Momentos económicos… e não só

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o fechar de um ciclo de trabalho

Healthcare in the EU: Expert Panel on Health publishes 3 opinions and 1 memorandum

Last month, the Commission’s independent Expert Panel which gives non-binding advice on matters related to “effective ways of investing in health”, has adopted three Opinions and one Memorandum related to access to healthcare and healthcare reforms.

The Opinion on Access to Health Services in the European Union identifies policy responses to improve access to health services both at national and EU level. The Opinion emphasises that ensuring equitable access to health services is a multi-dimensional challenge, with no quick fixes. It requires commitment and sustained efforts on several fronts. The EU can provide valuable support to Member States to improve access to health services, but real progress can only be made if Member States are willing to react.

The Opinion on Typology of health policy reforms and framework for evaluating reform effects seeks to guide policy evaluation and design in Member States so that national health reforms lead to the desired goals for health systems. The report stresses that further reforms are needed to ensure greater effectiveness and efficiency of Europe’s health systems, and it recommends a template for evaluating the implementation and impact of said reforms.

The Opinion on Best practices and potential pitfalls in public health sector commissioning from private providers aims to contribute to improved policy making on whether to and how to commission healthcare from private providers within the EU. It finds that commissioning from private healthcare providers is a policy option that needs careful consideration. If chosen, a precise definition on what is to be commissioned and how it will be monitored, are crucial. The Panel stresses the need for strong commissioning bodies and well-designed commissioning processes.

Finally, The Memorandum on “Reflections on hospital reforms in the EU” looks at some of the challenges facing hospitals in the EU and responses that have been applied (e.g. ensuring adequate funding, promoting primary care and a greater shift to outpatient care), and gives reflections that may be useful for analysing and planning changes.


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Resolução da Assembleia da República n.o 98/2016

A Assembleia da República aprovou no final de abril (dia 29), uma resolução com o título “Por um Serviço Nacional de Saúde sustentável, com cuidados de saúde de qualidade e equidade no acesso”.

Esta resolução é toda ela um programa de acção para o Ministério da Saúde, com dezenas de medidas, arrumadas em três áreas: sustentabilidade financeira do SNS, qualidade e equidade no acesso, e melhor saúde (redução de carga de doença, promoção da saúde e prevenção). Há, naturalmente, grandes coincidências com o próprio programa do Governo. E globalmente as medidas serão consensuais.

A parte difícil é porém fazer com que as diferentes medidas não sejam contraditórias entre si, e também estabelecer as prioridades na acção.

Um exemplo, “Aumente a taxa de ocupação de camas hospitalares e da redução da demora média de internamento, designadamente quando se trate de próteses de anca ou acidente vascular cerebral, reforçando a prestação de cuidados domiciliários;” – para o mesmo número de doentes, para o mesmo número de camas, aumentar a taxa de ocupação e reduzir a demora média de internamento cria um problema matemático… Se se aumenta o número de doentes tratados, terá que haver maior financiamento e garantir que o aumento de internamentos é realmente necessário; se for conseguida a redução da demora média de internamento, então para aumentar a taxa de ocupação de camas hospitalares, será necessário reduzir o número de camas. Neste, como noutros casos, por vezes entre medidas, haverá eventuais objectivos contraditórios ou que necessitam de ajustamento noutros aspectos que é forçoso explicitar.

É certo que é uma recomendação da Assembleia da República, mas não basta ter grandes objectivos, e depois enumerar medidas, sem pensar nas restrições de recursos e na compatibilização das diferentes medidas, em termos dos recursos que usam e das prioridades de acção.


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Entrevista do Ministro da Saúde – um comentário

No fim de semana que passou, houve uma primeira grande entrevista do Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes. Como é natural, além de responder às perguntas, há mensagens que procura passar. O tom geral é de prudente firmeza nas ideias. Há uma continuidade em várias matérias (tal como em muitos aspectos os governos anteriores continuaram medidas dos seus antecessores, no campo da saúde há uma maior continuidade de visão e de políticas do que noutras áreas da governação).

