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O Império contra-ataca, episódio nº77, Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (Janeiro de 2023)

Após a “limpeza” de pagamentos em atraso verificada com as transferências adicionais de verba no final de 2022, e com um orçamento para 2023 aprovado com fundos que se antecipava serem suficientes para a atividade esperada do Serviço Nacional de Saúde, com um novo posto de CEO do SNS entregue a uma pessoa, e equipa por ele escolhida, que generalizadamente se reconhece como conhecedor e capaz na gestão do SNS, não deixa de constituir surpresa que, com dois meses de 2023 decorridos, os velhos hábitos de crescimento dos pagamentos em atraso não se tenham alterado. De acordo com os valores divulgados pela Direção-Geral do Orçamento, os dois primeiros meses de 2023 apresentam um ritmo, até elevado do ponto de vista histórico, de crescimento dos pagamentos em atraso. O “Império” dos pagamentos em atraso contra-ataca o esforço financeiro do final de 2022.
É certo que o ritmo observado (crescimento de cerca de 56 milhões de euros por mês) é inferior ao que ser verificou no ciclo anterior de crescimento depois de “limpeza” realizada em finais de 2021, e no verão de 2022 (com a aprovação tardia do Orçamento do Estado), que foi de cerca de 80 milhões de euros por mês. Ainda assim, ambos valores superiores ao que ocorreu no início do primeiro governo de António Costa (ver Figura 3 abaixo). A evolução de Dezembro de 2022 a Fevereiro de 2023 está perfeitamente alinhada com o padrão observado nos anos anteriores (Figura 1 abaixo).

O efeito de “choque de gestão” que pudesse ter sido antecipado pelos hospitais do SNS pela existência de um CEO com natureza mais interveniente no dia a dia do que a “tutela política” e pela “limpeza” dos pagamentos em atraso anteriores não ocorreu. Vai ser necessária uma atuação clara e persistente da nova Direção Executiva do SNS, com eventuais mudanças de equipas de gestão, incluindo equipas intermédias, e até de reconfiguração das unidades hospitalares, para conseguir uma mudança real neste campo. Não basta, aparentemente, ter reforço de orçamento e um CEO reputado (a analogia com o filme Danças com Lobos, por Francisco Velez Roxo, é uma forma interessante de colocar os desafios para o CEO do SNS).

O argumento de que em 2022 se fez o esforço para ter os pagamentos em atraso ao nível mais baixo de sempre dos últimos anos, e num movimento persistente de o fazer, é verdade (a Figura 2 apresenta os valores dos pagamentos em atraso em Dezembro de cada ano). Mas, como tenho chamado a atenção noutros posts, os valores de final de ano escondem uma dinâmica que transmite uma visão diferente dos valores de final de ano. Estes valores de final de ano foram conseguidos não por uma melhor capacidade de gestão financeira (micro dos hospitais, com a despesa que originam; macro do Governo, com o orçamento inicial que estabelece) e sim por um cada vez maior volume de verbas adicionais. Esse ritmo crescente de verbas adicionais cria a expectativa de mais verbas no final do ano seguinte, e logo a manutenção destes pagamentos em atraso.

Ao fim de 10 anos de dados mensais sobre os pagamentos em atraso, excluindo desta linha temporal o ano de 2012 da troika por ter sido de regularização de um passado “escondido” de pagamentos em atraso, não se pode dizer que o problema não é conhecido, não se pode dizer que o padrão não se repete ciclicamente, não se pode dizer que o problema está resolvido porque em Dezembro o valor dos pagamentos em atraso é baixo.

Ainda mantenho a esperança de que o CEO do SNS e a sua equipa terão engenho, capacidade e suporte político para alterarem este padrão. Mas claramente não será por “reputação”, porque nesse caso já Janeiro e Fevereiro deveriam ter sido diferentes do padrão histórico, e não foram.


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Programa “mais habitação”: alojamento local

Apesar do Governo já ter aprovado as medidas que tinha proposto (será que alguma vez considerou retirar alguma delas em resposta à consulta pública? provavelmente o “orgulho político” impede que as consultas públicas consigam ter esse papel, mas pelo menos servem para que se apontem os erros de análise e de propostas, de modo a que os resultados que surjam não sejam propriamente surpresa para todos).

A situação do alojamento local e o seu tratamento por parte das autoridades económicas torna-se paradoxal. O alojamento local constituiu uma forma de aumentar a capacidade de dormidas turísticas em muitas cidades (sobretudo), em Portugal e em muitos outros países, fazendo-o com investimento descentralizado de particulares. Este investimento surgiu como alternativa não planeada a um aumento da capacidade por parte das cadeias hoteleiras tradicionais. Foi uma forma mais democrática e mais redistributiva de recolher os ganhos do aumento do turismo em Portugal do que teria provavelmente sido a instalação de grandes cadeias de hotéis em bairros históricos (o que suponho, a suceder, seria também uma maior descaracterização dos bairros e das cidades). 

O crescimento do alojamento local permitiu também formalizar atividades de dormidas e de apoio a essas dormidas (com mais impostos, sim, e com maior inserção nos mecanismos formais da sociedade – a informalidade no mercado de trabalho tem custos para os trabalhadores, como se constatou durante a pandemia).

O investimento privado de famílias e pequenos empresários levou à recuperação de imóveis que não tendo interesse histórico particular acabam por fazer parte da história local de cada rua ou bairro. A recuperação desses imóveis não teria muito provavelmente lugar num qualquer plano centralizado de valorização da habitação (se viesse um dia a existir de forma consistente).

Ou seja, o investimento privado aqui realizou um “serviço público” que o setor público nunca teria interesse e capacidade de concretizar. 

A questão que se coloca é se deve haver limites publicamente definidos ao número de habitações em alojamento local, com base na presunção de que haverá um número excessivo dessas habitações. E aqui, para a discussão ser séria, é preciso definir o que se entende por “excessivo” de um ponto de vista social (e não do ponto de vista de luta política). 

Num primeiro tipo de argumento, o de que o alojamento local descaracteriza a zona urbana em que está inserido, a ideia parece ser a de confronto de ter uma habitação, arranjada e limpa, exterior e interiormente, em regime de alojamento local ou não. Contudo, esta forma de ver parece-me superficial – se não houvesse a possibilidade de alojamento local, algumas das habitações em causa não teriam recebido o cuidado de arranjo que hoje se observa.

A comparação, em termos de médio e longo prazo, é se há preferência por casas cuidadas e em serviço de alojamento local versus casas descuradas e em semiabandono. Se o contra-argumento é que com a limitação do alojamento local essas habitações passarão para o mercado de arrendamento, será necessário perceber porque tal sucederá agora quando foi já possível no passado e não aconteceu. Se a resposta é o “arrendamento forçado”, remeto para um post anterior.

Ou seja, creio ser razoável disputar a afirmação de que o alojamento local descaracteriza os bairros e as cidades, sendo que há uma componente de reabilitação urbana que não existiria de outro modo.

Tendo isto em conta, o nível ótimo de densidade de alojamento local é provavelmente superior ao que tem sido apregoado por diversos atores políticos. 

Há um outro argumento associado à limitação do alojamento local – a existência de efeitos negativos sobre vizinhos próximos (ruído, agitação no edifício, etc). Aqui, a solução de penalizar situações, reiteradamente negativas, de uma forma descentralizada, poderá ser uma melhor resposta do que uma limitação generalizada (que não consegue ter a seletividade necessária para limitar estas situações de repetida externalidade negativa).

Uma restrição quantitativa global gera também dois efeitos adicionais: “rendas excessivas” de quem consegue ter um alojamento local permitido. Havendo poucos (face à procura), terão a capacidade de subir os preços (o que pode significar apenas um custo maior para turistas maioritariamente estrangeiros, e ser assim uma maior transferência do exterior para Portugal), e falta de renovação da oferta, limitando inovação e novidade que possa ser valorizado por quem visita o local.

Assim, há que discutir e organizar a forma de restrição quantitativa do alojamento local de modo que haja a possibilidade de substituição de quem se encontra licenciado para ter uma habitação no regime de alojamento local, com base no desempenho ocorrido nos anos anteriores. 

A ideia de que as habitações que forem retiradas do alojamento local irão necessariamente aumentar a oferta no mercado de arrendamento necessita de ser devidamente sustentada, sendo que o arrendamento informal a turistas poderá ser uma alternativa considerada por alguns proprietários.

Por cima destes efeitos de funcionamento do mercado, há um outro efeito global de confiança na estabilidade de regras e condições para a realização de investimento de longo prazo em Portugal, seja realizado por nacionais ou por estrangeiros. A incerteza quanto às regras aplicáveis e quanto à segurança do próprio investimento (já que a ideia de “expropriar” o que possa resultar em retorno económico para quem investe surge como uma tentação permanente para alguns partidos políticos) serão dissuasores de investimento privado produtivo.

Acaba-se por contribuir para um ambiente económico geral que leva a menor produtividade e consequentemente a baixos salários no longo prazo. O dano reputacional para a realização de investimento produtivo é dificilmente mensurável, mas nem por isso deixa de ser um efeito potencialmente bastante negativo. 

O trabalho de Gonçaves, Pereira e Santos (2022), disponível aqui, permite compreender melhor os efeitos ao alojamento local no mercado da habitação. Encontram sobretudo efeitos globais no mercado de habitação, em que os preços de habitações adquiridas para serem colocadas em alojamento local são os mais afetados, e estão centradas em habitações relativamente pequenas. Uma das conclusões também obtidas do estudo, segundo os autores, é que o crescimento do turismo e do alojamento local, “não conseguem explicar o crescimento acumulado de 68% nos preços de habitação na cidade de Lisboa” (tradução minha). E não está contemplado o efeito de “externalidade positiva” de recuperação urbana gerado pelo alojamento loca, nem o efeito de “externalidade negativa” de ruído e confusão para a vizinhança. 

No final deste processo de discussão pública, dois comentários sobre a posição do Governo, como expressa por membros do mesmo: a) dizer que não se têm objetivos quantificados para as medidas, dizer que melhorar a vida de uns (quais?) no acesso à habitação já vale a pena qualquer custo (incluindo o menor acesso à habitação de outros, a prazo) é de uma despreocupação com os efeitos que possam ser provocados que me choca (a utilização do poder coercivo do Estado e dos dinheiros públicos deve ser feita com todo o escrutínio público e político, e não com ligeireza); b) dizer que os resultados globais até podem não ser muito significativos, porque afetam apenas uma pequena parte dos municípios, e que estes terão depois poder de decisão de qualquer modo, levanta a pergunta de então para quê destruir boa vontade e confiança das pessoas na atuação do Governo?

Assim, os efeitos positivos das medidas propostas são incertos, mas os efeitos negativos aparentam ser certos. 

Referência:

Gonçalves, Duarte,  Susana Peralta e João Pereira dos Santos, 2022,  Short-Term Rental Bans and Housing Prices: Quasi-Experimental Evidence from Lisbon, IZA DP No. 15706.


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Programa “mais habitação”: o controle das rendas

As críticas mais recentes de Marcelo Rebelo de Sousa e de Anibal Cavaco Silva às novas leis e regras para o mercado da habitação voltam a reacender a discussão, praticamente no final do período de consulta pública (ainda a decorrer). A crítica mais recente de Marcelo Rebelo de Sousa foi quanto à falta de operacionalidade do “pacote mais habitação”.

Mas uma visão sobre se é exequível ou não é exequível tem de ser complementada com uma discussão sobre o conteúdo das propostas do Governo. Mesmo que fosse exequível, seriam medidas adequadas para resolver o problema em causa (isto é, resolviam? e se sim, resolviam com os menores custo sociais de o fazer?)

Sobre o “arrendamento forçado”, deixei uma análise e sugestões alternativas aqui: casas devolutas: uma proposta alternativa.

É agora tempo de olhar para outro aspecto central do grupo de medidas “mais habitação”:  a limitação do aumento das rendas. Num próximo post, abordarei as limitações introduzidas ao alojamento local.

Uma das medidas do programa “mais habitação” é a limitação do crescimento das rendas praticadas (em novos contratos ou em renovação de contratos de arrendamento), que não é nova em Portugal e que não é uma novidade no panorama internacional.

O que se conhece de estudos de análise de experiências de controlo de rendas de habitação apontam para a) efeitos positivos para os inquilinos (para os que conseguem ser inquilinos, mais exactamente); b) efeitos negativos para os inquilinos (e para os que são candidatos a inquilinos); c) efeitos negativos para os proprietários.

Os efeitos positivos para os inquilinos são os esperado: rendas mais baixas, maior estabilidade dos valores das rendas, e menor saída de moradores tradicionais em bairros suscetíveis de mudança de residentes (menor alteração nos residentes).

