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os 3 primeiros meses de “ligue antes, salve vidas” para reduzir a ida às urgências hospitalares

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Na recente entrevista (de 24 de outubro de 20239 de Fernando Araújo ao Público, foi referida a experiência “Ligue Antes, Salve Vidas”, que está a ser feita na zona do Porto (Centro Hospitalar  da Póvoa de Varzim – Vila do Conde e Unidades de Saúde Familiar da zona geográfica em volta), para redução da pressão sobre as urgências. A ideia central é que as pessoas só cheguem ao serviço de urgência hospitalar depois de contactarem o SNS por outro meio, nomeadamente atendimento telefónico, que poderá marcar, se adequado, consulta na USF para o dia ou para o dia seguinte. A experiência começou no final de maio / inicio de junho (de acordo com a descrição publicamente disponível).

Da posição de Fernando Araújo, parece estar assente que se irá alargar esta ideia, pelo menos às zonas onde se verifique cobertura praticamente universal da população por médicos de família. Antes de o fazer, seria bom saber quais os efeitos associados com esta experiência. Há pelo menos três elementos de avaliação a conhecer: a) efeito sobre as urgências hospitalares do Centro Hospitalar  da Póvoa de Varzim – Vila do Conde; b) satisfação dos cidadãos com o novo modelo de funcionamento; e c) efeito sobre o funcionamento das USF, que recebem uma procura adicional que pode interferir com a sua atividade normal.

Dos elementos publicamente disponíveis, só é possível avaliar o efeito dos primeiros três meses no volume das urgências hospitalares. 

A principal conclusão dessa apreciação é simples: nos primeiros três meses de funcionamento do novo regime, a informação conhecida sugere que o efeito vai no sentido de uma redução do número de urgências mas não é ainda certo, não se podendo rejeitar do ponto de vista estatística (ou seja, ainda é cedo para se dizer com confiança que houve redução no número de urgências). A convicção de que o modelo funciona não resulta ainda em evidência que a corrobore (embora vá nesse sentido). Daqui a 3 meses, com 6 meses da situação de experiência, será altura de voltar a fazer as contas.

Tempo de justificar as afirmações acima. O primeiro passo é, naturalmente, olhar para a evolução das urgências no Centro Hospitalar  da Póvoa de Varzim – Vila do Conde, até ao mês Agosto de 2023, o último mês disponível.

Figura 1:


A Figura 1 mostra o efeito direto – os pontos à direita da linha vermelha correspondem ao número de episódios de urgência mensal. Como se comparam com os outros? Apenas desta figura 1 vê-se que o período da pandemia deve ser retirado pela descida anormal no número de urgências atendidas. Retirando essas observações, vê-se que há uma ligeira tendência geral de descida das urgências, sendo que pode haver regularidades periódicas (os mesmos meses terem mais ou menos procura de urgências em todos os anos, os chamados efeitos de sazonalidade). A questão que fica é saber se os três meses do novo sistema permitem alguma conclusão preliminar sobre esta experiência. Na figura 1 faz-se apenas a comparação antes / depois da medida. Contudo, podem existir fatores globais que estejam a influenciar – por exemplo, se fosse o caso de os episódios de urgência terem subidas muito em zonas comparáveis e sujeitas às mesmas influências que afectam a zona da Póvoa de Varzim e da Vila do Conde, então as observações na Figura 1 seriam favoráveis à ideia de um impacto positivo do novo modelo de funcionamento. É preciso por isso encontrar um ponto de comparação (tecnicamente um grupo de controlo).

A Figura 2 coloca a procura dos serviços de urgência do Centro Hospitalar  da Póvoa de Varzim – Vila do Conde em contexto de toda a região Norte. Constata-se que é um centro hospitalar na zona inferior do volume mensal de urgências.