O que retirei do que foi afirmado, juntando algumas das afirmações (e comentário quando houver algo a comentar):

  • desmaterialização de processos e receita sem papel
  • centralização das compras e negociação com fornecedores
  • luta contra a fraude
  • reforço da quota de mercado dos genéricos – o comentário aqui é que não é só a quota que conta, se um medicamento original tiver preço similar ao dos genéricos deve contar como genérico (pseudo-genérico, numa proposta de terminologia) para efeitos de impacto sobre o mercado; num inquérito realizado em 2015, um número substancial de pessoas já pedia substituição por genérico na farmácia – acima de 40% nos grupos sócio-económicos mais elevado e mais baixos, sendo menor esse pedido para quem se encontrava no meio da classificação sócio-económica
  • tornar as farmácias menos dependentes dos preços dos medicamentos para ter margem – embora seja certo que os tempos de grandes lucros nas farmácias não retornarão, é correcto procurar este caminho para que não se perca a rede de farmácias (sabendo que inevitavelmente a dinâmica normal leva a que umas fechem e outras abram em substituição; a preocupação deve ser com a rede em geral)
  • Dividas dos hospitais do SNS – parte será uma questão de dotação orçamental, mas parte é uma questão de gestão; não há uma resposta clara, veremos o que se conseguirá fazer.
  • Reforço dos cuidados de saúde primários e linha saúde24 – é consensual que as urgências, nomeadamente as hospitalares, não deverão ser o primeiro ponto de contacto do cidadão com o Serviço Nacional de Saúde. É continuar um movimento que já se notou entre 2013 e 2015 de maior recurso dos cidadãos a situações de consultas programadas. O papel da linha saúde24 tem sido menor do que devia.
  • Redes de referenciação e competição pela qualidade – a qualidade da intervenção pode exigir prática em muitos casos que só se consegue com concentração de actividade (sobretudo nas situações mais raras), mas mais qualidade vai ser também argumento para maior pagamento (e logo maior despesa), será uma tensão a ter em conta certamente.
  • Liberdade de escolha de hospitais – o exercício de liberdade de escolha é mais delicado do que possa parecer em termos de equilíbrio do sistema. O ponto de vista do doente é o mais fácil. Mais complicado será gerir o que sucede se houver um desvio de procura muito significativo de uns hospitais para outros – os que perdem procura, perdem orçamento? os que ganham procura, ganham o orçamento dos que perdem procura? É dito que haverá liberdade de escolha, mas não como se organizam os fluxos financeiros associados (“money follow the patient?”) E se houver excesso de procura num hospital, como são geridos os diversos pedidos?
  • A equidade trata-se na contribuição não no momento de necessidade – de acordo.
  • Relação público – privado – é expresso o receio da relação “predadora do SNS” por parte do sector privado. Aqui creio que será relevante ter em conta que parte do crescimento do sector privado organizado em grupos com hospitais de grande dimensão se deveu também (e em grande medida?) à redução da actividade privada de pequeno consultório privado. Pelo menos, em termos agregados, esse reajuste dentro da esfera privada pareceu estar bastante presente.
  • Parcerias público – privadas – à espera da avaliação da Entidade Reguladora da Saúde. Vale a pena notar aqui que o modelo de parcerias adoptado em Portugal não gerou os problemas que foram encontrados noutros países (incluindo Inglaterra).
  • Papel dos cuidados informais – a concretizar-se as intenções será uma mudança importante no Serviço Nacional de Saúde, no caminho de uma nova visão, que irá ser sobretudo desafiadora no campo de organização (mais do que no campo financeiro).
  • Prevenção e estilos de vida saudável – na linha do ponto anterior, será uma mudança relevante, em termos de filosofia, e na linha do que era proposto no Relatório Gulbenkian liderado por Nigel Crisp.
  • ADSE – não me pronuncio (fica lá para o Verão).

Globalmente, sem anúncios dramáticos, com uma visão (adequada) de evolução em algumas áreas. Dos problemas complicados, como os recursos humanos, a referência à necessidade de reforço de equipas quando os horários voltarem às 35horas, o que também significará, subentende-se, reforço orçamental. A exigência sobre capacidade de entendimento das oscilações de orçamentos para o Serviço Nacional de Saúde daqui a uns anos quando se olhar para esta década vai ser grande.

