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Sobre a nova taxa anunciada sobre as vendas de medicamentos

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Uma rápida entrevista na rtp sobre este assunto disponível aqui e algumas ideias mais sobre o tema.

Primeiro, o papel que esta taxa pode ter:

a) ter sido mencionada como instrumento de negociação para conseguir um acordo de payback com a indústria farmacêutica, à semelhança do que sucedeu noutros anos. Neste caso, não terá efeitos além do que for acordado.

b) se for aplicada na lógica de transferência pura e simples da indústria farmacêutica para o Estado, é um desconto de preço que beneficia apenas o Estado, sem haver transferência de parte da poupança para os utentes. Neste sentido, o lançamento da taxa é uma forma de o Estado se apropriar de toda a poupança gerada relativamente a uma descida administrativa de preços, no caso do mercado em ambulatório. A descida administrativa de preços no mercado ambulatório teria também consequências sobre as margens das farmácias, o que não sucede com o lançamento de uma taxa. No caso do mercado hospitalar, há uma equivalência entre a taxa e um desconto de preços. Em termos de repercussão da taxa de imposto sobre os cidadãos, os medicamentos sujeitos a receita médica nas farmácias têm preços máximos regulados por referenciação internacional (comparação com os preços praticados em três países de referência), pelo que não haverá possibilidade de aumento de preços nesses medicamentos. No caso do mercado hospitalar, a disponibilidade para dar descontos em negociações de preços será menor, sendo implicitamente repercutido a imposição da taxa em menores descontos. A única reacção possível será a saída do mercado de empresas ou de medicamentos, o que considero ser pouco provável.

Segundo, que efeitos poderá provocar que sejam menos óbvios:

As notícias publicadas sugerem que a taxa de imposto praticada poderá vir a estar ligada ao valor das vendas de cada empresa – em que para vendas maiores, ou com maior crescimento, será aplicada uma taxa de imposto superior. Uma regra desta natureza tem propriedades interessantes mas também potencial para efeitos inesperados, consoante as características de cada mercado (ou segmento do mercado) de venda de medicamentos.

Para medicamentos que não tenham concorrência, esta regra motiva a que a indústria farmacêutica não queira aumentar as suas vendas, contribuindo então para a contenção da despesa pública.

Para medicamentos em que haja concorrência (por exemplo, grupos homogêneos em que produtos genéricos concorrem com o produto original, ou situações em que há medicamentos substitutos próximos), esta regra reduz o interesse na concorrência via preço como forma de aumentar a quota de mercado. Ou seja, fomenta uma menor concorrência e gera uma tendência para a estagnação das quotas de mercado em valor das empresas. O que até pode ser contraditório com o objectivo de aumentar a quota de mercado de genéricos – as empresas que tomarem decisões, de preços ou de promoção, que procurem aumentar as suas vendas de produtos genéricos terão uma penalização se forem bem sucedidas. Desconheço quantitativamente a importância deste factor, mas deverá ser considerado na decisão da taxa a aplicar e da sua evolução com o volume de vendas em valor.

Mais interessante, a meu ver, será utilizar o efeito de incentivo desta taxa de uma forma que permita atacar um outro problema, o problema das dívidas hospitalares à indústria farmacêutica. Se houver parte da determinação da taxa a aplicar ligada ao crescimento da dívida hospitalar com cada medicamento (ou companhia farmacêutica), a própria empresa passa a ter interesse em que as suas vendas sejam incluídas dentro das despesas normais e não como dívida. Exercerão por isso pressão para que não seja criada dívida. Este elemento parece-me bem mais interessante, em termos de efeitos sobre o funcionamento do mercado, do que uma taxa de imposto determinada unicamente pelo valor das vendas (ou seu crescimento, ou quota de mercado).

Por fim, resta saber qual o valor quantitativo que a taxa irá ter, pois as poupanças para a despesa pública em medicamentos (transferência de valor mais propriamente) que se pretendem alcançar são substanciais, se se pretender que seja este o instrumento a usar para alcançar o objectivo de despesa pública em medicamentos.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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