Momentos económicos… e não só

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O euro e o crescimento económico, por Pedro Braz Teixeira (3)

Cap. 2: Área Monetária Óptima

Este é um capítulo mais dedicado aos princípios económicos de criação e sustentação de zonas económicas com uma moeda comum. A principal preocupação enunciada é o problema de “choques assimétricos”, isto é, eventos não antecipados que afectam mais umas regiões do que outras. E dá como exemplo de choque assimétrico associado com a entrada no euro a descida nas taxas de juro (e na inflação) que foi muito mais forte nuns países (Portugal incluído) do que noutros. Interessante seria saber até que ponto a própria discussão sobre as vantagens de uma moeda única num mercado europeu não criou expectativas de crescimento económico que justificaram a forte reação de recurso ao crédito, pelo sector público e pelos privados, como resposta à redução de taxas de juro. Mas Pedro Braz Teixeira identifica também respostas assimétricas a um choque simétrico – a abertura ao Leste Europeu é um choque simétrico, que teve como resposta na Alemanha um posicionamento de moderação salarial e em Portugal (bem como noutros países da União Europeia) teve-se falta de moderação salarial face a essa concorrência desses países do Leste da Europa. Este segundo exemplo também levanta a questão de o problema não ter estado apenas nas condições de partida para o euro, segundo a teoria das uniões europeias óptimas, e de se ter de colocar a hipóteses de os decisores públicos terem tido outra racionalidade que não apenas a económica (ou de haver elementos que não estão ainda a ser considerados).


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Seminário sobre Planeamento em Saúde

Decorreu ontem o primeiro dia do Seminário sobre Planeamento em Saúde organizado pelo  Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em que durante a manhã falaram Nigel Crisp (Reino Unido), Jens Holst (Alemanha) e Alberto Infante (Espanha). Estes países têm, em termos de planeamento em saúde, três diferentes formas de organizar o financiamento e a prestação de cuidados de saúde, para alcançar objectivos que são essencialmente os mesmos (cobertura universal). A apresentação de Nigel Crisp focou na capacidade, ou falta dela, dos sistemas de planeamento em saúde conseguirem incorporar ideias que venham de fora da estrutura que faz esse planeamento. As apresentações institucionais sobre a situação na Alemanha e em Espanha enfatizaram os aspectos formais, do que legalmente está instituído, num contraste claro com a apresentação anterior.

A intervenção de Nigel Crisp trouxe um conjunto de perguntas que podem ser usadas para avaliar a abertura dos sistemas de planeamento em saúde

a) quanto é a que estrutura de planeamento ouve 1) os profissionais de saúde; 2) os doentes; 3) os cidadãos e suas ideias (não doentes, mas que podem ser cuidadores informais); e 4) empregadores e outros agentes.

b) quanto apropriação local existe nesse planeamento (papel das estruturas locais)?

c) qual a capacidade de se ter “learning by doing” das estruturas de prestação de cuidados de saúde inserido no próprio planeamento (aprendizagem ao longo do processo)?

d) qual é a visão para o sistema de saúde que está presente no planeamento?

e) qual a capacidade de a estrutura de planeamento “ouvir” ideias vindas de fora dessa mesma estrutura quanto à prestação de cuidados de saúde sem rejeitar imediatamente?

Sendo certo que as estruturas formais de planeamento em saúde vivem frequentemente centradas em si mesmas, a introdução de alguma criatividade externa pode ser útil, embora seja necessário ter um equilíbrio entre “sistema de planeamento” e “criatividade”, pois não se se pode ter unicamente situações ad-hoc, sem qualquer coordenação. Segundo Nigel Crisp, a medida para este equilíbrio é o de criação de relações – se uma nova ideia estabelecer uma relação duradoura com o sistema de saúde, então a estrutura de planeamento deverá acomodar esse elemento de “criatividade”.

Durante o dia de hoje decorrerão mais sessões, havendo a possibilidade de webstreaming para quem tiver interesse em acompanhar (link aqui)


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Conferência “Portugal em Exame”

Hoje decorre no Museu da Carris a conferência “Portugal em Exame”, com a nova geração da Nova School of Business and Economics (os ditos millenials) a darem a sua visão sobre as transformações da economia portuguesa.

