Category Archives: Parcerias Público-Privadas
PPPs e Entidade Reguladora da Saúde (6)
PPPs e a Entidade Reguladora da Saúde (5)
PPPs e o estudo da Entidade Reguladora da Saúde (4)

PPPs e o estudo da Entidade Reguladora da Saúde (3)
PPPs e o estudo da Entidade Reguladora da Saúde (1)
A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) disponibilizou (aqui) no final da semana passada uma análise da experiência das PPPs hospitalares, olhando para os 4 hospitais do SNS que estão nessa situação (Hospitais de Cascais, Braga, Vila Franca de Xira e Loures).
As conclusões do estudo pretendem informar o decisor político quando se aproximam decisões relevantes sobre a continuação ou não da gestão privada das actividades clinicas destes hospitais. Adiantando a principal conclusão, não resulta da análise realizada qualquer indicação clara, deixando ao decisor politico a liberdade de escolher o caminho que considerar mais apropriado, de acordo com o que valorizar mais. De acordo com o estudo da ERS, em muitas das dimensões analisadas não há distinção substantiva entre hospitais geridos em PPP e os hospitais do sector público (EPE), e nalgumas dimensões os hospitais em PPP têm vantagem, e noutras têm desvantagem.
Do ponto de vista de actuação política, este estudo da ERS corresponde ao cumprimento de uma medida que estava no programa do actual Governo, de avaliação da experiência das PPP, para informar a decisão política, leia-se a negociação com os parceiros de apoio parlamentar, por um lado, e talvez mesmo dentro do partido do Governo, uma vez que foi o PS que no passado “resgatou” para a gestão pública uma experiência de gestão privada, o Hospital Amadora-Sintra. Seria aliás instrutivo ver qual o efeito do movimento PPP para sector público no desempenho do hospital, complementando a análise implícita de passar do sector público para PPP.
Sobre se esta conclusão é surpreendente, e ainda antes de analisar os diferentes pontos do estudo da ERS, é fácil antecipar que este seria o resultado em grande medida. Isto é, considerando um número suficientemente grande de indicadores, então será natural encontrar que 4 hospitais não consigam dominar em todos os indicadores os restantes hospitais do sector público. Por isso mesmo qualquer redefinição da análise levaria provavelmente a conclusão idêntica se se focar num conjunto suficientemente amplo de indicadores (e é sempre possível argumentar que é necessário mais um indicador para cobrir alguma dimensão relevante).
Dito isto, é útil ainda assim passar em revista o estudo da ERS, uma vez que sendo claramente um trabalho cuidado, há aspectos adicionais que podem (e devem, a meu ver) ser analisados com o mesmo conjunto de informação. Nos próximos dias serão discutidos os vários capítulos do estudo da ERS.
o mercado de cuidados hospitalares privado e o SNS (take 2, continuação)
O post anterior gerou alguma discussão via facebook, sobretudo. As questões e interpretações que foram dadas aos valores da Conta Satélite da Saúde merecem que retome o tema, com alguma informação adicional.
Os valores do post anterior pretenderam dar unicamente resposta a uma pergunta simples: quanto vale o mercado onde se insere a actividade da Espirito Santo Saúde?
Como a Espirito Santo Saúde tem prestação de cuidados de saúde privados e tem a gestão do Hospital de Loures, a conta satélite da saúde permite dar resposta, até porque num dos seus cruzamentos de informação tem a gestão privada de hospitais com financiamento público (as PPP da saúde). Dependendo do que se quer medir, essa inclusão das PPP na gestão privada é relevante ou não. Para dar a resposta à pergunta colocada, deve-se incluir.
A partir destes números houve dois tipos de interpretação adicionais: primeiro, se o crescimento da actividade privada corresponde a um desinvestimento do SNS; e, segundo, o peso dos pagamentos privados out-of-pocket no rendimento das famílias.
Sobre o primeiro aspecto, os dados de despesa ou financiamento, como os constantes da Conta Satélite da Saúde, são pouco elucidativos pois incluem efeitos preço e efeitos quantidade. Por exemplo, se o SNS fizer exactamente o mesmo que antes, mas pagar salários mais baixos devido aos cortes globais na função pública, então a proporção da despesa total financiada pelo SNS irá diminuir, mas sem que isso corresponda a qualquer desinvestimento e apenas como reflexo de maior eficiência. Significa que para uma redução do peso do SNS no financiamento se tem pelo menos duas interpretações opostas compatíveis com essa observação. É preciso informação adicional para conseguir separar os dois efeitos.
