conferência da série economia viva, com Pedro Santa Clara, Mariana Mortágua, João Duque e Nuno Silva, na Nova SBE. Relato do que me chamou a atenção, com algumas questões finais:
Pedro Santa Clara iniciou o debate chamando a atenção para a união bancária como processo de construção europeia em que queremos participar, e não como uma imposição a que somos alheios. Neste processo é preciso reconhecer que os bancos na Europa são em média maiores do que nos Estados Unidos. Há também um maior financiamento das empresas via bancos na Europa. O sistema bancário europeu como está não tem condições para financiar o investimento e o crescimento económico. Há uma falta de capitalização dos bancos. Segundo Pedro Santa Clara começou-se pelo telhado: regulação relativamente agressiva, deixando para o fim os seguros de depósitos, que são a base da confiança bancária. Há razões políticas para se ter feito desta forma, mas não dá os incentivos certos à banca para se capitalizar. Não se consegue cortar a relação entre risco soberano e risco bancário com o sistema como está desenhado. Os maiores bancos na Europa têm muito investimento em dívida desses países. E esses bancos são demasiados grandes para serem salvos por cada país. Deu o exemplo de Porto Rico como um exemplo em que a insolvência do estado não coloca em questão o sistema bancário do país. De “too big to fail” para “too big to save” poderá ser o próximo passo, como consequência da grande dimensão que os bancos europeus têm vindo a ganhar.
Mariana Mortágua questionou se união bancária está, ou não está, a funcionar. A crise de 2007/2008 deveria ter servido para “limpar o sistema”, e nada disso sucedeu. Quase dez anos depois, o sistema bancário continua bastante alavancado, com muitas das características que existiam em 2007. Continua a ser necessário fazer a alavancagem. Como há falta de coordenação e capacidade de integração económica, o aprofundar da união bancária não irá resultar. A solução não poderá ser criar bancos grandes demais para falir. Há uma contradição de base entre criar bancos demais para descolar da economia e do risco soberano. Não será, na sua opinião, fazer essa separação. Há uma distorção nas funções do banco central europeu, ao tirar-lhe instrumentos como a compra de dívida. O problema está do lado da procura e não do lado da oferta. Estamos dentro de uma armadilha de liquidez. Há também um problema de supervisão, nomeadamente não se discute o que deve ser a atividade bancária. Há um problema com o fundo de resolução europeu, porque não há um compromisso europeu com o seu financiamento.
Para João Duque, a união bancária surge já tarde. A construção europeia obrigava a que ela existisse, dada as características da atividade bancária. É relevante levar a que banca seja mais financiada por mecanismos de mercado de capitais. É possível fazer um caminho de reforma, é difícil, é necessário ser engenhoso. É necessário não perder de vista que mesmo quando há introdução de capitais públicos estes também têm custo de oportunidade, e necessitam de ser remunerados através dos resultados dos bancos.
Para Pedro Santa Clara, todos chegamos a acordo sobre o diagnóstico: bancos demasiado alavancados, e a solução tentada não funciona. A dificuldade está em encontrar o caminho para sair daqui. Diferentes caminhos têm diferentes impactos sobre a economia. Criar um BCE que financie os estados, então os comportamentos destes poderão não ser os mais desejáveis. Nacionalizar a banca, não resolve o problema. Uma possibilidade é estimular a que os bancos vendam ativos, nomeadamente a fundos de private equity. A banca não tem incentivos para isso porque teria que reconhecer perdas e com isso surge a necessidade de aumentar os capitais. A solução proposta é separar a desalavancagem da capitalização dos bancos. Há que deixar emagrecer os bancos da forma mais saudável possível. Há perdas potenciais que ainda não foram reconhecidas. Se não se resolver, teremos bancos semi-zombies.
