Momentos económicos… e não só

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novela Caixa Geral de Depósitos, episódio ??

Mais um comunicado do Ministério das Finanças (aqui) dando conta do acordo com a Comissão Europeia. Mas há algo que preciso de perceber melhor. Segundo o comunicado:

“O acordo assenta num plano de negócio que garante a competitividade da CGD, reorganizando o banco com o objetivo de recuperar a rentabilidade de longo-prazo através de um aumento de eficiência, redução do custo do risco de crédito e corte de custos.

Do plano de negócio para a recapitalização da CGD faz ainda parte um novo modelo de governação da instituição financeira, bem como uma equipa de gestão com experiência no setor financeiro.

O Plano vai assegurar um retorno adequado para o Estado, em condições idênticas às que seriam aceites por um investidor privado.”

Afinal, os membros da nova equipa que foi anunciado nos media terem que ir fazer cursos de gestão bancária numa instituição fora do país, afinal têm experiência no sector financeiro ou não?

Mas mais importante é outro aspecto: as linhas apontadas no acordo são as mesmas que surgiriam num banco privado; ou seja, pretende-se que as decisões da Caixa sobre crédito – por exemplo – sejam iguais às que seriam tomadas caso o banco fosse privado (“seriam aceites por um investidor privado”); só que então os projectos que serão financiados pela CGD também podem ser financiados pelos bancos privados, pelo que não há qualquer “falha de mercado” que a CGD venha resolver neste aspecto de crédito à economia. E assim sendo, ou é “instrumento de política pública” como alguns defendem que deve ser e não respeita este acordo, ou deixa de ter sentido ser uma instituição pública.

Ou seja, a pergunta que gostava de ver respondida é: qual  a margem para a CGD se comportar diferente de uma instituição privada caso este acordo com a Comissão Europeia seja respeitado?

 

 


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CGD, entrevistas antigas e “heresias”

Neste processo todo à volta da Caixa Geral de Depósitos há, obviamente, uma componente forte de luta política. Ok. Mas há também uma outra parte fundamental, que é o papel da CGD no sistema financeiro português. A propósito das discussões que correm, lembrei-me de uma entrevista antiga de António Nogueira Leite (aqui), que referi aqui). Nessa altura, em dezembro de 2012, a solução de privatizar a CGD seria uma forma de evitar essa instrumentalização.

O que se tem dito e as necessidades de recapitalização da CGD apontam para que a privatização deva ser encarada como uma opção possível. O facto de se saber que haverá sempre dinheiro público para “salvar” o banco público e a pressão política para que “dê crédito à economia” poderá facilmente gerar situações de atribuição de crédito a maus projetos, mesmo que não haja instrumentalização. Se a esse efeito adicionarmos então os riscos de instrumentalização, e a (aparente) incapacidade de ser uma instituição estabilizadora do sistema bancário, a discussão de privatização surge num plano de eficiência do sistema bancário e não num plano ideológico de intervenção do estado (isto é, se  CGD não consegue ser um bom instrumento, não há razão para o manter). A “heresia” da privatização da CGD deverá estar em cima da mesa, em vez de apenas se andar à procura de créditos políticos conjunturais na discussão.

Infelizmente, uma discussão desapaixonada sobre as vantagens e desvantagens de privatização da CGD é bastante improvável (impossível mesmo?)


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Manifestos, de volta…

Foi tornado público um manifesto sobre a banca portuguesa (ver noticia aqui, ver documento aqui). A notícia do DN tem como título “Manifesto contra espanholização”, embora o título oficial seja “Reconfiguração da banca em Portugal – Desafios e Linhas Vermelhas”.

Ao contrário do titulo da noticia do DN, o arranque do documento é contra as entidades europeias que tiveram intervenção no caso BANIF, “obrigando” à sua venda ao Santander, e colocando o destaque final na capacidade de Portugal ter um sistema bancário com autonomia, em lugar de uma subordinação dentro do espaço ibérico (a Espanha, obviamente).

A preocupação com o sistema bancário, e com a concentração crescente num pequeno número de entidades bancários, é adequada. O que não é claro é o caminho a seguir para evitar essa concentração por um lado, e a aversão à concentração em mãos accionistas espanholas, por outro lado.

Devemos ter a capacidade de perceber que os accionistas portugueses desapareceram. Não tiveram a capacidade de escolher gestões que gerassem resultados e que permitissem dar salto qualitativo. Tomemos o Banco Santander. Não foi sempre um banco com a dimensão que tem hoje. E não teve problemas em ter nos seus quadros mais importantes portugueses (como terá de outras nacionalidades que se mostrem igualmente competentes no que fazem). Mesmo no caso do Banif, não sabemos o que teria sido o cenário contrafactual de não ter sido vendido ao Banco Santander.

