Momentos económicos… e não só

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ainda discutindo a ADSE

No dia 11 de Outubro passado participei numa sessão promovida pelo movimento CidSenior sobre a evolução da ADSE, onde tive o prazer de partilhar mesa com Jorge Simões (ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde, que elaborou um estudo sobre a evolução da ADSE e as opções possíveis), Eugénio Rosa (economista, próximo dos sindicatos e influente nesse meio com as propostas que defende) e Alberto Regueira (da CidSenior), com moderação de Alberto Ramalheira.

Rápidos destaques das intervenções:

Jorge Simões – Discutiu a ADSE no contexto do sistema de saúde e do Serviço Nacional de Saúde. Referiu o papel da ADSE como entidade financiadora de actividades do sector privado. Falou dos três estudos existentes que têm conclusões similares quanto ao exercício de gestão e propriedade plena dos descontos realizados pelos quotizados. Defendeu que o Ministério da Saúde não deve assumir a responsabilidade da gestão. A intervenção do Ministério da Saúde deve ser feita pelo Serviço Nacional de Saúde. Dadas as características particulares da ADSE, o Ministério da Saúde deve ter poderes de tutela. Outros pontos centrais: garantir a gestão democrática da ADSE pelos seus associados; alargamento dos beneficiários dentro do perímetro do Estado (contratos individuais de trabalho na administração pública não devem ser excluídos); as famílias devem ser contribuintes activas do sistema; promoção do regime convencionado em detrimento do regime livre; revisão dos preços e benefícios terá de ser realizada – a ADSE tem que conhecer o mercado e a actividade clínica; é importante conhecer as preferências dos beneficiários.
Eugénio Rosa – Referiu a importância de dar segurança aos beneficiários e de estes terem controle sem haver desresponsabilização do Estado. Não se deve tomar a ADSE como um mero seguro de saúde. Falou das diferenças de custos por escalão etário. Falou na ADSE como instrumento complementar ao Serviço Nacional de Saúde. Quanto à questão da ADSE financiar os prestadores privados, referiu que o Serviço Nacional de Saúde também o faz. Referiu ainda que a ADSE faz parte do estatuto laboral dos funcionários públicos, é um complemento salarial dado em espécie, daqui retirando implicações: que o âmbito da ADSE é a função pública, e como tal é só para os trabalhadores da função pública e não deve ser alargada a toda a população. Defende um modelo de instituto público de gestão participada, com a sua criação através de um diploma inovador. Apresentou ideias sobre o desenho organizacional para garantir uma efectiva participação dos associados.

Alberto Regueira – Focou no que motiva o interesse pela ADSE, incluindo uma referência ao mau funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, e a importância da relação de confiança com o médico. Falou na importância de ser gerida por profissionais de forma eficiente. Colocou diversas questões para discussão: porque manda o Governo na ADSE se esta é auto-financiada? que participação dos associados está prevista pela solução do Ministério da Saúde? irá haver apoio financeiro público à ADSE? porque não abrir a novas camadas de associados, mesmo fora do sector público? o que sucederia ao Serviço Nacional de Saúde se tivesse que responder à actividade da ADSE?

A discussão que se seguiu evidenciou a diferença entre as soluções de associação mutualista privada, com estatuto de utilidade pública, e de instituto público de gestão partilhada, sendo discutidas as vantagens e desvantagens, possibilidades e impossibilidades, de cada um dos modelos.

Não ficou a discussão fechada, pelo que certamente iremos continuar a falar do tema.

 

 

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Imagem cortesia de Jorge Simões


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Opinião sobre a evolução da ADSE

tornada pública no início de Agosto, disponível no site da ADSE (aqui) para quem tiver paciência para ler e não ficar apenas pelos resumos saídos na imprensa.


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ADSE de novo…

Há ocasiões em que as previsões dos economistas resultam. Este é uma delas. O Tribunal de Contas (aqui) veio dar conta que a ADSE teve um excedente causado pelo aumento da taxa de contribuição ocorrido.

