Da leitura da resolução do banco de portugal, disponível aqui, pontos chave
da motivação para a intervenção:
a) resultados negativos piores do que esperado
b) desobediência das determinações do Banco de Portugal pela anterior gestão
c) incapacidade de obter fundos privados necessários face à incerteza sobre os “buracos” que ainda possam existir
d) ameaça à estabilidade do sistema financeiro: “Dada a relevância da instituição no conjunto do sistema bancário e no financiamento da economia, estes problemas punham em causa a estabilidade do sistema de pagamentos e do sistema financeiro nacional”.
comentário/perguntas: qual a importância relativa de cada aspecto? a alínea c) significa a incapacidade de fazer aumento de capital, ou incapacidade imediata de obter financiamento no mercado interbancário? a alínea b) não deverá ter consequências criminais? os actos praticados em desobediência são integralmente válidas? qual o papel dos outros accionistas do banco? (afinal o grupo Espirito Santo controla(va) apenas uma parte do capital)
da solução
a) preservam-se os clientes e os trabalhadores – “Nada muda para os clientes. Os clientes podem realizar todas as operações como habitualmente e sem perturbações. O conteúdo das relações contratuais com os clientes permanece inalterado. Os balcões do Novo Banco, que manterão para já a marca e o logotipo do BES, e os serviços de banca telefónica e de homebanking continuarão a funcionar regularmente. Todos os colaboradores do BES passam a ser colaboradores do Novo Banco, com salvaguarda dos seus direitos.”
Ou seja quem tem depósitos continua a tê-los e a poder movimentar as suas contas; quem tem créditos à habitação continuará a ter que pagar as prestações, e por ai fora.
Os trabalhadores, de momento, não sofrem alteração na sua situação. Esta será provavelmente uma fase de transição para eles.
b) o contribuinte não vai ter que contribuir: “esta operação não envolve custos para o erário público.”
c) os accionistas suportarão as perdas: “as perdas relacionadas com os ativos problemáticos serão suportadas pelos acionistas e credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.” e os activos problemáticos “correspondem a responsabilidades de outras entidades do Grupo Espírito Santo e às participações no Banco Espírito Santo Angola, S.A., por cujas perdas respondem os acionistas e os credores subordinados do Banco Espírito Santo, S.A.”
d) de onde vem o dinheiro? do fundo de resolução! quem financia o fundo de resolução? “Os recursos do Fundo de Resolução são provenientes do pagamento das contribuições devidas pelas instituições participantes no Fundo e da contribuição sobre o setor bancário, que, de acordo com o normativo aplicável, são cobradas sem pôr em causa os rácios de solvabilidade.” Sobre o fundo de resolução, ver aqui para mais detalhes. Mas o fundo de resolução tem cerca de 380 milhões de euros, são precisos 4 900 milhões de euros – os outros bancos irão contribuir até 500 milhões e o estado com 4 400 milhões de euros. O fundo de resolução pede um empréstimo ao estado: “Fundo contraiu um empréstimo junto do Estado Português. O empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução será temporário e substituível por empréstimos de instituições de crédito.” Afinal o erário público poderá vir a ter custos? se o pagamento de juros pelo empréstimo pelo banco ao fundo e por este ao estado for superior aos juros da dívida pública, então o erário público poderá até beneficiar. Mas essa informação sobre as taxas de juro não está disponível.
O que fica ainda por saber:
a) quem vão ser os accionistas do Novo Banco e como vão ser determinados? (será uma venda do Novo Banco tão rápida quanto possível?)
b) quem vai gerir o BES que fica, com que mandato e durante quanto tempo? (vão os accionistas actuais ter capacidade de decisão sobre isso? não deveria ser eles a encontrar a solução? o “risco sistémico” supostamente estará associado com o NovoBanco, por isso qual o risco para o sistema financeiro de este BES emagrecido ser gerido pelos accionistas? – é que se não desapareceu o riso sistémico, porquê ter esta solução; se desapareceu, porque não serem agora os accionistas privados a tomar conta e encontrar uma solução?)
c) em que é que esta solução é diferente de uma falência do banco (e é)? rápida passagem dos activos e passivos produtivos para outra entidade para não ser perder o tempo das batalhas jurídicas de falência + accionistas a perderem todo e qualquer direito sobre a actividade com valor realizada pelo BES?
d) se for vendido o Novo Banco, qual o destino da respectiva receita? (pagar o empréstimo ao estado português?!)
e) quais os horizontes temporais dos próximos passos?
f) com esta solução evitou-se uma “corrida” ao BES, mas conseguiu-se mesmo devolver a confiança aos clientes? da resposta a esta pergunta dependerá o valor do que vier a seguir – se a confiança estiver perdida, a venda e integração noutra entidade bancária será a solução que resta, e mais vale adoptá-la rapidamente do que ter o estado a colocar dinheiro sucessivamente para no final ser essa de qualquer modo a solução.
g) e os accionistas que acorreram ao aumento de capital há pouco tempo? não se sentirão enganados? terão base legal para alguma acção e contra quem?
Tentações a evitar:
a) não vender pelo melhor preço tão rápido quanto possível
b) o Banco de Portugal fazer a gestão do Novo Banco de forma permanente, ainda que indirectamente
Por fim, dizer que não custa nada ao erário público só será possível se o empréstimo ao Novo Banco (e apenas este deve ser incluído) for reembolsado e pagar juros acima dos da dívida pública.
Gostar disto:
Gosto Carregando...
Ressabiado é o termo.
Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.
Ricardo,
Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
Vitor Constâncio deixou-se levar para ela
b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?
Caro Pedro
È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.
Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.
Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.
Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?
Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.
Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.
Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.
Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.
A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.
Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.
Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.
Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.
Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com
Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
informação que estava então disponível.
b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação
Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
– que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
– que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
– que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão
Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.
As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:
Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?
Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.
(Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)
(1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);
(2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;
(3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.
Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.
Concordamos em discordar neste caso.
Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.