Os efeitos negativos para os inquilinos são sobretudo passar a ter menor oferta no mercado de habitação para arrendamento (afetando quem ande à procura de casa para alugar), até por conversão para outros usos ou venda de habitações que de outro modo estariam no mercado de arrendamento, um menor interesse dos proprietários na manutenção das habitações, uma maior discriminação contra inquilinos de menor rendimento e/ou emprego visto como mais instável (assume maior importância relativa o receber renda com segurança e a expectativa de menores problemas com o inquilino, na escolha feita pelo proprietário de a quem alugar) e a procura, por parte dos proprietários, de “soluções” de arrendamento complementar, que acabam por iludir este controle (por exemplo, nas casas arrendadas com mobília e equipamento doméstico, haver um contrato de arrendamento separado, sendo que não forma de fixar a renda na mobília e no equipamento doméstico).

Num argumento económico com 75 anos, inicialmente enunciado por M Friedman e G Stigler, em 1946, o controle de rendas leva a que não haja a melhor utilização das casas. A melhor utilização das casas é que cada habitação seja usada por quem mais valoriza as suas características: exposição solar para quem tiver possibilidade de teletrabalho versus proximidade de transportes públicos para quem só tiver possibilidade de trabalho presencial, por exemplo; proximidade de comércio local versus maior sossego; famílias pequenas (por os filhos terem saído de casa) em habitações grandes versus famílias grandes (casais jovens com filhos) em habitações pequenos, etc. Os preços das rendas são também uma forma de dar informação para estas decisões – rendas subirão mais se todos quiserem ir para o mesmo sítio, fazendo com quem valorize menos essas características do local mais procurado alugue noutra área. A limitação do aumento das rendas trata todas as pessoas de forma igual, com o custo de eliminar possibilidades de melhor utilização (do ponto de vista da sociedade) das casas. Também pode levar a menor mobilidade laboral de quem tiver uma habitação com rendas de crescimento limitado. Estes efeitos podem, ou não, ser pequenos. Como não são medidos, não se faz ideia da sua magnitude. O serem ignorados na discussão política não significa que deixem de existir esses custos.

Da evidência internacional disponível (referências no final do texto), é possível retirar algumas regularidades. A maioria dos controles de rendas consiste em limitar os aumentos de rendas, normalmente associados com restrições aos despejos (Diamond, 2019). Os estudos realizados em outros países indicam que os controles de rendas ajudam os inquilinos no curto prazo, sendo que no longo prazo reduzem a capacidade de conseguir arrendar a rendas mais baixas, estimulam a venda das habitações e geram externalidades negativas, associadas com imóveis que não recebem a manutenção adequada). Também se encontram documentados os efeitos de os proprietários investirem menos em manutenção porque não conseguem recuperar o investimento através das rendas recebidas (Sims, 2007, Moon e Stotsky, 1993), de zonas com rendas controladas se tornarem menos atrativas (Autor, Palmer e Pathak, 2014), de procura de soluções que evitem o controle das rendas (Diamond, McQuade e Qian, 2018). Está igualmente documentado que as respostas dos proprietários passaram por reclamarem para uso próprio as propriedades, realizando remodelações e obras para venda, normalmente a grupos de mais rendimento do que era o grupo dos arrendatários. Estas vendas reduzem a oferta no mercado de arrendamento. 

Na Alemanha (Breidenback et al, 2021), o sistema de controle de rendas introduzido em 2015 não teve efeitos permanentes nos preços (rendas) mas reduziu a qualidade da oferta. Os agregados familiares que mais beneficiaram do controle de rendas foram os de rendimento mais elevado (o que levanta a questão, sabemos em Portugal quais são as rendas que estão a aumentar mais rapidamente e que população afetam mais, de modo a saber quem beneficiará mais da limitação das rendas). Houve sucesso em conter o aumento das rendas, mas é sobretudo no primeiro ano de aplicação, e o benefício ficou concentrado nos grupos de elevado rendimento. Por outro lado, a qualidade do parque habitacional passou a ser menor na sequência deste programa de controle de rendas.

Assim, ao fixar o crescimento das rendas, o Governo poderá estar a favorecer quem consegue, ou já tem, casa arrendada e dificultar o acesso por parte de quem vier a procurar casa para arrendar no futuro.

Mesmo quem tem já casa arrendada poderá vir a assistir a uma degradação da qualidade (por falta de manutenção), dado que os proprietários poderão ajustar o seu investimento de manutenção à renda esperada (o passado português, com a deterioração das casas de renda baixa fixa, é ilustrativo deste efeito, que não sendo visível no espaço de um mês ou dois, ou mesmo de um ano ou dois, se irá acumular ao longo dos anos).

Ao aplicar um limite nacional, a medida implica que locais que se venham a desenvolver a partir de rendas baixas não terão habitações suficientes – o “sinal” para construir mais onde possa ser mais necessário (para entrada no mercado de arrendamento) deixa de estar presente. Favorece-se o mercado de compra de habitação própria, onde a capacidade do sistema bancário em indiretamente beneficiar das medidas estará presente. 

Aparentemente, se é que foi pensado de todo, a expectativa do Governo está em que a eventual saída de casas do mercado de arrendamento decorrente da limitação do aumento das rendas seja compensado pela entrada de novas habitações para arrendar vindas do programa de “arrendamento forçado” e do “empurrar” habitações para fora do mercado de alojamento local.

Se for essa a expectativa, significa que se espera resolver o problema de uns criando dificuldades a outros grupos da sociedade (o que não será, parece-me, favorecedor de sentimentos de solidariedade e união entre a população, será sempre mais interessante que haja soluções em que todos se sintam melhor, com decisões tomadas em liberdade sobre o que fazer).

Se o objetivo da limitação do crescimento do valor das rendas é favorecer inquilinos atuais, é provável que a medida atinja esse objetivo. Se o objetivo é estabilizar o mercado de arrendamento e levar a um maior equilíbrio entre oferta e procura, é improvável que tal seja conseguido, dado que acentuará a falta de habitações para arrendar.

Há, ainda, uma margem de ajustamento na informalidade do arrendamento sem contrato, que passará a ser mais favorecida pelos proprietários e em que a limitação legal do valor da renda não terá qualquer papel. A existir um crescimento do mercado informal de arrendamento, por redução do mercado formal, será de esperar que afete desproporcionadamente os grupos da população que tenham maior dificuldade em ser inquilinos no mercado formal.

Sendo que o problema deverá ser resolvido pelo lado da oferta (para que haja habitação para todos), para se ter uma solução duradoura, esta medida de limitação do crescimento do valor das rendas não ajuda a ir nessa direção.

Querendo dar alguma estabilidade, mas não imobilismo, ao mercado em termos das rendas praticadas, seria mais razoável, a meu ver, uma medida que limitasse o crescimento das rendas de uma forma diferente – evitando crescimento muito elevado e deixando que o crescimento de ano para ano fosse gerido de forma livre entre inquilinos e proprietários. Por exemplo, estabelecer que num prazo de 3 anos, o crescimento acumulado não pode exceder 15% acima da atualização decida à inflação e/ou à melhoria substancial das condições da habitação (no formato que é usado na proposta do Governo para estes efeitos). O valor de 15% é arbitrário, e deverá ser devidamente estudado.

Adicionalmente, uma forma indireta de exercer pressão para que as rendas praticadas não subam (ou subam muito menos) é dar informação geral ao mercado de arrendamento. Através dos contratos registados oficialmente junto da Autoridade Tributária é, ou deveria ser, trivial que por freguesia, a Autoridade Tributária possa informar mensalmente, através da sua página de internet, qual a percentagem de habitações arrendadas em cada intervalo de renda possível (ou a renda média por cada decil da distribuição das rendas em cada freguesia, ou a renda limite de cada decil; o essencial é haver informação que vá além da renda média e dê conhecimento sobre a própria distribuição de rendas, com a informação organizada por dimensão, tipologia, da habitação).

Esta informação permite a quem procura casa ter uma visão sobre o que pode esperar com uma procura mais ou menos intensa. E pode ajudar na negociação da renda com o proprietário.

Para os proprietários, obriga-os a pensar em maior detalhe no custo de ter uma renda maior (demorar mais a encontrar um inquilino). A informação dos registos públicos seria, deste modo, colocada ao serviço da população, que seria capaz de facilmente perceber quando, num local e para uma determinada tipologia de habitação, está a ser pedida uma renda fora do leque razoável de valores.

E é mais interessante colocar o Estado ao serviço das decisões dos cidadãos do que colocar os cidadãos ao serviço de quem exerce o poder coercivo que o Estado possui.

Referências (lista não exaustiva):

Autor, D., Palmer, C.J., & Pathak, P.A. (2014). Housing Market Spillovers: Evidence from the End of Rent Control in Cambridge, Massachusetts. Journal of Political Economy, 122, 661-717.

Breidenback, P. L. Eilers e J.., 2022, Temporal dynamics of rent regulations: the case of German rent control, Regional Science and Urban Economics, 92: 103737

Coulson, N.E., Le, T., & Shen, L. (2020). Tenant Rights, Eviction, and Rent Affordability. Urban Economics & Regional Studies eJournal.

Diamond, Rebecca, Tim McQuade, and Franklin Qian. 2019. “The Effects of Rent Control Expansion on Tenants, Landlords, and Inequality: Evidence from San Francisco.” American Economic Review, 109 (9): 3365-94.

Gardner, M. (2022). The Effect of Rent Control Status on Eviction Filing Rates: Causal Evidence From San Francisco. Housing Policy Debate.

Glaeser, Edward, L., and Erzo F. P. Luttmer. 2003. “The Misallocation of Housing Under Rent Control.” American Economic Review, 93 (4): 1027-1046.

Gyourko, J and Peter Linneman, 1990, “Rent controls and rental housing quality: A note on the effects of New York City’s old controls,” Journal of Urban Economics, 27 (3): 398-409,

Kettunen, H. e H. Rucinavaara, 2020, Rent regulation in the 21st century Europe: comparative perspectives, Housing Studies, 36(9): 1446 – 1468

Lyons, Seán & Ahrens,Achim, 2020. “Urban rents and commuting times in Ireland,” Papers RB202018, Economic and Social Research Institute (ESRI).

Mense, A., Michelsen, C., & Kholodilin, K.A. (2019). Rent Control, Market Segmentation, and Misallocation: Causal Evidence from a Large-Scale Policy Intervention. IO: Empirical Studies of Firms & Markets eJournal.

Mendes, L. (2022). The Dysfunctional Rental Market in Portugal: A Policy Review. Land.

Monràs, J., & García-Montalvo, J. (2022). The effect of second generation rent controls: New evidence from Catalonia.

Moon, C. e J. Stotsky, 1993, “The effect of rent control on housing quality change: a longitudinal analysis”, Journal of Political Economy, 101(6): 1114-1148. 

Oust, A. (2018). The removal of rent control impact on search and mismatching costs : Evidence from Oslo.

Sagner, P., & Voigtländer, M. (2022). Supply side effects of the Berlin rent freeze. International Journal of Housing Policy.

Sims, D.P. (2007). Out of control: What can we learn from the end of Massachusetts rent control? Journal of Urban Economics, 61, 129-151.

Slater, T. (2021). From displacements to rent control and housing justice. Urban Geography, 42, 701 – 712.

Zapatka, K., & de Castro Galvao, J. (2022). Affordable Regulation: New York City Rent Stabilization as Housing Affordability Policy. City & Community, 22, 48 – 73.


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Casas devolutas: uma proposta alternativa

No post anterior, lancei um desafio à comunidade para ajuda na identificação dos principais motivos pelos quais existem casas devolutas. Resultou desse desafio o quadro seguinte. Não se reclama representatividade nacional dos resultados, é apenas um exemplo do trabalho que o Governo deverá realizar para um conhecimento sério da realidade nacional.

A pergunta colocada foi “Caso conheça quem tenha uma habitação devoluta (ou mais do que uma), em que devoluta significa sem ocupação há mais de um ano (ou desabitada), do que sabe, quais os motivos que pensa estarem por detrás dessa situação?” sendo possível indicar mais do que um motivo.

Das respostas obtidas (80, às 13h00 de 08/03/2023), fica claro que o motivo “especulação” argumentado por vários intervenientes no debate político é super minoritário (e até o motivo de retirar habitações do mercado para fazer subir os preços não é assinalado em nenhum caso conhecido). Pode dar-se o caso de ter aqui uma amostra ultra enviesada. Mas se é essa a situação, então quem defende que a existência de casas devolutas se deve maioritariamente a motivo de especulação imobiliária deverá apresentar a base de evidência que usa, para que se possa escrutinar e compreender melhor essa posição.

Dos restantes motivos, encontra-se, em traços largos, uma arrumação em três grandes grupos:

  • opções familiares, desde memória de gerações passadas a uso de imóvel como elemento de poupança
  • falta de confiança no processo de arrendamento (nomeadamente, nas mudanças de política do Governo, dos sucessos Governos)
  • problemas jurídicos com a utilização do ativo (capacidade de usar o imóvel)

Em algumas situações, estes motivos cruzam-se, não sendo mutuamente exclusivos.

