Momentos económicos… e não só

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e quanto ao crescimento económico?

o INE publicou no dia 31 de maio informação sobre a evolução da economia (ver aqui). Os dois pontos cruciais:

“O consumo privado, em volume, apresentou uma variação homóloga de 2,9% no 1º trimestre de 2016, 0,6 p.p. acima da taxa de variação observada no trimestre precedente.(…) Esta evolução deveu-se sobretudo à aceleração da despesa com bens duradouros, que passou de uma variação homóloga de 7,5% no trimestre anterior para 12,8%, refletindo em larga medida a evolução da componente automóvel. (…)  A FBCF em Outras Máquinas e Equipamentos [leia-se investimento em equipamento em termos não técnicos] também contribuiu negativamente para a evolução da FBCF total, com uma diminuição homóloga de 4,2% (taxa de -4,4% no 4º trimestre).”

Ou de outra forma, o “plano” de crescimento de aumentar o rendimento disponível para consumo traduz-se em importações de automóveis de forma significativa (o que será bom para os stands automóveis, mas sobretudo para os países de onde importamos esses automóveis), e a capacidade produtiva da economia e a sua produtividade vão provavelmente continuar numa rota anémica (senão mesmo descendente). Os desafios à economia portuguesa, e a quem pensa as políticas económicas, aumentam.

Sendo certo que ainda é cedo para avaliar se a estratégica macroeconômica sobre a qual assentam as esperanças do actual governo irá ou não funcionar, estes não deixam de ser sinais que merecem atenção. A tentação de “matar o mensageiro” vai certamente existir. Mas vale a pena recordar que o investimento e o crescimento da produtividade e da economia não se decretam centralmente, e surgem sim de milhares de pequenas decisões de entidades independentes.

É necessário evitar uma atitude comum: a de ver quem estava no anterior Governo como incapaz. Sucedeu isso com a equipa de Passos Coelho e Vitor Gaspar (que dava a sensação de pensar quem o antecedeu como tendo falhado por falta de capacidade técnica), e sucede até certo ponto com a actual equipa governativa, ao usar o argumento de que Portugal não cresce por causa de ausência de estímulo da procura (culpa das “políticas neo-liberais”). Há claramente necessidade de passar para a análise mais profunda de porque não melhora o desempenho económico global em Portugal, e pode-se começar com uma pergunta, aplicável a todos os Governos dos últimos 20 anos: admitindo que todos eram tecnicamente capazes e interessados no crescimento económico do país, porque falharam as sucessivas políticas? (dizer que os agentes económicos não compreenderam o alcance estratégico das medidas não é resposta, dizer que as políticas não foram bem definidas é irrelevante quando se está a julgar a definição pelos resultados, dizer que quem as pensou era incompetente não será suficiente, é preciso ir mais fundo)


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PIB, recuperação económica e políticas

O destaque do INE do final da semana passada (ver aqui) trouxe como novidade a desaceleração do crescimento económico (na verdade, ainda uma tímida reforma), apontando como principais factores menor crescimento das exportações e do investimento.

Esta evolução torna-se preocupante. Apesar da versão oficial da estratégia de crescimento apontar para o estímulo ao consumo privado (apostando em que a falta de crescimento se deve a falta de procura), todos os sinais desde 2000 apontam para que Portugal tenha sobretudo um problema de longo prazo no crescimento da produtividade e dos sectores onde tal poderá suceder. Apenas com esse crescimento da produtividade se terá crescimento económico sustentável. Ora, para que suceda um aumento de produtividade geral na economia dois tipos de movimentos são normalmente necessários: a) aumento da produtividade nas empresas; b) aumento da actividade económica dos sectores mais produtivos. Qualquer um destes movimentos necessita de investimento, e numa perspectiva geral da economia, esse investimento tem que ser guiado pelas perspectivas de retorno económico aos investidores. Ora, a menor dinâmica do investimento é mau sinal para essa renovação. E a menor dinâmica das exportações é mau sinal para “sinalizar” que investimentos serão mais produtivos para o desenvolvimento da economia portuguesa. Neste ponto, devo assinalar que tenho grande desconfiança sobre a capacidade do Governo, de qualquer Governo e não deste em particular, em conseguir “adivinhar” que sectores económicos terão futuro. Aliás, exemplo, pequeno mas nem por isso menos ilustrativo, surgiu no artigo de Nicolau Santos no Expresso do passado fim de semana, em que refere a fundição como uma área onde PMEs portuguesas têm conseguido vingar e onde tem existido investimento estrangeiro que permite maior produtividade e maior capacidade de exportação (os dois aspectos que a nível agregado parecem estar mal). Talvez por esse ser um sector pouco atractivo como sinal de modernidade nos apoios e anúncios públicos tenha conseguido que as decisões de investimento fossem guiadas pela oportunidade económica, e não pela oportunidade política de algum subsídio ou apoio público. Conhecer melhor esses casos poderá dar lições para as políticas públicas.