Nestas conferências corre-se sempre o risco de ter os “mesmos do costume” a falar para os “mesmos do costume”, veremos se a nova geração consegue introduzir desafios e ideias novas.

Intervenção inicial de Francisco Pinto Balsemão, com ênfase sobre a necessidade de sair do “marcar passo” em que se tem estado desde o início do milénio, com um crescimento que não tem sido suficiente para assegurar uma convergência em termos de PIB per capita com o agregado da União Europeia. A falta de investimento surge como uma preocupação fundamental.

Seguiu-se Carlos Alvares do Banco Popular, que fala do capital humano e da importância de reter talento, mas também da necessidade de “capital” para investir. Importância de ter um “pacto” para as políticas de crescimento e emprego. Necessidade de ter leis menos complexas e mais claras (um melhor funcionamento da Justiça é um aspecto importante para quem quer investir, nacional ou estrangeiro). Também é preciso uma política fiscal mais estável e previsível. A banca está a fazer o seu trabalho, na visão de Carlos Alvares, mas precisa de ajuda, não de ajuda no sentido de intervenção pública, mas sim em não ter regras que impliquem dificuldades em pequenos empresários em fazer suprimentos para as suas empresas, mesmo que tenham os fundos para isso depositados no sistema bancário. É um elemento pouco usual referir, mas acaba por ilustrar bem como os pequenos, ou não tão pequenos, grãos na engrenagem do funcionamento económico criam dificuldades que cumulativamente penalizam a dinâmica empresarial e o crescimento económico.

Seguiu-se a apresentação do Nova Economics Club, com Henrique Pita Barros, Miguel Costa Matos e Patricia Filipe (foto abaixo). Tema da apresentação: como transformar o pais? transformação económica e empresarial e transformação social. Primeiro tema: capacidade financeira das empresas. Ciclo vicioso de problemas de liquidez, pagamentos em atraso, baixo crescimento, que gera problemas de liquidez. Não é um problema de falta de bons projectos e sim um problema de capitalização e de crédito. Segundo tema focado: digitalização dos processo de produção e comercialização. Importância dos robots nos processos de fabrico – menor intensidade da sua utilização do que sucede noutros países europeus. A infraestrutura em si mesma é boa, com bom acesso a internet, que precisa de ser mais aproveitada pelas empresas portuguesas.

Terceiro tema: o papel das empresas na promoção da igualdade de género, como problema de civilização mas também como “custo” para o desenvolvimento económico por desaproveitar talento que poderia ser melhor usado.

Quarto tema: precariedade no mercado de trabalho, e o problema de criar investimento intangível dos próprios trabalhadores e das empresas na relação laboral, que favoreça a produtividade futura.

Segue-se um painel “político” (assim classificado pelo moderador), com Francisco Louçã e Luis Marques Mendes.

Francisco Louçã identifica 5 problemas: 1) grande divida externa, nomeadamente privada; 2) média de crescimento actual no euro foi muito baixa, período de estagnação; 3) nível baixo de investimento, e a história secreta do investimento é que descontadas as amortizações temos crescimento negativo; 4) nível de desigualdade, pobreza e desemprego estrutural que é muito importante; 5) tem uma condição de regras europeias que nos limita na utilização de medidas de política (a União Europeia é um projeto falhado que não tem capacidade de resolver os seus problemas). Defende aumento da procura para responder à estagnação (exportações, investimento e consumo). Efeito de confiança de aumentar pensões e rendimentos. Com taxa de juro zero, não há política monetária para facilitar o investimento. A chave da economia portuguesa é “confiança” e que para isso é preciso libertar-se dos tratados europeus.

Luis Marques Mendes –  há incerteza no plano europeu e mundial, uma Europa cada vez menos competitiva à escala global, problemas de natureza conjuntural e estrutural são agravados por esta incerteza. Ou seja, é necessário reduzir incerteza naquilo que está ao nosso alcance. Reforçar confiança [num ponto que é comum com Francisco Louçã]. Mais do mesmo não é solução. Três prioridades: sustentabilidade financeira no Estado (implica também repensar as funções do estado para ter menor despesa, combater centralismo, cultura do mérito dentro do estado [a minha sugestão é que se releiam as intervenções e sugestões surgidas nas Sextas da Reforma]); estabilidade das políticas públicas; entendimento, mesmo que informal, quanto ao nível global da despesa pública. Não será possível ter pactos de regime em Portugal, mas considera exequível um acordo social de médio prazo até final da legislatura. Último ponto: competitividade e sistema financeiro sólido para financiar a economia (problema que não ficou resolvido no tempo da troika), papel da capitalização das empresas. Necessidade de um choque de atitude: cultura de criar riqueza e de criar valor.

