Momentos económicos… e não só

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sobre o “Programa Nacional de Reformas 2015” (2)

(mais algumas das “recomendações”)

  1. Prosseguir com a reestruturação das empresas públicas – fusões, privatizações e renegociação das PPP – tal como em muitas outras descrições de medidas, algumas delas terão o potencial para reduzir o ritmo de crescimento da despesa pública para o mesmo serviço prestado, enquanto outras poderão ter apenas efeitos num momento,
  1. Medidas que melhorem a sustentabilidade a médio prazo do sistema de pensões, onde cabem diversas coisas: a aplicação transitória da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, que desaparece em 2017, o congelamento transitório do indexante dos apoios sociais e do regime de actualização do valor das pensões, o aumento da idade normal de acesso à pensão de velhice, a alteração das regras de acesso à pensão antecipada a partir de 2015 (que mudam em 2016, “para melhorar as possibilidades de entrada dos mais jovens no mercado de trabalho”, no que parece ignorar resultados de análises noutros países que indicam não haver essa causalidade de reforma antecipada = mais emprego para jovens, ver aqui e aqui).
  1. Controlar o crescimento das despesas de saúde e prosseguir a reforma hospitalar, não contendo nada de novo. E não vou repetir aqui várias das análises realizadas noutros textos deste blog.


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sobre “uma década para Portugal” (7)

A quarta medida tratada no relatório tem um titulo longo “política social mais equitativa: um sistema de pensões sustentável através de um compromisso intergeracional estável e maior eficácia e rigor nas prestações redistributivas”.

Esta medida é mais um título para várias propostas que são feitas.

São introduzidos os objectivos de um sistema público de segurança social: 1) garantir benefícios que por falha de mercado a “provisão privada é insuficiente ou inexistente”; 2) coesão e equidade social; 3) crescimento económico sustentável.

Destes não é óbvio que o “crescimento económico sustentável” seja um objectivo para o sistema de segurança social. Diferente é dizer que qualquer sistema de segurança social tem que ser compatível com ter-se um crescimento económico sustentável. E colocando a questão em termos de falhas de mercado, é esperado que sejam detalhadas quais são as falhas de mercado em causa.

Na discussão da parte das pensões, a discussão é confusa e optou por não discutir outras opções que têm sido apresentadas (ver aqui por Jorge Bravo e aqui por Margarida Corrêa de Aguiar).  Mesmo que fosse para discordar, era bom ter a sensação de que as propostas são inseridas dentro da discussão que tem ocorrido em Portugal sobre este tema das pensões.

Aliás, o próprio exemplo de formação de pensões adopta a versão mais simples de considerar contribuições que se acumulam a taxa zero. Tomando esse exemplo, se para 217 euros de contribuição para pensões por mês (3038 euros por ano, ignoremos a inflação), resulta uma acumulação directa de 121 520 euros em 40 anos, se houver uma taxa de retorno de investimento de 2% por ano, o valor total é de 183 501 euros, e a pensão nos 20 anos seguintes em vez dos 433 euros são 539 euros. Mas se a taxa de retorno de investimento das contribuições for de 3% ao ano, então o valor acumulado é 229 069 euros, e a pensão mensal 608,93. Porquê perder tempo com estas contas? porque demonstram a importância que pode ter a forma como são investidos os valores descontados para pensões.

E curiosamente como logo a seguir se diz que “o sistema é gerido com um princípio de repartição”, então estas contas deveriam ser irrelevantes, com ou sem taxa de retorno, porque num sistema de repartição o que interessa são os fundos recolhidos em cada momento para pagar as pensões desse mesmo momento. Aliás, só no sistema de repartição se tornam relevantes para a sustentabilidade a evolução do número de contribuintes, a contribuição média, o número de pensionistas e a pensão média. Apesar de antiga, uma das melhores discussões sobre fundamentos dos sistemas de pensões estão em Feldstein e Liebman (no Handbook of Public Economics, versão draft aqui).

O problema central das pensões (e da sustentabilidade do sistema) não é da arquitectura financeira e sim dos fundamentos reais subjacentes. Os direitos a uma pensão são um direito sobre a produção realizada na economia em cada ano. Se essa produção varia, mas os direitos a pensões são fixos, significa que são os trabalhadores a suportar todo o risco dessas flutuações. Quando as pensões não são muito elevadas, os pensionistas são poucos e a economia tem tendência de crescimento ainda que com flutuações, o custo de colocar todo o ajustamento nos trabalhadores não é muito elevado. Quando a economia não cresce, quando a pensão média aumenta e quando o número de pensionistas é elevado, o ajustamento sobre os trabalhadores torna-se mais extremo e daí a ter que pensar em mecanismos de partilha do risco macroeconómico entre todos, incluindo pensionistas, tem que passar a ser encarado. Essa partilha de risco é de algum modo automática num sistema de capitalização (em que cada um desconta e com isso constrói o valor da sua pensão, que será maior ou menor consoante o rendimento dos fundos em que são aplicados os seus descontos – e que é a forma de pensar inerente à caixa apresentada na página 37 do relatório). Num sistema de repartição, terão que ser pensados outros mecanismos.

Em Portugal, numa das reformas anteriores do sistema de pensões foi introduzido um factor de sustentabilidade, mas esse factor que ajusta a pensão ao risco da esperança de vida, não acomoda as flutuações macroeconómicas. Daí que a proposta venha falar na revisão do factor de sustentabilidade. Mas não será suficiente – se o factor de sustentabilidade é usado apenas para definir a pensão, não consegue ajustar a pensão a flutuações posteriores das condições macroeconómicas. É necessário pensar na melhor formulação, até porque a capacidade de reacção a condições adversas é diferente quando se está em idade activa ou quando se está reformado.