Neste contexto, o crescimento da prestação privada de cuidados hospitalares com financiamento do SNS está associada pelo menos parcialmente com as PPP, tal como consta do boletim Destaque do INE. E os números sobre o papel do SNS eram sobre quanto do financiamento dos hospitais privados tinha origem no SNS (a base é o total da despesa privada em hospitais) e não que percentagem da despesa do SNS vai para hospitais privados (a base neste caso é o total da despesa feita pelo SNS). Do quadro seguinte vê-se que o financiamento do SNS a hospitais privados, onde se inclui as PPP, é 5,28% da despesa total do SNS, e os pagamentos a entidades privadas do SNS são 34,73% do total da despesa do SNS. O pagamento de medicamentos e de serviços de ambulatório são o grosso da despesa do SNS com privados.
Quadro E.3.2.1 – Despesa corrente por prestador de cuidados de saúde e agente financiador (preços correntes) | |||
Unit: 1000 € | Prestadores de cuidados de saúde | Serviço Nacional de Saúde | |
National Health Service | |||
HF.1.1.1 | % | ||
HP.1 | Hospitais | 5073344 | |
Públicos | 4607360 | 52,24% | |
Privados | 465984 | 5,28% | |
HP.2 | Estabelecimentos de enfermagem com internamento e de cuidados residenciais especializados (privados) | 112989 | 1,28% |
HP.3 | Prestadores de cuidados de saúde em ambulatório | 2215651 | |
HP.3.1-HP.3.3; HP.3.6 | Consultórios ou gabinetes médicos, de medicina dentária, de outros prestadores de cuidados de saúde e prestadores de serviços de cuidados de saúde domiciliários – privados | 126126 | 1,43% |
HP.3.4 | Centros de cuidados de saúde especializados em ambulatório (SNS) | 1060003 | 12,02% |
HP.3.4 | Centros de cuidados de saúde especializados em ambulatório públicos (outros) e particulares com e sem fins lucrativos | 507430 | 5,75% |
Públicos | 24650 | 0,28% | |
Privados | 482780 | 5,47% | |
HP.3.5 | Laboratórios médicos e de diagnóstico | 381082 | 4,32% |
Públicos | 29206 | 0,33% | |
Privados | 351876 | 3,99% | |
HP.3.9 | Outros fornecedores de cuidados de saúde em ambulatório | 141010 | |
Públicos | 31182 | 0,35% | |
Privados | 109828 | 1,25% | |
HP.4 | Venda a retalho e outros fornecedores de artigos médicos (inclui Farmácias) | 1326383 | 15,04% |
HP.5 | Provisão e administração de programas de saúde pública | 3451 | 0,04% |
HP.6 | Administração e seguros de saúde em geral | 50110 | 0,57% |
HP.7 | Todas as outras atividades | 1740 | 0,02% |
HP.9 | Resto do Mundo | 35263 | 0,40% |
% a privados | 34,73% |
Utilizando informação disponibilidade pela PORDATA sobre internamentos, consultas em centros de saúde e urgências, com base em informação do INE, pode-se calcular a percentagem da actividade do SNS no total do país (embora apenas até 2011, não se podendo por isso realizar uma apreciação do actual Governo neste aspecto). A principal regularidade é uma tendência de redução, mas pouco acentuada, da actividade do SNS face ao total. Infelizmente, nada se pode dizer (ainda) sobre os anos mais recentes, do período da Troika.
Oa gráficos seguintes, referentes à actividade desenvolvida, tal como reportada pela PORDATA aqui e aqui (para o SNS), permitem dizer que 2000 a 2011 (último ano disponível):
– os internamentos, as consultas e as urgências passaram a ter um ligeiro aumento da participação privada, numa tendência longa de uma década;
– o número de episódios de internamento está a baixar no sector público e no sector privado; o mesmo se pode dizer das urgências;
– as consultas por seu lado estão a aumentar que no sector público quer no sector privado.
Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health da Comissão Europeia
Três documentos do Expert Panel on Effective Ways of Investing in Health da Comissão Europeia, sobre:
a) definição de cuidados de saúde primários
b) critérios de avaliação de sistemas de saúde
E sobre o painel e as suas actividades, ver aqui.
as Parcerias Público-Privadas, segundo Joaquim Miranda Sarmento
decorreu na sexta-feira passada a apresentação do livro sobre PPP no el corte inglês, onde o autor sintetizou as razões pelas quais não correram bem em Portugal, genericamente falando:
a) não houve uma separação clara entre três decisões (onde fazer “obra pública”? como financiar? que políticas sectoriais devem ser definidas?), o que levou à realização de maus projectos. Como exemplo as auto-estradas que não têm circulação considerada suficiente para as justificar (3,000-4,000 veículos em lugar de 12,000 /dia), com a decisão política de ligar todas as capitais de distrito por auto-estrada.
b) a tentação orçamental – realizar investimento sem aparecer no défice público nesse momento em que é realizado, o comparador do sector público não foi sempre utilizado (ou sequer calculado).
c) fizeram-se muitos projectos, em que cada um é uma pequena parte de um volume global que acaba por ser muito significativo.
Depois do processo associado com o lançamento de PPPs, há o seguimento – frequentemente o processo para o sector público parecia terminar na assinatura do contrato, mas na verdade esse é apenas o começo de uma outra fase. E houve muitas renegociações de alterações unilaterais de contrato (nomeadamente nas PPP rodoviárias), sem se ter um cálculo detalhado de qual foi o custo dessas alterações.
Como bom exemplo deu a Fertagus, em que houve a renegociação para valores sustentáveis, com bom serviço aos utentes, sendo provavelmente relevante o risco reputacional e o menor poder negocial do parceiro privado por estar em processo financeiro delicado.
Uma recensão mais longa do livro está disponível aqui, e informação sobre um outro livro que analisa as PPP em Portugal: aqui .
Trocas de identidade, ghost writing e jornais
Quando se escreve para jornais, correm-se sempre alguns riscos. Há umas semanas recebi o convite para escrever um comentário sobre um dos ensaios recentes da Fundação Francisco Manuel dos Santos, sobre parcerias público – privadas.
Assim fiz, o artigo saiu tão bom que o jornalista do DN que tratou de incluir na paginação (acho eu) não acreditou que eu pudesse ser o autor, vou encarar como um elogio, e atribuiu o texto a Joaquim Miranda Sarmento (o autor do ensaio). Apesar do texto estar assinado no final. Como assumo as minhas ideias, que não precisam de ser subscritas pelo Joaquim Miranda Sarmento, aqui fica a informação de que o texto saído hoje no suplemento Qi do Diário de Notícias sobre PPPs é da minha autoria, e a versão completa (uma vez que houve ligeira edição do DN) segue abaixo.
Nestas coisas de troca de identidade involuntária apenas posso garantir que não fiz ghost writing ! Mas que ficou no ar a correlação com o regresso dos Monty Python.
As PPP foram boas ou más para Portugal?
O convite para um comentário ao ensaio Parcerias Público – Privadas, da autoria de Joaquim Miranda Sarmento, partiu do jornal Diário de Notícias. Tal como o texto original é um ensaio, também neste comentário é usado o lema pensar livremente.
Os comentários refletem a minha opinião, mais ou menos informada, consoante os casos, pela evidência disponível e pela discussão teórica sobre o tema. Todos estes comentários estão sujeitos ao contraditório do leitor, a quem se lança o mesmo desafio: pensar, sem restrições, o que são e que efeitos produzem na economia portuguesa as parcerias público – privadas (PPP).
Sobre o que são as PPP
O ensaio de Miranda Sarmento faz uma apresentação e discussão das parcerias público – privadas (PPP) em Portugal, embora contenha uma referência ao contexto internacional. Um texto desta natureza tem que inevitavelmente começar com a definição do que são as PPP. O ensaio não foge a essa regra. A definição apresentada diz-nos em geral se cada autor adopta uma visão mais jurídica ou mais económica no tratamento do tema. Neste ensaio, adopta-se uma visão mais próxima dos aspectos económicos.
A definição apresentada define PPP como um contrato entre o sector público e uma entidade privada, “de acordo com requisitos definidos no contrato” para prestação de um serviço que será remunerado. A esta definição falta uma característica fundamental, que está presente de qualquer modo no restante texto do ensaio e que é o elemento económico mais relevante para se perceber como funciona e que problemas pode ter uma PPP: o ser um contrato de muito longo prazo (dez, vinte, trinta ou mais anos). É a duração do contrato que determinará um conjunto de efeitos que em relações de duração mais curta, por exemplo de um ano, não necessitam de ser analisados.