Francisco Louçã: problema de crescimento da economia portuguesa não está na recente crise internacional, está na entrada do euro; “destroçou” a competitividade da economia portuguesa.

[temas que gostaria de ter visto mais tratados: – não haver referência clara à forma de ter investimento que seja verdadeiramente produtivo e capacidade do sistema de financiamento das empresas – bancos sobretudo – conseguir fazer uma seleção adequada dos projectos de investimento ; não haver referência à forma de facilitar a dinâmica empresarial – entrada mas também saída de empresas e recolocar os activos em utilização útil; não terem tocado no tema de precariedade salarial como forma de distorção do mercado de trabalho]

(e termina por aqui a breve incursão no jornalismo económico informal :D)

 

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EconomiaViva: Saúde

O painel de conferências EconomiaViva, organizado pelo Nova Economics Club e pela Associação de Estudantes da Nova SBE, teve na saúde o último tema. Deixo aqui as minhas notas da sessão, que o moderador introduziu falando nos desafios da saúde.

Fernando Leal da Costa: Começou por reconhecer o consenso generalizado sobre os princípios base de direito à saúde e à protecção da saúde, consagrado na Constituição, e exercido pela existência de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) tendencialmente gratuito. Tomou como as diferenças fundamentais entre “direita” e “esquerda” do espectro político a) o querer “dar tudo a todos” (para a “esquerda”) ou querer dar “apenas o que é comportável” (para a “direita”); e b) como ser o “tendencialmente gratuito”, ou seja, as taxas moderadoras, eventualmente diferenciadas de acordo com o rendimento. Um dos desafios globais para os sistemas de saúde é saber o que se vai incluir dentro da “protecção à saúde”, dada a necessidade de responder financeiramente aos preços crescentes da tecnologia, sendo que há um número crescente de pessoas a necessitar de mais cuidados. É necessário melhorar os aspectos da esperança de vida livre de doença. Aqui introduz-se o problema do financiamento e saber se o modelo baseado em impostos é sustentável, ou se terá de haver um aumento dos seguros privados. Vê como um caminho possível a evolução para sistemas mistos.

[Comentário: não é o modelo de financiamento que faz a diferença no longo prazo sobre a sustentabilidade do sistema de saúde. Um mau modelo de financiamento das despesas de saúde destrói a sustentabilidade do sistema, mas um bom modelo de financiamento não garante por si só a sustentabilidade do sistema de saúde (ou do Serviço Nacional de Saúde em particular). ]

Jorge Simões: Não tem grandes pontos de discordância. Vê o consenso sobre o Serviço Nacional de Saúde como tendo pelo menos 20 anos, desde 1995. Introduz como base para este consenso político sobre o SNS o “transvase ideológico” que teve lugar na década de noventa (do século passado), caracterizado por a “direita” ter aceite o SNS, e  “esquerda” ter aceite a introdução de mecanismos que aproximam o funcionamento de mercado dentro do SNS. Referiu  que os problemas e os desafios do sistema de saúde e do SNS são muito similares aos enfrentados pela maioria dos outros países, nomeadamente no problema da despesa pública em saúde e seu crescimento.