A opção por uma política de arrendamento forçado, em termos de decisão pública, não resolve os problemas subjacentes a qualquer um destes grupos de motivos e pode, em alguns casos, levar a uma violação da intimidade das opções seguidas pelas famílias (por exemplo, quando uma habitação é preservada, mas não ocupada para vivência diária, em memória de familiares falecidos).

A falta de confiança nas decisões públicas futuras só será agravada pelo arrendamento forçado. Os problemas jurídicos de heranças e partilhas não são resolvidos pelo arrendamento forçado (nestes casos, significa que a renda que seja paga pelo Estado é dividida entre os herdeiros, que sobre ela terão de pagar imposto, ou é colocada num fundo até que haja decisão legal? ou outra solução?).

Ou seja, é difícil argumentar, a meu ver, que a proposta governamental resolve as principais barreiras ao arrendamento. Algumas das ideias do programa Mais Habitação podem, ainda assim, ser usadas de outra forma, mais útil, para a construção de propostas alternativas que aumentem a disponibilidade das famílias para colocar habitações devolutas no mercado de arrendamento.

Tomando a ideia do Estado arrendar a valores de mercado para depois subarrendar de acordo com a capacidade de esforço do inquilino, a intenção desta ideia é reduzir o risco, para quem aluga, da falta de pagamento por parte do inquilino. Mas não reduz o risco de ter problemas com inquilinos que não queiram deixar a habitação (com o evidente cumprimento dos prazos legais de notificação para não renovação de contratos). Esse “seguro” de ausência de problemas poderá ser dado oferecendo ao inquilino a possibilidade de continuar, de forma automática, noutra habitação arrendada ou cedida pelo Estado, libertando de forma simples a habitação inicialmente arrendada. Não se trata aqui de facilitar despejo com avisos de curto prazo, e sim de facilitar ao dono da habitação a capacidade de a utilizar como entender sem deixar de dar solução de habitação ao inquilino. O Estado dá um “seguro de renda” ao senhorio e um “seguro de habitação” ao inquilino, em lugar de o “seguro de renda” ser também um “seguro de habitação”.

Dentro desta lógica, se um inquilino quiser mudar, também o poderá comunicar ao senhorio, com os prazos legais gerais estabelecidos, sem que o Estado fique obrigado a continuar a arrendar o imóvel (o “seguro” do Estado ´é sobe o pagamento da renda e não sobre a ocupação da habitação).

Desta forma, creio que que se desbloqueia um dos motivos para a não colocação de mais casas desocupadas no mercado de arrendamento, levando a que haja maior oferta de forma voluntária, e sem necessidade de interferir com o direito de propriedade privada. Claro que para alguns atores políticos, o objetivo até poderá ser o de interferir com a ideia de propriedade privada, e o mercado de arrendamento e as casas devolutas serem apenas um pretexto. Parece-me, contudo, que não será esse o sentimento geral da população, daí que a procura de alternativas deva ser feita.

Esta solução ajuda também a resolver o motivo de “poupança” (reserva de valor) para manter um imóvel devoluto – sendo fácil ter o imóvel disponível para venda, mais facilmente será colocado no mercado de arrendamento (para gerar algum retorno económico enquanto não é exercida a possibilidade de venda).

Para o motivo associado com heranças, uma versão alternativa ao que está no programa “Mais habitação” será oferecer a possibilidade de venda ao Estudo do imóvel, a concretizar desde que 2/3 (ou outra percentagem elevada) dos direitos de herança assim decidam. Sem obrigar à venda e sem obrigar ao arrendamento forçado, impede que uma minoria de bloqueio utilize o poder de veto para manter fora do mercado o imóvel.

Tendo como objetivo aumentar o número de habitações para arrendamento no mercado, por redução do número de casas devolutas, podemos colocar como alternativas a comparar

a) manter tudo como está

b) arrendamento forçado, com “seguro de venda” para o senhorio

c) “seguro de renda” para o senhorio e “seguro de habitação” para o inquilino, em que o primeiro tipo de seguro não dá garantia de ocupação e em que o segundo tipo de seguro não garante a mesma habitação indefinidamente.

Destas três opções, numa análise breve, a opção c) é a que, no meu entendimento, tem a possibilidade de produzir mais efeitos (acréscimo de habitações no mercado de arrendamento) com menores custos (incluindo os custos de coesão social e de confiança nas instituições públicas).


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Voltando ao tema da habitação: casas devolutas e mercado

A discussão pública à volta da proposta do Governo parece ter esmorecido nos últimos dias, após o (habitual) pico de indignação, Não há verdadeiramente uma discussão técnica, necessária para que se encontre a melhor solução para o problema (e por vezes parece que com o mesmo nome se fala de problemas diferentes).

Volto por isso ao tema, para mais detalhe num ponto particular: as casas devolutas.

O ponto de partida: ter casas devolutas é ter capacidade instalada a não ser útil socialmente.

Vou definir o primeiro “problema” como sendo “Qual a melhor forma de trazer essas casas devolutas para o mercado de arrendamento de habitação?”. Ao definir o problema desta forma já estou a explicitar que o objetivo não é apenas que tenham uso social relevante, mas que esse uso seja para arrendamento (o que podemos discutir se deverá ser o objetivo a ter, ou apenas querer que passem a ter um uso socialmente mais útil). Também não estou a assumir que apenas a colocação no mercado de arrendamento das casas devolutas é suficiente (ou sequer necessário) para resolver o problema de falta de habitação a preços mais baixos do que os atualmente existentes.

O segundo passo é, obviamente, definir quantitativamente o problema: estamos a falar de quantas casas, e onde está localizadas?

Essa quantificação não é feita no documento colocado em discussão pública, nem se encontra disponível em qualquer outro local (de internet, pelo menos, e tanto quanto foi possível pesquisar). Aliás, não se conhecem quais são as habitações devolutas privadas nem o imobiliário público devoluto que pudesse ser eventualmente utilizado para uso de habitação providenciada pelo sector público.
Do Censo de 2021 sabe-se, e tem sido referido, que existiam cerca de 723 mil alojamentos familiares vagos (ver aqui), sendo que desses 348 mil estavam para arrendamento ou para venda. Ou seja, é desonesto dizer-se que há 723 mil habitações devolutas – ou é incompetência, ou é má fé. Mais, os que estão disponíveis para arrendamento ou para venda (não há separação entre os dois motivos) são, provavelmente, suficientes para satisfazer a procura existente SE estivessem nas localizações pretendidas e nas condições desejadas (incluindo de preços e/ou rendas). Para os restantes, não se faz ideia, pelas estatísticas disponíveis, se estão devolutos ou não. Se o Ministério da Habitação tem essa informação, deverá disponibilizar para a discussão pública. Se não tem, deverá ir procurar ter, pelo menos, uma estimativa, para conseguir dar o enquadramento factual correcto ao problema.

A propósito de estimativas de imóveis devolutos, em vários locais da internet é referido que a Camara Municipal de Lisboa identificou, para efeitos de aplicação de imposto agravado, 584 habitações devolutas em 2021 (ver por exemplo aqui, numa noticia de 2022, muito antes do Governo ter apresentado o pacote de medidas “Mais Habitação”). O total nacional de casas devolutas estimado de acordo com esse método é de menos de 4200 habitações, muito longe do número global que foi “atirado para o ar”. Igualmente relevante é verificar que o número de casas vagas era ainda maior em 2011, no Censo anterior, e que de 2011 para 2021 aumentou em 70 000 o número de casas vagas para arrendamento ou venda, sendo que no mesmo período de 10 anos entre os dois censos aumentou o número de alojamentos familiares de residência habitual. Não houve uma passagem de habitações de residência habitual para venda ou arrendamento.

A importância de conhecer a dimensão do imobiliário público devoluto é óbvia – Portugal tem uma componente de provisão pública de habitação muito reduzida em comparação com outros países, resultado de um século (mais de 100 anos) de negligência desse elemento – recorrendo ao estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos p. 149 “Contrary to what happens in most Western European countries, Portugal did not gain budgetary «muscle» to develop a housing promotion policy and build a significant public housing stock, capable of assisting families with greater difficulties in accessing housing. It
did not do so during the dictatorship of the Estado Novo, nor under democracy, after the April 1974 revolution. Today, this housing stock is made up of about 120 thousand dwellings, which represent only 2% of the total number of dwellings”. Aumentar a oferta pública através da mobilização do património devoluto do Estado parece ser uma forma rápida, e menos invasiva da sociedade civil, do que a proposta apresentada pelo Governo. O primeiro esforço deverá ser resolver as incapacidades do Estado.

O passo seguinte, na caracterização quantitativa da situação, é saber o porquê de uma habitação estar devoluta.
Não encontrei qualquer descrição que aproxime essa caracterização quantitativa. Assim, decidi colocar um pequeno desafio, como demonstração do que devia ter sido feito e aparentemente não foi feito (ou pelo menos disponibilizado publicamente), sobre o que possa ser a importância relativa de cada um dos motivos para se ter uma habitação devoluta.

Só percebendo que motivos são mais importantes, será possível desbloquear a passagem de casas devolutas para mercado de arrendamento, com a indicação de várias propostas de intervenção nesse sentido, que sejam colocadas como alternativa e comparadas à proposta de arrendamento coercivo proposta pelo Governo.

Assim, quem quiser ajudar nesta discussão, fica desafiado a ajudar na identificação dos principais motivos.

(aguarde que a tabela seguinte apareça, e poderá escolher várias respostas)

(podem ser adicionados motivos na caixa de comentários)

Com as respostas obtidas, será possível pensar nas propostas que para ultrapassar as barreiras que sejam mais importantes para a levar habitações devolutas ao mercado de arrendamento (assunto para o próximo post).

(Nota: esta série de posts pretende ilustrar trabalho de base que deverá ser feito e colocado disponível para se perceberem as opções políticas e as decisões tomadas)


5 comentários

O programa “Mais Habitação”: boas intenções, erros, falta de informação e provavelmente não vai ter os resultados pretendidos

(Aviso: este é um texto longo, e submetido no âmbito da consulta pública lançada pelo Governo)

O anunciado programa do Governo para a área da habitação, em consulta pública até 10 de março de 2023 (aqui, é necessário registo para comentar, onde pode ser obtido o documento de suporte) tem sido largamente comentado na comunicação social. 

O documento apresentado, um conjunto de slides powerpoint, com pouca informação e dando conta sobretudo das intenções genéricas, permite muitos comentários, de diversa natureza.

1 O que são as propostas 

É fácil encontrar na internet vários resumos, embora seja sempre melhor consultar as 27 páginas, em letra de grande dimensão (a que se juntam a capa e folha final).

Segue um resumo básico para dar o contexto dos comentários que se seguem.

