Momentos económicos… e não só

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o fechar de um ciclo de trabalho

Healthcare in the EU: Expert Panel on Health publishes 3 opinions and 1 memorandum

Last month, the Commission’s independent Expert Panel which gives non-binding advice on matters related to “effective ways of investing in health”, has adopted three Opinions and one Memorandum related to access to healthcare and healthcare reforms.

The Opinion on Access to Health Services in the European Union identifies policy responses to improve access to health services both at national and EU level. The Opinion emphasises that ensuring equitable access to health services is a multi-dimensional challenge, with no quick fixes. It requires commitment and sustained efforts on several fronts. The EU can provide valuable support to Member States to improve access to health services, but real progress can only be made if Member States are willing to react.

The Opinion on Typology of health policy reforms and framework for evaluating reform effects seeks to guide policy evaluation and design in Member States so that national health reforms lead to the desired goals for health systems. The report stresses that further reforms are needed to ensure greater effectiveness and efficiency of Europe’s health systems, and it recommends a template for evaluating the implementation and impact of said reforms.

The Opinion on Best practices and potential pitfalls in public health sector commissioning from private providers aims to contribute to improved policy making on whether to and how to commission healthcare from private providers within the EU. It finds that commissioning from private healthcare providers is a policy option that needs careful consideration. If chosen, a precise definition on what is to be commissioned and how it will be monitored, are crucial. The Panel stresses the need for strong commissioning bodies and well-designed commissioning processes.

Finally, The Memorandum on “Reflections on hospital reforms in the EU” looks at some of the challenges facing hospitals in the EU and responses that have been applied (e.g. ensuring adequate funding, promoting primary care and a greater shift to outpatient care), and gives reflections that may be useful for analysing and planning changes.


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livre escolha no SNS

Cumprindo o que tinha sido anunciado, começou a ser possível (alguma) liberdade de escolha de hospital dentro do SNS. A ACSS disponibilizou recentemente uma pequena nota (aqui) sobre o inicio das experiências piloto com vários centros de saúde. Nesta fase inicial, segundo esta nota, 13% dos utentes foram já encaminhados para outros locais que não os habituais. Embora possa constituir um pequeno número de casos em valor absoluto, em termos relativos é significativo. E caso venha a ser este o número global quando este processo de liberdade de escolha estiver disponível em todo o país, poderão vir a colocar-se questões de gestão do SNS que importa pensar desde já, em particular se os fluxos de doentes forem todos na mesma direcção (isto é, de não se ir a determinadas unidades hospitalares e os doentes querem ir todos a outras). Essas questões vão-se centrar em dois aspectos: tempos de espera a subir nas unidades hospitalares que sejam mais procuradas, e fluxos de pagamento. No primeiro caso, se o motivo para escolha de uma unidade hospitalar diferente da correspondente à área de residência do doente for apenas o tempo de espera, então o próprio funcionamento do processo de escolha irá encontrar o seu equilíbrio. Se o motivo de escolha for outro, então teremos desequilíbrios com provável insatisfação dos doentes com os crescentes tempos de espera. Teremos de esperar para conhecer quais os elementos essenciais nas escolhas dos doentes.

O segundo aspecto é saber se o “dinheiro segue o doente”, isto é, se os hospitais que recebam mais doentes também receberão financiamento adicional e de quem. A este respeito, a nota da ACSS refere  “O pagamento das consultas bem como da atividade resultante do acompanhamento ao utente, encontra-se estabelecido no contrato-programa, celebrado anualmente entre a instituição hospitalar do SNS e a Administração Regional de Saúde da sua área de influência.” Ora, esta formulação geral não esclarece se um hospitais que tenha perda de doentes para outro deixa de receber financiamento associado a essa menor procura dos seus serviços (ou se pode compensar essa eventual perda de receita aumentando outras actividades que desenvolve, ou aumentar o número de episódios para os doentes que continuam a procurá-lo), e também não é claro como se processa o pagamento referente a estes doentes que surgem de outras áreas (contabilizados à parte? dentro da actividade global?). A consulta dos termos de referência para os contratos programa (disponível aqui) não esclarece esse aspecto, pois refere (p. 24) “Para além destes incentivos financeiros, em 2016 introduz-se uma medida que permitirá aumentar o livre acesso do utente no momento de aceder à primeira consulta externa hospitalar, no âmbito do através do Sistema Integrado de Gestão do Acesso Integrado – SIGA, quando referenciado pelos cuidados de saúde, através do CTH: o sistema de informação CTH permitirá que o médico de CSP, em articulação com o utente e com base no acesso à informação sobre os tempos de espera de cada estabelecimento, possa referenciar para qualquer uma das unidades hospitalares da região, oferecendo- se assim a possibilidade de escolha do prestador a nível hospitalar.”