Quando se funciona em economia de mercado, a “nacionalidade” dos accionistas (e dos gestores) deve seguir a capacidade de gestão. E não assumir que a “nacionalidade” por si assegura o bom caminho. Gostava aliás de saber se há evidência sobre a capacidade de selecção de bons projectos para financiamento, nos últimos dez anos, do BES e do SantanderTotta, como exemplos de dois bancos com accionista nacional (no primeiro caso), e accionista espanhol (no segundo caso). Talvez olhando para a carteira de crédito mal parado que o BES legou ao Novo Banco e para a carteira de crédito mal parado do Banco SantanderTotta se possam tirar algumas conclusões (fica para os especialistas do sector bancário darem a informação).

Neste momento, e face à experiência recente da banca em Portugal, é mais importante ter bancos que consigam fazer uma boa selecção dos projectos de investimento que financiam do que olhar à nacionalidade dos accionistas e dos gestores. E se com uma banca que não tenha accionistas de referência de nacionalidade portuguesa houver melhores decisões, toda a economia sairá a ganhar (talvez não seja verdade para os que seriam os “accionistas” de referência nacionais, em condições preferenciais, mas não é algo que valorize).

Tirando o aspecto da “nacionalidade”, a preocupação com a concentração em poucas entidades bancárias a funcionar em Portugal deve estar presente, e se de um ponto de vista de regulação prudencial se compreenda a preferência por alguma consolidação no sector bancário português, então assegurar um grau de concorrência entre instituições bancárias necessite que se procure ter facilidade de entrada no mercado nacional. A ver se a recente entrada do Bankinter, por saída do Barclays Bank, se traduz numa experiência positiva.

(ps: seria interessante recuperar a periodicidade de manifestos sobre centros de decisão, accionistas, etc, nacionais ao longo dos anos, e os resultados dos mesmos)

 


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Banif Boom! vs. Banif Ooops

Depois de várias noticias sobre o fim do Banif, o pedido de desculpas da TVI (ver aqui ou aqui). E como se pode lançar uma quase corrida aos bancos por um menor cuidado na edição dos rodapés pode resultar em danos reais… normalmente as gralhas abundam nestes rodapés em todos os canais, mas neste caso é mesmo um menor cuidado editorial nas palavras usadas.

É certo que o Banif tem problemas a resolver, mas não tão dramáticos como a noticia inicial fazia correr.

Esta situação mostra também como nos habituamos a ler as noticias de rodapé (estilo noticias twitter na TV), sem esperar pelo desenvolvimento da noticia ou mais informação.

Passou-se do Boom!  “lá foi mais um banco” ao Oops “enganei-me, desculpem lá qualquer coisinha!”.


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Onde está o Wally (o custo do MB Way)?

É voz comum que os portugueses aderem rapidamente a novas tecnologias. E se envolverem telemóveis melhor ainda. E provavelmente por isso a SIBS e os bancos viram uma boa oportunidade quando criaram o MB Way, uma forma de utilizar o telemóvel para pagamentos e transferências. O site é simples, a publicidade está em vários sítios.

Mas, e há sempre um mas nestas coisas, depois de ultrapassados os vários passos de adesão, se o cliente quiser saber o custo de uma operação com esta nova possibilidade tecnológica encontra uma barreira – não se encontra facilmente essa informação.

No site MB Way tem uma frase em “banquês”: “O download e adesão não têm custos. Para saber todas as condições de utilização, consulte o(s) banco(s) emissor(es) do(s) cartão(pões) que vai usar no serviço.” Ok. Cabe aos bancos estabelecerem os preços. Mas podiam ter aqui os links para os sites dos bancos, para o ponto onde informam os clientes dos custos associados, ou não? Bom, correndo pelos sites de vários bancos (os de maior dimensão) não encontrei no preçário ou na informação referente ao MB Way informação sobre quanto custa fazer um pagamento ou uma transferência. Calculo que a resposta seja que existe uma equivalência entre usar o MB Way e uma qualquer transferência ou pagamento definidos no preçário. Uma busca rápida de internet encontrou um útil video do Jornal de Negócios, aqui, que avisa sobre as comissões mais elevadas aplicadas a este serviço face às alternativas, que têm aparentemente grandes diferenças entre bancos e entre fazer a mesma operação via internet ou nas caixas multibanco (o artigo completo em texto está apenas disponível para assinantes do site).

