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desigualdades legítimas e ilegítimas – o imposto de 75% em França

3 comentários

Num interessante artigo de João Cardoso Rosas no Diário Económico, entitulado “imposto a 75%”, da análise da proposta francesa de tributar os rendimentos anuais acima de 1 milhão de euros (taxa marginal, apenas aplicável ao que exceder esse valor), a desigualdade é apresentada como “legítima” por João Cardoso Rosas  “na medida em que permita a existência de um sistema de incentivos sociais” e afirma ainda que “se as desigualdades são justificadas desta forma – e não há nenhuma outra plausível para as justificar” então o imposto de 75% faz sentido.

Ora, é sobre este último aspecto que tenho dúvidas em geral. Primeiro, porque estamos a olhar apenas para um indicador – rendimento gerado num ano que passa pelo sistema de impostos. Rendimento não é equivalente a riqueza, e nem tudo o que é “retorno económico” passa pelo sistema de impostos, ou pelo menos não passa da mesma forma. Uma propriedade agrícola que tenha produtos que são consumidos pelos seus proprietários não passa pelo mercado, não gera rendimento tributável embora gere retorno económico. Não é que esta seja uma situação frequente ou qualitativamente importante; ilustra apenas que rendimentos sujeitos a imposto não são uma medida completa para analisar desigualdades. Pode ser a melhor que temos, mas daí não a podemos tomar como moralmente absoluta e fonte de legitimidade.

O segundo aspecto sobre as desigualdades de rendimento é que podem ser o resultado de escolhas livres e lícitas de cada pessoa. Para um exemplo simples, suponhamos duas pessoas, com formação que lhes permite ter exactamente as mesmas duas oportunidades de rendimento: a) trabalhar 16 horas por dia, com rendimento bruto de 8,000 euros, e b) trabalhar 7 horas por dia com rendimento de 3,000 euros por mês. (os valores são apenas para ilustração)

Será que é lícito criticar a opção de umas pessoas por a) e de outras por b)? Se uns escolherem a) e outros escolherem b), temos desigualdades de rendimento, mas também desigualdades de tempo de trabalho – porque devem ser as primeiras removidas por tributação, mas não as segundas? É aqui que não sigo o princípio de legitimidade de João Cardoso Rosas em dizer que apenas os incentivos sociais justificam desigualdades de rendimento. Se essas desigualdades resultarem de escolhas diferentes por haver preferências diferentes para um mesmo conjunto de oportunidades, porque não são legítimas?

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “desigualdades legítimas e ilegítimas – o imposto de 75% em França

  1. Caro Prof. Pita Barros,

    Só uma nota no que se refere ao exemplo que deu de trabalhar 16 ou 7 horas por mês: admitindo que existe desemprego estrutural, mitigado por transferências do Estado, pode fazer “sentido” taxar as 16 horas mais.

    Se quem faz as 16 horas (e ganha mais), fâ-lo à custa de um desempregado (i.e. o volume de trabalho é idêntico, em “horas-homem”, logo se trabalhar MENOS horas alguém trabalhará as restantes) e esse desempregado é suportado por transferências do Estado, então, na realidade, fica mais barato ao Estado (logo, menos carga de impostos) ter duas pessoas a trabalhar menos, porque as transferências deixam de existir.

    Aliás, se olharmos para Keynes, a sua teoria económica assenta nisso mesmo: na diminuição progressiva da carga de trabalho (todos a trabalharem menos) como consequência da mecanização e automação (ou aumento de eficiência) dos processos produtivos. O que se passou, na realidade, foi outra coisa: por um lado, a procura de bens e serviços “superfluos” (na visão de Keynes) aumentou e, por outro e mais directamente relacionado com este caso, o aumento de produtividade em algos casos traduziu-se apenas na diminuição da “massa produtiva” (trabalhadores).

    Eu não estou, repare, a defender a taxa ou a implementação dirigista de uma sociedade keynesiana, mas apenas que pode existir uma lógica puramente económica ao taxar-se quem MAIS trabalha se a Sociedade se responsabilizar por quem não o faz.

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  2. Caro Carlos,
    Obrigado pelo seu comentário.

    o meu argumento não era sobre tributação óptima e sim sobre desigualdades que se podem gerar por escolhas diferentes sobre um mesmo conjunto de oportunidades como dando lugar a desigualdades que não são ilegítimas (ou pelo menos eu não vejo como é claro que sejam ilegítimas).

    na discussão da tributação óptima deveríamos também provavelmente entrar em linha de conta com as produtividades de cada um. por exemplo, mas esse é todo um outro tipo de discussão.

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  3. Escolhas diferentes???
    Em países evoluídos com os quais os portugueses se gostam de comparar ( pelo menos alguns) o horário de trabalho é definido, as horas extraordinárias raras ou inexistentes e a acomulação proíbida (sector público) ou muito limitada mesmo no sector privado. Certamente por razões muito fortes que todos percebemos quais são.
    Será que no seu texto se está a referir a profissões liberais? Mesmo nesses casos a questão não é nada simples.

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