Há, pois, dois aspectos centrais a perceber na evolução desta experiência de liberdade de escolha: o que motiva as escolhas dos doentes, e como melhora a sua experiência com o SNS quando doentes (o que sucede no lado da “procura”), e o que sucede no lado da “oferta”, como alteram os hospitais o seu funcionamento e que consequências surgem para eles dessa liberdade de escolha dos doentes.


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Resolução da Assembleia da República n.o 98/2016

A Assembleia da República aprovou no final de abril (dia 29), uma resolução com o título “Por um Serviço Nacional de Saúde sustentável, com cuidados de saúde de qualidade e equidade no acesso”.

Esta resolução é toda ela um programa de acção para o Ministério da Saúde, com dezenas de medidas, arrumadas em três áreas: sustentabilidade financeira do SNS, qualidade e equidade no acesso, e melhor saúde (redução de carga de doença, promoção da saúde e prevenção). Há, naturalmente, grandes coincidências com o próprio programa do Governo. E globalmente as medidas serão consensuais.

A parte difícil é porém fazer com que as diferentes medidas não sejam contraditórias entre si, e também estabelecer as prioridades na acção.

Um exemplo, “Aumente a taxa de ocupação de camas hospitalares e da redução da demora média de internamento, designadamente quando se trate de próteses de anca ou acidente vascular cerebral, reforçando a prestação de cuidados domiciliários;” – para o mesmo número de doentes, para o mesmo número de camas, aumentar a taxa de ocupação e reduzir a demora média de internamento cria um problema matemático… Se se aumenta o número de doentes tratados, terá que haver maior financiamento e garantir que o aumento de internamentos é realmente necessário; se for conseguida a redução da demora média de internamento, então para aumentar a taxa de ocupação de camas hospitalares, será necessário reduzir o número de camas. Neste, como noutros casos, por vezes entre medidas, haverá eventuais objectivos contraditórios ou que necessitam de ajustamento noutros aspectos que é forçoso explicitar.

É certo que é uma recomendação da Assembleia da República, mas não basta ter grandes objectivos, e depois enumerar medidas, sem pensar nas restrições de recursos e na compatibilização das diferentes medidas, em termos dos recursos que usam e das prioridades de acção.


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As “Country Specific Recommendations” da Comissão Europeia

disponibilizadas hoje (ver aqui todas, e para Portugal).

Sobre o sector da saúde, expressam a preocupação com o “duplo desafio” de conseguir a sustentabilidade de longo prazo do sistema de saúde (creio que provavelmente querem dizer sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde) e de ao mesmo tempo manter o nível de acesso a cuidados de saúde. Apontam ganhos de eficiência no sistema como forma de alcançar os dois objectivos.

O desafio da sustentabilidade parece decorrer, para a Comissão Europeia, da estimativa do aumento da despesa pública em saúde em 2,5% do PIB até 2060. Apresentam só assim a estimativa, pelo que será interessante perceber como é obtida e em que hipóteses. A minha conjectura é que é resultado de um modelo de regressão, mas estimado para 2060, o intervalo de previsão deve ser bastante grande.

Como pontos de intervenção aponta a prevenção e a utilização de cuidados de saúde primários, como forma de evitar mais despesas. Também referem a importância de resolver o problema das dívidas em atraso.

Estas preocupações resultam numa recomendação concreta para “Assegurar a sustentabilidade de longo prazo do sector da saúde, sem comprometer o acesso aos cuidados de saúde primários” (tradução minha)

A grande novidade aqui é referência aos cuidados de saúde primários. Embora na verdade o problema interessante a resolver em termos de políticas é obter o melhor acesso possível aos cuidados de saúde primários, dada a necessidade de sustentabilidade de longo prazo do Serviço Nacional de Saúde.

A distinção entre as duas formulações está no que objectivo e no que é restrição em cada caso.

Mas veremos como são incorporadas estas observações na actuação política em Portugal. A discussão sobre os orçamentos dos hospitais, ainda não fechadas em vários casos segundo notícias recentes, o crescimento das dívidas em atraso e as pressões decorrentes das reposições salariais e do regresso aos horários de 35 horas, são motivos para seguir com atenção como será resolvido este “duplo desafio” identificado pela Comissão Europeia.

