Ainda sobre o estudo da ERS, agora acabado de ler, há algumas observações adicionais a serem feitas.
A primeira é de ordem técnica. A caracterização feita a partir da concentração de mercado como sendo de concorrência monopolística implica a existência de diferenciação de produto, não sendo claro qual a fonte dessa diferenciação aos olhos dos consumidores. Uma alternativa é pensar em termos de mercado com produto relativamente homogéneo (a cobertura oferecida não diferir muito entre companhias de seguros).
A segunda respeita à amostra de conveniência recolhida online para caracterizar o perfil do tomador de seguro. Torna-se muito claro que há uma auto-selecção enorme, mais acentuada nos que dizem ter seguro), com concentração numa faixa etária mais jovem e possivelmente também mais educada e com mais rendimento do que a média da população em geral, e provavelmente do que a média dentro de cada grupo etário. Estas observações são reconhecidas no relatório, mas não é demais assinalar as cautelas necessárias na interpretação dos resultados.
Na análise da satisfação com o seguro contratado, seria importante conhecer as respostas discriminadas com o ter ou não utilizado o seguro.
A dada altura, página 52, é realizada uma extrapolação sobre a capacidade de um sistema de seguro assegurar a universalidade do acesso a cuidados de saúde com base no que os seguros são hoje. A questão que se coloca é se os seguros seriam os mesmos, por um lado, e sobretudo se os preços seriam os mesmos. Corre-se o risco de estar a extrapolar para fora do domínio de estimação. Não que me pareça a conclusão inverosímil ou improvável. É normal que o seguro de saúde privado anual não consiga garantir a universalidade. Basta pensar que no caso de doenças crónicas, o risco desapareceu em grande medida, e a forma do seguro privado anual funcionar é com base na diversificação de risco. Se não há risco, não há diversificação. Em sistemas públicos de saúde, este problema não surge devido à redistribuição incluída no financiamento do sistema de saúde.
Os planos de saúde e cartões de saúde são tratados, e bem, como sendo sobretudo planos de desconto de preços, onde pela agregação de quantidades, o gestor do plano ou cartão tem capacidade de negociar melhores preços junto dos prestadores de cuidados de saúde.
A discussão sobre a ADSE tem que ser feita com grande cautela, pois houve alterações nos últimos 5 anos. O peso dos regimes convencionado e livre alterou-se em termos relativos mas muito pouco em termos nominais. A razão para isso foi a internalização no SNS do que eram despesas pagas pela ADSE ao SNS pelas quais a ADSE recebida uma transferência do Orçamento do Estado – esse valor passou a estar automaticamente dentro do orçamento do SNS. Também as despesas com medicamentos tiveram igual tratamento. Significa que as contribuições dos utentes têm agora que cobrir apenas essas despesas com prestadores privados. Contudo, só em 2014 se verifica uma situação em que não há dinheiro público canalizado para a ADSE pois antes dessa data os organismos públicos enquanto entidades patronais continuaram a pagar para a ADSE.