Uma das características do caso BES tem sido as críticas à actuação dos reguladores, nomeadamente ao Banco de Portugal (e num segundo nível à CMVM). Embora compreenda a tentação de criticar essas entidades, encontro alguma dificuldade em compreender a substância em muitas das criticas. Supervisão e regulação não são formas de gestão pública de entidades privadas. Não se pretendem substituir às decisões privadas. Não têm como objectivo evitar erros de gestão dos bancos privados. Têm como objectivo definir um enquadramento claro para o desenvolvimento das actividades bancárias, de verificar que esse enquadramento é respeitado e de penalizar quando não é.
No caso do BES / Grupo Espirito Santo, há também que incluir aqui entidades de supervisão de outros países, dado que existem holdings com sede no exterior, ou participadas com problemas noutros países (BES-Angola).
A determinação do momento certo de intervenção é sempre delicada. Esta discussão fez-me relembrar uma outra a propósito do momento de intervenção no caso BPN, e que reproduzo abaixo.
Pontos essenciais, que recupero a) haver necessidade de intervenção não é sinónimo de falha na supervisão; e, b) existe o risco de intervenção “demasiado cedo”.
Apontar o dedo ao regulador porque não fez a microgestão das entidades reguladas, neste caso o BES, é algo excessivo. As perguntas que se devem fazer é 1) se as regras de regulação deveriam ser diferentes? (e podem ser diferentes no quadro europeu?) 2) se a intervenção deveria ter ocorrido mais cedo.
Não creio que a resposta a qualquer das duas revele um clamoroso erro das entidades de supervisão.
Na minha leitura da cronologia, foi a intervenção (discreta, de bastidores) do Banco de Portugal que levou à necessidade de aumento de capital do BES, que obrigou a revelar a situação do grupo e os problemas com o BES Angola, e foi a recusa do poder político em instrumentalizar (dar apoio público) a CGD no apoio ao grupo Espirito Santo que tornou públicas as dificuldades (e levou no arrasto a PT com uma decisão que surge cada vez mais como de “favor” a um accionista e que teve já custos na operação de fusão com a brasileira Oi). A tentativa de obter uma solução de “economia de mercado” em vez de penalizar os contribuintes, directa ou indirectamente, já ou no futuro, parece não estar a resultar apenas com a mera mudança de gestão no BES. Mas tal não é uma falha de supervisão.
A decisão rápida deste fim de semana de cindir o BES em dois demonstra que esta possibilidade já devia estar a ser pensada (não se monta certamente em dois dias – identificar claramente o que são os activos “bons” e “maus” não se faz num par de horas), com a recolha da informação necessária; não resolve o problema do grupo Espirito Santo, mas essa não é a função do regulador prudencial (Banco de Portugal). Será que agora vai ser acusado de ter agido demasiado rápido?
Do passado, no Blog SEDES, 11 de Julho de 2009:
BPN, Parlamento e Banco de Portugal
Cada vez com maior frequência não compreendo o que se passa neste país.
Não estava à espera de ouvir o Governador do Banco de Portugal comentar os resultados da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre o BPN.
É certo que o Governador foi duramente atacado no decorrer do inquérito. É certo que muito do que foi dito
sobre a supervisão bancária é despropositado.
Mas globalmente, e dentro do espectáculo politico a que nos habituaram no Parlamento, a condução da comissão até foi realizada com alguma sobriedade. Se houve alguns excessos, a existência desta comissão também contribuiu
para a ideia de que não poderá haver impunidade para quem tiver cometido fraudes, e que a informação não surge apenas por fugas de informação para os jornais.
A reacção agora do Governador do Banco de Portugal parece trazer apenas o sabor de quem se sentiu injustamente atacado (e repito, em vários aspectos isso pareceu-me ser verdade), e dele esperaria um maior distanciamente emocional.
Ressabiado é o termo.
Desde que me lembre, o Banco de Portugal foi uma instituição respeitada e que sempre primou pela sua imagem de independencia e rigor tecnico.