 


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Medicamentos biossimilares – orientação formal

Os medicamentos biossimilares são medicamentos, como o nome diz, similares a outros medicamentos, medicamentos biológicos em particular (que são medicamentos produzidos a partir de células vivas). Não são “iguais” no sentido em que um genérico é “igual” ao medicamento original. A produção de um medicamento biossimilar implica um passo de inovação que não está presente nos genéricos (onde o conhecimento da estrutura química é em grande medida suficiente para a replicação do produto). Não sendo exactamente “iguais”, os biossimilares têm que demonstrar a capacidade de alcançar os mesmos objectivos terapêuticos dos medicamentos biológicos que servem de referência – têm que funcionar da mesma forma. A produção de biossimilares introduz então um elemento de concorrência, e permite que se desenvolva a capacidade de ter menores custos de produção e logo de tratamento. Mas como o processo produtivo é mais complexo, não será de antecipar que se observem as reduções de preços que normalmente estão associadas com a presença de medicamentos genéricos.

A Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica emitiu uma “Orientação” (disponível aqui) onde reconhecendo as especificidades dos biossimilares e a importância de se conseguir ligar efeitos a medicamentos (nomeadamente no caso reacções adversas) toma uma posição de apoio à utilização de biossimilares. Esta é orientação que faz todo o sentido, e que permite obter os mesmos resultados com menores custos (e logo contribui para a eficiência do sistema de saúde).

Resta agora saber em que medida os médicos irão, ou não, utilizar esta possibilidade.


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Acesso e contacto com o SNS

Entre as várias decisões que têm vindo a ser tomadas pelo Ministério da Saúde, expressas em diplomas legais, a preocupação com o acesso aos cuidados de saúde tem sido evidente. E uma dessas decisões consistiu em dar prioridade (dentro do mesmo nível de gravidade da situação) no  atendimento nos serviços de urgência aos doentes que sejam reencaminhados de outro ponto de entrada – cuidados de saúde primários ou linha de atendimento saúde24. Também foi eliminada, em Novembro de 2015, a diferença de valor da taxa moderadora consoante o horário de atendimento nos cuidados de saúde primários.

Estas decisões correspondem a um (bom) uso dos elementos preço (taxa moderadora) e tempo para levar o cidadão que se sinta doente a uma melhor utilização do Serviço Nacional de Saúde, para ele e para o próprio SNS. Em particular, será importante uma maior utilização da Linha Saúde24, como forma de melhor organizar o próprio contacto do doente com o SNS, uma vez que nos vários inquéritos realizados sobre o comportamento dos cidadãos quando se sentem doentes a linha Saúde24 raramente aparece como uma primeira opção. Já o recurso aos cuidados de saúde primários cresceu de 2013 para 2015.

A redução dos casos pouco urgentes e susceptíveis de serem resolvidos sem recurso a serviços de urgência será o efeito esperado destas diversas medidas, traduzindo-se num melhor acesso das situações intermédias de gravidade (as situações de verdadeira emergência não terem aqui alteração), numa melhor organização dos serviços de urgência e em menores custos para o Serviço Nacional de Saúde.

Dois aspectos adicionais que será interessante ver, no prazo de 6 meses a um ano, como evoluem são:

a) quais o grau de referenciação para as urgências hospitalares e o grau de resolução nos cuidados de saúde primários? (se houver um maior afluxo de doentes aos cuidados de saúde primários em consultas não programadas, a resposta é tratar ou remeter para o hospital?)

b) será que os cidadãos vão “aprender” a usar o algoritmo de decisão da Linha Saúde24 indicando sintomas que levam a uma referência para o hospital, e com isso utilizam a chamada apenas com o intuito de ganhar tempo no atendimento da urgência hospitalar?

 

 


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Inovação disruptiva em saúde

Hoje é dia de “post preguiçoso”,  documento disponível sobre inovação disruptiva em saúde, versão final (aqui), no seguimento do post sobre “disruptive innovation” de há uns meses atrás. Para conhecimento e discussão.

Disruptive Innovation: Final EXPH Opinion adopted

Today, the Commission’s independent Expert Panel which gives non-binding advice on matters related to “effective ways of investing in health”, adopted its opinion on the implications of Disruptive Innovation for health and health care in Europe. This final opinion reflects the comments received during the public consultation period, during which contributions were received from 25 parties.

Definition

Innovation can be categorised as non-disruptive or disruptive. Non-disruptive innovations aim to make improvements to existing systems without overly disrupting the status quo. Disruptive innovations, as the name suggests, are more radical. They result in organisational changes, new networks and new players, and displace older organisational structures, workforce, processes, products, services and technologies.