É igualmente importante distinguir, tal como é feito no ensaio, as PPP do que é uma privatização (definida como transferência de ativos e gestão desses ativos para a esfera de decisão privada) mas também do que é a contratação pura de um serviço a ser prestado ou um produto a ser adquirido pelo Estado. Por exemplo, se uma empresa privada prestar um serviço de limpeza das instalações de uma entidade que preste cuidados de saúde à população, com um contrato renovado anualmente e onde estão especificadas condições e objectivos da limpeza, há um contrato com requisitos a serem preenchidos e um serviço a ser remunerado, mas não há uma PPP. O elemento que faz a distinção é a duração da relação económica.
O ensaio é claro a estabelecer que o uso das PPP é interessante do ponto vista financeiro para o Estado. Ao contrário do que usualmente se pensa, o interesse não decorre do custo de financiamento e sim de outras vantagens económicas (e que não são a desorçamentação, isto é, retirar do Orçamento do Estado essa despesa no momento atual, como se falará adiante). O custo do financiamento público é normalmente mais baixo que o custo do financiamento privado porque há menor risco de um Estado não pagar do que uma empresa ou instituição financeira. Ter uma PPP para baixar o custo de financiamento não tem sentido, pois só muito raramente sucede. O custo financeiro do Estado suportar risco é também inferior a esse custo no sector privado, apenas pela maior capacidade de diversificação de risco. Assim, a existência de PPP não pode ser justificada pelos custos de financiamento ou pela transferência de riscos para o sector privado. Se apenas as componentes financeiras estão presentes, a PPP não tem justificação económica. Este aspecto, embora aflorado no ensaio, não está suficientemente destacado, na minha opinião. E tal implica que a vantagem económica de uma PPP tenha que ser procurada noutros elementos, o que permitirá perceber o papel das transferências de risco nas PPP, um dos elementos mais susceptíveis de ter interpretações erradas.
Uma PPP tem vantagem económica se conseguir construir a infraestrutura ou prestar o serviço de forma mais eficiente do que se for uma entidade pública a fazê-lo. Será da divisão entre as duas partes das poupanças geradas por essa maior eficiência que se conseguirá ao mesmo tempo remunerar a parte privada e levar a menor despesa pública. Atingir estes dois objectivos ao mesmo tempo só é possível com ganhos de eficiência e os ganhos de eficiência obtidos pela parte privada são conseguidos por esta ter que suportar o risco associado com o maior custo, se não for eficiente.
Significa este princípio que a existência de partilha de risco num contrato PPP não é um objectivo do contrato. É um instrumento do contrato. Esta distinção faz toda a diferença, uma vez que a vantagem da PPP tem que ser encontrada noutros aspectos que não a capacidade de suportar risco.
Uma questão interessante é porque há necessidade de a parte privada de uma PPP constituir uma empresa independente que tem como único objecto a PPP. Há, por um lado, que monitorizar a actividade por parte das entidades públicas, que se torna mais simples desta forma. E há, por outro lado, a vantagem da própria parte privada isolar a PPP e os seus riscos das outras actividades que possa ter.
O custo de financiamento de uma PPP
A discussão do ensaio sobre o custo de financiamento de uma PPP ilustra uma tensão fundamental. O custo de financiamento privado é tanto mais baixo quanto menor for o risco suportado pela parte privada, mas ter a parte privada a suportar risco é essencial para que as vantagens económicas da realização da PPP sejam realizadas.
A preponderância do sector financeiro em Portugal fez com que aos poucos a atenção se fosse desviando da partilha de risco como instrumento para a parte privada ser eficiente para colocar a parte pública a suportar risco como forma de baixar o custo de financiamento. O que é inverter a lógica de criação da PPP em primeiro lugar, apesar de ser racional o que é defendido pelo sector financeiro, apenas e legitimamente interessado em garantir as suas aplicações de fundos. O problema resulta de esta inversão de lógica reduzir os ganhos económicos associados com a realização da PPP. Sem esses ganhos pode questionar-se a vantagem de se realizar as PPP, de um ponto de vista económico.
A partilha de risco
Na secção do ensaio dedicada à partilha do risco, é colocada em destaque a capacidade do sector privado em gerir melhor o risco. Na verdade, é muito mais do que isso. A eficiência que o operador privado vai procurar ter está intimamente relacionada com o risco que suportar. O risco faz parte dos incentivos à eficiência do sector privado. Não é uma questão de gestão de risco, é uma questão de incentivos. E incentivos que diferem entre sector público e sector privado, muito pela natureza de cada um.