É então agora tempo de procurar saber o que se faz, e existem 4 opções:

a) não fazer nada, e o excedente verificado reverter para o Orçamento do Estado. Esta opção favorece as contas públicas, e corresponde na verdade a uma tributação adicional dos funcionários públicos que continuam beneficiários da ADSE. A eventual vantagem seria receberem transferências do Orçamento do Estado no futuro, se ocorresse uma situação de défice da ADSE (despesas superiores às receitas). Não é uma solução credível (não acredito na segunda parte), e seria sempre pouco transparente quanto à evolução esperada das despesas e receitas. Seria uma situação em que havendo défice seria pago pelo orçamento do estado, e logo haveria uma pressão para aumentar os benefícios recebidos uma vez que qualquer alteração seria paga, a partir do momento de défice, pelo Orçamento do Estado.

b) Devolver a verba do excedente dos beneficiários reduzindo a taxa de contribuição no valor necessário no próximo ano. Tem a vantagem de “acertar passo” rapidamente. Tem a desvantagem de levar a que a taxa de contribuição possa passar a flutuar de ano para ano com frequência.

c) Criar um fundo para despesas futuras, ou de estabilização, com uma taxa de remuneração paga pelo Estado igual à taxa de juro da dívida pública, ou haver regras de investimento dessa verba em activos que tenham alguma rentabilidade. Este fundo seria usado no futuro quando ocorressem aumentos inesperados nas despesas da ADSE e para suavizar futuros aumentos das taxas de contribuição que sejam necessários.

d) Aumentar os benefícios da ADSE, de modo a gastar integralmente esta verba adicional. Face às previsíveis despesas futuras com saúde e seu aumento, esta será provavelmente uma má ideia. A decisão sobre benefícios dados tem que ser baseada numa análise cuidada sobre o valor e o custo desses benefícios, e não numa lógica de gastar dinheiro apenas porque se criou um excedente.

Destas opções, a minha preferência vai para a c), criação de um fundo, e a que é de evitar é a d) aumentar benefícios apenas porque sim.

Uma análise mais detalhada do longo relatório do Tribunal de Contas, fica para depois de férias.

(actualização: declarações à TSF, ao minuto 5:25)

Série de posts passados (Janeiro/Fevereiro 2014):

a adse e o veto do presidente da república

ADSE – o que significa a nova taxa de contribuição?

sair da ADSE é possível? é!

gestão da ADSE pelos funcionários públicos

reportagem público sobre ADSE


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estudo da ERS “Os seguros de saúde e o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde” (I)

A Entidade Reguladora da Saúde publicou recentemente um estudo sobre os seguros de saúde e o acesso a cuidados de saúde (disponível aqui).

Como ponto central desse estudo, a meu ver, está a consideração de as práticas de contratos de seguro actualmente presentes em Portugal não assegurarem, caso não houvesse Serviço Nacional de Saúde, cobertura universal de toda a população.

Como segundo ponto de interesse está a avaliação do eventual ganho de saída da ADSE para seguros de saúde voluntários, definindo-se dois grupos de pessoas que poderão ter vantagem nessa saída: jovens solteiros e sem filhos (porque o valor do seguro privado é relativamente baixo) e “indivíduos com remunerações anuais mais altas” (porque o valor da sua contribuição para a ADSE é elevada).

O estudo da ERS tem no seu capítulo 2 uma discussão do papel dos seguros no contexto do sistema de saúde português, numa perspectiva agregada. Alguns comentários podem ser adicionados à discussão que é feita – é referido, quanto ao financiamento do sistema de saúde português, que o “financiamento privado se tornou mais importante, crescendo de 30,3% para 34%”, mas deve-se acrescentar que só a redução das isenções fiscais (que surge com o nome “Outras unidades da administração pública”) baixaram de 5,7% em 2004 para 2,8% em 2013, tendo como contrapartida o aumento do que é considerado despesa privada. Isto é, a despesa feita com entidades privadas prestadoras de cuidados de saúde não é muito diferente do que era, a forma como é financiada é que mudou. Baixou a parte da despesa que era financiada indirectamente pelo Estado através das deduções fiscais.

É também feita uma chamada de atenção para a proporção das despesas pagas directamente pelas famílias (out-of-pocket), em que mais uma vez o papel da redução das deduções fiscais é aqui relevante. No caso dos pagamentos directos, seria interessante conseguir-se saber que parte da despesa privada via pagamentos directos é determinada por decisões do Serviço Nacional de Saúde e o que é decisão privada pura. Por exemplo, a componente de comparticipação de medicamentos, que é um elemento grande nas despesas privadas das famílias, é em grande medida determinada pelos médicos do SNS, só a componente de auto-medicação é decisão privada e financiamento privada. A parte paga pelos cidadãos nos medicamentos prescritos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde é decisão pública e financiamento privado.

Realizar estas distinções torna-se importante para perceber o que está por detrás da evolução destes valores.