Procurar o custo de utilizar o serviço é como procurar o Wally, e não encontrei (em 15 min, depois desisti). E duvido que quando quiser usar o serviço seja avisado dos custos envolvidos antes de realizar a operação.

Para criar a confiança num novo serviço, a melhor estratégia será “esconder” o respectivo custo para o consumidor?

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De BPI/La caixa a BPI/CaixaBank/NovoBanco

Basta sair um dia para trabalho de investigação na Universitat Autónoma de Barcelona, e logo o CaixaBank se lança a comprar o que lhe falta do BPI.

Em termos de funcionamento do BPI esta operação não altera nada de significativo, a menos da intenção de compra do NovoBanco. Se for esta a intenção subjacente, criar uma entidade suficientemente forte para comprar o NovoBanco, a pergunta interessante é porque se torna interessante primeiro consolidar BPI com CaixaBank e depois “engolir” o NovoBanco, em lugar de primeiro o BPI ou a CaixaBank comprarem o NovoBanco e só depois se juntarem. Aguardemos por novidades nos próximos dias pois certamente esta operação irá ser escrutinada pelas autoridades económicas e pelos concorrentes de mercado e em especial os que também se manifestam interessados no NovoBanco.

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e os resultados são?

há dias coloquei uma rápida questão sobre o que cada um pensava fazer em reação ao Novo Banco (ex-BES, também conhecido como banco bom), e aqui estão os resultados, tipo questionário de verão para responder na praia, abrigado do vento frio:

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BES e grupos familiares

Uma pergunta interessante é quanto dos problemas do grupo Espirito Santo derivam de ser um grupo familiar.

O primeiro aspecto é ter gestão de um banco que se subordina depois aos interesses de um grupo de accionistas que assegura o controlo através de uma cascata de participações. Outro aspecto central: o tempo que se está no topo da gestão da empresa ou do grupo, com pouco escrutínio sobre a qualidade dessa gestão. Estes aspectos foram bem descritos por Ricardo Reis, aqui.

Mas há outros problemas com que grupos económicos familiares se defrontam (uma revisão da literatura aqui), bem como vantagens. Curioso que entre as vantagens se apontem as ligações políticas – que terão “falhado”, ao não haver o sim político a que a CGD emprestasse ao Grupo Espirito Santo –

Outras vantagens, como capital humano e visão de longo prazo, têm que ser vistas também no contexto da economia em que se está. Restringir a gestão do grupo económico à família é “exigir” que o talento de gestão dentro da família seja maior do que o talento que poderá ser encontrado no exterior, no “mercado”, e quanto maior for a educação em geral da população, mais difícil será que essa vantagem de manter a gestão dentro da família seja duradoura.

Por fim, a visão de longo prazo, ao manter um negócio de família com a perspectiva de ser um legado para as gerações futuras, poderá evitar-se tomar decisões de curto prazo com custos para a sobrevivência no longo prazo. Não conheço o suficiente do Grupo Espirito Santo para saber se as regras internas dentro da família asseguram essa visão de longo prazo a quem está à frente do grupo, ou apenas garantem o interesse nos resultados durante o período que está à frente.

De um ponto de vista mais científico, há neste caso do grupo Espirito Santo material interessante para ser estudado também pelos outros grupos de natureza familiar de grande dimensão em Portugal.


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BES e supervisão bancária

Uma das características do caso BES tem sido as críticas à actuação dos reguladores, nomeadamente ao Banco de Portugal (e num segundo nível à CMVM). Embora compreenda a tentação de criticar essas entidades, encontro alguma dificuldade em compreender a substância em muitas das criticas. Supervisão e regulação não são formas de gestão pública de entidades privadas. Não se pretendem substituir às decisões privadas. Não têm como objectivo evitar erros de gestão dos bancos privados. Têm como objectivo definir um enquadramento claro para o desenvolvimento das actividades bancárias, de verificar que esse enquadramento é respeitado e de penalizar quando não é.

No caso do BES / Grupo Espirito Santo, há também que incluir aqui entidades de supervisão de outros países, dado que existem holdings com sede no exterior, ou participadas com problemas noutros países (BES-Angola).

A determinação do momento certo de intervenção é sempre delicada. Esta discussão fez-me relembrar uma outra a propósito do momento de intervenção no caso BPN, e que reproduzo abaixo.

Pontos essenciais, que recupero a) haver necessidade de intervenção não é sinónimo de falha na supervisão; e, b) existe o risco de intervenção “demasiado cedo”.