Opinion

The Opinion aims to identify drivers and barriers for the implementation of disruptive innovation, assesses its relevance in the EU, and identify strategic areas of focus.

It finds that disruptive innovation can be an important mechanism for improving health and health care in Europe. Disruptive innovations provide new and different perspectives that, in the long run, tend to reduce costs and complexity in favour of improved access and the empowerment of the citizen/patient. Policy makers should thus, see disruptive innovations as possible new ways of developing sustainable European health systems.

Barriers to disruptive innovation include lack of engagement of patients/people, lack of coordination, resistance of the health workforce and organisational/institutional structures, inadequate networks and processes, economic and legal factors and lack of political support.

The implementation of any (disruptive) innovation should carefully address the issues of relevance, equity (including access), quality, cost-effectiveness, person- and people centeredness, and sustainability. Health policy should be designed to encourage enablers for developing and implementing disruptive innovations and reduce the potential barriers.

While disruptive innovation can be an important concept for policy analysis, it does not mean that other types of innovation are less desirable. Incremental innovation can be very important, as well as more radical innovations that may not be classified as disruptive.

Conteúdo do trabalho:

THE CONCEPT OF DISRUPTIVE INNOVATION;

CHRISTENSEN CONCEPT OF DISRUPTIVE INNOVATION;

DISRUPTIVE INNOVATION IN HEALTH CARE (The applicability of disruptive innovation to health care;  EXPH concept of disruptive; Elements that characterise disruptive innovation);

TAXONOMY OF DISRUPTIVE INNOVATION; DIFFERENT OPTIONS TO CLASSIFY DISRUPTIVE INNOVATIONS; THE FIELD OF APPLICATION; EXAMPLES ILLUSTRATING THE TAXONOMY; STRATEGIC AREAS FOR DISRUPTIVE INNOVATION;

DISRUPTIVE INNOVATION AND TRANSLATIONAL RESEARCH; DISRUPTIVE INNOVATION AND TECHNOLOGY IN MEDICINE; DISRUPTIVE INNOVATION AND PRECISION MEDICINE;

DISRUPTIVE INNOVATION AND HEALTH AND CARE PROFESSIONAL;

DISRUPTIVE INNOVATION AND HEALTH PROMOTION;

IMPLEMENTING DISRUPTIVE INNOVATION;  FACTORS THAT TRIGGER DISRUPTIVE INNOVATIONS IN HEALTH (BARRIERS TO DISRUPTIVE INNOVATION IMPLEMENTATION; ADOPTION AND DIFFUSION OF DISRUPTIVE INNOVATION; POLICY ISSUES);

CASE STUDIES: NEW AND MORE EFFECTIVE TREATMENT FOR HCV; COMMUNITY-BASED MENTAL HEALTH; POPULATION BASED ACCOUNTABLE ORGANISATIONS; ANTI-ULCER DRUGS; DIABETIC PATIENT SELF-MANAGEMENT; MINIMAL INVASIVE SURGERY;  PATIENT-CENTRED CARE; THE SWEDISH REHABILITATION GUARANTEE;

CONCLUSIONS AND POLICY RECOMMENDATIONS


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Saúde e crescimento económico

Tem vindo a surgir, com frequência crescente, que as despesas em saúde devem ser vistas como um investimento e como um contributo para o crescimento económico. Os argumentos variam entre o lado da oferta (despesas em saúde promovem o desenvolvimento produtivas em saúde) e o lado da procura (despesas em saúde promovem um melhor estado de saúde da população, que por sua vez origina uma população activa mais produtiva e disponível).

Embora o argumento seja atractivo, requere uma validação empírica que tem sido difícil de conseguir com a confiança que o argumento parece conquistar enquanto tal. Um recente trabalho, disponível aqui, faz uma meta-análise de vários estudos.

O principal resultado, referente às despesas públicas em saúde, é que apresentam um efeito negativo sobre o crescimento económico, em regularidade estatística. Utilizam como medida das despesas públicas em saúde o rácio despesa pública em saúde – PIB, e o seu grau de associação com o crescimento do PIB. O efeito negativo encontrado é sobretudo encontrado nos países desenvolvidos. A justificação deste efeito não foi explorada, e a sua existência em média não impede que num país em particular possa haver uma relação positiva.