(continua…)


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o mercado de cuidados hospitalares privado e o SNS (take 2, continuação)

O post anterior gerou alguma discussão via facebook, sobretudo. As questões e interpretações que foram dadas aos valores da Conta Satélite da Saúde merecem que retome o tema, com alguma informação adicional.

Os valores do post anterior pretenderam dar unicamente resposta a uma pergunta simples: quanto vale o mercado onde se insere a actividade da Espirito Santo Saúde?

Como a Espirito Santo Saúde tem prestação de cuidados de saúde privados e tem a gestão do Hospital de Loures, a conta satélite da saúde permite dar resposta, até porque num dos seus cruzamentos de informação tem a gestão privada de hospitais com financiamento público (as PPP da saúde). Dependendo do que se quer medir, essa inclusão das PPP na gestão privada é relevante ou não. Para dar a resposta à pergunta colocada, deve-se incluir.

A partir destes números houve dois tipos de interpretação adicionais: primeiro, se o crescimento da actividade privada corresponde a um desinvestimento do SNS; e, segundo, o peso dos pagamentos privados out-of-pocket no rendimento das famílias.

Sobre o primeiro aspecto, os dados de despesa ou financiamento, como os constantes da Conta Satélite da Saúde, são pouco elucidativos pois incluem efeitos preço e efeitos quantidade. Por exemplo, se o SNS fizer exactamente o mesmo que antes, mas pagar salários mais baixos devido aos cortes globais na função pública, então a proporção da despesa total financiada pelo SNS irá diminuir, mas sem que isso corresponda a qualquer desinvestimento e apenas como reflexo de maior eficiência. Significa que para uma redução do peso do SNS no financiamento se tem pelo menos duas interpretações opostas compatíveis com essa observação. É preciso informação adicional para conseguir separar os dois efeitos.

Neste contexto, o crescimento da prestação privada de cuidados hospitalares com financiamento do SNS está associada pelo menos parcialmente com as PPP, tal como consta do boletim Destaque do INE. E os números sobre o papel do SNS eram sobre quanto do financiamento dos hospitais privados tinha origem no SNS (a base é o total da despesa privada em hospitais) e não que percentagem da despesa do SNS vai para hospitais privados (a base neste caso é o total da despesa feita pelo SNS). Do quadro seguinte vê-se que o financiamento do SNS a hospitais privados, onde se inclui as PPP, é 5,28% da despesa total do SNS, e os pagamentos a entidades privadas do SNS são 34,73% do total da despesa do SNS. O pagamento de medicamentos e de serviços de ambulatório são o grosso da despesa do SNS com privados.

Quadro E.3.2.1 – Despesa corrente por prestador de cuidados de saúde e agente financiador (preços correntes)
Unit: 1000 € Prestadores de cuidados de saúde Serviço Nacional de Saúde
National Health Service
HF.1.1.1 %
HP.1 Hospitais 5073344
Públicos 4607360 52,24%
Privados 465984 5,28%
HP.2 Estabelecimentos de enfermagem com internamento e de cuidados residenciais especializados (privados) 112989 1,28%
HP.3 Prestadores de cuidados de saúde em ambulatório 2215651
HP.3.1-HP.3.3; HP.3.6 Consultórios ou gabinetes médicos, de medicina dentária, de outros prestadores de cuidados de saúde e prestadores de serviços de cuidados de saúde domiciliários – privados 126126 1,43%
HP.3.4 Centros de cuidados de saúde especializados em ambulatório (SNS) 1060003 12,02%
HP.3.4 Centros de cuidados de saúde especializados em ambulatório públicos (outros) e particulares com e sem fins lucrativos 507430 5,75%
Públicos 24650 0,28%
Privados 482780 5,47%
HP.3.5 Laboratórios médicos e de diagnóstico 381082 4,32%
Públicos 29206 0,33%
Privados 351876 3,99%
HP.3.9 Outros fornecedores de cuidados de saúde em ambulatório 141010
Públicos 31182 0,35%
Privados 109828 1,25%
HP.4 Venda a retalho e outros fornecedores de artigos médicos (inclui Farmácias) 1326383 15,04%
HP.5 Provisão e administração de programas de saúde pública 3451 0,04%
HP.6 Administração e seguros de saúde em geral 50110 0,57%
HP.7 Todas as outras atividades 1740 0,02%
HP.9 Resto do Mundo 35263 0,40%
% a privados 34,73%

Utilizando informação disponibilidade pela PORDATA sobre internamentos, consultas em centros de saúde e urgências, com base em informação do INE, pode-se calcular a percentagem da actividade do SNS no total do país (embora apenas até 2011, não se podendo por isso realizar uma apreciação do actual Governo neste aspecto). A principal regularidade é uma tendência de redução, mas pouco acentuada, da actividade do SNS face ao total. Infelizmente, nada se pode dizer (ainda) sobre os anos mais recentes, do período da Troika.