Não haverá soluções simples, e qualquer solução terá que passar por uma explicação cuidada e pela criação de mecanismos de ajustamento adicionais, mesmo para quem estiver já reformado, face à variabilidade das condições macroeconómicas. Um exemplo, apresentado anteriormente neste blog há dois anos e com discussão das implicações para Portugal, está aqui.

As propostas são, neste ponto, muito vagas – “significativo reforço das taxas de actividade e emprego” é algo que se quer fazer igualmente por outras razões, e se fosse fácil e se soubesse como, já teria sido feito; “gestão reformista do sistema de pensões” não quer dizer nada quanto às opções a tomar. Não há uma definição de que riscos se quer cobrir. De que forma se quer cobrir. De onde estão as falhas de mercado do funcionamento privado que justificam a intervenção. De porque é que a intervenção pública consegue resolver onde há falhas de mercado (partir da hipótese que a intervenção pública consegue sempre resolver problemas de falhas de mercado não é apropriado).

A ausência de comentário ou discussão de outras propostas que têm sido apresentadas para reflexão, a mistura de vários conceitos, e o tom geral desta secção têm que ser resolvidas com propostas mais concretas e quantificadas. Basta pensar que a segurança social e dentro desta as pensões são um dos maiores elementos das despesas pública actuais.

Pela sensibilidade do tema e pelas várias discussões e propostas alternativas existentes, o que está no relatório é claramente insuficiente para se perceber cabalmente que proposta é feita, porquê e com que consequências.


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o guião da reforma do estado (take 2) – (15)

No tema quente da segurança social, não há grandes alterações, em termos de texto, mas encontra-se uma clarificação importante – quer-se passar a ter uma componente de capitalização explícita no sistema, bem como introduzir uma sensibilidade mitigada ao ciclo económico:

“Devem separar-se três planos nesta matéria. Por um lado, a “medida duradoura” que deve substituir a CES; por outro, encontrada essa “medida duradoura”, o fator de ajustamento anual das pensões para a sua atualização futura, garantindo a não redução em anos mais difíceis e a contenção nos anos melhores; e, por fim, a questão da reforma para o futuro, essencialmente focada numa abertura que é voluntária e prudente, nas condições e nos termos, a um certo grau de capitalização no sistema. É, apenas, esta reforma para futuro que é abordada no presente guião. ”

Mantém-se a possibilidade de plafonamento (valor máximo de pensão que o estado pagará, mas que terá de ter contrapartida nas contribuições de altos rendimentos, senão é mais “imposto” redistributivo, os detalhes da proposta deverão vir a esclarecer).

 

 


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As pensões são dívida do Estado?

Roubei o título ao artigo de Ricardo Reis (aqui) que dá a conhecer a situação nalguns Estados dos Estados Unidos, em que as pensões dos funcionários públicos, decorrentes dos descontos que realizaram, são consideradas dívida como num contrato comercial, e como tal foram pagas a 100% mesmo quando os Estados tiveram que reduzir substancialmente a sua despesa pública.

A transposição desta experiência americana para Portugal não é directa. Embora não conheça os detalhes dos sistemas de pensões mencionados por Ricardo Reis, a minha conjectura é que se baseiam num sistema de contribuições definidas, em que os fundos vão sendo acumulados, e é o valor desses fundos (actualizado de acordo com os investimentos que os fundos de pensões realizam) que vai gerar o montante da pensão. Nesse contexto, a entrega de contribuições configura um contrato.

Em Portugal, no sistema público, as pensões de hoje são pagas pelas contribuições dos actuais trabalhadores e com transferências do orçamento do estado quando necessário. É por isso uma relação entre Estado, beneficiário da pensão e contribuinte da pensão bem mais difusa. E por isso mais fácil de apelar à ideia de que o contrato estabelecido é pagar a pensão que é possível com as contribuições que se conseguem recolher para o sistema ser sustentável.

O argumento da confiança é, a meu ver, em grande medida um argumento sobre qual é o contrato que de facto se estabelece e entre quem, aspecto que socialmente temos dificuldade em discutir.

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões pelas regras definidas, nem que para isso seja necessário tributar fortemente todo o resto da economia”, então as pensões devem ser pagas a 100%, e tributar ou aumentar as contribuições dos trabalhadores o que for necessário e o que custar aos restantes cidadãos, ou cortar fortemente nos  serviços públicos (a restante despesa pública, que também inclui algumas outras prestações sociais). Note-se que se dá valor absoluto maior a este contrato do que a outros contratos “de confiança”. Por exemplo, será aceitável como sociedade que para pagar as pensões a 100% se eliminasse o apoio à situação de desemprego (evitei propositadamente o termo “subsídio de desemprego”, ver noutros posts porquê)?

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões de acordo com o menor valor da comparação entre as regras definidas e o valor permitido pelas contribuições recolhidas”, então as pensões devem oscilar de acordo com as contribuições, e no actual contexto deveriam diminuir.

Diferentes contratos estabelecem diferentes regras de ajustamento e de quem suporta esse ajustamento. E regras de constituição de contas individuais (o chamado sistema de capitalização, que pode ter também redistribuição incluída) ou regras de sistema de repartição (os trabalhadores activos de hoje pagam as pensões dos reformados de hoje) têm também implicações diferentes.