Um exemplo simples ilustra este argumento. O Estado pode querer contratar uma PPP para a construção de uma estrada. A opção pela PPP baseia-se na expectativa de o sector privado conseguir fazer mais barato e dentro do prazo (ambos os aspectos podem influir na escolha por esta opção). Em que medida a PPP é diferente do Estado simplesmente contratar um empreiteiro para realizar essa mesma construção? Se o Estado contratar diretamente, e a meio da obra lhe for dito que afinal o custo será mais elevado por aspectos inesperados (são sempre inesperados, claro), então a tradição tem sido o Estado acabar por pagar mais para a obra não ficar a meio e ser terminada. A PPP, por estabelecer um contrato mais claro, mitiga este aspecto (porquê, será referido mais à frente). Mas há também um aspecto de inovação. Quando o Estado especifica tudo e contrata o empreiteiro para realizar a obra, este último não se preocupará com as condições futuras nem tentará encontrar formas de baixar os custos de manutenção futuros.
A PPP utiliza o risco para levar a parte privada a procurar ser eficiente. Por exemplo, se houver risco associado com chuva que leve a custos elevados de reparação, a gestão da PPP por ter que suportar esse risco quando assegura a manutenção a preço fixo pré-determinado, irá procurar os materiais e o modo de construção da estrada que minimizem os problemas associados com a reparação quando há muita chuva e risco de inundações, bem como preparar as bermas para um rápido escoamento das águas e fácil limpeza.
Para perceber melhor o papel instrumental do risco, basta pensar no que seriam as decisões privadas caso o contrato PPP dissesse que o sector público pagaria tudo o que a parte privada gastasse desde que apresentasse a respectiva factura. Não é difícil adivinhar que se assistiria a uma explosão de custos em vez da desejada eficiência.
A vantagem de usar uma PPP do ponto de vista do Estado está em ganhar um compromisso com um preço fixo e se houver custos a mais na construção, terá de ser o parceiro privado a suportar. Como consequência a parte privada terá todo o interesse em ser eficiente. E são os ganhos dessa maior eficiência que, divididos entre o sector público e o sector privado, permitem simultaneamente ao sector público gastar menos do que se tentasse construir diretamente e dar ao sector privado uma remuneração pelo risco que tem de suportar (e essa remuneração é maior do que custo do financiamento público).
Embora esteja de algum modo subjacente ao longo do texto, não é explicitamente assumido o risco como instrumento de incentivo, aspecto que obriga a que em cada partilha de risco se discuta em que medida a partilha ou transferência de risco decidida contribuiu para o valor da parceria, para os benefícios que se irão obter e não apenas para os custos resultantes. Esquece-se facilmente o papel da partilha de risco para a determinação dos benefícios, dando-se atenção desproporcionada, do ponto de vista social do valor da PPP, aos custos de financiamento privados e como a remuneração das PPP os irão cobrir.
No ensaio, a identificação dos riscos possíveis de surgir é feita de forma cuidada, com a distinção ente aqueles que são manipuláveis pelo sector público (por exemplo, mudanças nas políticas económicas seguidas que afectem o valor da PPP) e os riscos que são susceptíveis de alguma intervenção do sector privado que os reduza ou controle.
Retomando o exemplo da construção da estrada, é fácil de entender que o risco político de o Governo decidir mudar o traçado da estrada depois de iniciada a obra não deve significar que a parte privada tem obrigação de cumprir o novo traçado ao custo anterior que propôs para um traçado definido inicialmente.
Faltou, a meu ver, dar a devida atenção a um aspecto complementar: qual o impacto de ser o privado a gerir o risco. Não basta que o risco seja susceptível de ser influenciado por decisões da parte privada. É necessário que o efeito dessa intervenção seja suficientemente elevado para gerar eficiência que pague ao sector privado ter que suportar esse risco.
PPP como instrumento de desorçamentação
As PPP são um instrumento de investimento público bastante complexo nos incentivos que gera e na arquitetura financeira que envolve. Como se não fosse suficiente, há uma dimensão política, associada com o sector público, que não pode ser ignorada. A palavra chave neste aspecto é desorçamentação. Os Governos fogem às limitações existentes à despesa pública no momento de decisão, fazendo repercutir esse custo apenas em orçamentos futuros.
E a rentabilidade política de um investimento vultuoso tem vantagem certas e imediatas do anúncio e do início do projeto e tem os custos futuros e incertos do ponto de vista do decisor político atual que poderá já não ter esse lugar quando a factura para pagar chegar, como diz J M Sarmento “Uma boa PPP (na forma e nas condições) não transforma uma mau investimento num bom investimento”.