E, por outro lado, não é pelos efeitos sobre o crescimento económico que se realizam despesas públicas em cuidados de saúde, pelo que este resultado nada diz sobre o nível adequado, ou desejado, de despesas públicas em saúde.

Em qualquer caso, os resultados encontrados obrigam que antes de se argumentar que fazer despesa pública em saúde é também bom para o crescimento económico, se pense na evidência que existe, para cada país em particular.


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EconomiaViva: Saúde

O painel de conferências EconomiaViva, organizado pelo Nova Economics Club e pela Associação de Estudantes da Nova SBE, teve na saúde o último tema. Deixo aqui as minhas notas da sessão, que o moderador introduziu falando nos desafios da saúde.

Fernando Leal da Costa: Começou por reconhecer o consenso generalizado sobre os princípios base de direito à saúde e à protecção da saúde, consagrado na Constituição, e exercido pela existência de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito. Tomou como as diferenças fundamentais entre “direita” e “esquerda” do espectro político a) o querer “dar tudo a todos” (para a “esquerda”) ou querer dar “apenas o que é comportável” (para a “direita”); e b) como ser o “tendencialmente gratuito”, ou seja, as taxas moderadoras, eventualmente diferenciadas de acordo com o rendimento. Um dos desafios globais para os sistemas de saúde é saber o que se vai incluir dentro da “protecção à saúde”, dada a necessidade de responder financeiramente aos preços crescentes da tecnologia, sendo que há um número crescente de pessoas a necessitar de mais cuidados. É necessário melhorar os aspectos da esperança de vida livre de doença. Aqui introduz-se o problema do financiamento e saber se o modelo baseado em impostos é sustentável, ou se terá de haver um aumento dos seguros privados. Vê como um caminho possível a evolução para sistemas mistos.

[Comentário: não é o modelo de financiamento que faz a diferença no longo prazo sobre a sustentabilidade do sistema de saúde. Um mau modelo de financiamento das despesas de saúde destrói a sustentabilidade do sistema, mas um bom modelo de financiamento não garante por si só a sustentabilidade do sistema de saúde (ou do Serviço Nacional de Saúde em particular). ]

Jorge Simões: Não tem grandes pontos de discordância. Vê o consenso sobre o Serviço Nacional de Saúde como tendo pelo menos 20 anos, desde 1995. Introduz como base para este consenso político sobre o SNS o “transvase ideológico” que teve lugar na década de noventa (do século passado), caracterizado por a “direita” ter aceite o SNS, e  “esquerda” ter aceite a introdução de mecanismos que aproximam o funcionamento de mercado dentro do SNS. Referiu  que os problemas e os desafios do sistema de saúde e do SNS são muito similares aos enfrentados pela maioria dos outros países, nomeadamente no problema da despesa pública em saúde e seu crescimento.

[Comentário: A noção de “transvase ideológico” como base do consenso político sobre o SNS é bastante feliz, e ajuda a perceber porque no essencial o SNS em Portugal tem mantido uma clara estabilidade. No problema da despesa pública em saúde, além de termos problemas similares aos outros países, é de assinalar como facilmente se salta de um problema de decisão que pode ser simplisticamente caracterizado como obter a melhor saúde para a população dados os recursos existentes para um problema de reduzir custos, dê por onde der. ]

Maria do Céu Machado: Falou sobre como assegurar o direito à saúde, e como o estabelecimento de prioridades acaba por ser uma realidade (dando como exemplo situações no SNS inglês de preferência  dada a não fumadores face a fumadores). Referiu que o dever de cuidar da (própria) saúde é algo que depende da literacia da população, que é em baixa em Portugal. Introduziu a questão de haver em Portugal um fraco investimento na prevenção, como resultado do tempo dos resultados que tal produz irem muito além do horizonte político do decisor de cada momento. Relembrou dois temas relevantes na discussão recente das políticas de saúde: saúde em todas as políticas e investir na saúde como forma de promover o desenvolvimento de um pais (também na sua componente de crescimento económico). O conceito de saúde em todas as políticas significa que se deve fazer a avaliação do impacto na saúde das políticas adoptadas, qualquer que seja a área de aplicação da política. Referiu ainda a importância dos meios digitais para a saúde, e como “pequenas” utilizações das tecnologias de comunicação podem alterar de forma importante os comportamentos individuais. Por fim, introduziu o tema da inovação tecnológica e dos aspectos éticos que lhe estão associados em termos de acesso às terapêuticas.