Figura 2

Figura 3


A Figura 3 apresenta o número médio de episódios de urgência por hospital; não é importante estar a comparar hospital a hospital, sendo apenas relevante constatar que o Centro Hospitalar  da Póvoa de Varzim – Vila do Conde (o segundo da lista) tem um hospital com uma dimensão próxima, ainda que menor, no número médio de urgências: o hospital de Barcelos.

A Figura 4 mostra as urgências em cada uma destas unidades, sugerindo que o hospital de barcelos poderá ser tomado como comparador. Usando análise de regressão para perceber se fora do período de pandemia, e antes da adopção da nova forma de funcionamento), a evolução temporal é similar no Centro Hospitalar de Póvoa do Vazom e Vila do Conde, a resposta é positiva – a tendência de evolução é a mesma (tecnicamente, a hipótese de tendências paralelas de evolução não é rejeitada).

Figura 4

Esta análise gráfica pode ser tornada mais precisa de várias formas. 

A figura seguinte apresenta a análise de regressão em que se procura ver se os três últimos meses (representados pela variável post) foram substancialmente diferentes do passado (eliminado o efeito da pandemia e reconhecendo a possibilidade sazonalidade na existência de episódios de urgência). 

A variável post tem estimativa pontual de sinal negativo, mas não se rejeita estatisticamente a hipótese do coeficiente ser nulo. Ou seja, o efeito vai no sentido de estes três últimos meses terem menores urgências (menos 246 episódios por mês, menos 8 episódios por dia), mas não é possível ainda ter segurança para se afirmar que é apenas variação aleatória, ou se estará relacionada com a nova forma funcionamento. 

Figura 5

Figura 6


se em alternativa se considerar  uma mudança no ritmo de descida de episódios de urgência (figura 6), a conclusão é essencialmente a mesma – efeito na direção pretendida, mas ainda com muita incerteza, podendo ter sido apenas flutuações normais.

A figura 7 apresenta a comparação entre o Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim – Vila do Conde com o hospital de Barcelos (tecnicamente, uma abordagem de diferença das diferenças). O coeficiente relevante aqui é “did”, que mede a diferença entre o número de episódios de urgência observado e o que seria de esperar que ocorresse na ausência da nova forma de funcionamento (e cuja tendência seria similar á do hospital de Barcelos).

O coeficiente da variável “did” é negativo, embora não seja estatisticamente diferente de zero. Esta análise metodologicamente mais robusta dá a mesma conclusão da análise antes /depois da medida anteriormente descrita. Em termos de estimativa pontual, é um efeito mais forte do que a análise antes/depois sugeria. Adicionalmente, a possibilidade da de alteração para um ritmo mais forte de redução de episódios de urgência, e também aí não há ainda resultados fortes do programa.

Figura 7

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

4 thoughts on “os 3 primeiros meses de “ligue antes, salve vidas” para reduzir a ida às urgências hospitalares

  1. O período temporal é curto, para conclusões definitivas.
    No futuro, variáveis como o número de episódios de urgência de hospitais vizinhos (públicos e privados) também deveriam ser consideradas, o que torna a análise mais difícil pela inexistência (?) de dados dos hospitais privados.

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  2. Completamente de acordo com ser pouco tempo para ver resultados (aliás, está escrito no texto). Como aparentemente já se decidiu que a “experiência teve sucesso”, via entrevista, e como não foi dada qualquer evidência de suporte no site da DE-SNS (que eu tenha detetado, pelo menos), decidi perceber se a informação disponível permitia a visão optimista ser informada. Assim, ou há informação que não é pública e é muito positivo, ou foi uma expressão de convicção.

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  3. Completamente de acordo com ser pouco tempo para ver resultados (aliás, está escrito no texto). Como aparentemente já se decidiu que a “experiência teve sucesso”, via entrevista, e como não foi dada qualquer evidência de suporte no site da DE-SNS (que eu tenha detetado, pelo menos), decidi perceber se a informação disponível permitia a visão optimista ser informada. Assim, ou há informação que não é pública e é muito positivo, ou foi uma expressão de convicção.

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