Vantagens e desvantagens
Pelos motivos expostos anteriormente, e por considerar que a partilha de risco é um instrumento, discordo da inclusão da partilha dos riscos como uma vantagem das parcerias público – privadas. Tomá-la como uma vantagem significa que a partilha de riscos tem valor por si própria. A meu ver, não creio que tal seja verdade. Diferentes partilhas de risco só criam valor económico se induzirem ações e comportamentos da parte privada que gerem maior eficiência do que a mesma actividade ser feita pelo sector público.
Uma desvantagem que não se encontra mencionada de forma detalhada no ensaio é o custo de gestão para o Estado dos contratos das PPP. São contratos complexos e são o que no jargão técnico se designa por contratos incompletos. Devido ao tempo de duração destes contratos de parceria, é virtualmente impossível escrever no contrato todas as decisões que se terão de tomar no futuro face a acontecimentos que não são sequer previsíveis e previstos no contrato. E esses acontecimentos podem ditar alterações ao contrato e renegociações do mesmo.
Como referido pelo autor, uma crítica apontada aos contratos PPP é “uma redução da qualidade, pela pouca ou nenhuma concorrência a que o privado fica sujeito.” A pergunta pode ser facilmente devolvida, porque teria o Estado, no exercício direto da mesma actividade, maior qualidade? Este é um efeito que precisa de ser qualificado, sendo necessário estabelecer em que condições se pode esperar que surja. Se a qualidade implicar custos mais elevados e não for verificável em termos contratuais, então poderá constituir um problema sério num contrato PPP. Mas se os elementos centrais da qualidade do serviço ou infraestrutura forem relativamente simples de especificar e medir, então a sua inclusão no contrato de parceria evitará eventuais reduções de qualidade.
Se o ganho de uma PPP advém da maior eficiência do sector privado, possível apenas por o sector privado suportar risco que o motiva a ter essa eficiência, então o contrato de PPP tem que deixar à parte privada espaço de gestão suficiente para que consiga ser de facto mais eficiente. O contrato de PPP deve estabelecer os objectivos a serem atingidos e não o caminho pelo qual se alcançam esses objectivos. Se o sector público exigir uma PPP em que a parte privada faça exatamente as mesmas escolhas que o sector público faria então está, à partida, a destruir parte do valor que uma PPP traria. Fica só mesmo a diferença de o sector privado ter uma maior capacidade de dizer não a pedidos de custos adicionais, o que pode ser manifestamente pouco para justificar uma parceria em diversos casos. Contudo, definir e medir objectivos é bastante mais complicado do que especificar processos.
A definição da PPP acaba por ter que resolver mais um dilema. Se especifica muito detalhadamente o contrato retira margem à inovação organizacional que a PPP possa trazer. Mas se não faz essa especificação detalhada, perde capacidade de controlar o desenvolver da actividade. Para cada situação terá de ser encontrado o equilíbrio entre estas duas forças de sinal contrário. A própria noção de que há serviços públicos que cumprem a missão de compensar externalidades, uma questão central é até que ponto um contrato PPP consegue refletir essa externalidade.
A seleção da parte privada
Um outro aspecto crucial do processo de construção de uma PPP é o processo pelo qual se faz a seleção das propostas vencedoras. Em particular, não é difícil que se tenham situações conhecidas como a maldição do vencedor, que significa apenas que o mais optimista ganha e que esse optimismo é excessivo, e acaba por ganhar uma empresa privada que poderá ter dificuldade em alcançar as eficiências que anuncia. A maldição do vencedor é mitigada quando os concorrentes têm em conta nas suas ofertas que se ganharem é porque foram excessivamente optimistas. Não parece que essa preocupação tenha estado presente, em geral, nas PPP portuguesas. Assim, as PPP onde se verificou uma concorrência mais acesa para ganhar o contrato serão também aquelas onde será mais natural vir a observar dificuldades em a parte privada cumprir esse mesmo contrato sem perdas financeiras, apenas por excesso de optimismo no momento da licitação do contrato.
Renegociação dos contratos PPP
Um contrato de longo prazo tem inevitavelmente alterações de circunstâncias que motivam o desejo de um dos lado, ou de ambos, em alterar o contrato. É o que se denomina de renegociação de contrato. A flexibilidade para alterar o contrato PPP tem o custo de uma renegociação, e as renegociações tendem a ser normalmente mais vantajosas para a parte privada, pela melhor capacidade e maior poder de negociação, do que a parte pública.
A discussão das renegociações de contrato é um aspecto central de uma PPP. A brevidade que recebe e apenas em termos do reequilíbrio financeiro subestima, na minha opinião, a importância dos aspectos de renegociação e como deveriam ser acautelados.
