observações finais: Primeiro, estes valores não foram reconfirmados ou validados por terceiros. Poderão vir a ter correcções se houver nova informação que o justifique.
Segundo, apesar das limitações, e como têm propósitos ilustrativos, deve-se ter uma leitura de conjunto.