 

 

Declaração de interesses: Nomeado para a comissão que olha para a situação da ADSE a pedido do atual Ministro da Saúde.


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hoje, na visão online,

uma entrevista rápida sobre os desafios no campo da saúde (original aqui), que reproduzo (obrigado à Ana Margarida Carvalho pelas perguntas :D):

Screen Shot 2016-02-02 at 23.15.16Para o professor Pedro Pita Barros, as medidas anunciadas pelo novo Ministério da Saúde que mais suscitam o agrado mediático são também «as mais voláteis». A manutenção da Maternidade Alfredo da Costa provoca o aplauso da comunidade, mas não é, segundo o professor, a melhor solução a longo prazo. E a permanência de equipas de urgência que evitem os aneurismas não impedirá, avisa, o «evento adverso».

O anúncio de que quatro grandes centros hospitalares da Área Metropolitana de Lisboa irão passar a assegurar, ao fim de semana, as urgências de aneurismas e AVC através de escalas rotativas repõe os níveis de confiança dos utentes nos hospitais públicos?

Há uma diferença entre erro e evento adverso. Nunca será possível em medicina ter 100% de certezas e segurança, e mesmo com equipas em vigilância podem surgir situações extremas. Por exemplo, se houver uma equipa disponível mas surgirem dois casos, como resolver? Por outro lado, em média, há tempos de espera clinicamente aceitáveis para muitas intervenções, mas sempre que se espera pode acontecer algo. Estatisticamente irá sempre acontecer o acidental, nalgum momento.

E como comenta a decisão de o ministro Adalberto Campos Fernandes de não avançar com o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa?

No caso da MAC, estando inserida no centro hospitalar de Lisboa central, e como se planeia construir um novo hospital, associado à circunstância da redução do número de partos na zona de Lisboa, a prazo, o que provavelmente fará sentido é ter uma maternidade moderna no novo hospital. E as equipas atuais da MAC terão toda a vantagem em irem para lá. Logo, não acredito que, a 10 anos, a melhor solução seja manter a MAC como está hoje

Numa perspetiva de política de saúde, já é possível fazer-se uma primeira avaliação das medidas do novo ministério?

O início de novos ciclos políticos leva sempre a uma apreciação dos desafios que se colocam a quem entra. No caso do Ministério da Saúde do XXI Governo, o programa eleitoral foi praticamente todo transportado para o programa do Governo, com ligeiras modificações. E no essencial o programa eleitoral tinha já um perfil relativamente completo. Em termos programáticos, o programa do Governo no campo da saúde segue uma linha geral de desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde, que, com maior ou menor retórica sobre políticas passadas, surge numa continuidade de décadas.

Mas quais os grandes desafios que este novo ministro vai enfrentar?

Desde os anos 2002 a 2005 há três desafios permanentes para o Ministério da Saúde, cuja evolução tem sido mais lenta do que o desejável. E esses desafios são reconhecidos e assumidos pela atual equipa do Ministério da Saúde: finalizar a reforma dos cuidados de saúde primários, com o aumento das unidades de saúde familiar (e simbolizada no objetivo de ter todos os residentes seguidos por um médico de família), finalizar a criação de uma rede dos cuidados continuados, e terminar a reforma hospitalar, iniciada com os hospitais SA, hoje EPE (Entidade Pública Empresarial).

Isso significa abrir mais hospitais?

Não, isso deverá significar muito mais do que apenas abrir ou fechar hospitais: deverão ser criados mecanismos automáticos de melhoria permanente. Não há aqui novidade conceptual, mas terá que haver a arte de encontrar as soluções e os meios necessários para a sua concretização.

Qual o problema mais constante, e ao longo dos vários governos, no nosso Sistema Nacional de Saúde?

Um problema permanente, em muitos lados e também em Portugal, é a existência de áreas menos atrativas para os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, etc). A aposta em mecanismos de mobilidade terá muito provavelmente de ir além de meros complementos salariais, e valerá a pena pensar em ideias diferentes.

Mas se os aumentos salariais não forem incentivos…

Neste ponto, um dos desafios para os novos responsáveis do Ministério da Saúde é conseguir precisamente encontrar modos inovadores de procurar levar profissionais de saúde para áreas geográficas mais desprotegidas. Criatividade na diversidade, dado que o local poderá exigir atuações diferentes, terá de ser parte da solução.