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Saúde e crescimento económico

Tem vindo a surgir, com frequência crescente, que as despesas em saúde devem ser vistas como um investimento e como um contributo para o crescimento económico. Os argumentos variam entre o lado da oferta (despesas em saúde promovem o desenvolvimento produtivas em saúde) e o lado da procura (despesas em saúde promovem um melhor estado de saúde da população, que por sua vez origina uma população activa mais produtiva e disponível).

Embora o argumento seja atractivo, requere uma validação empírica que tem sido difícil de conseguir com a confiança que o argumento parece conquistar enquanto tal. Um recente trabalho, disponível aqui, faz uma meta-análise de vários estudos.

O principal resultado, referente às despesas públicas em saúde, é que apresentam um efeito negativo sobre o crescimento económico, em regularidade estatística. Utilizam como medida das despesas públicas em saúde o rácio despesa pública em saúde – PIB, e o seu grau de associação com o crescimento do PIB. O efeito negativo encontrado é sobretudo encontrado nos países desenvolvidos. A justificação deste efeito não foi explorada, e a sua existência em média não impede que num país em particular possa haver uma relação positiva.

E, por outro lado, não é pelos efeitos sobre o crescimento económico que se realizam despesas públicas em cuidados de saúde, pelo que este resultado nada diz sobre o nível adequado, ou desejado, de despesas públicas em saúde.

Em qualquer caso, os resultados encontrados obrigam que antes de se argumentar que fazer despesa pública em saúde é também bom para o crescimento económico, se pense na evidência que existe, para cada país em particular.


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perceber as diferenças (2)

No post anterior, dei alguma atenção à comparação entre as estimativa do cenários com e sem propostas do programa do PS com as previsões da Comissão Europeia e do Conselho das Finanças Públicas (que são uma média de várias previsões internacionais). A principal informação retirada dessa comparação é que as estimativas de impacto aparentam ser optimistas (o que não é novidade neste tipo de exercícios, relembro o primeiro documento de estratégia orçamental do actual Governo que criticava os desvios anteriores no crescimento económico previsto e realizado, sendo que depois sucedeu o mesmo tipo de situação).

Trabalhando um pouco mais sobre os valores absolutos, uma vez que é dado o valor do PIB nominal previsto, um indicador que vejo como relevante é o PIB por trabalhador empregue. Apesar de o programa do PS ver o problema de crescimento da economia portuguesa como sendo decorrente de falta de procura, o crescimento da produtividade será essencial para que os níveis salariais possam aumentar de forma sustentada. Tomando o valor do PIB (em termos reais, com aplicação das taxas de crescimento indicadas) a partir de 2015 e dividindo pelo emprego total, pode-se comparar a evolução no cenário inicial e no cenário com as políticas.

Ao fazer este exercício resulta, como seria de esperar, um aumento da produtividade ao longo do tempo, à volta de 1% por ano no cenário com políticas, mas com valores mais elevados, cerca de 1,3% por ano nos dois últimos anos, no cenário inicial. Ou seja, o crescimento da produtividade é menor com a aplicação das políticas propostas. Este é um aspecto que gostaria de ver melhor esclarecido – qual o mecanismo no modelo usado que está na base no abrandamento do crescimento da produtividade?