A renegociação não deve ser um procedimento fácil nem frequente. Sobretudo não pode ser uma forma da entidade privada aumentar as suas receitas de forma arbitrária.
Outros dois aspectos centrais são a parte pública manter a capacidade de retomar e gerir a infraestrutura em caso de falência da parte privada (renegociação com aumento de preço pago à parte privada não deve ser a única opção a estar disponível) e definir de forma clara os direitos e deveres de cada uma das partes em caso de renegociação. Um exemplo pode ser dado com base nas PPP para a construção e gestão clínica dos hospitais.
A introdução de novidades tecnológicas no tratamento de doentes a pedido da parte pública pode implicar nova renegociação e tal será certamente necessário sempre que implicar custos acrescidos.
Ora, o contrato poderia especificar o direito a introduzir a inovação tecnológica a um preço determinado segundo uma regra pré-definida. Por exemplo, o preço usado para a mesma inovação nos hospitais de um país de referência. Ou, não dizendo nada, como que deixa à parte privada a capacidade de estabelecer o preço que quer receber por uma inovação. É importante reconhecer que explicitamente ou por omissão o contrato de uma PPP também estabelece o poder de negociação das partes em caso de renegociação. E em contratos de muita longa duração, como é o caso aqui, a probabilidade de haver uma renegociação, pelo menos, durante a vigência do contrato é elevada.
A PPP como contrato incompleto
Uma característica fundamental de um contrato PPP, seja a dez, 20 ou 30 anos, é o de ser um contrato incompleto em termos económicos por muito bem redigido que esteja em termos jurídicos. Um contrato ser incompleto em termos económicos significa que não é possível prever em detalhe tudo o que pode acontecer durante a duração do contrato e o que deverá ser a ação de cada uma das partes quando acontece algo inesperado face ao que está escrito no contrato. Apenas o que está escrito no contrato será válido e será tomado à letra. Um exemplo extremo, se num hospital se especificar a limpeza do chão a cada “x” horas, respeita-se o contrato limpando o chão e deixando por limpar as paredes. Para lidar com aspectos desta natureza, é necessária um acompanhamento permanente da PPP para evitar que qualquer pequena diferença de interpretação do contrato se torne um motivo de renegociação e para construir uma relação de confiança que permita resolver de comum acordo as pequenas ocorrências. A existência de competências de acompanhamento destes contratos na esfera pública acaba por ser essencial para que os mesmos tenham os pequenos diferendos resolvidos rapidamente, antes que se tornem grandes divergências.
Os dados nacionais e internacionais
A revisão internacional da experiência com as PPP, apresentada no ensaio, revela uma associação entre utilizar de forma mais intensa este instrumento e a dificuldade de controle da despesa pública. A associação não estabelece causalidade, sendo que se hoje é claro que mais PPP implicam mais encargos públicos fixos e logo maior rigidez da despesa do Estado, é igualmente verdade que os países com maior propensão a descontrole das contas públicas poderão ter usado as PPP como forma de adiarem as suas dificuldades financeiras.
Uma outra regularidade que é possível identificar é que os países que tiveram PPPs com sucesso no sentido de bons resultados e custos controlados envolvem situações em que é relativamente fácil especificar o serviço e as condições da sua prestação (ou seja, os aspectos de incompletude contratual não são muito grandes).
O ensaio revê as PPP nos vários sectores em que ocorreram. Infelizmente, e provavelmente devido a ausência de informação, não há qualquer menção às renegociações e ao que estas implicaram em termos de custos acrescidos para o sector público.
PPP e corrupção
Fora do texto ficou um aspecto sobre o qual pouco se sabe, em Portugal e no Estrangeiro: que oportunidades e realidades de corrupção se encontram associadas às PPP. A possibilidade de renegociação de condições e de pagamentos adicionais facilita que surjam essas oportunidades. É natural que haja pouca informação, a nível global, e que não se lancem suspeitas deste teor. Sendo um tema de tratamento difícil, teria sido um contributo importante para a discussão, mesmo que breve, sobre as condições em que pode surgir e que sinais de alerta se devem procurar para aferir da eventual existência deste problema.
Desafios futuros
Para Portugal, as PPP colocam dois desafios. De um lado o que fazer com as PPP atuais, o seu peso sobre as contas públicas deveria levar à procura de forma de reduzir esses encargos. De outro lado, saber se a atual contribuição das PPP para a situação de despesa pública e sua inflexibilidade justifica que sejam abandonadas como instrumento da política pública de investimento. A aprendizagem dos últimos 20 anos, nacional e internacional, sugere cautela com o seu uso.