[Comentário: A noção de “transvase ideológico” como base do consenso político sobre o SNS é bastante feliz, e ajuda a perceber porque no essencial o SNS em Portugal tem mantido uma clara estabilidade. No problema da despesa pública em saúde, além de termos problemas similares aos outros países, é de assinalar como facilmente se salta de um problema de decisão que pode ser simplisticamente caracterizado como obter a melhor saúde para a população dados os recursos existentes para um problema de reduzir custos, dê por onde der. ]

Maria do Céu Machado: Falou sobre como assegurar o direito à saúde, e como o estabelecimento de prioridades acaba por ser uma realidade (dando como exemplo situações no SNS inglês de preferência  dada a não fumadores face a fumadores). Referiu que o dever de cuidar da (própria) saúde é algo que depende da literacia da população, que é em baixa em Portugal. Introduziu a questão de haver em Portugal um fraco investimento na prevenção, como resultado do tempo dos resultados que tal produz irem muito além do horizonte político do decisor de cada momento. Relembrou dois temas relevantes na discussão recente das políticas de saúde: saúde em todas as políticas e investir na saúde como forma de promover o desenvolvimento de um pais (também na sua componente de crescimento económico). O conceito de saúde em todas as políticas significa que se deve fazer a avaliação do impacto na saúde das políticas adoptadas, qualquer que seja a área de aplicação da política. Referiu ainda a importância dos meios digitais para a saúde, e como “pequenas” utilizações das tecnologias de comunicação podem alterar de forma importante os comportamentos individuais. Por fim, introduziu o tema da inovação tecnológica e dos aspectos éticos que lhe estão associados em termos de acesso às terapêuticas.

Jorge Simões em comentário reforçou a ideia de um dos desafios do sistema de saúde português ser melhorar a esperança de vida saudável no final da vida. Referiu como exemplo, a diferença de dez anos de vida saudável a mais que os noruegueses têm em relação aos portugueses, para uma esperança de vida aos 65 anos que não é assim tão diferente.

[Comentário: No caso da prevenção, não será apenas o tempo político a determinar o baixo nível de investimento; o facto de ser difícil observar o que é o resultado da prevenção – é observar o que não acontece – e essa falta de observabilidade tornar complicado “pagar” de outra forma que não seja pelo “processo”, pelo que se faz, sem se ter exacta noção do que é o resultado – também contribui para que seja uma área onde “cortar” a utilização de recursos se torna normalmente mais simples.]


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EconomiaViva: Sistema político

Uma das conferências de ontem na Nova SBE, organizada pelo Nova Economics Club e pela Associação de Estudantes, foi sobre o sistema político, com alguns destaques para:

a) Pedro Magalhães – a desafeição política e a insatisfação com o sistema político, traduzido no declínio da participação política, em Portugal estará mais associado com a qualidade do Estado e do seu funcionamento do que com aspectos de estrutura do sistema político. Ou seja, reformar o sistema eleitoral, criar um senado, mudar o papel do presidente (para mais ou para menos interventivo) tem pouca relação com essa participação política dos cidadãos. O que conta é a qualidade da legislação produzida, da transparência da política orçamental, a abertura ao feedback dos cidadãos, o bom funcionamento dos serviços do estado.

b) Marina Costa Lobo: Portugal tem um sistema que não é muito distante dos outros países europeus, escolhendo ter uma lista fechada nas eleições para a Assembleia da República. Apresentou os resultados de uma experiência de votação a 4 de Outubro de 2015 com lista aberta. Além das sondagens habituais à boca das urnas, pediu-se às pessoas que votassem no que seria um hipotético boletim de lista aberta dentro de cada partido (com os candidatos que este escolheu apresentar), ou seja, permitir que fosse o cidadão a escolher dentro do partido em que vota qual o nome que prefere para deputado. Os resultados mostraram que os cidadãos não têm dificuldades em votar em boletins com mais candidatos, que há uma questão de notoriedade dos candidatos e que os candidatos “pára-quedistas” são penalizados. A alteração do voto para um sistema de lista aberta (ou mais aberta) do que é hoje não necessita de revisão constitucional e depende apenas da vontade política dos partidos. Como comentário meu, a julgar por esta primeira experiência, que talvez seja salutar repetir noutras eleições para confirmar resultados, não há razão para o paternalismo de se dizer que os portugueses não têm capacidade para votar em lista aberta.

c) Alexandre Soares dos Santos: questionou a inércia da intervenção cívica em Portugal e a falta de capacidade nacional de olhar para o mundo, numa visão prospectiva.