Evolução do PIB (real) por trabalhador - cenário com políticas e cenário inicial

Evolução do PIB (real) por trabalhador – cenário com políticas e cenário inicial

 

 

Nota final: infelizmente não é possível  comparar as políticas propostas dos dois principais programas candidatos (PS e coligação PàF), pois apenas o PS deu, até ao momento, informação susceptível de ser analisada.

 


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sobre “uma década para Portugal” (15)

Por fim, dentro da Administração Pública, olhemos para “o papel das privatizações e concessões e a regulação do mercado do produto”. O que é chamado de proposta é um texto demasiado longo e difícil de resumir, onde se misturam alguns princípios base com a crítica à actuação do actual Governo.

No caso das privatizações, a discussão de princípio é relevante: a privatização deve maximizar o encaixe financeiro – caso em que o Estado pode criar as chamadas “rendas excessivas” para “engordar o pouquinho”- ou deve contemplar outros objectivos, e neste último caso quais?

De um ponto de vista económico, o melhor standard de julgamento será o que gere maior valor social para os cidadãos / consumidores. É uma versão diferente da usada no relatório que fala em “incorporação tecnológica que beneficie o funcionamento eficiente da economia”. Podem até resultar no mesmo, mas focar nos cidadãos e não na tecnologia ou na empresa é importante.

Quando há alguma concretização de ideias, refere-se “maior poder e independências do supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência”. A sério? mesmo depois da revisão que foi feita durante o período da troika? Os estatutos das entidades reguladoras acabaram de ser revistos. A bem da estabilidade institucional (também é defendida noutros pontos do relatório), é melhor deixar, de momento, as instituições existentes funcionarem. E a independência do regulador depende mais da tentação dos governantes em telefonarem, formal e informalmente, para os reguladores, e de estes estarem mais ou menos ao serviço desses telefonemas, do que de regras.

Já agora, podem-se igualmente evitar algumas frases que parecem mais fortes mas que não são exactas. Por exemplo “Um monopólio privado, sem uma regulação eficaz é seguramente pior do que a manutenção de um monopólio público”, O “seguramente” significa sempre, o que não é verdade, embora geralmente se possa pensar que assim sucede. Um contra-exemplo para esta afirmação é dado pela ineficiência de custos que frequentemente um monopólio público tem. Numa toada mais técnica, se num mercado em que a elasticidade procura – preço é 4 (aumento de 1% no preço significa redução de 4% na procura), então um monopólio privado é equivalente a um monopólio público que faça preços iguais a custos mas tenha custos 33% superiores (nota técnica: custo marginal constante).

Outro ponto que merece um comentário é a proposta de “aumento de poder dos supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência na imposição de medidas preventivas do abuso de posição dominante com base regulamentar”. Ora, se no caso dos reguladores sectoriais, esse tipo de actuação faz parte natural das suas atribuições, por intervirem por antecipação, no caso da Autoridade da Concorrência, em que a grande parte da actuação é monitorização e verificação (sendo a única excepção o controle de operações de concentração), não há forma de ter essa prevenção por regulação em todos os mercados que existem e que não estão sujeitos a regulação sectorial. E o que é proposto é abandonar o princípio de que é sancionado o abuso de posição dominante e não a sua construção.

Problema similar surge quando se apresenta outra proposta “possibilidade dos supervisores e reguladores sectoriais e da Autoridade da Concorrência determinarem separação e venda de actividades de uma empresa, quando esta tenha adquirido uma posição dominante no mercado por integração vertical ou horizontal do processo produtivo” – à partida, se a integração gera preocupações de posição dominante, a Autoridade da Concorrência deveria ter detectado no momento dessa integração. As fusões de empresas são de notificação obrigatória à Autoridade da Concorrência portuguesa (ou à própria Comissão Europeia) quando se ultrapassam determinados critérios (que essencialmente definem que é uma operação importante). E parece pouco provável que a cisão obrigatória de empresas seja um instrumento fácil de usar. Não há casos frequentes disso a nível internacional.