Assim, a experiência americana relatada por Ricardo Reis é útil para mostrar que clareza de regras permite perceber melhor qual o contrato que de facto está presente, e agir de acordo com esse contrato. A situação portuguesa actual em que cada parte quer interpretar o contrato implícito de diferente modo (e se os actores políticos trocassem de lugar, tudo leva a pensar que trocariam também as suas posições sobre o sistema de pensões) não permite definir de forma clara qual é esse contrato.

E só depois de ficar claro qual é o contrato que os cidadãos têm com o Estado para o sistema de pensões é que se poderá passar às implicações do mesmo, e à discussão do que é um ajustamento equitativo dos valores das pensões. Procurar usar argumentos de equidade num quadro de ambiguidade quanto ao contrato subjacente é pouco útil.


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Continuando a discussão sobre as pensões e a decisão do TC,

No post anterior dei voz à opinião de uma pessoa amiga, ver aqui, justificando-se um comentário e um complemento de discussão.

O comentário é que a Caixa Geral de Aposentações (CGA) nunca será não deficitária, qualquer que seja o sistema, pois desde 1 de Janeiro de 2006 que não há novas entradas na CGA, pelo que conforme os actuais inscritos trabalhadores se forem reformando ficarão apenas beneficiários de reforma e não haverá contribuintes, pelas regras decididas. Ou seja, daqui haverá uma convergência forçosamente, só que demasiado lenta. O princípio da convergência das pensões entre CGA e sistema geral está já assumido, pela liquidação da CGA.

Retirado directamente do site da CGA:

INSCRIÇÃO DE SUBSCRITORES NA CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES

Até 31 de dezembro de 2005, eram obrigatoriamente inscritos na CGA os trabalhadores da Administração Pública Central, Local (autarquias locais) e Regional (regiões autónomas) e de outras entidades públicas, que tivessem a qualidade de funcionários ou agentes administrativos e recebessem ordenado, salário ou remuneração suscetível, pela sua natureza, de pagamento de quota.

Desde 1 de janeiro de 2006, o pessoal admitido na função pública passou a serinscrito no regime geral da segurança social.

Os funcionários e agentes inscritos na CGA até 31 de dezembro de 2005 mantêm-se abrangidos por esse regime enquanto não cessarem, a título definitivo, o exercício de funções.”

As decisões que se colocam não são sobre a realização da convergência mas sobre a velocidade dessa convergência, e se os actuais inscritos (actuais pensionistas e trabalhadores futuros pensionistas) deverão participar já dessa convergência e com que ritmo.

O complemento de discussão decorre da necessidade de explicitar o que se entende por igualdade, e quais as consequências que dai devem ser retiradas. Em particular, e para as soluções que são propostas, saber se fazer contas no “caso médio” e depois aplicar essa regra a todos respeita os critérios de equidade que se queiram satisfazer. Por exemplo, podemos enunciar um princípio de que todo o pensionista deve ter uma pensão não inferior a um valor pré-determinado, no conjunto de todos os seus rendimentos. Depois de garantido esse valor, a pensão deverá estar associada aos respectivos descontos, devidamente actualizados, e de acordo com as regras actualmente em vigor para quem se reformar.

Aplicar estes (ou outros) princípios de equidade deverão ser feitos caso a caso. Problema que antecipo – saber-se a carreira contributiva exacta de cada pessoa. Face ao que está em causa, a resposta deverá ser um esforço, mesmo que enorme, de recolhe e sistematização da informação que possa ser recolhida, e na sua ausência imputação de valores de forma clara e simples. Note-se que usar valores médios globais serve apenas para imputar a cada um esse valor médio, e como tal será sempre gerador de desigualdades. Não fazer sequer o esforço de cálculos individualizados significa que se beneficia duplamente quem usou e abusou das regras que estiveram em vigor – beneficiou no momento de formação da pensão, beneficia agora dentro dos beneficiários da CGA na redistribuição do impacto do ajustamento. E desde 2011 que houve tempo, mas não vontade, de preparar e realizar estes cálculos.

A comparação simples entre pensão média da CGA e pensão média do regime geral é, por seu lado, uma forma incorrecta de comparar, dado que as carreiras contributivas e as remunerações médias sobre as quais incidiram as contribuições não têm igual distribuição. Há uma proporção maior de profissões de elevada qualificação na CGA do que era o caso no regime geral, e nesse caso é natural que as pensões médias sejam diferentes. Insistir em que devam ser iguais obriga na verdade a redefinir o sistema de pensões e dizer que o sistema deve garantir uma pensão de igual montante a todos, mesmo que as contribuições tenham sido distintas. Ora, até pode ser que seja este o princípio que queremos ter para o sistema de pensões, mas não foi discutido ou apresentado desta forma.

A escolha de soluções de convergência de pensões é uma coisa. A definição do próprio sistema de pensões é outra. E em qualquer dos casos, há a obrigação de ser claro quanto aos princípios inerentes, sabendo que haverá conflito provável entre eles (como ilustra o post do Francisco Severino que referi inicialmente) e que escolhas terão de ser feitas sobre qual (ou quais) o(s) principio(s) predominante(s).


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Ainda sobre as pensões e a decisão do Tribunal Constitucional

um texto do meu amigo Francisco Severino sobre o assunto (como não tem blog, dou-lhe espaço para as suas ideias):

Convergência nas pensões – violação do princípio da confiança, violação do princípio da igualdade ou uma guerra entre gerações?

Será que a proposta do Governo para alterar pensões a pagamento recentemente considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional é de facto inconstitucional?