Apontar o dedo ao regulador porque não fez a microgestão das entidades reguladas, neste caso o BES, é algo excessivo. As perguntas que se devem fazer é 1) se as regras de regulação deveriam ser diferentes? (e podem ser diferentes no quadro europeu?) 2) se a intervenção deveria ter ocorrido mais cedo.

Não creio que a resposta a qualquer das duas revele um clamoroso erro das entidades de supervisão.

Na minha leitura da cronologia, foi a intervenção (discreta, de bastidores) do Banco de Portugal que levou à necessidade de aumento de capital do BES, que obrigou a revelar a situação do grupo e os problemas com o BES Angola, e foi a recusa do poder político em instrumentalizar (dar apoio público) a CGD no apoio ao grupo Espirito Santo que tornou públicas as dificuldades (e levou no arrasto a PT com uma decisão que surge cada vez mais como de “favor” a um accionista e que teve já custos na operação de fusão com a brasileira Oi). A tentativa de obter uma solução de “economia de mercado” em vez de penalizar os contribuintes, directa ou indirectamente, já ou no futuro, parece não estar a resultar apenas com a mera mudança de gestão no BES. Mas tal não é uma falha de supervisão.

A decisão rápida deste fim de semana de cindir o BES em dois demonstra que esta possibilidade já devia estar a ser pensada (não se monta certamente em dois dias – identificar claramente o que são os activos “bons” e “maus” não se faz num par de horas), com a recolha da informação necessária; não resolve o problema do grupo Espirito Santo, mas essa não é a função do regulador prudencial (Banco de Portugal). Será que agora vai ser acusado de ter agido demasiado rápido?

 

Do passado, no Blog SEDES, 11 de Julho de 2009:

BPN, Parlamento e Banco de Portugal

Cada vez com maior frequência não compreendo o que se passa neste país.

Não estava à espera de ouvir o Governador do Banco de Portugal comentar os resultados da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o BPN.

É certo que o Governador foi duramente atacado no decorrer do inquérito. É certo que muito do que foi dito
sobre a supervisão bancária é despropositado.

Mas globalmente, e dentro do espectáculo politico a que nos habituaram no Parlamento, a condução da comissão até foi realizada com alguma sobriedade. Se houve alguns excessos, a existência desta comissão também contribuiu
para a ideia de que não poderá haver impunidade para quem tiver cometido fraudes, e que a informação não surge apenas por fugas de informação para os jornais.

A reacção agora do Governador do Banco de Portugal parece trazer apenas o sabor de quem se sentiu injustamente atacado (e repito, em vários aspectos isso pareceu-me ser verdade), e dele esperaria um maior distanciamente emocional.

10 comentários até agora

10 Comentários para “BPN, Parlamento e Banco de Portugal”

  1. Pascoala 11 Jul 2009 as 12:38

    Ressabiado é o termo.

  2. ricardo saramagoa 11 Jul 2009 as 16:12

    Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
    A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
    Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
    Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
    Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.

  3. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 8:06

    Ricardo,

    Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
    a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
    Vitor Constâncio deixou-se levar para ela

    b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
    que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?

  4. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 16:24

    Caro Pedro

    È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.

    Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.

    Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.

    Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?

  5. José Telesa 12 Jul 2009 as 16:24

    Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.

    Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.

    Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.

    Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.

    A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.

    Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.

    Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.

    Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.

    Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com

  6. Pedro Pita Barrosa 12 Jul 2009 as 17:59

    Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
    a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
    informação que estava então disponível.

    b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação

    Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
    – que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
    – que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
    – que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão

    Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
    em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.

  7. ricardo saramagoa 12 Jul 2009 as 18:39

    As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:

    Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
    Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
    será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
    Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?

  8. José Telesa 16 Jul 2009 as 20:53

    Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.

    (Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)

    (1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);

    (2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;

    (3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.

  9. Pedro Pita Barrosa 16 Jul 2009 as 20:59

    Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.

    Concordamos em discordar neste caso.

    Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.


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BES passa a Novo Banco + BES – e depois?

Da leitura da resolução do banco de portugal, disponível aqui,  pontos chave

da motivação para a intervenção:

a) resultados negativos piores do que esperado

b) desobediência das determinações do Banco de Portugal pela anterior gestão

c) incapacidade de obter fundos privados necessários face à incerteza sobre os “buracos” que ainda possam existir

d) ameaça à estabilidade do sistema financeiro: “Dada a relevância da instituição no conjunto do sistema bancário e no financiamento da economia, estes problemas punham em causa a estabilidade do sistema de pagamentos e do sistema financeiro nacional”.