Jorge Simões em comentário reforçou a ideia de um dos desafios do sistema de saúde português ser melhorar a esperança de vida saudável no final da vida. Referiu como exemplo, a diferença de dez anos de vida saudável a mais que os noruegueses têm em relação aos portugueses, para uma esperança de vida aos 65 anos que não é assim tão diferente.

[Comentário: No caso da prevenção, não será apenas o tempo político a determinar o baixo nível de investimento; o facto de ser difícil observar o que é o resultado da prevenção – é observar o que não acontece – e essa falta de observabilidade tornar complicado “pagar” de outra forma que não seja pelo “processo”, pelo que se faz, sem se ter exacta noção do que é o resultado – também contribui para que seja uma área onde “cortar” a utilização de recursos se torna normalmente mais simples.]


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Duas resoluções

da Assembleia da República:

“Resolução da Assembleia da República n.º 28/2016

Recomenda ao Governo a identificação das consequências dos cortes orçamentais no Serviço Nacional de Saúde

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que proceda à identificação, em todas as áreas, das consequências das políticas de desinvestimento público e de sucessivos cortes orçamentais, no financiamento e no investimento público, no funcionamento dos estabelecimentos públicos de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde, nos profissionais de saúde e na prestação de cuidados de saúde aos utentes.

Aprovada em 29 de janeiro de 2016.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.”

 

“Resolução da Assembleia da República n.º 29/2016

Levantamento de necessidades no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e intervenção urgente em serviços com falhas graves ou em situação de potencial rutura

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que:

1 — Proceda ao levantamento de todas as necessidades existentes no SNS, em particular nos hospitais e serviços onde existam falhas na capacidade de resposta ou onde se esteja a operar no limite da capacidade.

2 — Atue de imediato sobre essas falhas — com prioridade para aquelas que impossibilitam respostas em casos urgentes, permitindo o reforço de equipas e criando condições para a fixação dos profissionais no SNS.

Aprovada em 29 de janeiro de 2016.

O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.”

Estas duas recomendações são interessantes se expurgadas do jargão própria da luta política que está claramente envolvido. Sendo muito genéricas permitem respostas muito amplas também. Mas não deixará de ser útil saber as consequências, boas e más, da despesa pública realizada (claro que não terá sido dessa forma que os proponentes destas recomendações pensaram). Há vários exemplos de aspectos que deveriam ser focados em qualquer relatório que queira dar resposta a estas duas recomendações que devem ser vistas em conjunto. Por exemplo, foi todo o investimento realizado nos últimos 10 ou 15 anos em equipamentos de saúde útil? qual a taxa de retorno social do movimento assistencial à população que daí resultou? Este aspecto torna-se relevante quando se volta a falar na construção de novos hospitais. Outro exemplo é conhecer o que sucedeu à manutenção e operacionalidade de equipamentos que existam, o que resulta da sua falta de operacionalidade em termos de saúde de população. E há que evitar uma armadilha – se houvesse mais recursos ter-se-ia feito mais? claro, mas isso é sempre verdade. Logo, as perguntas interessantes não são as que questionam se com mais dinheiro, mais fundos, mais profissionais, mais equipamentos se teria podido fazer mais.

Alguns dos efeitos são triviais de adivinhar. Os cortes nos salários não deixaram os profissionais de saúde mais satisfeitos. Mas menos óbvio será saber se a necessidade de gastar menos em pessoal levou a reorganizações do trabalho dos profissionais de saúde que permitiram atingir os mesmos objetivos assistenciais com menores custos.

Por outro lado cortes nos preços dos medicamentos podem permitir maior consumo com menor despesa. O que significa que o SNS e os cidadãos gastam menos para mais resultados, e a fileira farmacêutica recebe menos.

Note-se que sempre que se gasta menos por redução de preços ou custos, para um mesmo movimento assistencial, se tem algum prestador que recebe menos, mesmo que os cidadãos recebam os mesmos cuidados de saúde. Estas recomendações não podem servir apenas para dar voz a quem recebeu menos por se ter gasto menos em despesas públicas com saúde.

Numa interpretação possível, estas recomendações deveriam levar à identificação das situações de “value for money” no sistema de saúde português, e no Serviço Nacional de Saúde. Ter esse conhecimento permitiria dizer que cortes orçamentais, e em que medida, tiveram efeitos negativos sobre a capacidade de assistência à população, e qual o espaço que agora existe para que com os mesmos recursos o Governo possa fazer diferente (creio que tem sido esta a ideia transmitida pelo Ministério da Saúde, ver aqui). Aguardemos então se o trabalho de resposta a estas recomendações vai ser de teor técnico ou de retórica de combate político.