d) Luis Campos e Cunha: focou na lógica de regras que criam incentivos que levam a comportamentos, que por sua vez geram resultados. Tomou como referência os países nórdicos, com os quais podemos aprender. Em termos de sistema político, colocou para discussão três pontos: financiamento estritamente público dos partidos políticos, remuneração dos detentores de altos cargos políticos (de eleição ou nomeação política) com base nas respectivas declarações de rendimentos dos três ou cinco anos anteriores, ter um sistema de eleição para a assembleia da república em que os votos brancos e nulos se traduzissem em cadeiras vazias (e os respectivos ordenados destinados a apoiar, como logo se veria, novos partidos)  e em que os partidos pudessem facilmente alterar um ou dois deputados, como forma de manter as direcções dos partidos políticos permanentemente representadas na Assembleia da República.


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o futuro da união bancária

conferência da série economia viva, com Pedro Santa Clara, Mariana Mortágua, João Duque e Nuno Silva, na Nova SBE. Relato do que me chamou a atenção, com algumas questões finais:

Pedro Santa Clara iniciou o debate chamando a atenção para a união bancária como processo de construção europeia em que queremos participar, e não como uma imposição a que somos alheios. Neste processo é preciso reconhecer que os bancos na Europa são em média maiores do que nos Estados Unidos. Há também um maior financiamento das empresas via bancos na Europa. O sistema bancário europeu como está não tem condições para financiar o investimento e o crescimento económico. Há uma falta de capitalização dos bancos. Segundo Pedro Santa Clara começou-se pelo telhado: regulação relativamente agressiva, deixando para o fim os seguros de depósitos, que são a base da confiança bancária. Há razões políticas para se ter feito desta forma, mas não dá os incentivos certos à banca para se capitalizar. Não se consegue cortar a relação entre risco soberano e risco bancário com o sistema como está desenhado. Os maiores bancos na Europa têm muito investimento em dívida desses países. E esses bancos são demasiados grandes para serem salvos por cada país. Deu o exemplo de Porto Rico como um exemplo em que a insolvência do estado não coloca em questão o sistema bancário do país. De “too big to fail” para “too big to save” poderá ser o próximo passo, como consequência da grande dimensão que os bancos europeus têm vindo a ganhar.

Mariana Mortágua questionou se união bancária está, ou não está, a funcionar. A crise de 2007/2008 deveria ter servido para “limpar o sistema”, e nada disso sucedeu. Quase dez anos depois, o sistema bancário continua bastante alavancado, com muitas das características que existiam em 2007. Continua a ser necessário fazer a alavancagem. Como há falta de coordenação e capacidade de integração económica, o aprofundar da união bancária não irá resultar. A solução não poderá ser criar bancos grandes demais para falir. Há uma contradição de base entre criar bancos demais para descolar da economia e do risco soberano. Não será, na sua opinião, fazer essa separação. Há uma distorção nas funções do banco central europeu, ao tirar-lhe instrumentos como a compra de dívida. O problema está do lado da procura e não do lado da oferta. Estamos dentro de uma armadilha de liquidez. Há também um problema de supervisão, nomeadamente não se discute o que deve ser a atividade bancária. Há um problema com o fundo de resolução europeu, porque não há um compromisso europeu com o seu financiamento.

Para João Duque, a união bancária surge já tarde. A construção europeia obrigava a que ela existisse, dada as características da atividade bancária. É relevante levar a que banca seja mais financiada por mecanismos de mercado de capitais. É possível fazer um caminho de reforma, é difícil, é necessário ser engenhoso. É necessário não perder de vista que mesmo quando há introdução de capitais públicos estes também têm custo de oportunidade, e necessitam de ser remunerados através dos resultados dos bancos.

Para Pedro Santa Clara, todos chegamos a acordo sobre o diagnóstico: bancos demasiado alavancados, e a solução tentada não funciona. A dificuldade está em encontrar o caminho para sair daqui. Diferentes caminhos têm diferentes impactos sobre a economia. Criar um BCE que financie os estados, então os comportamentos destes poderão não ser os mais desejáveis. Nacionalizar a banca, não resolve o problema. Uma possibilidade é estimular a que os bancos vendam ativos, nomeadamente a fundos de private equity. A banca não tem incentivos para isso porque teria que reconhecer perdas e com isso surge a necessidade de aumentar os capitais. A solução proposta é separar a desalavancagem da capitalização dos bancos. Há que deixar emagrecer os bancos da forma mais saudável possível. Há perdas potenciais que ainda não foram reconhecidas. Se não se resolver, teremos bancos semi-zombies.