É também proposta “a criação de uma ou várias instâncias arbitrais especializadas em questões de concorrência”, ora existe já um tribunal especializado para questões de concorrência, e talvez de começar por avaliar o quem tem sido ex. experiência.

Se o objectivo geral das diversas intervenções propostas neste campo é o de facilitar o funcionamento da economia, uma sugestão é a de procurar a venda com rapidez dos activos produtivos das empresas que entrem em falência, para estimular entrada de empresas mais eficientes do que aquelas que vão falindo, baixando-lhes o custo de equipamento. Relembro aqui a discussão tida num post inicial sobre este relatório a propósito das empresas nacionais que fecham venderem as suas máquinas no exterior. Aliás, seria interessante saber quantas empresas em recuperação acabam por se salvar e se não seria melhor terminar muitas delas rapidamente.


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sobre “uma década para Portugal” (14)

Ainda dentro do grande chapéu da administração pública surgem dois outros tópicos, “aumento da celeridade, acessibilidade e confiança no recurso à Justiça” e “O papel das privatizações e concessões e a regulação do mercado do produto”.

No caso da Justiça, são-lhe dedicados dois parágrafos, e um conjunto de “bullet points” depois de “A reforma deve assentar nos seguintes eixos essenciais”. Ou seja, pouca ou nenhuma atenção foi dada. Como o tema da Justiça é reconhecidamente importante, é repetidamente incluído nas reformas de cada Governo, para o seguinte voltar ao tema, torna-se necessário procurar melhor a identificação do problema e das soluções para esse problema.

Aproveitando também aqui o trabalho desenvolvido nas Sextas da Reforma, reproduzo o resumo da contribuição de Nuno Garoupa:

“Segundo Nuno Garoupa, a discussão pública sobre o sector da Justiça tem vários mitos que precisam de ser desmontados. Em primeiro lugar, deve salientar-se que a crise da Justiça não é uma particularidade portuguesa, pois está presente nos outros países com ordenamento jurídico similar. Em segundo lugar, solucionar os problemas que existam na área da Justiça não resolve automaticamente os outros problemas da sociedade e da economia. Terceiro, a gestão por objetivos, popular importação de outras áreas, choca com a incapacidade política, por um lado, e com a dificuldade intrínseca de os fixar, por outro lado. A qualidade neste campo é um aspeto dificilmente mensurável. Ou há um investimento na procura e definição cuidada de métricas que possam ser facilmente calculadas, por rotina, ou torna-se necessário procurar outra abordagem.

Toda a história recente revela a incapacidade de produzir no terreno uma reforma (independentemente da bondade da mesma), em que reforma signifique uma alteração substancial na forma como a Justiça opera em Portugal. Nuno Garoupa coloca no governo da Justiça a chave da mudança para um novo paradigma.

Para Paula Costa e Silva, o problema da despesa pública na área da Justiça não é de quanto gastar mas onde gastar, para que sejam produzidos efeitos.

A comparação da eficiência do sistema de Justiça entre países não pode ser feita recorrendo apenas a indicadores, por muito atrativo que esse exercício possa ser. Diferentes opções sobre sistemas processuais geram tempos de decisão distintos. Por isso, é necessário ir aos fundamentos.

A gestão dos recursos humanos é crucial para uma melhor Justiça, em que a noção de carreira e sua gestão chocam com as necessidades do enquadramento criado. Exemplo é a rotação de juízes não especializados entre tribunais especializados.”


