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sobre a proposta de taxa turística

2 comentários

A proposta de introdução de uma taxa turística, por dormida e por entrada em Lisboa, de baixo valor tem resultado numa discussão pública acesa, ironias à parte.

Faz neste momento falta uma sistematização de ordem técnica sobre a medida proposta.

O primeiro passo é saber que problema procura resolver. O segundo passo é saber que alternativas existem. O terceiro definir um critério pelo qual se possam ordenar as alternativas.

A justificação apresentada é fazer reflectir sobre os turistas os custos acrescidos de limpeza e manutenção do espaço público, bem como as iniciativas “de natureza artística, cultural e recreativa”. Parece simples mas não é. Sendo este o objectivo, então parte das receitas deveria ser para o orçamento da CML de manutenção de espaços, com consequente redução do que viria de outras fontes, digamos Orçamento do Estado. A outra parte, para iniciativas culturais que (supostamente) atraiam turistas, tem a parte estranha de obrigar alguém a pagar por algo que não sabe se quer usufruir (as tais iniciativas) e não lhe dando a escolha de usufruir ou não. Mais estranho é quando se diz que as receitas são reinvestidas no sector turístico, afinal trazendo ainda mais pressão para a limpeza e manutenção dos espaços da cidade. Sem uma definição clara do problema que justifica a tax é difícil perceber a justificação. Talvez a justificação seja mais simples, e se queira apenas mais receita de alguma fonte.

Suponhamos que o objectivo de promover mais turismo é o que está subjacente, então alguém beneficia com esse turismo adicional (que gera os tais custos extra que a CML reclama existirem), e nesse caso deveriam ser os beneficiários a incorrerem na despesa que a nova taxa gera. Sendo uma despesa que beneficia todos, poderá haver um problema de coordenação em que ninguém quer contribuir à espera que outros façam a despesa. Nesse caso, a taxa turística surge como um instrumento de coordenação para essa despesa, mas será o melhor instrumento para o fazer?

Sem saber que problema se procura resolver é difícil enunciar as alternativas. E mais ainda depois escolher entre elas. É aqui que a discussão se perde.

Podemos ainda assim enunciar alguns aspectos que podem fazer diferença:

a) como é que os turistas reagem? deixar de viajar? viajar mas alojarem-se em locais mais baratos? pagam esta taxa mas como têm um orçamento definido procuram gastar menos noutras despesas de viagem, fazendo com que os euros da taxa paga sejam menos euros em restaurante, por exemplo, e apenas para ilustração. (se tal sucedesse, do ponto de vista económico quem paga a taxa são os locais onde os turistas fariam menos despesa).

b) se os turistas reagirem, reduzindo a procura, então os hoteleiros poderão querer absorver parte do custo baixando os seus preços, caso em que a taxa é na verdade paga em parte por nacionais

c) quais os custos de cobrança e entrega dos valores destas taxas? é preciso assegurar que os custos não são superiores ao valor da taxa – e se a CML ressarcir os custos de cobrança, terá que fazer uma estimativa desses custos para as entidades hoteleiras.

O ideal era que com uma taxa, apenas os turistas pagassem e não alterassem as suas outras despesas nem deixassem de vir a Lisboa. Neste “mundo ideal”, a taxa seria apenas uma transferência de riqueza dos turistas para a CML. Que depois seria aplicada algures, mas sendo uma transferência líquida não seria prejudicial. Assim, o que é relevante saber é como os turistas alteram, se alteram, as suas decisões. E sobre esse aspecto também não encontrei nada que tivesse sido apresentado.

A ideia desta taxa não é originalidade portuguesa, e uma rápida busca mostra que a mesma discussão surge noutras paragens: Roma, Dubai,  Veneza, Catalunha, e muito mais.

Curiosamente, para Portugal, aparentemente deveria já existir alguma noção quantitativa dos efeitos destas taxas, mas não fui capaz de encontrar o texto de suporte, apenas o resumo:

Taxation of tourism activities: evidence from Portugal, M.ª Lurdes Varela

Abstract: The paper will discuss whether the increase or introduction of tourism taxation should be addressed through specific or general indirect taxation. With this objective, the paper will describes the concept of tourism taxes and will present different reasons that are in its bases of adoption. The paper also offers some numerical exercises comparing the effects of specific and general tourism taxation in Portugal, a developed country with a sizeable tourism industry. The expected significant effects of tourism taxation in countries where tourist activities represent a major economic sector require the use of modern methodologies to evaluate them, such as CGE models. According several authors these techniques offer important advantages compared to traditional partial equilibrium approaches, since they capture intersectoral and macroeconomic links.The article will try to prove if both specific and general taxes on tourism would be able to yield improvements in terms of revenues and internalization of costs without obstructing the economy.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

2 thoughts on “sobre a proposta de taxa turística

  1. via facebook:

    [1] Já paguei taxa turística quando estive no passado Julho em Ghent (Bélgica)

    [2] Muito bom Pedro

    [3] A receita da Taxa Municipal Turística irá para um Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa com a finalidade de financiar a reengenharia do produto turístico e a sua promoção. Isto é, o objectivo é que os fundos assim obtidos sejam investidos em iniciativas que atraiam mais turistas.