Segundo Nuno Silva, o rendimento dos bancos é baixo porque os ativos não foram reavaliados, o que baixa a rentabilidade esperada. Há sobretudo um problema de incerteza, e não de rentabilidade do sector. É mais um problema do acionista do passado do que do acionista que investe hoje. Irá haver a maior concentração, mas não teria que haver. Se houvesse uma boa regulação de securitizações, poderia ser útil para ter uma maior diversificação dos balanços dos bancos, que têm um enviesamento muito grande para os mercados locais (dívida pública, mas também dívida privada de particulares e de empresas). A união bancária tem vários pilares: supervisor único (BCE) na área do euro, mesmo que os bancos mais pequenos sejam supervisionados pelos bancos centrais nacionais e o mecanismo de resolução europeu e fundo de resolução (vai ter um período de transição de oito anos, a partir do qual existirá uma mutualização total da garantia de depósitos). Vai haver no futuro menos intermediação bancária. A confiança no sistema aumentou, dada a independência que é dada e reconhecida ao Banco Central Europeu. Reduziu-se a incerteza quanto ao que se faz quando um banco entra em problemas, face ao que era há alguns atrás. Falta ainda resolver: incentivos para diversificação geográfica das aplicações dos bancos; continuamos com sistemas bancários dominados por bancos domésticos; é um sistema híbrido, com BCE responsável pela supervisão mas muito dos riscos permanecem nos países; capacidade do fundo de resolução (1% dos depósitos cobertos no espaço europeu); complementar a regulação atual com maior papel para os valores de mercados dos ativos (e perdas potenciais em caso de resolução).

Na discussão aberta ao público:

Três problemas: dificuldade das PME em conseguir empréstimos bancários; contratação pública, incluindo Portugal 2020, é excessivamente burocrática (as empresas têm que se socorrer das consultoras para conseguirem responder).

A união bancária é essencial para a construção europeia. Não podemos focar toda a dimensão financeira do mercado único nos bancos. Na Europa não há um mercado de “controle empresarial” (a bolsa como mecanismo de financiamento e mecanismo de disciplina empresarial).

Questionou-se da audiência se o rendimento nos bancos é baixo porque os ativos não dão rendimento (elevado peso do crédito imobiliário)? Não prejudica os bancos portugueses? Papel dos fracos acionistas dos principais bancos portugueses?

Na resposta, João Duque refere que a solução seria em grande medida a securitização (retirar dos balanços o crédito imobiliário, passando o risco para outro lado). A regulamentação bloqueou completamente esse mercado. Está em discussão conseguir-se fazer operações simples nesse campo.

Para Mariana Mortágua, usar os mesmos instrumentos da crise do passado não permite sair dos problemas. Há um problema nas carteiras dos bancos. Os bancos estão a vender carteiras de ativos com grande desconto. Já existe isso. Não parece que vender simplesmente carteiras obrigando a reconhecimento de perdas vá resolver o problema. Proteger os bancos de registarem as perdas não vai resolver o problema de fundo. Securitizar as carteiras de crédito não vai resolver. Só irá problema de confiança sistémica se algo rebentar. Esta não foi uma lição da crise de 2007 e deveria ter sido. Devíamos pensar como mudar as regras de funcionamento da banca. Ajustamento dos bancos está a ser feito progressivamente, mas não se pensou que os ajustamentos orçamentais iriam afectar esse ajustamento do sector bancário. Referiu ainda as vantagens que vê num sistema bancário totalmente público.

Para Pedro Santa Clara, falta financiamento às empresas; houve um excessivo recurso à dívida como fonte da crise, as empresas têm que usar mais fundos próprios para fomentarem o seu crescimento.

Da audiência foi feita uma proposta de se ter divida indexada ao crescimento da economia, como ideia para complementar a securitização.

Aproveitando a proposta/questão, Mariana Mortágua questiona porque não é desejável ter obrigações com taxa indexada ao crescimento da economia? O que impede que essa solução seja ensaiada? É apenas uma questão de vontade política de o fazer? e sugere que essa solução poderia ser enquadrada num contexto mais vasto de reestruturação da dívida pública.