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sobre “uma década para Portugal” (13)

Continuando na discussão sobre o sector público, há uma referência ao “desenvolvimento territorial” relativamente breve, onde além das observações genéricas, surge como proposta ” a nível da administração importa reforçar o papel do ministro do desenvolvimento regional e das CCDR”. Também a propósito deste tema remeto para o documento Sextas da Reforma e o contributo de Rui Nuno Baleiras, que inclui este aspecto papel político de alto nível, mas vai além disso: “(…) o território é onde as pessoas e as políticas públicas se encontram e o estado do desenvolvimento dos territórios é reflexo do enquadramento económico, que enfrenta algumas forças de bloqueio. A este propósito, foram transmitidas duas ideias fortes: por um lado, todos os territórios contribuem para o crescimento; por outro lado, a ação política para as regiões periféricas não tem de ser assistencialista, pois pode e deve ser um elemento indutor do crescimento através de políticas estruturais. Negligenciar regiões periféricas significa que se perdem oportunidades de crescimento.

Rui Nuno Baleiras defendeu ainda que os fatores de bloqueio de crescimento não estão apenas nas regiões desfavorecidas, pois há diversos bloqueios institucionais em Portugal. Um dos evidenciados é a perceção sobre as políticas sectoriais sem que se tenha uma visão transversal, o que é agravado pelo facto das questões de desenvolvimento estarem demasiado longe das preocupações do cidadão comum. Como pistas de solução, Rui Nuno Baleiras salientou a promoção de mecanismos de governação horizontal, que traduzam a explicitação de uma visão territorial por parte do Governo (e a importância de haver um responsável político de valor reforçado com esta preocupação), bem como o reforço do peso dos círculos eleitorais com menor densidade territorial.”

De alguma forma relacionado, está o ponto “descentralização e desconcentração dos serviços da Administração Pública”, onde se defende “abrir novas lojas de cidadão, balcões multiserviço, unidades móveis de proximidade e promover a utilização assistida de serviços electrónicos”, utilizando fundos comunitários. No entanto, o mais importante é descobrir qual o mecanismo mais efectivo e com que capilaridade se quer estabelecer a rede de descentralização. Abrir lojas e balcões dedicados implica que haja uma escala mínima, o que por sua vez deixa populações mais remotas afastadas. Porque não pensar num papel a desempenhar pelas juntas de freguesia numa primeira linha, e para resolver problemas mais complexos definem-se canais de comunicação e referenciação eficazes. Levar os serviços para perto das pessoas é a verdadeira descentralização, mas a resolução de problemas mais complexos pode necessitar de uma resposta central.


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sobre “uma década para Portugal” (12)

O relatório “Uma década para Portugal” tem uma quarta área de propostas dedicadas à “promoção das competências técnicas e sociais da Administração Pública”. Neste campo, é desejável que se aproveite a experiência de reflexão das Sextas da Reforma onde diferentes textos e comentários trataram directamente de algumas das questões retomadas neste ponto. Em lugar de (re)inventar tudo, pode-se aproveitar as reflexões de outros para ter um ponto de partida. Como o documento optou por não indicar referências ou fontes de inspiração, tanto pode haver um pensamento estruturado e baseado em evidência por detrás das propostas como haver apenas uns quantos “achismos” e ideias rápidas. Também a conferência Afirmar o Futuro – Políticas Públicas para Portugal, organizada numa parceria entre a Fundação Calouste Gulbenkian e o Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra, tem ideias e propostas que deveriam ser lidas com cuidado.

O primeiro ponto desta conjunto é sobre emprego público, sobre admissões e incentivos na administração pública. O que é dito não traz nada de realmente novo, nem faz pensar de forma diferente. A este propósito, reproduzo algumas das conclusões das Sextas da Reforma, a serem consideradas na apreciação destas propostas:

“Reformas permanentes que geram incapacidade de mudança, ou a instabilidade perversa

As constantes mudanças acabam por ter efeitos perversos, impedindo a consolidação de instrumentos e de objetivos. Nas palavras de Miguel Pina e Cunha, “uma mudança parece ser neutralizada por outra mudança (…) mudanças a mais impedem as alterações de ganhar raízes e de se traduzirem em novas abordagens dotadas da necessária aderência”. (…)

Mudanças que perduram levam tempo a construir

A mensagem de ser necessário tempo para uma construção duradoura de um diferente funcionamento do sector público, e dentro deste do processo orçamental, surgiu associado ao reconhecimento de que demasiada mudança acaba por nada mudar.