A actuação deste governador tem vindo a destoar do passado do banco, pelas imprudentes participações em manobras políticas (quem não se lembra do famoso “cálculo do défice”) e pelo apoio ao governo em declarações e omissões públicas muitas vezes despropositadas para o seu cargo.
Ao queixar-se agora de o terem envolvido na luta política, está a colher os resultados da sua falta de independência e está a confundir a sua pessoa com a instituição.
Os factos demonstram que a supervisão falhou e, como mais alto responsável, deveria o governador assumir as falhas e propor as medidas correctivas necessárias.
Ao recusar a evidência e ao continuar a alimentar a polémica política, está o governador a prejudicar a instituição e a demonstrar que não tem de facto a independência e a discrição que o cargo exige.
Ricardo,
Há, na discussão, dois aspectos que me parecem muito diferentes:
a) o envolvimento no calor da luta politica – e aqui, com esta última intervenção,
Vitor Constâncio deixou-se levar para ela
b) falha de supervisão – é fácil depois de conhecidos os problemas argumentar
que houve falha de supervisão – devia ter existido intervenção mais cedo do que sucedeu; mas em cada momento, com os dados disponíveis, o Banco de Portugal tem também que ponderar se ao agir não provoca outra falha – intervir quando não se justifica essa intervenção. A supervisão bancária recebeu menos importância do que deveria por parte do Banco de Portugal? possivelmente, mas daí não se pode concluir que houve falha grave de supervisão. O que se diria se o Banco de Portugal sugerisse a nacionalização de um banco que depois se revelasse não ter qualquer problema?
Caro Pedro
È de facto mais fácil à posteriori tirar conclusões e por isso mesmo é que hoje os resultados demonstram que a supervisão não foi eficaz.
Agora, em vez de negar a evidencia, seria inteligente e constructivo corrigir o que falhou, para prevenir futuras falhas da mesma natureza.
Não devemos contaminar as análises e o estudo das soluções com os melindres pessoais e a procura de bodes expiatórios, mas é preocupante que o governador continue a negar que a supervisão não foi eficaz.
Se “tudo correu bem”, então não há razão para melhorar a supervisão de forma a prevenir casos semelhantes no futuro.E então como podemos confiar no nosso sistema financeiro?
Gostava de passar algum tempo sobre o assunto dos dados disponíveis.
Eu nunca estive ligado à supervisão bancária, confesso. Mas se estivesse, eis o que faria.
Em casos como o BPN, qualquer pessoa que trabalhasse no meio financeiro em Portugal poderia adiantar ao Banco de Portugal que o BPN era uma instituição sem estratégia, sem factores de diferenciação, a trabalhar um mercado altamente concorrencial.
Não é preciso ser um génio da finança para entender que o BPN não tinha hipóteses de sobrevivência. Neste caso, haveria que perguntar como estaria de facto a sobreviver. Para colocar esta pergunta basta viver em Lisboa e tomar café com duas ou três pessoas do meio bancário para ficar a par. Ninguém entendia como o BPN sobrevivia.
A próxima fase seria um pedido de documentação. O Banco de Portugal teria que entender o BPN suficientemente bem para estar convencido que o banco não iria representar um potencial problema. Para tal, devia ter elaborado uma lista de perguntas e um pedido de documentação.
Se no final das suas perguntas o Banco de Portugal chegasse à conclusão que não haveria problema tendo também em conta a documentação, tudo bem. Respostas menos boas ou falta de informação seriam motivo para mais preocupação e para medidas correctivas.
Existem inúmeras medidas correctivas que poderiam ter sido tomadas pelo Banco de Portugal. O que mais critico no caso BPN foi a atitude “tudo ou nada” do Banco de Portugal. Não se fez nada e depois nacionalizou-se. Por isso o argumento do risco de nacionalizar um banco que revelasse não ter problema, para mim, não faz sentido.