Novamente da audiência é referido que é má ideia ligar novo instrumento à reestruturação da dívida; é preciso pensar numa complementaridade diferente.

Como questões que me ficam depois desta sessão: a) deve-se retirar como conclusão das intervenções que deveria haver uma intervenção das autoridades de defesa da concorrência para promover menor concentração (olhando para a conduta concorrencial, evitando mais concentrações)?

Outra questão, não ficou claro o que os oradores fariam se pudessem escolher a configuração do sistema bancário europeu, o que seria a sua escolha? (para perceber para onde se quer ir).

 

Questão não abordada: é mau os bancos falirem? E a resposta a essa questão não é indiferente para a discussão de bancos públicos vs bancos privados. A questão, parece-me, não estará na propriedade por si, e sim no enquadramento em cada caso. Um banco privado que tenha a certeza, ou quase certeza, que não pode falir é assim tão diferente de um banco público? A possibilidade de falência é também um mecanismo disciplinador de abusos de conduta, mas só funciona se houver realmente capacidade de accionistas controlarem gestores, o que levanta a questão dos modelos de governação das instituições bancárias (que não foi igualmente tocada) numa união bancária a nível europeu.

 

 


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Economia viva – uma série de conferências

(Aviso: este post contém matéria publicitária)

Os alunos do Nova Economics Club da Nova School of Business and Economics (aka Economia da Nova) lançaram-se à organização de uma ambiciosa semana de conferências, de 15 a 18 de Fevereiro, duas por dia, e inclui transmissão ao vivo do programa da RTP “os números do dinheiro”.

Toda a informação está aqui e as inscrições podem ser realizadas por este link.

Além de dar divulgação às iniciativas dos estudantes, que é sempre bom, assinalo que há um pouco de tudo, cobrindo muitas das principais áreas de governação económica e de discussão internacional (união bancária e o tratado transatlântico), e diversidade de visões. Também serve para desenjoar da overdose de discussão sobre o orçamento do estado 2016!

A agenda da semana (actualizada em 11/02/2016, 22:00):

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Joseph Stiglitz, Desigualdade num mundo globalizado

Ontem, na Fundação Calouste Gulbenkian, cheia como raras vezes terá sucedido, Joseph Stiglitz trouxe a sua visão sobre o crescimento das desigualdades económicas, suas origens e as implicações que daí retira. A análise estatística incidiu sobretudo sobre os Estados Unidos.

Pontos chave da apresentação:

  • a desigualdade na riqueza é maior que a desigualdade nos rendimentos
  • a desigualdade que tinha permanecido constante no pós-segunda guerra mundial cresceu significativamente nos últimos 30/40 anos
  • neste período de crescimento da desigualdade o crescimento dos salários foi inferior ao crescimento da produtividade
  • o crescimento da desigualdade não é decorrente de crescimento diferencial das empresas, pois a desigualdade entre o topo da gestão e os trabalhadores comuns dentro das empresas aumentou muito significativamente
  • não é o mecanismo de acumulação de riqueza apontado por Piketty que está a gerar esta desigualdade (o efeito desse mecanismo é pequeno comparado com o crescimento observado da desigualdade).

Para Stiglitz, a principal razão para o crescimento da desigualdade está nas políticas adoptadas, a nível macroeconómico – a austeridade – e a nível macroeconômico – a regulação e definição de regras de funcionamento para a economia.

Em consequência, a resposta aos problemas da desigualdade terá que passar sobretudo por decisões políticas, micro e macroeconômicas. Sem abandonar a lógica de funcionamento de uma economia de mercado, a proposta de Stiglitz, que está exposta no seu último livro, é a de olhar para as regras de funcionamento das economias, a forma como estruturamos os mercados. A este respeito, teve uma posição bastante crítica dos novos tratados internacionais, nomeadamente o TTIP -Transatlantic Trade and Investment Partnership.