    [4] Caro Pedro, há uma questão muito importante que não tem sido referida: de acordo com a legislação portuguesa, os preços da hotelaria são “todos os impostos e taxas incluídos”, o que significa que os hoteleiros não têm como fazer o destaque da taxa. Ou seja, terão que reflectir em todos os seus preços 1€ para protegerem a sua margem. Isso não é fácil num contexto altamente concorrencial e com muita contratação a ser feita com 1 ano de antecedência. Além disso, confronta-se o consumidor com o custo adicional no momento da decisão de compra, em vez de no checkout, já na fase final de consumo. O efeito da taxa no sector seria muito mitigado se a lei fosse alterada. Um abraço.

    [3] 1 ano de antecedência: a taxa só se aplica em 2016.

    [4] Sim, mas os operadores e empresas não são muito sensíveis a argumentos para rever os seus preços de venda, porque perdem competitividade face a outros destinos. Preferem que sejam os hoteleiros a suportar. O normal seria a taxa ser paga à parte, como em todos os sítios que conheço que tem esta figura. Incluir no PVP não faz qualquer sentido.

    [5] Caro Professor, eu ousaria acrescentar mais: a inelasticidade da procura em turismo na capital será assim tão rígida que esta taxa não se reflicta no público-alvo? sugiro que deva enquadrar-se a aplicação desta taxa num quadro de minoração da carga fiscal a aplicar aos contribuintes com domicílio fiscal na cidade de lisboa, nomeadamente pela taxa de participação variável do IRS. além do mais, e isto parece-me ser uma fragilidade deste “imposto” a aplicar, é a sua extensão aos não-residentes, sabendo-se que a Portela funciona como principal entreposto de turismo e negócios de Lisboa e Vale do Tejo, sendo cobrada essa taxa aos passageiros quando regressem a Lisboa…mais a mais, a inclusão do artigo da Prof.ª M.ª de Lurdes Varela é um oásis inconsequente, pese embora a sua pertinência e considerações, nesse imenso deserto de fundamentação e avaliação prévia dos respectivos impactos

    => Alguns comentários e adições aos comentários:
    Sobre o reinvestimento – se é bom investir na promoção do turismo, isso é verdade qualquer que seja a fonte dos fundos para o fazer, porque é a taxa a forma mais eficiente de o fazer? (por eficiente, entender a forma que tem menos distorções de decisões).

    Sobre repercussão da taxa – depende que quanta concorrência defrontem de facto os operadores turisticos e os hoteis em Lisboa – admito que repercutam apenas parte da taxa e não toda, mas também gostava de ter informação sobre o que será a reacção dos turistas – que pode ir de zero, isto é pagarem mais, a substituirem consumo (deixarem de gastar esse valor de outra forma – caso em que algum nacional deixa de receber essa despesa para ser o estado), alterarem onde se alojam, passando a escolher alojamentos mais baratos, até ao limite de passarem a vir menos a Portugal.

    Sobre o preço incluir a taxa ou esta ser adicionada, em qualquer caso deverá ser sempre transparente para o consumidor como o preço é gerado.

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  2. Caro Prof. Pita Barros,

    Esta “coisa” (nem lhe chamo “caso”, porque não merece a classificação) tem duas vertentes: uma político-administrativa e uma economica.

    Na político-administrativa, a taxa sobre as dormidas não me causa particular engulho. Já a sobre os vôos sim: o Aeroporto de Lisboa, malgrado estar situado no interior do concelho com o mesmo nome, não serve unicamente esse concelho. É um equipamento de abrangência no mínimo regional e, se olharmos para as estratégias de investimento e expansão associadas ao aeroporto, de âmbito nacional. Como tal, não me parece legítimo cobrar uma taxa “per capita” aos passageiros. No limite – e tive esta discussão no Facebook – a CML poderia cobrar uma taxa por vôo (eventualmente indexada ao tipo ou potência da aeronave) para ressarcir os incomodos aos habitantes na zona do aeroporto, bem como eventuais despesas adicionais incorridas pela Câmara.

    Do ponto de vista económico e numa aproximação empírica, sinceramente não me parece que 1 euro por noite por dormida cause qualquer engulho aos turístas. Se alguém que vinha passar uma semana a Lisboa deixa de o fazer por 7 euros, o interesse ou já não era muito ou o impacto da visita em termos económicos seria reduzido (admito que iriam comer sandes do Pingo Doce ou do Minipreço todos os dias…). Mais, e como foi mencionado por muita gente (incluíndo António Costa): comparado com o 1 euro por dormida, qual foi o impacto da subida do IVA na restauração? Admitindo que os turista não vivem de sandes e que cada um gasta, em duas refeições diárias, 15 € por cabeça (sendo muito poupadinhos…), estamos a falar de uma “taxa” de 2 euros por turista/dia, o dobro do cobrado pela Câmara. A situação tem contornos do roto dizer ao nu para para ter cuidado com o guarda-roupa.

    Mesmo no caso do aeroporto (sendo que nesse caso discordo de forma absoluta com a taxa, pelos motivos expostos no início do comentário), não vejo o Governo muito interessado (ou não vi) em proteger a competitividade do Aeroporto de Lisboa no que diz respeito à subida (que tem sido constante) das taxas aeroportuárias. Para uma empresa que dava lucro (a ANA) e cujas fontes de receita são taxas aeroportuárias, mais serviços prestados nos respectivos aeroportos (alugueres de espaços, etc), é algo estranho que, fruto de uma privatização e suposto aumento de eficiência associado a uma operação “privada” das concessões, as taxas subam em vez de descer. Roto ao nu de novo?

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