Por várias vezes o Partido Socialista disse que o Sistema Nacional de Saúde estava subfinanciado. Onde se vai buscar o dinheiro?

É um aspeto que a meu ver merece atenção especial, e sobre o qual ainda pouco foi dito. Como se assegurará o equilíbrio financeiro nas diferentes unidades que formam a prestação de cuidados de saúde do SNS? As reposições de cortes salariais vão exigir reforço de verbas, e é verdade que o PS frequentemente argumentou que o SNS estava subfinanciado. Com o novo Governo é de esperar que as organizações de profissionais de saúde venham reclamar novas condições remuneratórias. Quem teve reduções de preços nos bens e serviços de saúde que vende ao SNS durante os últimos anos também procurará algum alívio. Por outro lado, a criação de dívidas em atraso no SNS tem vindo a diminuir desde há praticamente um ano, o que é essencial para uma boa gestão. O equilíbrio na componente orçamental é, por isso, um elemento a seguir com atenção, e quais os mecanismos irão ser utilizados pelo Governo para assegurar esse equilíbrio.


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Programa de Governo e o sector da saúde

Estando para discussão o programa do XXI Governo, a leitura do documento apresentado, no que se refere à área da Saúde, é exactamente igual ao documento que o PS apresentou como programa de Governo. Não encontrei qualquer alteração, até as gralhas persistem (por exemplo, melhoraria da gestão em vez de melhoria da gestão). Com mais graça, é a permanência de uma frase que fazia sentido na proposta de programa de governo e que se torna caricata no programa do governo (“O colapso sentido no acesso às urgências é a marca mais dramática do atual governo”, primeira linha, página 93 do Programa do XXI Governo Constitucional).

Aliás, uma busca no documento pdf por “atual governo” revela o “transporte” de outras críticas ao governo anterior  (que era o “atual governo” quando a proposta foi feita, mas que passou a “anterior governo” no contexto da proposta do novo governo).

Dado que se trata de um documento oficial, outro cuidado de leitura e preparação era adequado.

Mas voltemos ao que se passa na saúde.

Como as medidas são basicamente as mesmas do programa eleitoral do PS, basta-me remeter para os comentários genéricos anteriores (ver aqui). As pequenas alterações que foram introduzidas durante a negociação com os partidos que irão dar suporte parlamentar ao PS não modificaram no essencial essas propostas, até porque havia à partida um consenso geral sobre as grandes linhas de desenvolvimento do sistema de saúde, e do Serviço Nacional de Saúde dentro dele.

Será a prática e as medidas concretas que irão mostrar se há ou não diferenças fundamentais. Será importante não confundir o que serão diferenças de estilo na governação do que serão diferenças de políticas.

O primeiro sinal será dado pelas verbas do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde.

Num outro nível, a marca distintiva que o PS pretendeu ter também é visível no programa de governo, com as referências às desigualdades, nomeadamente no acesso a cuidados de saúde e no peso financeiro que as despesas em saúde possam ter para as famílias. Ora, acompanhar essas realidades não pode ser feito apenas através das reportagens dos orgãos de comunicação social, que podem reflectir casos extremos mas raramente dão conta das grandes regularidades (que tipicamente têm pouco valor noticioso). Uma proposta interessante neste campo seria o Governo estabelecer uma ligação com o INE e com a Organização Mundial de Saúde (que tem procurado construir metodologias de análise destes aspectos) para fazer um acompanhamento estatístico destes aspectos, por exemplo cada dois anos. Ou seja, senti a falta no programa do governo da criação dos instrumentos que permitam conhecer o que é a realidade da principal bandeira distintiva, o combate às desigualdades. O risco é que depois se fique entre a realidade que é mostrada nas visitas locais dos membros do Governo e a realidade que é mostrada nos orgãos de comunicação social.


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mais sugestões de leituras, a propósito do novo governo

Tendo tomado posse o novo governo, a “explosão mediática” destes dias é o escrutínio do pensamento e das histórias passadas dos novos ministros. Bem como dos conselhos e expectativas referentes aos diferentes ministérios. Acaba por ser uma overdose de informação. E decidi dar my two cents em leituras recomendadas.