Em termos de intervenção pública, no aspecto microeconómico, a proposta é rever as regras que dão excessivo poder de mercado às empresas, em particular às grandes empresas. Aqui podemos relembrar um outro prémio Nobel da economia, George Stigler, que chamou a atenção para a regulação como uma actividade onde também há procura e oferta, e onde as empresas podem procurar protecção de concorrência via regulação, ou via regras de funcionamento do mercado em geral. Claramente, as regras de defesa da concorrência que temos, e que levam à existência de uma Autoridade da Concorrência em Portugal, e entidades similares nos outros países, não evitam que as empresas desenvolvam outras formas de poder de mercado, nomeadamente influenciando a produção de legislação.

No aspecto macroeconómico, Stiglitz propõe uma expansão orçamental financiada por impostos sobre os lucros das empresas, como forma de proteger a classe média de mais impostos sobre o rendimento (de outro modo, a expansão serviria para aumentar as desigualdades e não diminuir). A necessidade de olhar para os efeitos de impostos sobre as empresas e o seu efeito nas desigualdades mas também na própria orientação do investimento é para mim evidente, como argumentei há dois anos (aqui) quanto ao conhecimento que precisamos de ter a propósito da redução do IRC como mecanismo de estímulo ao crescimento da economia portuguesa.

Algumas partes da intervenção de Joseph Stiglitz tiveram um cunho panfletário, de intervenção política, e menos de análise económica. A essa parte cada um dará o valor que quiser. Os elementos económicos invocados são relevantes, e o deslocar da atenção para o campo das escolhas políticas na definição das regras de funcionamento das economias de mercado é uma proposta válida e importante.

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Saúde e “governance” em Portugal, num estudo do ISCSP

Foi apresentado a semana passada um trabalho sobre avaliação da qualidade da governança, focando na adopção de boas práticas e não avaliação de impacto, por um grupo do ISCSP, liderado por Helena Monteiro. (anúncio disponível aqui). Ou seja, a preocupação é com as características do processo de definição e decisão sobre politicas públicas na área da saúde e não sobre os resultados que possam, ou não, ter produzido.

O enquadramento que usaram é baseado em três referenciais – governança pública, nova gestão pública, modelo weberiano.

Consideram, nesse quadro conceptual, várias dimensões do conceito de boa governança (3 níveis e 4 dimensões – dimensão sistémica, dimensão política, dimensão administrativa, dimensão individual), embora na análise concreta se concentrem no nível meso e na dimensão administrativa.

É definido um conjunto de princípios de boa governança.

  • responsabilização
  • eficácia e eficiência
  • transparência
  • participação dos stakeholders
  • reforçar o estado de direito
  • capacidade de resposta
  • orientação para o consenso
  • equidade e inclusão
  • independência

Tanto quanto foi perceptível da apresentação foram 50 iniciativas, associando a cada uma, no máximo, 3 princípios de boa governação. Como uma iniciativa pode ter mais do que uma área de aplicação, resultaram 86 observações.

A principal conclusão é a adopção de um modelo misto de governação por parte do Ministério da Saúde, com convergência dos paradigmas da nova gestão pública e da governança pública. Como justificação, indicam que da nova gestão pública se encontra a contenção da despesa, controlo, combate à fraude; e da governança pública, os acordos, a preocupação ética, etc.

Encontraram uma predominância dos princípios de transparência e eficácia/eficiência. A transparência por opção da equipa ministerial. A eficácia/eficiência resultante de forma directa do Memorando de Entendimento.

Num segundo nível, surgem a capacidade de resposta, a responsabilização, e o reforço do estado de direito

As relações entre o Ministério da Saúde e outras entidades têm um balanço positivo: Tribunal de Contas, CRESAP, e provedor de justiça, foram as entidades ouvidas. Estas relações enfatizam dimensões do paradigma da nova gestão pública e revelam, segundo os autores do estudo um relacionamento mais denso do que em governos anteriores.

No comentário de João Bilhim, foi referido que sentiu a falta de uma análise da tensão entre valores / princípios.

Embora esperando por ler o resultado final, fiquei com duas perguntas para as quais gostaria de ter mais conhecimento: qual a evolução das dimensões mais relevantes ao longo do tempo? Que aprendizagem ao longo do tempo é revelada pelas dimensões predominantes?

Quando o texto final estiver disponível, será possível fazer uma leitura acompanhada do estudo e suas conclusões.