(…)

Em geral, leis não ditam de forma tão detalhada como se pensa a forma de trabalhar. Há sempre um elemento de interpretação humana. Primeiro, deve-se ver quanto se pode fazer dentro da legislação vigente, e depois consolidar com legislação o que se conseguiu avançar, antes de continuar com mais passos.”

Há também que pensar numa gestão de recursos humanos moderna dentro da Administração Pública. O princípio de que é preciso atrair profissionais para zonas “desertas” com diferenciação monetária constitui a admissão de o mesmo trabalho feito em diferentes zonas geográficas ser um “serviço económico” diferente. E se usar a diferenciação salarial é um instrumento óbvio e relativamente fácil, há que pensar em mais do apenas incentivos pecuniários – condições e projecto de vida profissional e pessoal, formas de levar a que esses profissionais não fiquem isolados, pensar também em vantagens em mobilidade futura de progressão de carreira, etc.

Esta forma de pensar leva directamente ao que é a segunda proposta, “política salarial e de carreiras” na administração pública, onde se fala novamente apenas nos aspectos salariais, em particular na reposição da redução salarial. O que para uma década ou mesmo uma legislatura, é pouco como pensamento. Mesmo os considerandos sobre “flexibilidade e responsabilidade” dos gestores públicos não traz grande novidade. É necessário concretizar muito mais.

Em primeiro lugar, há que vencer uma natural falta de credibilidade resultante das decisões tomadas durante o período de ajustamento. Qualquer período futuro de crise, com novo resgate ou próximo disso, poderá levar a medidas “excepcionais” que reneguem qualquer compromisso assumido agora. Para ganhar credibilidade será preciso ter passos simples e promessas e regras que sejam cumpridas.

Neste ponto sugiro a leitura do texto do Miguel Pina  e Cunha para o programa  Sextas da Refoma, “Uma burocracia insuficientemente burocratizada? Uma estranha interpretação sobre a administração da Administração Pública”, e  num texto com Arménio Rego, na conferência Afirmar o Futuro, sobre menos mudança para mais mudança (aqui).

Na parte sobre “retoma e aprofundamento das autonomia das instituições públicas”, a sugestão  de discussão é a leitura dos textos de Luis Morais Sarmento e de Orlando Caliço no Sextas da Reforma.

Reproduzindo do documento Sextas da Reforma, “Luís Morais Sarmento apresenta uma proposta de organização dos ministérios que distingue entre a componente de apoio à decisão política e a(s) componente(s) operativa(s), com duas características centrais: redução da fragmentação e tornar cada ministério sectorial o interlocutor orçamental para o Ministério das Finanças (Direção-Geral do Orçamento), em representação e agregando todas as entidades que dele se encontram dependentes. (…) [um] sistema de controlo reforçado (…) [que] assenta em várias linhas: responsabilização política ao nível do ministro de cada pasta; identificação de um responsável pela execução do orçamento do ministério, que seja o único que se relacione com a Direção-Geral do Orçamento; produção e publicação regular por cada instituição pública de uma síntese da sua situação orçamental e perspetivas, numa página A4; definição de um quadro de incentivos ao cumprimento dos compromissos orçamentais, em que ministros têm que assegurar dentro das verbas dos seus ministérios a compensação de quaisquer derrapagens orçamentais que ocorram; e responsabilização acrescida para evitar sobrestimação de receitas que são utilizadas para justificar certas despesas, mas que depois permanecem mesmo quando essas receitas não se materializam.”

A maior novidade, no sentido de ser menos vago, surge no terceiro aspecto “criação de centros de competências”, que basicamente procuram criar sistemas de serviços partilhados por vários pontos da administração pública. Havendo eventual vantagem nalguma concentração dessas actividades, o melhor modelo não é imediato pois podem também surgir problemas com alguma facilidade: ter muitos “chefes” significa confusão e dificuldade em estabelecer prioridades; não é claro se os pedidos a esses centros de competências implicam algum tipo de pagamento, mesmo que internamente à administração pública – é que se não existir, como controlar a sua utilização excessiva?