Oa gráficos seguintes, referentes à actividade desenvolvida, tal como reportada pela PORDATA aqui e aqui (para o SNS), permitem dizer que 2000 a 2011 (último ano disponível):

– os internamentos, as consultas e as urgências passaram a ter um ligeiro aumento da participação privada, numa tendência longa de uma década;

– o número de episódios de internamento está a baixar no sector público e no sector privado; o mesmo se pode dizer das urgências;

– as consultas por seu lado estão a aumentar que no sector público quer no sector privado.

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o mercado de cuidados hospitalares privados

Ao longo do processo (já longo…) de venda da Espírito Santo Saúde recebi várias vezes a mesma pergunta, qual a dimensão do mercado privado da saúde? na verdade, a pergunta é qual a dimensão do mercado de cuidados hospitalares privados, que é afectado por esta venda, já que o mercado privado da saúde inclui medicamentos, laboratórios de análises, etc.

A fonte mais abrangente de informação é a Conta Satélite da Saúde, publicada pelo INE.

De acordo com a informação disponível, as despesas com hospitais privados têm vindo a aumentar de forma regular, tendo atingido 1500 milhões de euros em 2012. (Figura 1)

Figura 1: despesas totais e despesas privadas com hospitais

Em percentuais, o crescimento dos hospitais privados na despesa total é mais acelerada, na medida em que a despesas nos hospitais públicos se reduziu nos últimos três anos, consequência das políticas salariais, de recursos humanos e de compressão dos preços dos medicamentos em ambiente hospitalar. (Figura 2)

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Interessante é também conhecer quem paga estes cuidados hospitalares privados. À frente está o bolso dos cidadãos, com 35%, seguido de serviços pagos pelo SNS com 31%, subsistemas públicos (ADSE sobretudo) com 21% e subsistemas e seguros de saúde privados com cerca de 11%. Em termos de evolução, tem vindo a baixar a proporção de pagamentos directos dos cidadãos, por contraponto de aumento dos pagamentos do SNS e da ADSE. Ou seja, em termos globais, nacionais, parte substancial do crescimento tem sido feito por aumento das ligações ao SNS, e também por crescimento da actividade financiada pela ADSE. As dificuldades financeiras das famílias devem ter tido um papel relevante na diminuição da importância relativa dos pagamentos directos (que baixaram em valor absoluto face ao valor máximo registado em 2008). (Figura 3)

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o relatório sobre a 11ª avaliação da troika – saúde (2)

A segunda constatação referente à 11ª avaliação da troika no sector da saúde é o que se passará na ADSE – é explicitamente mencionado o aumento a partir de maio da contribuição dos beneficiários.  O que é menos explícito é o que se passará com o excedente que seja gerado. A leitura do que está escrito no memorando de entendimento indicia que o excedente gerado transferido para o orçamento do estado, seja por contrapartida da despesa com medicamentos que é paga pelo SNS e que assim seria paga pela ADSE, ou simplesmente devolução dos 1,25% de contribuição do orçamento do estado se os 3,5% assegurarem o auto-financiamento da ADSE. Nada é dito sobre o que deve suceder caso os 3,5% excedam o que é necessário para esse auto-financiamento. A opção nesse caso será puramente nacional e não tem qualquer compromisso assumido.

Creio que só será possível saber que opções são realmente tomadas a este respeito com o orçamento de estado para 2015, e com o tratamento que aí for dado às contribuições para a ADSE e respectivo excedente gerado em 2014 (se o houver, de facto, como me parece provável).


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a adse e o veto do presidente da república

O Presidente da República não promulgou o aumento da contribuição para a ADSE, sendo que o diploma legal continha também uma transferência a titulo de consumo de medicamento que foi igualmente vista com olhos negativos (ler aqui).

Esta decisão não deve ser vista como uma surpresa, nem num caso nem no outro.