Ou será que estamos perante mais um dos famosos direitos adquiridos que pululam na sociedade Portuguesa e que protegem com “rendas excessivas” como agora se costuma dizer, alguns em detrimentos dos muitos?

Será ainda que a violação da constituição resultaria desta norma agora intentada pelo Governo, ou que, pelo contrário, resultou de um conjunto de normas, regras e leis que foram sendo aprovadas sucessivamente por vários Governos e que por serem insustentáveis, esses sim, violavam a constituição e logo em pelo menos dois princípios: o da equidade e o da confiança?

É que se o Estado promete a uns (os que já estão ou estão próximo de vir a estar reformados) o que não pode prometer a outros (os que estão – cada vez – mais longe de vir a ter uma reforma), viola-se o princípio da igualdade.

E se o mesmo Estado promete dar a uns algo que desconfia seriamente que não conseguir dar, compromete seriamente o princípio da confiança.

Temos assim instalado um conflito entre gerações. Conflito esse que é julgado por uma das gerações – a que está representada no Tribunal Constitucional.

Temos também um problema que dificilmente o sistema democrático em vigor irá querer resolver.

É que de acordo com dados oficiais (http://www.pordata.pt/Portugal/Recenseados+total+e+por+grupo+etario-2252) quase 48% dos eleitores têm mais de 50 anos e mais de 31% têm mais de 60 anos!

Será assim difícil imaginar que o sistema político possa querer prejudicar um grupo tão elevado de votantes.

É que temos um sistema que foi desenhado para funcionar num esquema que faz lembrar o da “Dona Branca” – enquanto estiverem a entrar novos contribuintes para o sistema, este funciona. O problema é quando ao mesmo tempo, os aposentados vivem mais do que o inicialmente esperado e ao mesmo tempo há menos trabalhadores e ainda por cima ganham menos.

Mas vejamos então porquê manter o atual status quo poderá ser considerado altamente inconstitucional.

Recalcular pensões – ou o princípio da equidade e o princípio da confiança

O recálculo das pensões a pagamento pode ser defendido por contribuir decididamente para repor a equidade entre:

  •       – Atuais e futuros pensionistas
  •       – Atuais trabalhadores e atuais pensionistas
  •        – Atuais pensionistas privados e públicos

Mas por outro lado o recálculo das pensões que já estão a pagamento, levando a que o valor da pensão a receber no futuro (já amanhã) venha a ser diferente da que foi atribuída no momento da passagem à reforma, poderá violar o princípio da confiança.

Resta saber qual poderá ser o efeito que prevalece e qual o grau de certeza que se pode ter sobre essa opinião.

Sobre o nosso sistema de pensões

Ao contrário do que a maioria dos portuguese crê, as pensões não são suportadas pelo valor (atualizado) dos descontos passados dos atuais beneficiários (os pensionistas), como seriam aliás num regime de capitalização, mas sim pelas receitas atuais que a SS e CGA recebem, já que o nosso sistema de pensões é um sistema “pay as you go” ou de “repartição em que os atuais trabalhadores no ativo pagam as pensões dos atuais reformados e os seus descendentes se encarregarão de lhes pagar as suas – há assim um princípio assente de solidariedade intergeracional, mas uma solidariedade que tem sido unidirecional.

As receitas da SS e CGA são no essencial as contribuições dos trabalhadores no ativo (que trabalham e descontam para a segurança social ou CGA) e as respectivas contribuições dos seus empregadores.

Não sendo estas receitas suficientes, diferença é coberta por transferências do Orçamento de Estado que são financiadas pelos impostos pagos por todos nós e, quando estes são insuficientes (como acontece em cada ano que existe um deficit do orçamento de Estado), também por emissão de dívida pública.

Em 2011 a despesa total com as prestações da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações ascendeu a mais de 32 mil milhões de euros, dos quais mais de 22,3 mil milhões corresponderam a pensões.

As contribuições pagas à SS e CGA pelos atuais trabalhadores e entidades empregadoras ascenderam a cerca de 17mil milhões, correspondendo uma parte destas “quotizações” a outras eventualidades que não pensões – por exemplo proteção na situação de desemprego.

No mesmo período o Orçamento de Estado contribuiu com mais de 11mil milhões de euros para a SS e CGA. Sendo certo que uma parte dessas transferências foram para fazer face a programas sociais (como o rendimento social de inserção, entre outros), a maior parte terá sido para financiar a diferença entre as pensões atualmente em pagamento e as receitas relativas aos atuais trabalhadores (e seus empregadores). Só no caso da CGA o Orçamento de Estado contribuiu com mais de 4mil milhões de euros de financiamento direto. São mais 4mil milhões de Euros de impostos que têm de ser cobrados.

Visto de outra forma, só o deficit de financiamento das pensões da CGA contribui com 2,4 pontos percentuais para o tal deficit excessivo do OE que tentamos combater.

Como resulta fácil de compreender destes números, já hoje as pensões a pagamento não conseguem ser pagas apenas com as contribuições para a SS e CGA dos que estão a trabalhar (e dos seus empregadores). Todos os anos é necessária uma transferência dos contribuintes para os pensionistas.

 

(1) O sistema não é assim sustentável, já que depende de transferências do exterior.

Iniquidade entre sistema público e privado

Fruto do desenho dos sistemas (SS e CGA) dois atuais pensionistas com carreiras contributivas equivalentes (número de anos e remuneração pensionável) mas sendo um beneficiário da CGA (ex funcionário público) e outro beneficiário da SS, têm pensões bastantes diferentes.

A pensão do ex-funcionário público será cerca de 20% superior ao do outro pensionista.