Há 5 eixos nas propostas (quem já conhecer pode passar à secção 2 abaixo): 

  1. Aumentar a oferta de imóveis para habitação – não é dito em quanto, nem em que prazo, nem quanto contribui cada uma das medidas deste eixo. As duas linhas principais são: a) Converter uso de imóveis de comércio ou serviços em uso habitacional e b) Disponibilizar imóveis do estado em regime de “Contrato de Desenvolvimento para Habitação”. Face a todo o parque público de imóveis devolutos nas principais cidades do país, é legitimo questionar se quantitativamente esta (segunda) medida seria suficiente, ou não. Com a vantagem de depender apenas da capacidade do estado em a executar (o “apenas” tem provavelmente muitas qualificações, é importante perceber qual a extensão que esta opção poderá ter).
  2. Simplificar processos de licenciamento – esta medida destina-se, creio, a facilitar a entrada no mercado da oferta de novos imóveis. A questão central que surge é se será este o principal motivo pelo qual há uma oferta de imóveis para arrendamento inferior ao desejado. Qual a evidência de que este é um obstáculo central à oferta? A pergunta, para mim, faz todo o sentido porque a atenção é colocada mais tarde, noutras medidas, em levar a que imóveis devolutos sejam usados para arrendamento, se necessário com um processo coercivo. Ora, para esses imóveis, não é claro porque precisam de simplificar processos de licenciamento. Ou se simplificar processos é suficiente, então qual o motivo de impor arrendamento coercivo? É fácil falar desta simplificação, que se tiver méritos próprios, deve ser feita independentemente das condições do mercado de arrendamento. E se for apenas para facilitar a entrada no lado da oferta do mercado de arrendamento, é questionável se é necessária face a outras medidas possíveis. A regulação do licenciamento é feita por motivos de segurança e não por motivos de equilíbrio de mercado, e estar a usar instrumentos desajustados dos objetivos pretendidos não é normalmente boa ideia (trará problemas a prazo, colhendo problemas desnecessários, e sem atingir os objetivos pretendidos).
  3. Aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, tendo como pontos principais de intervenção: a) Estado arrenda para subarrendar, com a adesão voluntária dos arrendadores (proprietários dos imóveis), com uma renda pré-determinada e com segurança quanto ao pagamento da renda e condições de entrega do imóvel em boas condições. A escolha dos arrendatários é feita por sorteio, com prioridade a alguns grupos populacionais; b) Criar balcão único de arrendamento; c) garantia nacional de pagamento ao senhorio após 3 meses de incumprimento (embora não seja claro se o Estado tem alguma palavra a dizer na escolha do inquilino, o que não sucedendo abra a possibilidade a comportamentos estratégicos e abusos por parte de arrendatário e arrendante); d) Isenção de IRS sobre mais-valias na venda ao estado e aos municípios (a intenção é o Estado compra imóveis prontos a habitar, dando um bónus a quem vende pa(go por todos os contribuintes); e) financiamento aos municípios para obras coercivas (250 milhões de euros) – tenho grande curiosidade de saber qual o impacto desta medida no arrendamento privado e como o Ministério da Habitação sustenta a importância desse impacto; f) Incentivo à transferência para habitação das casas em alojamento local – uma vez mais, a falta de quantificação levanta justificadas dúvidas sobre a eficácia desta medida, até porque a minha conjetura, a ser desejavelmente testada por quem tiver a informação necessária, é que a escolha entre colocar um imóvel em regime de alojamento local ou em regime de arrendamento de longa duração não está ligada ao regime fiscal (ver abaixo a discussão sobre o que possa estar presente nas escolhas); g) Arrendamento obrigatório de casas devolutas – sendo esta, provavelmente, a medida mais polémica, irei dar-lhe algum espaço adicional de discussão. Antes de o fazer, aqui fica o resumo dos detalhes: a intenção é mobilizar património devoluto, para arrendamento por entidades públicas, com o pagamento de renda ao senhorio (exclui casas de férias, de emigrantes, quem esteja em lares, etc., de acordo com a definição legal de casa devoluta). Havendo coincidência, num determinado espaço geográfico, de casa(s)devoluta(s) e existindo procura, passo 1) propor ao proprietário realizar arrendamento com IHRU, passo 2) o proprietário dar uso ao imóvel; e passo 3) arrendamento obrigatório; h) Incentivos fiscais ao arrendamento acessível; i) Linha de financiamento bonificado para privados – 250 M€ para habitação acessível; j) novo enquadramento fiscal ao arrendamento.
  4. Combater a especulação – a) Fim dos vistos GOLD (se o imóvel não estiver a ser usado como habitação própria ou arrendado); b) Garantia de renda justa em novos contratos, com limites à definição de novas rendas (sobre o papel da limitação das rendas, o argumentar-se que noutros países existe limitação de rendas ajuda muito pouco, se não for demonstrado que mesmo com essa limitação dos valores rendas não há escassez de oferta, mais sobre este ponto abaixo). O ajustamento das rendas não é necessariamente especulação, é a forma do mercado ajustar procura e oferta, tendo em conta também as condições dos imóveis (localização, estado de conservação, inclusão de máquinas e mobiliário, etc).
  5. Proteger as famílias – a) isenção de IRS sobre as mais valias caso o valor seja usado para amortizar crédito à habitação; b) Obrigatoriedade de os bancos disponibilizarem uma alternativa de crédito à habitação a taxa fixa; c) Apoio na subida da taxa de juro do crédito à habitação; d) Apoio extraordinário ao pagamento das rendas; e) alarga o apoio do Porta 65-Jovem a todas as situações de vulnerabilidade; f) Proteger os inquilinos com arrendamentos mais antigos, senhorios têm isenção de IRS e de IMI, compensação ao senhorio pelo não aumento das rendas.

Deste conjunto de medidas, irei na parte 3 deste comentário, focar-me em três pontos com mais detalhe – o arrendamento coercivo, a limitação ao crescimento das rendas no mercado privado e as medidas de proteção às famílias.

2 Avaliação de impacto normativo 

Em termos de procedimento, é de lamentar que para o anúncio de um conjunto de medidas que se pretende profundamente transformador, o Ministério da Habitação não tenha tido o cuidado de disponibilizar o resultado de uma Avaliação de Impacto Normativo das várias medidas. 

A Avaliação de Impacto Normativo é uma metodologia que procura informar a tomada de decisão pública, com base num conjunto de princípios simples (para ver os detalhes, consulte-se OCDE, Regulatory Impact Assessment, e para Portugal, Carlos Blanco de Morais, Guia de Impacto Normativo, Edições Almedina, além de vários exemplos da sua aplicação por parte do Governo português, no site do Ministério da Justiça, mostrando que não é um assunto desconhecido). 

A aplicação dessa metodologia neste contexto teria dado mais informação sobre os objetivos das medidas anunciadas, qual o problema exato que procuram resolver, porque são a melhor alternativa para solucionar o problema e qual o impacto esperado. Nenhum destes elementos se encontra quantificado no documento disponibilizado, embora tenha a esperança que esses elementos tenham sido considerados. De particular importância aqui é saber que opções de política pública existem e porque foram dominadas pelas escolhas do Governo. E é importante conhecer essa fundamentação porque não é de todo evidente porque as medidas adotadas serão eficazes, até porque não se diz o que pretendem realmente alcançar (além de princípios genéricos, normalmente consensuais). 

Ou seja, para cada medida, deveria ter sido apresentado: a) qual o problema, com documentação quantitativa da sua expressão na sociedade portuguesa, e causas desse problema, com indicação clara do nexo causal estabelecido? b) quais as medidas possíveis para resolver esse problema, com apresentação de várias alternativas e apresentação dos efeitos, positivos e negativos, na sociedade de cada uma dessas alternativas; c) apresentação do critério para escolha da melhor opção para resolver o problema; d) mecanismos de envolvimento de todos os interessados (a consulta pública agora em curso é um desses mecanismos, embora não certamente o único).

Para um conjunto de medidas desta importância e apresentado da forma que foi, é exigível que haja um trabalho subjacente do Ministério da Habitação que, tornado público, permita avaliar da adequação das medidas aos objetivos traçados, tanto mais que têm existido ao longo dos anos várias iniciativas neste campo (ver abaixo, na secção dedicada ao campo político).

A falta de fundamentação é, desde logo, um problema destas propostas, sendo que soundbites (or frases para click baiting) não são fundamentação, por muito atrativas e virais que se tornem.

3 O que é afinal o problema? E como avaliar as “soluções” propostas?

Tentando adivinhar a partir de vários documentos públicos publicados pelos Governos de António Costa, pelo teor geral das medidas e por grande parte dos comentários que têm sido feitos, o problema central parece ser o equilíbrio do mercado de arrendamento privado não ser aquele que o Governo gostaria de ver. Mais à frente detalharei porque me parece que o Governo, e parte substancial dos comentadores, tem um entendimento bastante deficiente do que é o “mercado” e do que é e não é o “funcionamento de mercado”. Mas por agora centremo-nos na ideia de que o Governo deseja que haja mais arrendamento com rendas mais baixas (ditas “acessíveis”), e que o Governo pretende criar mais situações de arrendamento.

Como também decorre do tipo de medidas e dos muitos comentários, há um consenso, embora não unanimidade, sobre a necessidade de haver mais arrendamento privado.

Assim, como ponto de partida, é essencial ter um quadro de referência sobre o que leva uma pessoa ou entidade privada a disponibilizar um imóvel para arrendamento.

Parte da discussão tem sido sobre a irracionalidade de ter casas devolutas, o que me parece ser em si mesmo um argumento que quer evitar discutir em que condições é racional ter uma casa devoluta, e não explica porque haverá tantos decisores irracionais durante tanto tempo na sociedade portuguesa (é um atestado de menoridade à população residente em Portugal do qual discordo). 

Numa versão muito simples, pense-se em termos de benefícios e custos de arrendamento versus não arrendar o imóvel.

O benefício de arrendamento é, naturalmente, a renda líquida obtida, que é decorre do que é cobrado como renda (do equilíbrio de mercado) e do que é tributado. 

Os custos de arrendamento, face a manter a casa devoluta, são vários: menor flexibilidade caso se queira vender o imóvel (relevante, se para um particular, o arrendamento e a posse do imóvel forem vistas como forma de poupança), custos de manutenção do imóvel, custos de ter inquilinos incumpridores, em termos de perda de renda, e em termos de custos legais de resolver a situação, custos específicos de contexto (por exemplo, imóveis em situação de herança por resolver, ou parte de processos judiciais, ou outro motivo estranho à pura decisão de arrendamento), custos da incerteza sobre as políticas públicas que possam alterar os benefícios e custos da opção de arrendar. 

Com base nesta ideia de custos e benefícios é possível criar uma matriz de como as diferentes propostas de medida pretendem atuar (que o Governo poderá usar para discutir o que espera alcançar com cada medida).

Também é útil comparar com a opção de arrendamento no modelo de curta duração (AL – alojamento local): rendimento líquido obtido em AL menos custos de ter AL, onde se incluem custos de operação, e incerteza sobre taxas de ocupação, e onde em geral há menos custos associados com inquilinos incumpridores.

Tomando a medida mais saliente, o arrendamento compulsivo. Em termos do quadro de análise, na escolha entre opções de arrendar ou não, esta medida reduz alguns dos custos com inquilinos incumpridores, por remeter para o Estado o lidar com essa situação, mas por outro lado reduz a flexibilidade para uma possível venda do imóvel (o que no caso de pequenos e médios investidores que o têm como forma de poupança e rendimento, será uma limitação potencialmente importante). Também reduz, provavelmente, o valor da renda líquida recebida. Não é claro qual o efeito líquido sobre a disposição a arrendar, algo que deverá ter sido avaliado antes da proposta desta medida. Adicionalmente, não é evidente qual o mecanismo de defesa dos senhorios face a “mudanças de humor” do Estado (por exemplo, depois dos contratos estarem em vigor decidir baixar todas as rendas de forma administrativa). Adicionalmente, existe um risco claro de se ter que criar uma nova burocracia pública, facilmente permeável a pequena corrupção (sobre que imóveis excluir do arrendamento, sobre que inquilinos selecionar com base nas regras dos sorteios, etc.) Para uma medida tão polémica, é fundamental saber quantas casas devolutas são potencialmente abrangidas por este mecanismo, e para essas casas conhecer qual o motivo pelo qual não são colocadas no mercado de arrendamento nos locais onde há procura para arrendamento. E nessas mesmas zonas geográficas importa saber se há disponibilidade de imóveis públicos em situação devoluta, que possam ser mobilizados em primeiro lugar. Sem este mapeamento, não é de todo claro que o Governo esteja a optar pela alternativa de intervenção com menores custos globais (incluindo confiança e coesão social) para alcançar os seus objetivos.

Sendo por vezes referido que há quem mantenha os imóveis devolutos como forma de reservar a opção do momento de venda, querendo-se atuar sobre a escolha fará mais sentido utilizar processos menos intrusivos da liberdade individual, como a tributação sobre transações de imóveis, ou sobre a propriedade não usada, como aliás já existe, sendo uma questão de acentuar essa tributação).

Alguns comentadores apresentaram como alternativa a construção pública, para arrendamento a preços acessíveis. Esta é aliás uma opção que estava presente em vários documentos de anos anteriores dos governos de António Costa. Se não foi usada essa opção, importa perceber o que impediu, que barreiras existiram. 

Relativamente à componente fiscal e aos apoios de proteção das famílias, as várias medidas parecem ignorar um princípio básico – o ajustamento dos diversos agentes às condições estabelecidas irá fazer com o que o impacto das medidas não seja apenas de proteção às famílias, mas haja uma “passagem” de benefícios para os senhorios, que não parece ser de todo objetivo destas medidas. Por exemplo, ao receber 200€ de apoio para pagamento da renda, o arrendatário aceitará mais facilmente uma renda mais elevada no mercado de arrendamento privado, fazendo com que o benefício da medida seja no final repartido entre os dois lados (é uma questão conhecida como a diferença entre incidência económica e incidência legal de medidas deste tipo). As mesmas considerações são aplicáveis às bonificações de taxas de juro, que acabam por beneficiar em parte as instituições bancárias, que mais facilmente estabelecem valores mais elevados. Também a aparentemente óbvia medida de obrigar à oferta de contratos de crédito a taxa fixa parece vantajosa no momento de subida de taxas de juro, resta saber o que se dirá quando as taxas de juro descerem dos níveis atuais e a taxa fixa ficar mais elevada. A taxa fixa corresponde a um elemento de seguro para as famílias, que acaba por ter um preço implícito, que sendo praticamente invisível agora, quando se tornar visível (após a descida das taxas de juro, o que acabará por suceder daqui a uns anos face aos ciclos habituais de subida e descida) irá criar tensões. 