Segundo Nuno Silva, o rendimento dos bancos é baixo porque os ativos não foram reavaliados, o que baixa a rentabilidade esperada. Há sobretudo um problema de incerteza, e não de rentabilidade do sector. É mais um problema do acionista do passado do que do acionista que investe hoje. Irá haver a maior concentração, mas não teria que haver. Se houvesse uma boa regulação de securitizações, poderia ser útil para ter uma maior diversificação dos balanços dos bancos, que têm um enviesamento muito grande para os mercados locais (dívida pública, mas também dívida privada de particulares e de empresas). A união bancária tem vários pilares: supervisor único (BCE) na área do euro, mesmo que os bancos mais pequenos sejam supervisionados pelos bancos centrais nacionais e o mecanismo de resolução europeu e fundo de resolução (vai ter um período de transição de oito anos, a partir do qual existirá uma mutualização total da garantia de depósitos). Vai haver no futuro menos intermediação bancária. A confiança no sistema aumentou, dada a independência que é dada e reconhecida ao Banco Central Europeu. Reduziu-se a incerteza quanto ao que se faz quando um banco entra em problemas, face ao que era há alguns atrás. Falta ainda resolver: incentivos para diversificação geográfica das aplicações dos bancos; continuamos com sistemas bancários dominados por bancos domésticos; é um sistema híbrido, com BCE responsável pela supervisão mas muito dos riscos permanecem nos países; capacidade do fundo de resolução (1% dos depósitos cobertos no espaço europeu); complementar a regulação atual com maior papel para os valores de mercados dos ativos (e perdas potenciais em caso de resolução).
Na discussão aberta ao público:
Três problemas: dificuldade das PME em conseguir empréstimos bancários; contratação pública, incluindo Portugal 2020, é excessivamente burocrática (as empresas têm que se socorrer das consultoras para conseguirem responder).
A união bancária é essencial para a construção europeia. Não podemos focar toda a dimensão financeira do mercado único nos bancos. Na Europa não há um mercado de “controle empresarial” (a bolsa como mecanismo de financiamento e mecanismo de disciplina empresarial).
Questionou-se da audiência se o rendimento nos bancos é baixo porque os ativos não dão rendimento (elevado peso do crédito imobiliário)? Não prejudica os bancos portugueses? Papel dos fracos acionistas dos principais bancos portugueses?
Na resposta, João Duque refere que a solução seria em grande medida a securitização (retirar dos balanços o crédito imobiliário, passando o risco para outro lado). A regulamentação bloqueou completamente esse mercado. Está em discussão conseguir-se fazer operações simples nesse campo.
Para Mariana Mortágua, usar os mesmos instrumentos da crise do passado não permite sair dos problemas. Há um problema nas carteiras dos bancos. Os bancos estão a vender carteiras de ativos com grande desconto. Já existe isso. Não parece que vender simplesmente carteiras obrigando a reconhecimento de perdas vá resolver o problema. Proteger os bancos de registarem as perdas não vai resolver o problema de fundo. Securitizar as carteiras de crédito não vai resolver. Só irá problema de confiança sistémica se algo rebentar. Esta não foi uma lição da crise de 2007 e deveria ter sido. Devíamos pensar como mudar as regras de funcionamento da banca. Ajustamento dos bancos está a ser feito progressivamente, mas não se pensou que os ajustamentos orçamentais iriam afectar esse ajustamento do sector bancário. Referiu ainda as vantagens que vê num sistema bancário totalmente público.
Para Pedro Santa Clara, falta financiamento às empresas; houve um excessivo recurso à dívida como fonte da crise, as empresas têm que usar mais fundos próprios para fomentarem o seu crescimento.
Da audiência foi feita uma proposta de se ter divida indexada ao crescimento da economia, como ideia para complementar a securitização.
Aproveitando a proposta/questão, Mariana Mortágua questiona porque não é desejável ter obrigações com taxa indexada ao crescimento da economia? O que impede que essa solução seja ensaiada? É apenas uma questão de vontade política de o fazer? e sugere que essa solução poderia ser enquadrada num contexto mais vasto de reestruturação da dívida pública.
Novamente da audiência é referido que é má ideia ligar novo instrumento à reestruturação da dívida; é preciso pensar numa complementaridade diferente.
Como questões que me ficam depois desta sessão: a) deve-se retirar como conclusão das intervenções que deveria haver uma intervenção das autoridades de defesa da concorrência para promover menor concentração (olhando para a conduta concorrencial, evitando mais concentrações)?
Outra questão, não ficou claro o que os oradores fariam se pudessem escolher a configuração do sistema bancário europeu, o que seria a sua escolha? (para perceber para onde se quer ir).
Questão não abordada: é mau os bancos falirem? E a resposta a essa questão não é indiferente para a discussão de bancos públicos vs bancos privados. A questão, parece-me, não estará na propriedade por si, e sim no enquadramento em cada caso. Um banco privado que tenha a certeza, ou quase certeza, que não pode falir é assim tão diferente de um banco público? A possibilidade de falência é também um mecanismo disciplinador de abusos de conduta, mas só funciona se houver realmente capacidade de accionistas controlarem gestores, o que levanta a questão dos modelos de governação das instituições bancárias (que não foi igualmente tocada) numa união bancária a nível europeu.
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