Também seria útil saber onde está a ser usado e com que resultados.


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sobre “uma década para Portugal” (11)

A terceira área de conjuntos de propostas é a educação, “um sistema educativo para um mundo globalizado”. As propostas apresentadas são bastante triviais. Falta em todas elas uma descrição do impacto que possam nas contas públicas, no investimento, no crescimento económico ou em qualquer outra das variáveis que foram definidas como objectivo. A primeira proposta é de “criação de um quadro docente estável nas escolas”, a segunda é o “aprofundamento das experiências piloto feitas com escolas e no âmbito dos TEIP no sentido de um combate sério ao abandono escolar e à retenção”(pressuponho que TEIP seja territórios educativos de intervenção prioritária (?)) e a terceira “aposta num ensino secundário profissionalizante feito em colaboração estreita entre as escolas e empresas”.

Em qualquer uma destas propostas, seria interessante clarificar que mecanismos ou enquadramentos institucional fazem a disseminação de boas práticas e se deixam depois à liberdade de cada escola a escolha da “melhor prática” que a ela se ajusta. Volta-se também para inevitável (?) modelo de que a ligação ao tecido empresarial é que é, com as palavras do costume (empregabilidade, competências técnicas e transversais, qualificação, etc.). Dado que este discurso é recorrente, o primeiro passo deverá estar em perceber porque ainda não se passou da retórica à prática.

Na verdade, porque é que as empresas de uma região quererão estimular competências transversais e não as competências específicas que lhes interessam? porque terão interesse em ano após ano repetirem este processo? não terão certamente capacidade de empregar todos os alunos que as escolas querem que formem? Se as escolas definem com as empresas da sua região “currículos claramente virados para a empregabilidade”, aceita-se então que o ensino será diferente de área para área? (de outro modo tem-se uma contradição), e se é diferente de área para área, então os alunos deveriam ter informação sobre as diferentes possibilidades e ter mobilidade? (de outro modo, porque é os alunos de uma área geográfica deverão ficar “agarrados” ao que as empresas dessa área definem?) Como é que se garante uma igualdade de oportunidades via ensino com este modelo empresarial?

E se as empresas possuem interesse nestas parcerias, não deveriam também entrar com recursos? e se não têm interesse, como garantir que a parceria funciona bem?

As intenções podem ser boas, mas os detalhes são essenciais para o sucesso. Será que se consegue apresentar a base de evidência para um modelo de organização destas relações que cumpra princípios gerais e que atinja os objectivos pretendidos?

Outras duas propostas no campo do ensino são “reforçar o acesso e a empregabilidade no ensino superior” e “formação ao longo da vida. Também aqui há uma visão geral mais do medidas concretas. E há ideias até com algum interesse, mas sem serem devidamente exploradas. Por exemplo “criar incentivos (…) ponderando consignar uma proporção do IRS pago pelo ex-alunos de cada Universidade ao seu financiamento” (em que condições, durante quanto tempo, e dos ex-alunos que trabalhem no exterior, podem os ex-alunos “bloquear”, com que liberdade podem esses fundos ser usados, isto ainda antes de pensar no valor a transferir).

Na formação ao longo da vida, cai-se nas políticas activas de emprego. Sendo claramente adequada a preocupação com o desemprego de longa duração, o primeiro passo é saber que políticas resultaram ou não. O facto de poder haver propostas neste campo que podem ser concretizadas, a acreditar no que está escrito, com as verbas que “já estão previstas no âmbito dos fundos estruturais”, não significa que estas sejam automaticamente as melhores políticas.