Na parte referente ao alojamento local, o principal risco, que me parece estar presente e que não vi mencionado, é o deslocamento da atividade para o mercado informal. Claro que vizinhos poderão denunciar, mas é esse o tipo de sociedade que queremos ter? Ou seja, não é claro que o único ajustamento que vá ocorrer em resposta às medidas anunciadas seja os proprietários de AL passarem todos a colocar os seus imóveis no mercado de arrendamento, como idealizado pelas medidas (uma vez mais, que base de conhecimento é usada para pensar que será esse o ajustamento dominante e não outro). Adicionalmente, admitindo que não se vai limitar a entrada de turistas em Portugal, então estes terão que ser acolhidos por outras instituições, nomeadamente hotéis, pelo que as receitas de alojamento destes turistas deixarão de ser distribuídas dentro da comunidade local para passarem a ser concentradas em grandes empresas (as cadeiras hoteleiras), que provavelmente procurarão aumentar as suas unidades. É possível que o Ministério da Habitação tenha estudado em detalhe este ajustamento às suas medidas, e será muito útil que o possa partilhar. Se não fez essa análise, deveria ter feito. 

Sobre a parte de limitação das rendas, que tem passado muito despercebida na discussão em Portugal, frequentemente tratada por vários comentadores como sendo algo que outros países também têm, pelo que não é objeto de discussão, é pelo menos ingénuo pensar que não tem qualquer efeito no funcionamento do mercado de arrendamento. Há vantagens e desvantagens a serem pesadas, sendo que o proteção das rendas parece implicar a prazo uma redução da oferta de arrendamento privado (ver aqui a discussão sobre a análise de duas situações de regulação de preços). Se se acredita que Portugal é diferente, que evidência existe para essa crença?

Outras intervenções sobre o lado da procura, além dos vistos GOLD, poderá ser considerada, como apontado por um comentador: o regime fiscal para reformados de outros países atrai essas populações para Portugal, criando pressão no mercado da habitação, de aquisição própria e de arrendamento, além de criar tensões fiscais com esses outros países (veja-se este exemplo).

4 Porque não há mais casas no mercado de arrendamento, a rendas “acessíveis”?

A resposta simples, e reconhecida em geral, é por falta de oferta de opções à população, mas é possível ir um pouco mais longe. Tomando as várias estratégias e medidas anunciadas desde 2015 pelos Governos de António Costa, há duas fontes fundamentais da falta de oferta, segundo o que era a expectativa governamental:

  1. Falta de investimento público
  2. Falta de “segurança” para o investidor privado, de pequena e média dimensão (incluindo aqueles que o Governo pretende fazer transitar do Alojamento Local para o arrendamento de longa duração).

Estes dois aspetos estão ausentes de qualquer discussão ou informação prestada pelo Ministério da Habitação. A referência à falta de investimento público foi avançada por alguns comentadores, e bem, pois faz parte das várias políticas anteriormente anunciadas pelos Governos de António Costa.

Aqui torna-se útil ir à Lei de Bases da Habitação, publicada em 2019, onde se escreveu:

“Art4 3 – Para garantir a função social da habitação, o Estado recorre prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento.” 

Se não foi possível ao Estado usar esta opção, é relevante saber porquê. A primeira possibilidade é não haver imóveis no “património edificado público” que possam ser mobilizados. Pode ser esta uma explicação razoável? Face aos vários imóveis devolutos do Estado que se vão conhecendo, parece pouco credível que não consigam mobilizar nada. Pode ser, como explicação alternativa, devido à incapacidade do sector público em saber o que tem e não tem devoluto e mobilizável. Mas se for esta a resposta, então deveria ser colocada como alternativa o Estado começar por conhecer e gerir o seu património. Aliás, se não consegue identificar os seus imóveis devolutos como irá identificar os imóveis privados nessas condições, de uma forma que seja justa? (isto é, não serem escolhidos por especial interesse de alguns agentes do Estado, no que seria um crescimento da pequena corrupção local).

Ainda na Lei de Bases da Habitação, é tornado claro que o direito à habitação é garantido pelo Estado

“Artigo 7.º Direito à habitação

1 – Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

2 – Incumbe ao Estado estabelecer a criação de um sistema de acesso à habitação com renda compatível com o rendimento familiar.

Artigo 11º: Direito à escolha do lugar de residência

1 – O Estado respeita e promove o direito dos cidadãos à escolha do lugar de residência, de acordo com as suas necessidades, possibilidades e preferências, sem prejuízo dos condicionamentos urbanísticos.”

Ora, este direito à habitação pode ser garantido de muitas formas, e as várias alternativas deveriam ser consideradas. Curiosamente, não diz quem define onde (geograficamente) o direito é garantido, pelo que se torna completamente imperioso perceber como as medidas que sejam adotadas vão organizar o excesso de procura face às condições físicas de habitação disponível – se num concelho, não houver a tipologia disponível adequada para uma família, o que deve ser feito? Passar para outro concelho? O estado construir e disponibilizar? Nos detalhes de aplicação haverá uma necessidade de informação enorme sobre disponibilidades de oferta, capacidade de construir oferta e interesse da procura (preferências dos cidadãos). Se não for usado o mercado de arrendamento, como mecanismo descentralizado, que tipo de mecanismo centralizado está realmente a ser proposto pelo Governo nas suas medidas?

Sobre a informação para ajudar à tomada de decisão, ainda na Lei de Bases da Habitação, é dito “Art 16

5 – A política nacional de habitação implica:

a) O levantamento periódico e a divulgação da situação existente no país em matéria de habitação, com identificação das principais carências quantitativas e qualitativas, desagregadas, se for o caso, em função do género e da idade, e eventuais falhas ou disfunções.”

Não consegui encontrar qualquer informação atualizada sobre este levantamento periódico (que provavelmente se transformou em episódio, ou mesmo único).

5 O campo político

Embora tenha sido anunciado com grande destaque pelo Governo, o novo conjunto de medidas vem, realmente, na sequência de várias iniciativas e documentos dos diversos Governos de António Costa, desde 2015, bem como do Programa de Governo apresentado para 2022-2026. É justo reconhecer que o Governo tem legitimidade eleitoral para falar nestas medidas, tal como é adequado fazer o público escrutínio das mesmas com rigor e seriedade. 

Esta introdução é relevante porque surgindo o atual conjunto de medidas na sequência de outras iniciativas, uma questão central é porque irá agora resultar quando as iniciativas passadas não tiveram a capacidade de resolver o problema do arrendamento (se o tivessem conseguido, não estaria certamente a serem apresentadas mais medidas). A importância de conhecer o que resultou e o que falhou nas iniciativas passadas está em informar sobre o que são erros a evitar em novas medidas e o que são boas práticas a replicar (admito que ambas possam existir). 

Outros documentos passados que expressam as políticas dos Governos de António Costa, com a proposta de várias iniciativas, são:

  1. Programa Nacional de Habitação (de novembro de 2022)
  2. Conselho Nacional de Habitação (de 2021)
  3. Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional de 2018
  4. Observatório da Habitação, do Arrendamento e da Reabilitação Urbana (de 2021)
  5. nova geração de políticas de habitação (resolução do conselho de ministros de 2 de maio de 2018)

Neste último documento é estabelecida, no plano político, uma meta 

“2 – Estabelecer como principais metas quantitativas a atingir a médio prazo [8 anos]:

a) Aumentar o peso da habitação com apoio público, na globalidade do parque habitacional, de 2 % para 5 %, o que representa um acréscimo de cerca 170 000 fogos;

b) Baixar a taxa de sobrecarga de despesas com habitação no regime de arrendamento de 35 % para 27 %.”

Aparentemente, o Ministério da Habitação, na proposta apresentada, opta por esquecer esta meta de um Governo anterior do mesmo Primeiro – Ministro. Como é que as atuais medidas vão ajudar a cumprir estas metas? Ou deixaram de ser válidas? 

Na mesma resolução, o Governo indica dois programas “a) 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação; b) Porta de Entrada – Programa de Apoio ao Alojamento Urgente) (…) Programa de Arrendamento Acessível (…) Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (…) Programa Porta 65 Jovem (…) Da Habitação ao Habitat (…) Programa Porta ao Lado (…) Programa de mobilidade habitacional (…) Chave na Mão”. 

Que resultados tiveram estes diferentes programas, e que capacidade o Governo demonstrou para os gerir? Sem essa informação é legítimo desconfiar da capacidade em tornar efetivas as que foram agora anunciadas. 

Politicamente, no Programa do Governo é afirmado “Graças à prioridade dada ao setor da habitação pelos últimos Governos, Portugal dispõe hoje de dois instrumentos centrais – Nova Geração de Políticas de Habitação e Lei de Bases da Habitação – que são a base do reforço do parque público que está em curso. Conta-se com mais de 150 Estratégias Locais de Habitação e uma Bolsa de Imóveis do Estado com aptidão habitacional para arrendamento público a preços acessíveis.” Sendo assim, porque é um ano depois de entrada em funções, há a necessidade de um “pacote de choque”?

6 Justiça intergeracional e instrumentos de avaliação

Em geral, não houve referências às implicações de justiça intergeracional das medidas apresentadas – como é que estas medidas afetam a justiça entre gerações? Sabemos, do trabalho realizado pela Fundação Calouste Gulbenkian, que se vem a desenhar um fosso geracional no mercado da habitação (pode ser visto aqui). E existe um instrumento, também disponibilizado pela Fundação Calouste Gulbenkian, para fazer uma avaliação de políticas públicas neste domínio (disponível aqui), alinhada com as boas práticas internacionais neste tipo de metodologias. Esta é uma altura excelente para fazer uso desta metodologia, e perceber se os efeitos de justiça decorrentes são aqueles que pensamos e que queremos que estejam presentes. Não é claro, neste momento, para que lado cai a decisão (são medidas geracionalmente justas ou injustas). Cabe ao Ministério da Habitação, que as avançou, fazer uma avaliação séria (e não apenas baseada em soundbites ou slides genéricos de powerpoint).  

7 Princípios fundamentais de funcionamento da economia e da sociedade

7.1 A propriedade privada

Um dos mais fortes soundbites na discussão destas medidas, e também dos mais perigosos no que significa quanto à liberdade na sociedade, foi o referente ao choque entre direito de propriedade privada e direito à habitação. E as posições contra a propriedade privada adotam a ideia de que existe uma função social da propriedade privada, que deve ser subordinada às políticas que estabeleçam acesso à habitação como objetivo central (além das discussões na comunicação social e redes sociais, sugiro a leitura da tese de mestrado de Sara Magalhães, Universidade Coimbra, sobre este tema, enquadrado na reabilitação urbana, que tem partilha vários dos equívocos de natureza económica dessas posições, bem como este artigo de Miguel Roque, entre outras possibilidades).

O que me parece ser um equívoco nesta discussão de importância de direitos é que sem direito de propriedade privada é difícil perceber como pode haver investimento em criar situações de arrendamento privado. Ou seja, mais do que antagonistas, os dois direitos deveriam ser complementares. Já agora, o direito à habitação é algo que não definido de forma clara nos vários documentos legais, incluindo a Lei de Bases da Habitação. E este é um aspeto que é deficiência da Lei de Bases (ou do quadro normativo) e sim da impossibilidade de dizer quem deve viver onde e a que renda de forma global na sociedade (porque as preferências das pessoas diferem, e mudam ao longo do seu ciclo de vida; porque existem restrições físicas de espaço que não se alteram por decreto ou sequer por construção do que quer que seja – se muita gente quiser ter como habitação uma moradia individual com jardim próprio no centro de uma grande cidade, será impossível que todos consigam ver essa sua aspiração satisfeita; possivelmente, ninguém o conseguirá).

O que significa propriedade privada, em termos económicos? Propriedade privada refere-se à capacidade que o proprietário (de bens tangíveis ou intangíveis) tem de utilizar e dispor desses bens da forma que achar mais adequada (seja usar em benefício próprio, vender, alugar ou transferir em doação para outros), desde que respeite as leis em vigor na sociedade. Para existir arrendamento privado, tem de existir alguém (individuo ou entidade) que tem a propriedade do imóvel para decidir o seu uso como entender. Há, assim, uma diferença essencial entre forçar coercivamente obras de reabilitação (impedir que haja efeitos negativos sobre outros – externalidades, em termos económicos) e forçar coercivamente o arrendamento (impede que haja um uso livre do bem, do imóvel, por parte do proprietário). A questão central, que ainda não vi discutida de forma apropriada, é o que sucede ao interesse de um individuo ou entidade em ter uma propriedade privada sobre a qual não se tem poder de decisão no seu uso. Caso resulte em redução de investimento, a prazo poderá dar-se a situação de ter menos arrendamento privado do que se forem usados outros instrumentos de política que não impliquem retirar direitos de uso da propriedade privada (note-se que não é uma questão de transferir a propriedade de uma pessoa ou entidade para outra, e sim o de retirar o benefício de uso mantendo os custos de ter essa propriedade). Não percebo como se pode defender a liberdade a dizer o que se quer, e não defender a liberdade de usar o que é propriedade privada, desde que tal não afete negativamente os outros (não interfira com a liberdade dos outros).