Por maioria de razão e a bem da equidade entre público e privado passados contributivos iguais deveriam resultar em pensões a pagamento iguais.

Para repor igualdade restam assim duas alternativas:

  1. a.    Recalcular pensão da SS segundo critérios da CGA o que resultaria num aumento dos encargos da SS
  2. b.    Recalcular pensão da CGA segundo critérios da SS, o que resultaria numa redução imediata dos encargos da CGA

Como se viu em (1) o sistema já hoje não é sustentável pelo que a hipótese a) que agrava o desequilíbrio já existente, não será viável.

Por outro lado, está já há vários anos em curso a convergência faseada das regras dos regimes de Proteção Social da CGA e SS, convergindo a CGA para as regras da SS, o que reflete as premissas defendidas na alternativa b).

Iniquidade entre atuais e futuros pensionistas

Fruto do reconhecimento da elevada insustentabilidade do sistema à data, nomeadamente face aos efeitos do aumento da longevidade – que sem qualquer aumento no período das contribuições, aumentam o período em que as pensões passam a ser devidas – foi feita uma extensa reforma do sistema de SS (e CGA) em 2006.

Entre outros, esta reforma alterou a idade mínima de reforma dos 60 para os 65 anos e introduziu o factor de sustentabilidade que tem como objectivo assegurar que a sustentabilidade do sistema não é colocada em causa pela evolução da longevidade.

As novas regras e para as mesmas carreiras contributivas reduzem o valor das pensões a pagamento.

Sob pretexto de respeitar os “direitos adquiridos” dos trabalhadores que já tinham carreiras contributivas com alguns anos, foi no entanto definido um sistema faseado de introdução das novas regras que vem atrasar o alcançar da sustentabilidade do sistema.

A entrada faseada das novas regras resulta na necessidade do sistema continuar a receber transferências adicionais do OE durante largos anos, consubstanciando assim uma transferência dos contribuintes para os pensionistas.

Por outro lado e ainda que os novos pensionistas vejam as suas pensões calculadas de acordo com as novas regras, os pensionistas que já se encontravam reformados à data da entrada em vigor das novas regras não tiveram qualquer impacto e continuam a beneficiar de pensões mais generosas do que o que as suas contribuições permitiriam suportar num modelo sustentável, obrigando à continuidade de transferências anuais do OE para o orçamento da SS (e CGA), suportadas pelo contribuinte.

Temos assim um tratamento claramente desigual:

  1. c.    Antigos pensionistas – beneficiam de regras antigas que exigem uma sobrecarga anual do contribuinte para compensar pelas pensões mais elevadas do que as contribuições para SS (e CGA) permitiriam
  2. d.    Novos pensionistas – beneficiam de regras de transição que, apesar de menos exigentes, continuam a exigir uma sobrecarga anual do contribuinte para compensar pelas pensões mais elevadas do que as contribuições para SS (e CGA) permitiriam
  3. e.    Futuros pensionistas – sabem já que irão beneficiar de regras menos vantajosas no cálculo da pensão futura e ao mesmo tempo são sobrecarregados enquanto contribuintes para suportar encargos de um sistema de SS (e CGA) que não se encontra equilibrado.

Resultando a alteração das regras da constatação da insustentabilidade do sistema vigente à data, não parece assim que seja possível repor as regras antigas para novos e futuros pensionistas.

Por outro lado, as regras de novos pensionistas, são regras transitórias que como o próprio nome indicia não asseguram a sustentabilidade – são necessariamente transitórias. Assim a sua aplicação a todos os pensionistas também não é solução, pois não poderá perdurar no tempo.

Assim, a única forma de assegurar a equidade de tratamento entre antigos, novos e futuros pensionistas passa por aplicar as novas regras a todo o universo de pensionistas. Tal implica recalcular todas as pensões a pagamento – para os antigos pensionistas e novos pensionistas que entretanto tenham entrado na reforma.

 

Iniquidade entre trabalhadores e atuais pensionistas

Tal como já referido (1) o sistema atual de SS (e CGA) não é sustentável – tal como está desenhado hoje não consegue gerar receitas suficientes para fazer face aos compromissos que tem. Para compensar este desequilíbrio beneficia hoje de uma elevada contribuição do Orçamento de Estado que ultrapassa os 11mil milhões de euros, o que equivale a mais de 6,7% do PIB e a mais de 13% do total do Orçamento de Estado.

O Orçamento de Estado é financiado sobretudo à custa dos contribuintes – em primeiro lugar através de impostos sobre o consumo e depois sobre impostos sobre o trabalho ou sobre os rendimentos de capital, mas também é financiado em parte pelos contribuintes futuros, que terão de pagar a dívida assumida para financiar o deficit orçamenta.

Temos assim que as pensões hoje pagas são suportadas pelos trabalhadores de hoje (através das suas contribuições para a SS e CGA, mas também através dos impostos diretos sobre o rendimento do trabalho), pelos empregadores (através da contribuições para a SS e CGA pelos seus trabalhadores, mas também através dos impostos diretos sobre as empresas), pelos consumidores (que em boa parte também são compostos destes mesmos trabalhadores e das mesmas empresas) e finalmente pelos futuros trabalhadores, empresas e consumidores.

Sendo as regras de atribuição de pensões antigas diferentes (mais generosas) que as atuais e que as futuras e sendo as atuais pensões suportadas pelos futuros pensionistas, será uma questão de equidade alterar sistema de forma a que atuais financiadores suportem um sistema que é equivalente ao sistema de que irão beneficiar.