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sobre “uma década para Portugal” (10)

Seguindo a lista de medidas do relatório, a próxima é “redução dos custos com o cumprimento das responsabilidades fiscais”, que tem como pontos de interesse a simplificação do sistema de taxas. Sendo boa ideia simplificar, dois comentários rápidos: não há qualquer ideia do impacto que possa ter nos vários objectivos de interesse. E por outro lado, perde-se a oportunidade de pensar em termos das distorções que são criadas pelas taxas marginais de imposto muito diferentes das taxas médias para níveis de rendimento relativamente baixos (quando comparados internacionalmente). Este aspecto está ligado a um aspecto que foi mencionado a propósito do mercado de trabalho – investimento específico que aumente a produtividade. Do ponto de vista do trabalhador, investir pessoalmente tempo e esforço em ser mais produtivo para passar de um salário de 1500 para 2000 euros por exemplo, significa o quê? se for aumentando em 500 euros qual o seu rendimento liquido adicional (dependerá da taxa marginal de imposto que tenha de pagar e das contribuições para a segurança social); e se for uma passagem de 2000 para 2500 euros? e de 2500 para 3000 euros mensais? Pode-se argumentar que estes não são a maioria dos salários pagos em Portugal, mas se há preocupação com reter profissionais qualificados, ter inovação, etc., os salários líquidos em Portugal irão ser comparados com os que podem ser obtidos fora.

E surge depois a “redução do IVA da restauração de 23% para 13%”. A única forma de entender esta medida é a teimosia política. Não se está a ver onde esta medida aumente a produtividade da economia (a restauração não será uma actividade de elevado aumento da produtividade), nem como consegue aumentar a internacionalização das empresas portuguesas, ou como dá emprego a pessoas com maiores qualificações, ou promove a inovação (bom, há as duas estrelas Michelin do Chef Avillez, mas será esse caminho realmente alcançável e com esta redução do IVA). E porque irá uma taxa menor reduzir a evasão do imposto? (e não deveria a evasão ser combatida de outra forma se for significativa?). Pressupõe também que a redução do IVA se traduz numa transposição de menores preços para os consumidores. De certeza que será assim? ou o mecanismo antecipado é que com menor IVA haverá mais abertura de restaurantes com preços mais baixos?

Nesta medida, preciso de muito mais informação para ficar convencido que tem os efeitos que anunciam que tem.

Da redução do IVA da restauração segue-se para a tributação do património imobiliário. Onde à (tradicional) promessa de simplificação (que com elevada probabilidade ficará à espera dos documentos legais necessários) se propõe uma recalibragem dos valores das taxas. O objectivo parece ser diminuir os custos de mudança de residência própria, que é provavelmente um dos obstáculos a um melhor funcionamento da economia, levando as pessoas para onde há oportunidades de emprego. Embora simpatize com a ideia, há demasiadas perguntas sem resposta, e que provavelmente tenderão a travar qualquer mudança: qual o impacto orçamental? qual o impacto no mercado imobiliário? qual o impacto distributivo? qual o efeito riqueza que provoca via preços das habitações – ao baixar o imposto num certo tipo de habitações, aumenta-se a procura dessa tipologia, o que fará o seu preço subir, o que tem uma redistribuição de riqueza implícita.

Por fim, vem aqui autonomizado o “imposto sobre heranças de elevado valor”, que tinha sido introduzido quando se falou na diversificação das fontes de financiamento da segurança social. É feita uma justificação com base em comparação internacional. Seria interessante que também fosse adicionada informação sobre o que sucedeu quando esses impostos foram introduzidos e saber se as receitas estimadas corresponderam às receitas efectivas do imposto.

A justificação da taxa por comparação com as taxas de IRS é até certo ponto abusiva. A tributação em IRS corresponde a uma tributação de um fluxo. Se as heranças forem em imóveis, por exemplo, como são tributados em IMI, a tributação sobre herança é mais próxima de um imposto sobre aquisição do que de um imposto sobre rendimento. E sendo um stock pagaram-se impostos nos rendimentos que geraram esse stock. Se a herança for poupança está-se a tributar poupança que se queria estimular. No caso dos imóveis, o registo de novos donos por herança será mais complicado (poderão não ter liquidez para fazer o pagamento). Será que foram pensados todos os incentivos que este imposto introduz?