O conflito entre direito de propriedade privada e direito à habitação é por isso, em grande medida, artificial, e resultante, parece-me, de uma visão de sociedade controlada por alguns, que ditam o que outros devem escolher e decidir. Em termos práticos, antes de interferir com o direito de propriedade privada, conseguem os defensores dessa interferência demonstrar que tal é necessário e indispensável para atingir os objetivos propostos? Conseguem apresentar outras situações em que essa interferência tenha produzido os resultados desejados? Na ausência dessa evidência, é preferível, a meu ver, procurar soluções de política pública que sejam compatíveis com a liberdade individual. Este acaba por ser um princípio bastante mais amplo do que apenas a discussão do mercado de arrendamento, e por isso mais importante que seja claro que princípios de organização e funcionamento económico da sociedade defendemos.

7.2 O mercado

Outro soundbite usado na discussão por alguns comentadores foi de não ter o direito à habitação “refém do mercado”. Não creio que quem usa esta expressão tenha uma noção acertada do que é um mercado – o mercado não é um decisor, uma entidade que decide autonomamente. O mercado é o somatório de muitas decisões de compra e de venda de um bem (ou um serviço). Decisões essas que são tomadas em liberdade, usando a possibilidade de dispor do uso de propriedade privada para estabelecer transações mutuamente vantajosas. Sublinho aqui, fortemente, os termos “liberdade” e “mutuamente vantajosas”. Ninguém é forçado a participar num mercado privado. Se o faz, é porque nisso encontra vantagem. O mercado é um mecanismo de encontro de vontades, físico ou online. O preço do bem ou serviço decorre das intenções de compra e de venda de quem participa, livremente, nesse processo. Nem sempre estas intenções de compra e de venda levam a um preço de equilíbrio (renda, no mercado de arrendamento) que seja o que alguns comentadores gostariam que fosse. Tal não significa que o “mercado” esteja a funcionar mal ou que haja falha de mercado (no sentido técnico do termo). Claro que também podem existir falhas de mercado (por exemplo, associadas com poder de mercado de alguns agentes, ou de assimetrias de informação). Mas não se pode saltar de “o mercado não dá aquilo que eu quero ver” para o “mercado não funciona”. No caso do mercado de arrendamento, é difícil pensar num outro mecanismo de encontro de interesses que, de forma descentralizada, faça com que cada arrendatário encontre um imóvel que lhe interesse a um preço que possa pagar, tendo em conta as suas preferências e capacidade de pagamento, e que um senhorio consiga encontrar quem lhe alugue o imóvel. Mecanismos alternativos, como sorteios, não garantem que as preferências de quem arrenda sejam satisfeitas, montar uma burocracia que faça essa avaliação de quem deve alugar o quê a quem e a que preço não só terá um custo enorme de recolha de informação, como fica sujeita a que lhe seja reportada informação de modo estratégico e abre portas a corrupção generalizada (em vez de se pagar uma renda mais elevada, quem quiser muito um imóvel teria “apenas” que pagar um valor a quem decide, e depois pagar uma renda “acessível” ao proprietário, seria a criação de um classe de “rentistas profissionais”, para usar uma expressão que alguns comentadores gostam). 

Diferente é dizer que se devem tomar medidas para que o resultado de equilíbrio de mercado seja outro, cumprindo objetivos gerais, mas sem ter a pulsão de dirigir individualmente o que cada pessoa decide escolher (isto é, sem interferir na liberdade individual de escolha). Esta consideração aplica-se quer aos casos em que se quer que quem arrenda escolha cobrar rendas mais baixas, como aos casos em que quem arrenda quer ter arrendatários apenas com elevado poder económico. Apesar tudo a maior parte dos comentários de “controle das decisões dos outros” surge quanto ao que os arrendatários devem, ou não, fazer. 

A intervenção pública no mercado não se faz ditando o que cada um deve fazer, faz-se criando contextos de decisão para que decisões voluntárias levem ao resultado desejado, sem deixar de ter liberdade de escolha. A intervenção pública pode ser através de regras e leis, pode ser através da presença direta de oferta pública no mercado de arrendamento. Substituir qualquer um destes modos de intervenção pela “decisão centralizada” quanto a escolhas individuais é uma redução inevitável da liberdade individual.

8 Considerações finais

Como foi referido por um comentador, todo este conjunto de medidas caracteriza-se por ser de “má qualidade na preparação e escrutínio das políticas públicas”. Na verdade, é até mais do que isso, contém erros de concepção básicos sobre o funcionamento da economia de mercado, mistura objetivos de eficiência no funcionamento do mercado (aumentar a oferta de arrendamento privado) ao mesmo tempo que quer substituir-se aos proprietários nas suas decisões, e ignora que ajustamentos de decisões terão lugar se as medidas propostas forem adoptadas (em particular, os ajustamentos que irão impedir que os objetivos sejam alcançados, pressupondo que esses objetivos são o aumento de contratos de arrendamento privado). Ignora ostensivamente os resultados de outros programas públicos existentes e lançados nos governos de António Costa, não havendo qualquer peça de evidência que ajude a credibilizar as propostas apresentadas como sendo baseadas em factos (e não em fé na capacidade legislativa de controlar as vidas e as decisões da sociedade).

Havendo um problema de acesso à habitação, e parece claro que há, a definição dos melhores instrumentos para o resolver deveria ser uma preocupação central, e não apenas apresentar medidas pouco suportadas (com a informação publicamente disponível).

O principio avançado por alguns comentadores, em que “quando há falha de mercado, o Governo intervém”, obriga a dois passos lógicos que não foram sustentados na proposta – primeiro, que há falha de mercado, e qual é exatamente essa falha (as rendas não serem aquelas que alguém deseja que sejam não é (!) falha de mercado), e se houver falha de mercado, porque é que a intervenção pública é capaz de resolver e qual a intervenção pública que melhor resolve (e também esta pergunta não tem resposta evidente dadas as várias medidas adotadas desde 2015 e que não impediram que se chegasse à situação atual). 

A minha proposta de próximo passo: o Governo apresentar para cada medida uma avaliação de impacto legislativo, ou pelo menos para aquelas em que se espera maiores resultados.O que provavelmente vai acontecer: o Governo aprovar “qualquer coisa” que mostre preocupação com a situação, e que depois ou não é aplicável ou não tem resultados ou tem resultados contrários aos esperados.


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ChatGPT, plano pago ou plano sem custos?

A nova “tecnologia” de pesquisa ChatGPT tem estado a tomar “de assalto” a atenção generalizada. Desde o anúncio de muitos milhares de milhões de dólares a serem investidos nesta e noutras tecnologias até ao anúncio da obsolescência do Google e da transformação das formas de avaliação académica muito se tem dito.

Disponibilizada de forma gratuita inicialmente, passou a existir agora um plano pago, conforme o site do ChatGPT, sendo que o valor de 20 USD é equivalente ao valor da subscrição Netflix Premium. Não é ainda evidente que o serviço prestado tenho o valor que é pedido (além do valor de usar uma “novidade” com menos limitações).

Sendo que os motores de busca são usualmente utilizados sem custo para o utilizador, a colocação de um preço no serviço ChatGPT parece querer estabelecer uma diferença face aos motores de busca, em termos do serviço prestado. O ChatGPT não é uma forma de encontrar informação disponibilizada algures e sim uma forma de agregar informação e transmitir de uma forma nova.

Iremos assistir nos próximos tempos a imensos exemplos de como o ChatGPT dá “resultados errados”, ou produz textos que referenciam “alucinações”, aspetos errados ou que não existem. Esses exemplos de como o ChatGPT não reproduz a realidade é o resultado do hábito de usar motores de busca, em que o propósito é de encontrar algo. Ora, a verdadeira vantagem do ChatGPT está em sumariar informação, inserindo-a num contexto onde é mais fácil de entender essa informação por parte do leitor.

Tem sido testado em contextos de ensino, com a preocupação quanto a métodos de avaliação. Alguns testes com o ChatGPT mostraram-me algumas vantagens e limitações da versão atual – é muito bom a dar respostas de definições, a ajudar a verificar código de programas estatísticos, como manual para conseguir realizar atividades em diversos programas. São problemas que muitas outras pessoas tiveram em situações provavelmente não muito diferentes. É muito bom a dar sugestões de análise de problemas diversos. Na resolução de perguntas de exame, na parte de cálculo com regras claras e conhecidas, funciona bem. Contudo, colocando perguntas em que o contexto é relevante e pequenas variações de contexto originam respostas menos comuns, ou com algum elemento de “surpresa”, no sentido de não ser o resultado mais frequente, o ChatGPT deixa uma resposta bem escrita mas demasiado vaga. A utilização do ChatGPT não é a “resposta” para todas as perguntas de exame. Será sobretudo uma ferramenta útil para dar impulso inicial a trabalhos a realizar, uma vez que será, pelo menos por agora, necessário verificar a informação e as sugestões que são dadas.

Será preciso aprender a melhor forma de colocar as questões ao ChatGPT para que dê as respostas mais úteis. Será uma ferramenta de apoio, mas não um substituto do trabalho a ser realizado – por enquanto é preciso verificar a precisão das respostas e se são completas, ou não.

Da mesma forma que hoje em dia a utilização de software estatístico faz muitas das contas que em tempos eram realizadas à mão, e faz cálculos que nunca seriam feitos por outros métodos, é provável que a tecnologia do ChatGPT venha a ter um desenvolvimento similar, tornando-se um instrumento de vida diária, complementar dos motores de busca para informação mais imediata.

Será por isso interessante perceber se seguirá o caminho dos motores de busca, e será gratuito com publicidade para financiar a sua existência, ou se será um serviço pago, e consequentemente menos generalizado e mais similar a software. Além disso, é natural que em breve comecem a surgir alternativas, gerando novas ideias a oportunidades, e baixando o preço do serviço pago, ou fazendo mesmo desaparecer essa opção.

Como curiosidade final, os créditos de criação do ChatGPT incluem pelo menos um português, Diogo Almeida, conforme se comprova a partir dos créditos publicados no site.


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Relato de uma sessão “Integração & Proximidade — O Papel das ULS”

No dia 27 de janeiro, decorreu uma sessão de debate sobre unidades locais de saúde, organizada por Adalberto Campos Fernandes, no âmbito da sua colaboração com o Fórum Saúde XXI.

A sessão teve como ponto de partida uma intervenção de Maria de Belém Roseira, que passou em revista um conjunto de princípios relevantes para avaliar a organização de de sistemas de saúde, e como tal relevantes para avaliar a intenção anunciada do SNS criar mais unidades locais de saúde.

Correndo o risco de deixar de fora elementos que também sejam importantes, vou percorrer os que me surgiram como mais interessantes nesta sessão.

Em primeiro lugar, a referência à carta de Tallinn, com Incluir – proximidade para identificar grupos vulneráveis, Investir em saúde e Inovação. Aqui, qual o papel que as ULS podem ter, tendo como contraponto uma organização mais centralizada, como a atualmente existente?

No campo da identificação de populações vulneráveis, as ULS, em princípio, terão uma maior capacidade de o fazera nivel local. Resta saber se terão vantagem face a uma maior proximidade ainda (por exemplo, tendo os ACES a atuar com maior liberdade e proximidade). 

Dada a identificação das populações vulneráveis, é necessário depois definir as intervenções que devem ter lugar. É provável que os ACES – agrupamentos de centros de saúde não tenham a massa critica de dimensão para definir e aplicar intervenções de apoio a populações vulneráveis que sejam identificadas. Assim, é razoável pensar que as ULS darão uma boa resposta neste campo.

No segundo elemento, investimento, é menos claro o que poderá suceder, nomeadamente no balanço entre investimento na componente hospitalar e investimento na componente de cuidados de saúde primários, e saber se os investimentos realizados potenciam as complementaridade dos dois tipos de cuidados. Não conheço descrição de análise do padrão de investimento das ULS. Fica com um ponto de interrogação. É natural que a nova Direção Executiva do SNS tenha essa informação e possa ter feito uma apreciação deste efeito.