Para além disso, parece-me que se tratava de um caso para invocar princípios de boa gestão bancário e alegar que o BPN não estava a seguir os mesmos. O que me parece foi que o Banco de Portugal seguiu regras burocráticas e fechou os olhos.
Mais pormenores em http://www.kambaia.blogspot.com
Hum…como pontos de acordo, podemos ter:
a) supervisão bancária devia ter estado mais atenta a alguns sinais – e aqui o facto de terem existido administradores que sairam, não assinaram contas e ninguém, leia-se Banco de Portugal, quis falar com eles, é evidência dessa desatenção; não significa que tivesse sentido intervir mais cedo com a
informação que estava então disponível.
b) supervisão bancária baseada em regras de cavalheirismo e idoneidade aceite sem reservas não será mais possível, alguma coisa vai ter de mudar nas capacidades de investigação e de exercício de pedidos de informação e eventualmente “raides” para recolha de informação
Como desacordo meu com muita argumentação que tem sido feita:
– que o Banco de Portugal falhou totalmente (afinal, o BPN estava em investigação)
– que devia ter tido uma intervenção mais cedo, e
– que não detectou as fraudes por incompetência da supervisão
Agora, no final, é para mim claro que o Governador não se deveria envolver
em acusações à Comissão de Inquérito Parlamentar.
As perguntas preocupantes para a confiança no sistema são:
Será que já foi apurado pelo BP tudo o que se passou realmente no BCP,BPN,BPP?
Será que está em análise a forma como foi possível as irregularidades não terem sido detectados?
será que estão a ser implementadas medidas correctoras de forma a evitar estes casos no futuro?
Ou será que ninguem se atreve a fazer o levantamento dos problemas, para não contrariar o Governador?
Sem querer prolongar demasiado a discussão, a minha resposta ao comentário do Pedro Pita Barros, que desde já agradeço, é a seguinte.
(Este texto foi também publicado no meu blog http://kambaia.blogspot.com)
(1) Pedro Pita Barros é da opinião que o Banco de Portugal não falhou totalmente. De facto, estamos em desacordo. A meu ver, a nacionalização de um banco no qual houve fraude é um falhanço total da regulação. Como refere Pedro Pita Barros, o BPN já estava a ser investigado antes da nacionalização. O Banco de Portugal tinha à sua disposição um arsenal de medidas correctivas que podia ter accionado. Sem querer ser exaustivo estou a pensar, entre outras medidas, no seguinte: (i) censura pública (ii) multas (iii) proibição de exercer actividade bancária para parte do banco (o que talvez tivesse permitido salvar alguns departamentos do BPN, sacrificando outros);
(2) Pedro Pita Barros não é da opinião que o Banco de Portugal devia ter tido uma intervenção mais cedo. Eu realmente não estou de acordo. A partir do momento em que havia suspeita, penso que devia ter sido pedida informação. Se a informação se revelasse insuficiente, rapidamente o Banco de Portugal devia ter aplicado uma das sanções que menciono no ponto anterior;
(3) Finalmente, Pedro Pita Barros é da opinião que o facto do Banco de Portugal não detectar falhas não revela incompetência. Tenho a opinião contrária, como facilmente se pode concluir do ponto anterior. Penso que a incompetência tem muitas maneiras de se manifestar. Não faltou tempo ao Banco de Portugal e não são precisos tantos recursos como isso para pedir uma lista de informação. Basta enviar um e-mail. Se a resposta é insuficiente ou revela falhas, as sanções descritas acima também não me parecem muito difíceis de implementar e não deveriam ocupar muitos recursos.
Bom sumário nos pontos (1) e (2). O (3) merece apenas o esclarecimento adicional de nem sempre se poder concluir que não detecção de falhas que houve incompetência. Se houver incompetência, não serão detectadas falhas. Mas retirar daqui que se houve falha é porque houve incompetência não é directo. Dou o benefício da dúvida ao Banco de Portugal.
Concordamos em discordar neste caso.
Outros haverá em que talvez venhamos a concordar.