A primeira, geral, sobre a reforma do estado e da administração pública, é o documento Sextas da Reforma, que recolhe os contributos de um ano de reuniões abertas, patrocinadas pelo Banco de Portugal, Conselho das Finanças Públicas e Fundação Calouste Gulbenkian. Inclui um texto de Maria Manuel Leitão Marques entitulado o Estado Simples, além de muitas outras boas ideias e propostas.

A segunda leitura, direccionada para a área da Saúde, é o relatório Gulbenkian com uma visão para o sistema de saúde português (e na verdade aplicável também a muitos outros países, dado que os problemas de longo prazo não são muito diferentes). A tentativa de colocar as ideias apresentadas na agenda política e num consenso mais formal não resultaram, conforme relata Artur Santos Silva (notícia do jornal Tempo Medicina), mas agora em início de legislatura será mais simples (?) conseguir uma visão comum, que permita políticas de longo prazo.

E por fim, “O Adivinho“, com toda a sua ironia sobre a leitura de entranhas de animais  (leia-se estudos nos dias de hoje) para ver o futuro, e “A Zaragata“.

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uma carta antiga aos novos ministros

Durante os próximos dias, serão examinados ao pormenor os perfis, objectivos, ambições e debilidade dos ministros do novo governo liderado por António Costa. A lista completa dos ministros pode ser vista em praticamente todos os orgãos de comunicação social (por exemplo, aqui).

Na área da saúde, o novo Ministro, Adalberto Campos Fernandes, preparou-se o cargo, e o conhecimento da área é evidente. Ainda assim, é sempre adequado nestas ocasiões relembrar uma carta que António Correia de Campos escreveu a si próprio quando foi nomeado Ministro da Saúde, em 2001, que relembrei em 2011 na altura da posse do então novo governo, e que continua perfeitamente actual. Os tempos de hoje adicionam ainda “reduzir a sensibilidade e a exposição às redes sociais, onde cada pequena onda se transforma numa tempestade, usualmente efémera, de indignação”.

“Carta a um amigo que foi para o Governo

Apresento-te, meu caro F., dez conselhos para poderes melhorar o teu desempenho no novo cargo para que foste nomeado. Espero que os consideres uma prova de amizade.

1. Identifica bem a tua principal missão. Experimenta escrevê-la numa só frase, ainda que longa. Especifica os objectivos e para cada um deles tenta uma análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e riscos) com as cinco pessoas mais chegadas ao gabinete. Ao fim de 2 anos, renova o exercício, como avaliação. Se estiveres globalmente frustrado, pede para sair. Farás um favor ao País, ao Primeiro-Ministro, à tua família e a ti próprio.

2. Segue como única linha de rumo o respeito pelo interesse público, a imparcialidade, a defesa dos que têm menos voz. Não é difícil. Quando a tua agenda coincidir com a das corporações, estarás no mau caminho, já capturado.

3. Aprende a conhecer a Administração e respeita-a. Ela é em geral muito mais competente, confiável, leal e efectiva, do que poderás julgar. Pode ser lenta, mas está lá sempre. Não executes no teu gabinete o que a Administração pode melhor fazer. Farás depressa mas mal e tudo se perderá ao fim de quatro anos. Procura ter um gabinete pequeno e muito competente. Um gabinete de amizades, simpatias, tende para a incompetência, é objecto de zombaria geral. O descrédito propaga-se mais depressa que a confiança.

4. Legisla o menos possível. Temos muitas e óptimas leis. Se possível revoga ou simplifica as más, mas procura inovar o mínimo possível. Usa o mais possível as resoluções do conselho de ministros, para fixar estratégia e articular sectores verticais. Executa com equipas de missão, de vida efémera. Saem mais baratas.

5. Não deixes crescer mais a Administração Central. Pelo contrário procura reduzi-la, aproveitando a oportunidade da desconcentração territorial.