No que respeita à inovação, há uma distinção importante a fazer: a capacidade de adoptar grandes inovações e a capacidade de gerar inovação, nomeadamente ao pivel da inovação organizacional, ajustada à população 0cal- A grande inovação, de equipamentos ou terapêuticas de custo muito elevado, continuará a ter o seu centro de decisão nas estruturas macro do SNS e não ao nivel da ULS. Já a inovação organizacional terá maior possibilidade de ocorrer com sucesso ao nivel da ULS, desde que seja dada essa liberdade de gestão ou que a gestão da ULS “conquiste” ou use essa liberdade de gestão. Ou seja, é razoável a presunção de que as ULS são um instrumento favorável ao cumprimento da carta de Tallinn, mesmo que haja alguns aspectos que precisem de acompanhamento.

Maria de Belém Roseira focou, de seguida, no que querem as pessoas, com base numa sondagem realizada em Portugal, sendo de realçar dois aspectos: melhorar o percurso do doente e a preocupação com as listas de espera. Neste campo, as ULS poderão ter alguma vantagem se funcionarem realmente de forma coordenada.

Outro ponto importante focado foi a ligação entre o sistema de saúde e os municipios, dada o número de pessoas com incapacidade permanente a necessitar de apoio. Aqui, para debater o papel das ULS, é necessário perceber qual a dimensão adequada, do lado da saúde, da entidade que seja interlocutora dos municipios para uma articulação local. 

A dúvida estará em saber se a articulação com os municípios deve ser feita ao nivel da ULS, se ao nível das unidades de saúde que fazem parte da ULS. 

É provável que a resposta a esta questão também dependa da dimensão da ULS no que respeita aos municípios que abarca. No imediato, para resolução dos casos de internamento prolongado por falta de resposta, o interlocutorcentral do lado da saúde é o hospital, mas para casos de acompanhamento continuado será mais relevante, a médio e longo prazo, os cuidados de saúde primários. Com o desenvolvimento da atividade de hospitalização domiciliária que possa precisar de apoio social local volta a ser crucial o hospital.

Não resulta daqui evidente que a ligação entre municipios e unidades de saúde seja mais eficaz por ser realizada ao nivel da ULS, embora a vantagem de não haver fragmentação do lado da saúde possa beneficiar a ULS face às alternativas, em particular se houver poucos concelhos a serem cobertos pela ULS. É uma área onde seria útil ter mais informação da experiência das atuais ULS, que têm diversidade neste aspecto.

É geralmente reconhecido que um bom sistema de saúde deve dar centralidade, na sua organização, ao papel dos cuidados de saúde primários. E não é claro se o modelo das ULS favorece, ou não, o papel central dos cuidados de saúde primários. Em termos conceptuais, não há nada no modelo das ULS que impeça o reforço do papel dos cuidados de saúde primários, pelo que uma vez mais será útil olhar para a atual experiência das ULS que existem.

Reconhecidamente, a promoção da saúde e a prevenção da doença deverão ter um maior papel, e novamente se pode perguntar se as ULS favorecem esse papel. Uma vez que o modelo de financiamento das US assenta, sobretudo, num pagamento por capitação (transferência para a us de um valor fixo por elemento da população coberto, ajustando para diferentes necessidades que possam existir entre grupos da população, surge dai uma maior atenção à promoção da saúde e à prevenção da doença.

Numa perspectiva geral de um percurso do doente que seja adequado (no tipo e momento de cuidados que recebe face à sua situação clínica), no que se tem denominado de integração de cuidados, há que pensar na dimensão óptima para cada ponto do percurso do doente, e na ligação entre tipos de cuidados. 

A integração de cuidados não é forçosamente integração funcional de diferentes unidades de prestação de cuidados de saúde. Existem modalidades de integração de cuidados, no sentido de percurso fluído do doente no sistema de saúde, sem haver necessidade de integração vertical de diferentes unidades de saúde, aspeto que foi focado no debate. 

A capacidade de gestão das ULS em coordenar as atividades das diferentes unidades envolvidas, em concreto o hospital e os cuidados de saúde primários, será central e dependerá do empenho de ambos os lados para que resulte – Para as novas quatro ULS que foram anunciadas corresponde a saber se vão ser “casamentos de amor” ou “casamentos de conveniente “.

Do debate surgiram várias ideias adicionais;

  • ficou evidenciada a capacidade das ULS realizarem projetos que são “localmente rentáveis” (no caso, a ULSteve a capacidade de fazer um projeto próprio, adaptado à realidade local, recolhendo os ganhos dessa decisão, incluindo menor despesa e mudança de cultura interna); 
  • a disponibilidade dos municipios para uma maior e mais fácil ligação entre autarquias e ULS, tendo sido dados exemplos dessa colaboração (embora não sendo claro se o modelo de ULS facilita ou não essacolaboração)
  • o papel dos prestadores privados não é fundamentalmente alterado pela existência, ou não, de ULS face a modelos alternativos. Operacionalmente poderá haver alterações, se for desejável internalização de serviços, e se o modelo ULS tornar mais fácil essa internalização, correspondendo a serviços realizados dentro do SNS
    quando anteriormente envolveria prestadores privados, o modelo ULS poderá reduzir o recurso a prestadores privados. Numa visão mais ampla do que é o papel do sector privado, este será sempre concorrente do sector público sempre que o cidadão tenha possibilidade de escolher o prestador de cuidados de saúde. Por outro lado, O SNS, enquanto instrumento de proteção financeira contra os riscos associados com despesas de saúde inesperados, deverá ter a possibilidade de contratar com prestadores privados para alcançar os seus objectivos, sempre que tal for mutuamente vantajoso.

A última intervenção, realizada por Fernando Araújo, Diretor Executivo do SNS, deixou algumas ideias mais parajustificar a criação de quatro novas ULS no momento atual, e que incluem um elementoTT de gestão da situação. Por um lado, a ULS retira a capacidade de cada tipo de cuidados de saúde “passar culpas” para o outro quando surgem sinais de descoordenação. A ULS reforça, na visão de Fernando Araújo, o foco da atividade do SNS no que faz mais sentido para o cidadão, tem vantagens para os profissionais de saúde, tem melhor resposta em termos de prevenção. Foi igualmente referida a possibilidade de alterar o modo de cálculo de financiamento da ULS, passando a ter maior sensibilidade ao risco da população. O facto do modelo ULS ser conhecido e de rapida aplicação a novas situações também aparenta ter sido um factor que pesou na escolha de avançar (rapidamente). De certa forma, mesmo que não seja um modelo perfeito, o já existir permitir avançar mais rapidamente e ir aperfeiçoando conforme as necessidades. Acaba por ser um critério de oportunidade politica, tendo que haver um trabalho técnico e político de preparação das novas ULS. Creio que também seria importante que fosse perguntado às atuais ULS se as entidades participantes (hospital e ACES) quereriam deixar esse modelo, mesmo que a resposta fique apenas conhecida da Direção Executiva do SNS. Do mesmo modo seria interessante saber que configurações de ULS surgiriam do interesse proprio de cada grupo de entidades do SNS.

O que pensar então da criação de mais ULS? Sendo um modelo interessante, exige algum trabalho de preparação para que funcione. A Direção Executiva do SNS aparenta estar ciente das vantagens e desvantagens do modelo, e a decisão de avançar com essa criação é, provavelmente, melhor do que deixar tudo como está. 

E agora, a sua opinião:

O que diz o chatGPT sobre as unidades locais de saúde?

E agora, algo completamente diferente, ou talvez não: Dado todo o interesse pelo ChatGPT, o bot de inteligência artificial que “está nas bocas de todo o mundo”, decidi fazer-lhe uma breve entrevista sobre as ULS, e o que saiu está abaixo – algumas das respostas são pouco úteis, ou mesmo quase enganadoras. Há ainda um grande caminho a fazer por esta “ferramenta”. Se não tiver interesse na “opinião” condensada da internet por via deste algoritmo, pode parar a leitura aqui.

Q: o que são unidades locais de saúde?

R: As Unidades Locais de Saúde (ULS) são entidades públicas que têm como objetivo garantir a gestão integrada e descentralizada dos cuidados de saúde primários em Portugal. Elas são responsáveis por planejar, organizar e monitorar a prestação de cuidados de saúde básicos, incluindo consultas médicas, cuidados farmacêuticos, vacinação e atendimento às necessidades de saúde mental, entre outros. Essas unidades também têm a tarefa de prestar assistência à comunidade, incluindo atividades de promoção de saúde, prevenção de doenças e intervenções comunitárias. Elas são geralmente compostas por um conjunto de profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, que trabalham juntos para fornecer cuidados de saúde de qualidade à população.

Q: devem ser criadas mais unidades locais de saúde em portugal?

R: A necessidade de criar mais Unidades Locais de Saúde (ULS) em Portugal dependeria de vários fatores, como a densidade populacional, a distribuição geográfica da população e a disponibilidade de recursos humanos e financeiros. É importante levar em conta que a criação de novas ULS deve ser feita de forma estratégica, com o objetivo de melhorar a eficiência e a eficácia dos cuidados de saúde primários, e de reduzir as desigualdades na saúde.

Atualmente, Portugal tem um sistema de saúde público e universal, e as ULS têm desempenhado um papel importante na organização e gestão dos cuidados de saúde primários. No entanto, também há desafios como a escassez de recursos humanos, a falta de infraestrutura adequada e a falta de investimento financeiro. Estes desafios podem afetar a capacidade das ULS de cumprir todas as suas funções, e podem afectar a qualidade e a eficácia dos cuidados de saúde prestados.

Em conclusão, a criação de novas ULS deve ser avaliada com base em uma análise cuidadosa dos necessidades e recursos disponíveis, e deve ser feita em estreita colaboração com as comunidades locais, profissionais de saúde e outras partes interessadas.

Q: as unidades locais de saúde têm melhores resultados de saúde para a população?

R: As unidades locais de saúde (ULS) são consideradas uma estratégia importante para melhorar a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde para a população. Elas têm como objetivo aproximar os serviços de saúde dos cidadãos, oferecendo atendimento mais próximo de suas residências e com maior flexibilidade de horários.

De acordo com a literatura científica, as ULS tendem a ter resultados positivos na saúde da população, como aumento da satisfação dos usuários, diminuição dos encaminhamentos desnecessários para hospitais, melhora na qualidade da atenção primária e redução de custos. Além disso, as ULS podem contribuir para a promoção da saúde e prevenção de doenças, ao oferecer serviços de saúde preventivos e de promoção da saúde para a população.

No entanto, é importante considerar que os resultados podem variar de acordo com o contexto, e a implementação eficaz das ULS depende de fatores como a qualidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, a estrutura física, a disponibilidade de equipamentos e recursos, entre outros. Além disso, é importante avaliar continuamente os resultados das ULS para garantir que elas estejam atendendo às necessidades da população e possam ser aperfeiçoadas se necessário.

Q: qual a principal vantagem das unidades locais de saúde?

R: A principal vantagem das unidades locais de saúde (ULS) é a aproximação dos serviços de saúde à população, o que permite uma maior acessibilidade e flexibilidade de horários. Com isso, as ULS podem oferecer atendimento mais rápido e eficiente para os usuários, melhorando a qualidade do atendimento e a satisfação dos pacientes. Além disso, as ULS têm como objetivo melhorar a continuidade do cuidado e a eficiência na utilização dos recursos do sistema de saúde, o que pode contribuir para a redução de custos.

As ULS também podem contribuir para a promoção da saúde e prevenção de doenças, ao oferecer serviços de saúde preventivos e de promoção da saúde para a população. Isso inclui a realização de exames preventivos, vacinação, orientação sobre estilos de vida saudáveis e outros serviços que podem ajudar a prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida da população.

Além disso, as ULS tendem a ter resultados positivos na saúde da população, como aumento da satisfação dos usuários, diminuição dos encaminhamentos desnecessários para hospitais, melhora na qualidade da atenção primária e redução de custos.

Q: qual a principal desvantagem das unidades locais de saúde?

R: As unidades locais de saúde (ULS) são consideradas uma estratégia importante para melhorar a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde para a população, no entanto, a implementação eficaz das ULS pode depender de fatores como a qualidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, a estrutura física, a disponibilidade de equipamentos e recursos, entre outros.

Uma das principais desvantagens das ULS é a falta de recursos, como falta de profissionais de saúde, falta de equipamentos e falta de estrutura física adequada. Isso pode levar a problemas como longas esperas para atendimento, falta de atendimento para certos procedimentos e falta de acesso a serviços especializados. Além disso, a falta de recursos pode afetar a qualidade do atendimento e a satisfação dos pacientes.

Outra desvantagem é que as ULS podem não estar preparadas para lidar com casos complexos e emergências, e os pacientes podem precisar ser encaminhados para hospitais mais especializados. Isso pode ser um problema especialmente em áreas remotas ou com pouca infraestrutura de saúde.

Além disso, às vezes, as ULS podem não estar adequadas aos contextos sociais e culturais das comunidades em que estão inseridas, o que pode dificultar a sua implementação e a sua eficácia.