Tal implica recalcular as pensões atualmente em pagamento para refletirem as regras da SS (e CGA) futuras que garantem a sustentabilidade do sistema.

O princípio da confiança exigiria que os atuais pensionistas mantivessem as condições que lhes foram prometidas antes de ser reformarem, mas tal implica a manutenção de uma situação profundamente iniqua entre os atuais e os futuros pensionistas.

Se o princípio da confiança prevalecer sobre o da equidade, os futuros pensionistas são duplamente prejudicados: 1) pagam um sistema mais generoso (através de contribuições para a SS, de impostos e dívida) e 2) beneficiam de um sistema menos generoso.

 

Os efeitos da crise

A atual crise tem tido como efeitos relevantes 1) o aumento do desemprego, 2) a redução dos salários nominais, e 3) o aumento da carga fiscal.

Assim, para uma despesa com os atuais pensionistas que não se reduz, as receitas diretas das contribuições para a SS (e CGA) diminuem por duas vias: efeito quantidade (menos empregados) e efeito preço (salários menores), resultando naturalmente num aumento do deficit do sistema de pensões que tem de ser colmatado com transferências crescentes do OE, o que por sua vez implica um aumento adicional de impostos – que em parte voltam a recair sobre os mesmos (poucos) empregados.


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pensões e acórdão do tribunal constitucional

Da leitura do acórdão do tribunal constitucional (ver abaixo transcrição), a principal conclusão é que não se fez bem o trabalho de casa de sustentação em termos económicos, mesmo antes de chegar à fundamentação jurídica. Da minha leitura,  não é dito que a convergência das pensões não deva ocorrer. É apenas dito que olhar para valores de pensões pagas ou para a forma de cálculo dessas pensões não é suficiente para inferir situações de equidade ou de falta de equidade. Mas não é dito que essa convergência, e cortes a ela associados, não seria aceite se fosse demonstrado de forma clara a existência de problemas de equidade. Aliás, a diferença de valores de pensões entre CGA e regime geral de pensões tem certamente uma componente associada às qualificações dos reformados que se reflectiram nos seus descontos, como também haverá situações de descontos que não justificam a pensão existente por via da CGA. Mas sem detalhar essas situações, e fazendo análise e decisão tipo de situação a tipo de situação, dificilmente se poderá ter objectividade a reclamar que se está a aumentar a equidade. E diferentes formas de cálculo das pensões não são razão suficiente para fizer que se tem de cortar. Independentemente das leituras políticas que se queiram ou venham a fazer desta decisão do Tribunal Constitucional, é muito claro para mim que contém uma evidente crítica à capacidade técnica do Governo em tratar quantitativamente e de forma sustentada e exaustiva a questão sensível das pensões. Há um trabalho de casa de recolha e tratamento de informação a ser feito, caso a caso, usando meios informáticos adequados, para conseguir tipificar situações, e a necessidade de definição do que é e não equitativo nas pensões que são hoje pagas (princípios a usar).

 

Acórdão nº 862/2013
Processo n.º 1260/13
Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Na sua sessão plenária de 19 de dezembro de 2013, o Tribunal Constitucional apreciou um pedido de fiscalização abstrata preventiva da constitucionalidade, formulado pelo Presidente da República, ao abrigo do n.º 1, do artigo 278.º, da Constituição, referente às alíneas a), b), c) e d), do nº 1, do artigo 7.º, do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII que “estabelece mecanismos de convergência de proteção social, procedendo à quarta alteração à Lei nº 60/20005, de 29 de dezembro, à terceira alteração ao Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de novembro, à alteração do Decreto-Lei nº 478/72, de 9 de dezembro, que aprova o Estatuto da Aposentação, e revogando normas que estabelecem acréscimos de tempo de serviço para efeitos de aposentação no âmbito da Caixa Geral de Aposentações”.

O Tribunal Constitucional entendeu que os preceitos sindicados – na medida em que determinam, no que respeita às pensões de aposentação, reforma, invalidez e sobrevivência, de valor ilíquido mensal superior a 600 euros, uma redução em 10%, ou um recálculo das mesmas por substituição pela percentagem de 80% da remuneração inicialmente aplicada -, não são passíveis de ser qualificadas como imposto.
Considerou, no entanto, que as referidas normas violam o princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo n.º 2 da Constituição, uma vez que os interesses públicos invocados (sustentabilidade do sistema da Caixa Geral de Aposentações, justiça intergeracional e convergência dos sistemas de proteção social) não são adequadamente prosseguidos pela medida, de forma a prevalecerem e a justificarem o sacrifício dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos atuais pensionistas da CGA na manutenção dos montantes das pensões a pagamento.
Em primeiro lugar, por virtude de opção político-legislativa, o sistema de pensões da CGA foi fechado a novas inscrições a partir de 1 de janeiro de 2006, pelo que o ónus da sua insustentabilidade financeira não pode ser imputado apenas aos seus beneficiários, devendo ser assumido coletivamente como um dos custos associados à convergência dos regimes previdenciais.

Em segundo lugar, a disparidade detetada relativamente à taxa de formação da pensão entre o regime da proteção social da função pública e o regime geral da segurança social – dada a diferenciação existente quanto à formula de cálculo das pensões – não é necessariamente demonstrativa de um benefício na determinação do montante das pensões dos subscritores da CGA, por comparação com os trabalhadores inseridos no regime geral da Segurança Social com idêntica carreira contributiva. E nesse sentido, a pretendida igualação da taxa da formação da pensão – com a consequente redução e recálculo de pensões da CGA, não pode ser vista como uma medida estrutural de convergência de pensões, nem tem qualquer efeito de reposição de justiça intergeracional ou de equidade dentro do sistema público de segurança social. Representa antes uma medida avulsa de redução de despesa, através da afetação dos direitos constituídos dos pensionistas da CGA, surgindo como uma solução alternativa ao aumento das transferências do Orçamento do Estado, que tem como fim último a consolidação orçamental pelo lado da despesa.