6. Não pretendas caçar na coutada do vizinho. Terás muito que fazer portas adentro. A cobiça de território é um puro instinto animal que o homem tem de aprender a sublimar. E sobretudo procura evitar essa prática recorrente de todos os ministros se sentirem vocacionados para a cooperação com os PALOP. Deixa ao MNE a orientação e poupa em missões numerosas e representação inconsequente. Quando saíres do Governo nada restará, foi tudo fogo-de-artifício. E quando julgaste ter conseguido algo nesta matéria onde não és especialista, será de péssima qualidade. Tenderás sempre a dar o peixe em vez da cana de pesca.

7. Não poupes tempo em leitura e estudo. Não temas as críticas de que há estudos, relatórios, livros brancos em excesso. Eles nunca serão a mais. Nenhum governo passa sem estudos. O progresso não nasce da intuição, mas de anos de trabalho afincado e competente. E se o resultado for transparente e participado, estreita as diferenças entre ti e os que são relutantes às reformas.

8. Viaja o mínimo possível, mas alguma coisa. Dentro do País procura utilizar o comboio. É mais seguro que o automóvel, permite ler e escrever, não viola os limites de velocidade, não é poluente e é económico. Optando pelo comboio dás um sinal da prioridade nacional em comunicações. Comboios rápidos e seguros serão a prioridade nacional para a próxima década.

9. Conversa de vez em quando, com os amigos de cá de fora. Uma vez por semestre recorre ao transporte público para ouvir o povo. Anda a pé sempre que te for possível, pois tenderás a engordar com o stress e a boa comida. Cada vez que viajes ao interior procura ouvir o país profundo, mesmo que seja mediatizado por reuniões partidárias locais. Não guardes esse contacto com o povo apenas para as eleições.

10. Finalmente, deixa que te recomende que não mudes de comportamento. Um nosso amigo comum, com grande experiência de liderança política, costuma dividir os seus amigos, quando vão para o Governo, entre “os que mudam” e “os que não mudam”. Lembra-te de que há eleições em cada 4 anos e os teus amigos de antes podem não ter paciência para esperar 4 ou 8 anos para te reaver. É que, poderás já ser dificilmente recuperável como amigo.

Dito isto, não quero deixar de te desejar felicidades. O teu sucesso será a nossa satisfação”

 


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Saúde e “governance” em Portugal, num estudo do ISCSP

Foi apresentado a semana passada um trabalho sobre avaliação da qualidade da governança, focando na adopção de boas práticas e não avaliação de impacto, por um grupo do ISCSP, liderado por Helena Monteiro. (anúncio disponível aqui). Ou seja, a preocupação é com as características do processo de definição e decisão sobre politicas públicas na área da saúde e não sobre os resultados que possam, ou não, ter produzido.

O enquadramento que usaram é baseado em três referenciais – governança pública, nova gestão pública, modelo weberiano.

Consideram, nesse quadro conceptual, várias dimensões do conceito de boa governança (3 níveis e 4 dimensões – dimensão sistémica, dimensão política, dimensão administrativa, dimensão individual), embora na análise concreta se concentrem no nível meso e na dimensão administrativa.

É definido um conjunto de princípios de boa governança.

  • responsabilização
  • eficácia e eficiência
  • transparência
  • participação dos stakeholders
  • reforçar o estado de direito
  • capacidade de resposta
  • orientação para o consenso
  • equidade e inclusão
  • independência

Tanto quanto foi perceptível da apresentação foram 50 iniciativas, associando a cada uma, no máximo, 3 princípios de boa governação. Como uma iniciativa pode ter mais do que uma área de aplicação, resultaram 86 observações.

A principal conclusão é a adopção de um modelo misto de governação por parte do Ministério da Saúde, com convergência dos paradigmas da nova gestão pública e da governança pública. Como justificação, indicam que da nova gestão pública se encontra a contenção da despesa, controlo, combate à fraude; e da governança pública, os acordos, a preocupação ética, etc.

Encontraram uma predominância dos princípios de transparência e eficácia/eficiência. A transparência por opção da equipa ministerial. A eficácia/eficiência resultante de forma directa do Memorando de Entendimento.