Em geral, é importante avaliar continuamente os resultados das ULS para garantir que elas estejam atendendo às necessidades da população e possam ser aperfeiçoadas se necessário.

Q: qual a melhor unidade local de saúde em Portugal?

R: Não é possível afirmar qual é a melhor unidade local de saúde (ULS) em Portugal, pois isso depende de uma série de fatores, como a qualidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, a estrutura física, a disponibilidade de equipamentos e recursos, a satisfação dos pacientes e a eficácia dos programas e serviços oferecidos. Além disso, cada ULS pode ter diferentes desafios e objetivos, dependendo da população e das características da região em que se encontra.

É importante lembrar que as unidades locais de saúde são avaliadas continuamente pelas autoridades de saúde e têm como objetivo melhorar a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde para a população. Por isso, é importante que as ULS estejam sempre se esforçando para melhorar e atender às necessidades da população, e que, para isso, exista uma comunicação eficaz entre as autoridades de saúde, os profissionais de saúde, os pacientes e as comunidades locais.

Q: qual a pior unidade local de saúde em portugal?

R: Não é possível afirmar qual é a pior unidade local de saúde (ULS) em Portugal, pois isso depende de uma série de fatores, como a qualidade e disponibilidade dos profissionais de saúde, a estrutura física, a disponibilidade de equipamentos e recursos, a satisfação dos pacientes e a eficácia dos programas e serviços oferecidos. Além disso, cada ULS pode ter diferentes desafios e objetivos, dependendo da população e das características da região em que se encontra.

É importante lembrar que as unidades locais de saúde são avaliadas continuamente pelas autoridades de saúde e têm como objetivo melhorar a qualidade e acessibilidade dos serviços de saúde para a população. Por isso, é importante que as ULS estejam sempre se esforçando para melhorar e atender às necessidades da população, e que, para isso, exista uma comunicação eficaz entre as autoridades de saúde, os profissionais de saúde, os pacientes e as comunidades locais. É importante ressaltar que não é ético apontar uma unidade específica como a pior, pois isso pode prejudicar a reputação da unidade e dos profissionais de saúde que trabalham lá.

Q: quais os indicadores de desempenho das unidades locais de saúde?

R: Os indicadores de desempenho das unidades locais de saúde (ULS) são utilizados para avaliar o desempenho das ULS em relação aos objetivos e metas estabelecidos para a saúde da população. Alguns exemplos de indicadores de desempenho das ULS incluem:

  1. Taxa de vacinação: avalia a porcentagem de pessoas vacinadas na região de atuação da ULS.
  2. Tempo de espera para consultas e tratamentos: avalia a rapidez com que os pacientes são atendidos e tratados pela ULS.
  3. Taxa de mortalidade: avalia a porcentagem de pacientes que morrem enquanto estão sob os cuidados da ULS.
  4. Satisfação dos pacientes: avalia a satisfação dos pacientes com os serviços e atendimento oferecidos pela ULS.
  5. Adesão ao tratamento: avalia a porcentagem de pacientes que aderem ao tratamento recomendado pela ULS.
  6. Custo dos tratamentos: avalia o custo dos tratamentos oferecidos pela ULS.
  7. Despesas com medicamentos: avalia o custo dos medicamentos oferecidos pela ULS.
  8. Taxa de absenteísmo dos funcionários: avalia a frequência dos funcionários da ULS.
  9. Taxa de turnover dos funcionários: avalia a rotatividade dos funcionários da ULS.
  10. Qualificação dos profissionais: avalia a qualificação dos profissionais de saúde da ULS.

Esses são apenas alguns exemplos de indicadores de desempenho das ULS. Cada ULS pode ter metas e objetivos específicos, e os indicadores de desempenho utilizados podem variar dependendo da situação e contexto.

Q: onde posso encontrar valores para os indicadores de desempenho das unidades locais de saúde em Portugal?

R: Em Portugal, os valores para os indicadores de desempenho das Unidades Locais de Saúde (ULS) podem ser encontrados em diversas fontes, incluindo:

  1. Ministério da Saúde: o Ministério da Saúde publica regularmente relatórios e estatísticas sobre o desempenho das ULS, incluindo dados sobre os indicadores de desempenho. Essas informações podem ser encontradas no site do Ministério da Saúde.
  2. Instituto Nacional de Estatística (INE): o INE publica dados estatísticos sobre a saúde em Portugal, incluindo informações sobre o desempenho das ULS e os indicadores de desempenho. Os dados podem ser encontrados no site do INE.
  3. Organizações de saúde: algumas organizações de saúde, como as administrações regionais de saúde e as unidades locais de saúde, podem publicar relatórios e estatísticas sobre o desempenho das unidades e os indicadores de desempenho.
  4. Organizações internacionais: Organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), podem publicar relatórios e estatísticas sobre o desempenho das ULS em Portugal e em outros países, incluindo dados sobre os indicadores de desempenho.
  5. Dados abertos: Portugal tem dados abertos disponíveis sobre o desempenho das ULS e os indicadores de desempenho, pode-se acessar em sites governamentais ou de organizações internacionais.

É importante notar que a disponibilidade e precisão dos dados podem variar dependendo das fontes consultadas. Certifique-se de que está usando fontes confiáveis ​​e atualizadas.

Q: escreve um ensaio sobre as unidades locais de saúde com 1000 palavras

R: As Unidades Locais de Saúde (ULS) são um importante componente do sistema de saúde em Portugal, tendo como objetivo principal garantir acesso a cuidados de saúde de qualidade à população. Essas unidades são responsáveis por prover cuidados básicos de saúde, incluindo atenção primária, prevenção e promoção da saúde, além de atuar como ponto de referência para a população em relação aos cuidados de saúde.

A criação das ULS teve como objetivo central descentralizar os cuidados de saúde, proporcionando atenção mais próxima e acessível à população, além de melhorar a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde prestados. Isso foi alcançado através de uma estratégia de atenção primária à saúde, que tem como base a atenção à saúde das comunidades e a promoção de estilos de vida saudáveis.

As ULS são compostas por uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde, incluindo médicos de família, enfermeiros, técnicos de saúde e outros profissionais, que trabalham em conjunto para proporcionar cuidados de saúde de qualidade à população. Além disso, as ULS também desempenham um papel importante na promoção da saúde e prevenção de doenças, através de campanhas de sensibilização e programas de promoção da saúde.

As ULS têm se mostrado eficazes em melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados à população, bem como em aumentar a satisfação dos pacientes com os cuidados de saúde recebidos. Isso se deve principalmente à proximidade geográfica das ULS à população, o que permite uma maior facilidade de acesso aos cuidados de saúde, além de uma melhor relação entre os profissionais de saúde e os pacientes.Além disso, as ULS também têm um papel importante na identificação precoce de problemas de saúde, o que permite uma intervenção mais rápida e eficaz, bem como na coordenação dos cuidados de saúde entre os diferentes níveis de atenção. Isso é especialmente importante para pacientes com doenças crónicas, que requerem cuidados contínuos e acompanhamento de longo prazo.

O papel das Unidades de Saúde Local no SNS passa por promover a ligação entre os cuidados primários e os serviços especializados, permitindo o deslocamento com rapidez e eficácia dos doentes, reduzindo tempos de espera. Além disso, estas unidades promovem a articulação entre equipas de saú


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Uma nova esperança, episódio nº76, Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (Janeiro de 2023)

Com a publicação do boletim da execução orçamental de Janeiro de 2023, ficou disponível a informação todo o ano de 2022 quanto aos pagamentos em atraso do hospitais EPE.

O valor do final de ano de 2022 corresponde (uma vez mais) ao valor mais baixo dos últimos anos, e é praticamente nulo. Há como que um colocar a zero dos pagamentos atraso, sendo a primeira vez que ocorre desde que há registo mensal da evolução dos pagamentos em atraso – ver o primeiro gráfico abaixo. Significa que as injeções de verbas foram suficientemente fortes para compensar o crescimento durante o ano.

A boa notícia, que justifica “uma nova esperança”, é que, a partir de agora, o valor dos pagamentos em atraso decorre do que forem as decisões de gestão e de atribuição de orçamento às unidades hospitalares. A capacidade de financiamento público que existiu para “levar a zeros” (ou quase) os pagamentos em atraso, deverá ser usada para garantir orçamentos realistas e exigência de gestão adequada.

Mas se esta é a parte boa dos valores divulgados, referentes ao ano de 2022, é conveniente não esquecer que fora dos meses de final de ano, os pagamentos em atraso continuaram a apresentar uma dinâmica de crescimento constante, apenas interrompida pelas transferências extraordinárias de verbas que permitem reduzir instantaneamente os pagamentos em atraso, que têm voltado sempre ao crescimento habitual. Curiosamente, o mês de novembro de 2022 teve um aumento dos pagamentos em atraso acima do ritmo anterior, quase parecendo que os hospitais do SNS previam que havendo em breve mais verbas, melhor seria colocar em dividas em atraso explicitamente reconhecidas todos os valores ainda não incluídos, qualquer que fosse o motivo.

O segundo gráfico abaixo mostra essa dinâmica que ocorre entre os valores de final do ano (mostrados no primeiro gráfico), evidenciando que o ciclo de redução dos pagamentos em atraso no final de ano (algo que ocorre desde 2017), tem na realidade um ritmo elevado de crescimento (dentro do ano) desses pagamentos em atraso.

Assim, a possibilidade de “uma nova esperança” que se cria com o valor de final de ano de 2022, é temperada pelo risco de se voltar à dinâmica intra-anual a exigir repetido esforço financeiro extraordinário do orçamento do estado. Esse ritmo de crescimento intra-anual é comum as equipas do ministério da saúde desde o Verão de 2015.

Os próximos meses tornarão claro que se houve uma mudança, para a redução estrutural do problema dos pagamentos em atraso, ou se simplesmente houve “porquinho mealheiro” mais cheio no ano de 2022.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 75 – Outubro 2022)

Regressando ao tema dos pagamentos em atraso, os dados referentes a Agosto e Setembro trazem a novidade de “mais do mesmo”, Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2022, o mês de Agosto teve uma quebra nos pagamentos em atraso, mas passado esse momento, logo no mês seguinte, Setembro, retomou-se a tradição de crescimento dos pagamentos em atraso. Ou seja, não foi ainda neste orçamento que houve alteração do dinâmica dos pagamentos em atraso. O gráfico 1 abaixo ilustra essa evolução.

A esperança que ainda existe está agora no próximo orçamento para 2023. Não é apenas uma questão dos valores colocados no orçamento do estado (para uma análise do orçamento do estado para 2023, veja-se aqui), que não garantem total confiança na inversão do processo. A esperança resulta sobretudo no acompanhamento próximo que se antevê se o despacho recentemente publicado for levado a sério. Os pontos fulcrais do despacho são: a) a nova Direção Executiva (representando os hospitais do SNS) negoceia com a Administração Central do Sistema de Saúde até final de março de 2023 o que serão as referências para as atividades (e pagamentos?) a terem lugar em 2024; b) depois de feita essa negociação, os hospitais EPE fazem as suas propostas de Orçamento e de Plano de Atividades e Orçamento (até quando? diz-se apenas que têm de estar aprovados até final do ano de 2023, seria melhor estabelecer uma data, como final de novembro de 2023, para ter em conta a aprovação orçamento do estado?); c) “O acompanhamento e a avaliação dos compromissos assumidos pelos estabelecimentos de saúde EPE são assegurados pela DE -SNS, I. P., em articulação com a ACSS, I. P.”, espero que desde já e não apenas no início de 2023 (e anos seguintes, claro).

Para 2023, o despacho prevê como primeiro passo, “A ACSS, I. P., define e publica os Termos de Referência para Contratualização de Cuidados de Saúde no SNS para 2023, até 28 de outubro de 2022”. Como já passou a data (o despacho tem data de publicação de 03 de novembro, data de assinatura 27 de outubro de 2022), nada como verificar se foi cumprida esta primeira meta. E sim, está cumprida, o documento dos termos de referência para os pagamentos aos hospitais do SNS em 2023 está aqui, como data de 28 de outubro na assinatura do Secretário de Estado. O próximo passo tem como data limite 14 de novembro, mas não é claro se haverá alguma forma de verificação pública de se cumprir (“O processo de negociação e contratualização dos Acordos Modificativos ao Contrato–Programa para 2023 é conduzido pela ACSS, I. P., e pelas Administrações Regionais de Saúde, I. P. (ARS, I. P.), com acompanhamento do diretor executivo do SNS, e deve estar concluído até 14 de novembro de 2022”).

Veremos nos próximos meses como evolui esta situação, e se os mecanismos de acompanhamento da gestão se traduzem numa mudança real da situação. Um primeiro teste à nova equipa no Ministério da Saúde e à Direção Executiva que foi criada será esta evolução, a ser julgada no primeiro semestre de 2023.

Gráfico 1: pagamentos em atraso