Tratando-se de uma solução sacrificial motivada por razões de insustentabilidade financeira e dirigida apenas aos beneficiários de uma das componentes do sistema, é, por isso, necessariamente assistémica e avulsa e enferma de um desvio funcional que não quadra ao desenho constitucional de um sistema público de pensões unificado.

Além disso, uma justa conciliação de interesses públicos capazes de justificar uma redução das pensões com as expectativas dos pensionistas afetados, sempre exigiria a adoção de soluções gradualistas.
Em conformidade, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade, das normas das alíneas a), b), c) e d) do nº 1 do artigo 7º do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII, com base na violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

A decisão foi tomada por unanimidade, tendo apresentado declaração de voto as Conselheiras Maria de Fátima Mata-Mouros e Maria José Rangel Mesquita.


7 comentários

pensões e equidade

com o risco de me repetir nas ansiedades e perplexidades, continuo a não entender de todo a insistência em falar de equidade a propósito dos cortes das pensões. Falou-se, e continua-se a falar, de equidade e pensões sem haver qualquer explicação do que tal significa, para além de querer pensões iguais pagas pela Caixa Geral de Aposentações e pelo regime geral. Mas tem que existir a preocupação de definir o que é equidade neste contexto, o que é um sistema de pensões equitativo. É um sistema em que todos têm uma pensão de valor monetário igual, sendo irrelevante quanto e durante quanto tempo se contribuiu? É um sistema em que a pensão que se recebe reflecte apenas e integralmente a carreira contributiva? Que elementos de redistribuição se querem ter e com que intensidade? Qual a situação actual face a esses critérios de equidade? Como é que as alterações propostas correspondem a uma melhoria da equidade, segundo os critérios que tenham sido estabelecidos?

A falta de preocupação com essas explicações mínimas acabam por minar a credibilidade das propostas apresentadas, independentemente da sua adequação à actual situação económica.

É certo que é fácil recolher exemplos de abuso no sentido de a pensão paga pela CGA ser desproporcionada face às contribuições que foram realizadas, mas a existência desses casos não é motivo para fazer com quem teve uma carreira contributiva completa para a CGA tenha agora que sofrer uma penalização para compensar, agregadamente, os outros casos.

Admitamos que queremos tratar da mesma forma quem contribuiu de modo idêntico, tenha sido na CGA ou no regime geral. Admitamos, como parece ser o caso, que se toma o regime geral como ponto de referência. Então, para uma pessoa média no regime geral, veja-se qual o valor actualizado da sua carreira contributiva e qual o valor actualizado esperado dos valores de pensão de reforma que lhe serão pagos.

Para ser igual tratamento nos dois regimes, quem tiver a mesma carreira contributiva na CGA deverá ter a mesma pensão.

Como será complicado encontrar um caso exactamente gémeo em cada um dos dois sistemas, uma solução simples para aferir estes aspectos de equidade entre os dois sistemas seria começar por ver qual o rácio ( valor actualizado esperado dos valores de pensão de reforma que  serão pagos no regime geral)/(valor actualizado da carreira contributiva), e aplicar esse mesmo rácio aos descontos feitos para a CGA, obtendo-se assim o volume global de pensão a ser paga, dividindo pelos meses de vida esperados após a reforma encontrar-se-ia o valor mensal que pode ser comparado com o valor da pensão actualmente paga.

É um cálculo aproximado? é!

É um cálculo que exige informação detalhada sobre percursos contributivos? é!

Mas é melhor que nada, e não o fazer é procurar mascarar com uma capa de “equidade” medidas que podem nada ter de equitativo. A importância do assunto, e o tempo que já se teve desde que se iniciou a discussão sobre cortes nas pensões, mereceria que houvesse este cuidado.

A correcção das situações de desigualdade e de iniquidade que se geraram ao longo de anos pelas regras (legais) da CGA é um objectivo meritório. A forma de o fazer, se não for cuidada, poderá corrigir ou agravar essas situações (aliás, de imediato foram mencionadas logo excepções…todas legais certamente, mas se o argumento é de equidade, serão que são excepções que respeitam princípios de equidade?)

Nota final: o Prof. Carlos Pereira da Silva anda há uma década ou mais a falar da importância de se ter estes cálculos actuariais. Não se ter preparado o caminho conforme ele preconizava só mostra como a responsabilidade de cortes cegos nas pensões deve ser atribuída a sucessivas gerações de políticos e governantes.


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pensões de reforma

O tema das pensões de reforma voltou a ganhar destaque na discussão pública. Sendo um problema com muitos lados, é fácil ao olhar para um argumento perder de vista outro argumento igualmente relevante.

Antes de discutir soluções, convém que se esteja de acordo quanto ao que é o problema. Tem-se estado a criar uma discussão à volta de dois candidatos a problema: a) há uns pensionistas que têm um sistema mais generoso do que outros; b) os descontos realizados não correspondem às pensões agora auferidas.

Ambos os “candidatos a problema” são o resultado de um problema mais básico, associado com o que é uma pensão de reforma.