O aumento na taxa de contribuição para a ADSE tinha o objectivo de gerar um excedente (lucro) a ser depois transferido para financiar as despesas públicas em geral (contribuição para baixar o défice público). Do ponto de vista do Orçamento do Estado pretendia ser uma forma equivalente a baixar salários e pensões. Ora, o Estado fazer lucro com a ADSE através de um aumento das contribuições dos trabalhadores acima do valor necessário para o seu equilíbrio financeiro, mesmo que o Estado reduzisse a zero a sua contribuição directa, foi considerado como abusivo por parte da Presidência da República. E bem, a meu ver, pois constituiria um “abuso de poder de mercado”. O que está previsto desde o início é a contribuição do orçamento do estado passar a zero, e até aí, para compensar essa diminuição de receita, poderá ser aumentada a contribuição.

O segundo aspecto é a transferência de verba da ADSE para o SNS a título de despesa com medicamentos. O argumento é o de que os medicamentos se encontram já cobertos pelo SNS. Este argumento é verdadeiro mas só até certo ponto. Exemplos ajudam a ilustrar. Suponhamos um doente crónico, que tem sempre a mesma despesa mensal em medicamentos, e que não se altera ao longo do ano. Se não tiver ADSE tem esse consumo pago pelo SNS. Se tiver ADSE, como paga os mesmos impostos, a cobertura dada pelo SNS continua a ser dada (de outro modo discriminam-se os cidadãos com base no subsistema que usam, e apenas por isso), logo não deve ser feita qualquer transferência.

Suponha-se agora que esse mesmo doente por ter ADSE vai mais facilmente a consultas de especialidade (uma hipótese alicerçada na evidência empírica disponível), e que nessas consultas são prescritos medicamentos. Como resultam de “consumo adicional” que não ocorreria caso o doente não tivesse ADSE devem ser imputados à cobertura ADSE. De outro modo, a existência da ADSE gera despesa indirecta para o Serviço Nacional de Saúde. É este acréscimo que deve ser pago pela ADSE ao SNS e não toda a despesa, pois este acréscimo corresponde ao efeito de procura adicional de cuidados de saúde gerada pela cobertura ADSE.

Agora, segundo o i-online (aqui), o diploma seguiu para a Assembleia da República tal qual estava, e por isso vamos assistir a uma batalha política sobre como reduzir salários “por linhas tortas” dos funcionários públicos, com a única diferença de neste caso haver para os funcionários públicos uma possibilidade de evitar esse corte, saírem da ADSE, o que poderá complicar as contas de receita a transferir da ADSE para o orçamento do Estado. Será que ainda se ouvirá o argumento de como os beneficiários da ADSE receberam do orçamento do estado no passado é agora justo que paguem para esse orçamento do estado mais do que os outros cidadãos? (há dias em que nada me surpreende)

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reportagem público sobre ADSE

no fim de semana passado, o Público fez uma grande reportagem sobre a ADSE, que complementa os posts que fui colocando. Os links para o público:

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/ministerio-assume-que-fim-da-adse-levaria-a-aumento-das-listas-de-espera-no-sns-1623848

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/governo-admite-abrir-adse-a-trabalhadores-do-estado-com-contrato-individual-1623896

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/retratos-de-utilizadores-jaime-ribeiro-funcionario-publico-que-saiu-da-adse-1623812

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/retratos-de-utilizadores-da-adse-joao-funcionario-publico-com-adse-e-elisabete-funcionaria-publica-sem-adse-1623811

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/privados-elogiam-mas-dizem-que-os-utentes-pagam-mais-do-que-o-estado-1623804

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/seguradoras-acreditam-que-ha-espaco-para-novos-clientes-sem-mudarem-a-oferta-1623806

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/adse-um-sistema-com-50-anos-1623864


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gestão da ADSE pelos funcionários públicos

Há dias, surgiu a sugestão de a ADSE passar a ser gerida por uma entidade que represente os funcionários públicos (ver por exemplo aqui). No momento em que todo o financiamento seja assegurado pelos beneficiários, sem verbas do orçamento do estado, é uma ideia que faz todo o sentido e deverá ser considerada no leque de opções possíveis.

Claro que se continuará a colocar a questão de saber qual o modelo para o qual deve evoluir, seguro complementar ou seguro de “opting-out”, mas tornará toda a situação mais clara.

A definição de benefícios e de contribuições passará a ser uma decisão de quem paga e beneficia da protecção, e permitirá abrir a ADSE a outros universos. Sem avançar pelo caminho de opting out, a ADSE irá aproximar-se do modelo de seguro comercial, mas deixando de ser um problema de decisão do sector público. O exemplo do sistema de saúde dos bancários mostra que essa é uma  solução viável, mesmo a prazo, contendo naturalmente riscos (mas também oportunidades).