Num segundo nível, surgem a capacidade de resposta, a responsabilização, e o reforço do estado de direito

As relações entre o Ministério da Saúde e outras entidades têm um balanço positivo: Tribunal de Contas, CRESAP, e provedor de justiça, foram as entidades ouvidas. Estas relações enfatizam dimensões do paradigma da nova gestão pública e revelam, segundo os autores do estudo um relacionamento mais denso do que em governos anteriores.

No comentário de João Bilhim, foi referido que sentiu a falta de uma análise da tensão entre valores / princípios.

Embora esperando por ler o resultado final, fiquei com duas perguntas para as quais gostaria de ter mais conhecimento: qual a evolução das dimensões mais relevantes ao longo do tempo? Que aprendizagem ao longo do tempo é revelada pelas dimensões predominantes?

Quando o texto final estiver disponível, será possível fazer uma leitura acompanhada do estudo e suas conclusões.


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Políticas públicas em saúde: 2011-2014

A semana passada fiz a apresentação de um estudo sobre o efeito de algumas políticas públicas adoptadas pelo Ministério da Saúde no período 2011-2014 (ver aqui). “Algumas” é importante, porque aspectos relacionados com recursos humanos, por exemplo, não foram tratados (por definição do âmbito do trabalho), nem aspectos da qualidade (tratados numa análise da OCDE), nem aspectos de reforma hospitalar nem “governance” nas unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde, havendo outros documentos que o fazem.

Caindo no final da campanha eleitoral, era inevitável alguma crítica relacionada com esse momento. Agora, passado esse momento, é tempo de outro tipo de discussão. Nos próximos dias irei fazendo alguns destaques, que completam a apresentação feita e o trabalho jornalístico que foi feito. Por enquanto, a sugestão de leitura da versão final do texto, e para quem quiser conhecer melhor a base do que é afirmado, a consulta do que chamamos volume complementar.

Para encontrar ambos:

Versão final do texto, disponível aqui. (20,8 MB)

Volume complementar, contendo detalhes da discussão apresentada no texto da versão final, disponível aqui. (31,7 MB)


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Estudo para a Ordem dos Médicos (6)

A sétima secção do trabalho para a Ordem dos Médicos foca numa leitura global sobre como foi afectada a qualidade dos cuidados prestados. Estando a atenção focada na qualidade dos cuidados prestados, não é porém definido o que foi apresentado como “qualidade dos cuidados”. Qualidade neste contexto torna-se algo demasiado amplo – qualquer coisa que um médico não goste do que tenha sucedido nos últimos anos pode ser enquadrado como menor qualidade. Sem ser dada uma noção de qualidade, as perguntas devem ser na verdade interpretadas como lendo satisfação com o exercício da profissão. E esta será um aspectos dos mais influenciados potencialmente pela auto-selecção na resposta ao questionário.

Assim, os números devem ser lidos como dizendo que 80% dos médicos sentiu algum impacto no exercício da sua actividade nos últimos anos. Se for esta a melhor leitura, até diria que o valor é baixo face ao que seria esperado encontrar (todos ou quase todos terem sido afectados, sobretudo no sector público).

As respostas merecem algum tratamento adicional, para análise de regularidades que possam estar presentes. Por exemplo, nos hospitais EPE 84% dos médicos dizem que as reformas no SNS já afectaram a qualidade dos cuidados que prestam e 27% considera não ter condições necessárias para tratar os doentes conforme as leges artis. O que deixa um grupo grande que foi afectado mas que nem por isso deixou de poder tratar de acordo com as leges artis. E 85.2% dos médicos que responderam e trabalham nos EPE considera que o SNS não consegue acomodar mais cortes sem comprometer os cuidados prestados, valor elevado mas natural de defesa do status quo, por um lado, e da potencial auto-selecção nas respostas, por outro lado.

Numa apreciação global, os resultados do estudo têm que ser vistos com bastante cuidado por conta da forma como as perguntas foram feitas (ou como se presume que tenham sido feitas uma vez que o questionário usado não foi disponibilizado em anexo ao estudo), e da forma como a amostra se auto-seleccionou. Apesar disso, vários dos resultados são plausíveis no sentido dos efeitos detectados. Sobretudo os que tenham a ver com a experiência directa dos médicos. Mais incertos são os resultados que se baseiam unicamente nas percepções que os médicos possuem.