Em todas as economias, num determinado ano produzem-se bens e serviços. Suponhamos por um momento que não há comércio externo, para tornar o argumento mais simples. No contexto actual, nem será uma hipótese de trabalho muito problemática para o argumento na medida em que há a necessidade de equilíbrio nas contas externas por falta de crédito que permita alimentar um desequilíbrio permanente nas transacções e transferências para e do exterior.

O que existe para se consumir e investir nessa ano tem que ser igual ao que se produz, numa economia fechada. O consumo que exista tem que ser repartido entre pensionistas e trabalhadores. O investimento é necessário para assegurar crescimento futuro. O que um sistema de pensões faz, qualquer que ele seja, é determinar que fracção da produção deste país é entregue aos pensionistas. Sistemas de pensões diferentes levam a regras diferentes. Mas no fundo é esta regra de repartição que está em causa quando se discute o sistema de pensões.

Se o sistema é de repartição (pay-as-you-go) com valor da reforma fixo em termos reais, isso significa que os pensionistas têm direito a uma parte fixa do que for produzido, e qualquer flutuação que existe na capacidade de produção, positiva ou negativa, fica para consumo dos trabalhadores e investimento. Em período de recessão, significa que os trabalhadores têm que acomodar esse direito dos pensionistas pagando mais.

Se o sistema é de capitalização, em que a pensão de hoje corresponde à remuneração de poupanças feitas no passado, o valor dessas poupanças depende do retorno que tenham originado. Em tempos de recessão, o valor dos activos acumulados será menor, e as pensões de reforma ajustam-se, num sistema de capitalização puro, fazendo com que os pensionistas tenham direito a uma proporção da riqueza produzida (simplificando um pouco). Neste caso, os pensionistas acomodam na sua pensão a variação das condições da economia.

Em qualquer um dos sistemas, há a constituição de um direito sobre a produção da economia. É esse direito que está em causa na discussão actual. Depois de estabelecido o direito, pode-se passar a discussão da forma como é exercido, ou seja o mecanismo exacto de pensões que se pretende. É neste contexto que surge a questão da equidade intrageracional – pessoas da mesma geração têm direito à mesma pensão independentemente do que descontaram? têm direito a pensões determinadas de acordo com o que descontaram? têm direito a pensões determinadas por regras legais na altura, mesmo que tenham sido abusadas no seu espirito mas não na sua formalidade?

Também surge a questão da equidade intergeracional – os direitos dos pensionistas de hoje se transferidos de igual modo para os pensionistas futuros significam que a parte da produção que fica para a geração trabalhadora futura será menor, muito menor. Acresce que se os direitos sobre a produção actual (as pensões pagas) forem sobretudo usadas em consumo, se estará a prejudicar a produção futura, por via de redução do investimento. Curiosamente, os números apresentados no relatório do banco de portugal divulgado ontem sugerem que não será esse o caso.

A resolução do problema da equidade intrageracional necessita de informação precisa sobre a relação entre descontos para o sistema de pensões e a pensão actual de cada pensionista. Sem essa informação, tudo o que se faça será por adivinhação (ou “achismo” nacional), seja bem ou mal intencionado, mais ou menos informado por situações particulares que se conheçam. Não se trata aqui de tributar para melhorar as contas públicas, e sim de uma decisão social sobre a equidade na distribuição do que é produzido entre pensionistas. A questão desta equidade intrageracional coloca-se quer o sistema seja de repartição ou de capitalização para o futuro.


1 Comentário

miopias

O Relatório do Banco de Portugal divulgado ontem (aqui) revela que a taxa de poupança aumentou no último ano e que os pensionistas são dos que mais poupam (p.125 do Relatório). E surgem logo alguns comentários de que esta informação poderia servir de argumento político para tributar mais os pensionistas, mas creio que é apenas e unicamente como alerta para o absurdo que seria tributar a poupança, e logo apenas a poupança de alguns. Esperemos que não se entre sequer nessa discussão, uma vez que esse é o tipo de erro fatal para a economia.

Por um lado, do ponto de vista macroeconómico, quer-se ter mais investimento privado. O financiamento desse investimento tem que ser feito preferencialmente a partir de poupanças privadas, e com mecanismos diversificados de fazer o encontro entre a poupança e o desejo de investir, ou seja, não ser sobretudo e quase apenas por intermediação bancária (depósito das poupanças, empréstimo dos bancos). Logo tributar a poupança é contrário a esse objectivo.

Por outro lado, do ponto de vista individual, o aumento da poupança privada em 2012, acima do que seria previsível com base nos elementos normais (ver o relatório do banco de portugal para mais detalhes), deveu-se muito provavelmente ao clima de incerteza gerada, as poupanças estão a ser feitas não por disponibilidade de rendimento e sim por precaução. Se essa poupança passar a ser tributada, seja por que via for, e aumentar impostos sobre os pensionistas é uma forma de tributar a poupança destes, então a reacção normal será passar essa poupança para consumo (que até pode ser de bens duradouros que possam ter papel similar) – se quanto mais se poupa mais se paga de imposto presente ou futuro, então poupar de forma visível perde interesse.

Mais do que tributação dos pensionistas, a discussão tem que ser colocada de outra forma. Tributar tem sempre um ar de penalização. Será preferível colocar a discussão num plano de justiça intergeracional e até mesmo de justiça intrageracional (mesmo entre os actuais pensionistas, pensões iguais podem ter correspondido a contribuições muito diferentes – a questão não será de legalidade, mas de equidade). Mas para fazer essa discussão é preciso muito mais informação. Não é da taxa de poupança dos pensionistas que se vai conseguir inferir algo sobre justiça intergeracional, e muito menos intrageracional.