comentário/perguntas: qual a importância relativa de cada aspecto? a alínea c) significa a incapacidade de fazer aumento de capital, ou incapacidade imediata de obter financiamento no mercado interbancário? a alínea b) não deverá ter consequências criminais? os actos praticados em desobediência são integralmente válidas? qual o papel dos outros accionistas do banco? (afinal o grupo Espirito Santo controla(va) apenas uma parte do capital)

da solução

a) preservam-se os clientes e os trabalhadores – “Nada muda para os clientes. Os clientes podem realizar todas as operações como habitualmente e sem perturbações. O conteúdo das relações contratuais com os clientes permanece inalterado. Os balcões do Novo Banco, que manterão para já a marca e o logotipo do BES, e os serviços de banca telefónica e de homebanking continuarão a funcionar regularmente. Todos os colaboradores do BES passam a ser colaboradores do Novo Banco, com salvaguarda dos seus direitos.”

Ou seja quem tem depósitos continua a tê-los e a poder movimentar as suas contas; quem tem créditos à habitação continuará a ter que pagar as prestações, e por ai fora.

Os trabalhadores, de momento, não sofrem alteração na sua situação. Esta será provavelmente uma fase de transição para eles.

b) o contribuinte não vai ter que contribuir: “esta operação não envolve custos para o erário público.”

c) os accionistas suportarão as perdas: “as perdas relacionadas com os ativos problemáticos serão suportadas pelos acionistas e credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.” e os activos problemáticos “correspondem a responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo e às participações no Banco Espírito Santo Angola, S.A., por cujas perdas respondem os acionistas e os credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.”

d) de onde vem o dinheiro? do fundo de resolução! quem financia o fundo de resolução? “Os recursos do Fundo de Resolução são provenientes do pagamento das contribuições devidas pelas instituições participantes no Fundo e da contribuição sobre o setor bancário, que, de acordo com o normativo aplicável, são cobradas sem pôr em causa os rácios de solvabilidade.” Sobre o fundo de resolução, ver aqui para mais detalhes. Mas o fundo de resolução tem cerca de 380 milhões de euros, são precisos 4 900 milhões de euros – os outros bancos irão contribuir até 500 milhões e o estado com 4 400 milhões de euros. O fundo de resolução pede um empréstimo ao estado: “Fundo contraiu um empréstimo junto do Estado Português. O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução será temporário e substituível por empréstimos de instituições de crédito.” Afinal  o erário público poderá vir a ter custos? se o pagamento de juros pelo empréstimo pelo banco ao fundo e por este ao estado for superior aos juros da dívida pública, então o erário público poderá até beneficiar. Mas essa informação sobre as taxas de juro não está disponível.

 

O que fica ainda por saber:

a) quem vão ser os accionistas do Novo Banco e como vão ser determinados? (será uma venda do Novo Banco tão rápida quanto possível?)

b) quem vai gerir o BES que fica, com que mandato e durante quanto tempo? (vão os accionistas actuais ter capacidade de decisão sobre isso? não deveria ser eles a encontrar a solução? o “risco sistémico” supostamente estará associado com o NovoBanco, por isso qual o risco para o sistema financeiro de este BES emagrecido ser gerido pelos accionistas? – é que se não desapareceu o riso sistémico, porquê ter esta solução; se desapareceu, porque não serem agora os accionistas privados a tomar conta e encontrar uma solução?)

c) em que é que esta solução é diferente de uma falência do banco (e é)? rápida passagem dos activos e passivos produtivos para outra entidade para não ser perder o tempo das batalhas jurídicas de falência + accionistas a perderem todo e qualquer direito sobre a actividade com valor realizada pelo BES?

d) se for vendido o Novo Banco, qual o destino da respectiva receita? (pagar o empréstimo ao estado português?!)

e) quais os horizontes temporais dos próximos passos?

f) com esta solução evitou-se uma “corrida” ao BES, mas conseguiu-se mesmo devolver a confiança aos clientes? da resposta a esta pergunta dependerá o valor do que vier a seguir – se a confiança estiver perdida, a venda e integração noutra entidade bancária será a solução que resta, e mais vale adoptá-la rapidamente do que ter o estado a colocar dinheiro sucessivamente para no final ser essa de qualquer modo a solução.

g) e os accionistas que acorreram ao aumento de capital há pouco tempo? não se sentirão enganados? terão base legal para alguma acção e contra quem?

 

Tentações a evitar:

a) não vender pelo melhor preço tão rápido quanto possível

b) o Banco de Portugal fazer a gestão do Novo Banco de forma permanente, ainda que indirectamente

 

Por fim, dizer que não custa nada ao erário público só será possível se o empréstimo ao Novo Banco (e apenas este deve ser incluído) for reembolsado e pagar juros acima dos da dívida pública.