As PPP têm actualmente um forte peso no Orçamento do Estado. O autor retoma no ensaio a proposta de comprar as PPP contra emissão de dívida pública, substituindo a inflexibilidade contratual dos pagamentos a realizar por um pagamento de juros da dívida pública. Esta aquisição aproveitaria o elevado valor de obtenção de liquidez para os grupos nacionais envolvidos em PPP, como forma de reduzir os encargos futuros. Por outro lado, a gestão dos encargos de juros desta dívida seria realizada em conjunto com toda a restante dívida pública.
Para as PPP em que os ganhos de eficiência se encontram apenas e sobretudo na fase de construção atempada e com custos mais baixos da infraestrutura esta opção será mais atrativa. No caso das PPP em que a gestão contínua por parte da entidade privada é a fonte de eficiência, esta opção implicará a passagem da gestão para a parte pública e eventualmente custos superiores nessa gestão.
Poderá não se ter aqui uma solução única, e a compra da PPP ser mais aconselhável para algumas PPPs do que para outras. As condições exatas em que é desejável esta solução terão de ser definidas caso a caso.
Considerações finais
As PPP não são apenas um instrumento financeiro de desorçamentação pública. São um instrumento complexo de usar risco para dar incentivos a que uma parte privada faça melhor do que o seria conseguido pela parte pública.
Uma PPP como contrato de longo prazo tem características muito diferentes dos contratos de curto prazo do sector público com o sector privado.
Os contratos PPP são um instrumento que se encontra à disposição dos Governos. São contratos que trazem financiamento privado no momento atual contra pagamentos futuros. Mas esta característica financeira dos contratos PPP não é distintiva. Também a emissão de dívida pública tem essa característica e a uma taxa de juro bastante mais baixa. A vantagem de uma PPP não está na sua arquitetura financeira, está na capacidade de conseguir fazer melhor pela atuação da parte privada. Para que assim suceda, é necessário que a parte privada tenha os incentivos adequados para o fazer, o que normalmente implica estar sujeita a riscos que possa influenciar. Contudo, estar sujeita a riscos gera custos de financiamento acrescidos.
É por isso essencial que a PPP gere ganhos de eficiência suficientes para que o sector público pague menos do que se realizasse diretamente o projeto e ao mesmo tempo se consiga pagar o custo de financiamento acrescido pelo facto de o projeto ser realizado pelo sector privado e não pelo sector público. Encontrar este equilíbrio não é fácil.
Além das condições em que é vantajoso ter uma PPP é preciso assegurar que a relação de longo prazo entre a parte pública e a parte privada decorre de forma satisfatória para ambos os lados, sabendo-se que irão surgindo acontecimentos e necessidades que não foram previstas no contrato. Por muito detalhado que seja um contrato PPP, e são normalmente muito detalhados, é virtualmente impossível especificar todas as circunstâncias futuras que podem vir a afectar o valor do contrato. Lidar com esta incompletude contratual obrigará nos casos de maior dimensão a uma renegociação contratual mas nos restantes casos poderá e deverá ser resolvido com acordo e interpretação do contrato pelas partes, preferencialmente num clima de confiança mútua.
O papel das PPP como instrumento de fuga a restrições orçamentais imediatas foi claramente ilustrada no texto, sendo salutar que de futuro a utilização deste instrumento tenha como elemento constante de análise o impacto em termos de responsabilidade de orçamentos futuros
As PPP são um instrumento válido em condições que a teoria e a prática têm ajudado a esclarecer. A sua utilização deve resultar de uma avaliação cuidada das vantagens e desvantagens face a instrumentos alternativos. Também a definição do objectivo da PPP deve ser tido em conta. Se o objectivo fizer pouco sentido, dificilmente a PPP será avaliada de forma positiva. Por exemplo, se a construção de uma autoestrada com a recurso a PPP for errada por não existir tráfego suficiente para justificar a sua construção dificilmente numa avaliação posterior da PPP será encontrado valor social na sua utilização.
Pergunta natural neste contexto é saber se as PPP foram boas ou más para a economia portuguesa. Isto é, se este instrumento contribuiu para o desenvolvimento e para o crescimento da economia nacional.
A resposta mais direta é que tiveram um efeito pernicioso por conta da desorçamentação que geraram.
Do lado positivo estará porém o valor social dos investimentos realizados. A este respeito, embora tenham certamente gerado infraestruturas mais rapidamente do que se tivesse sido usado o investimento público tradicional, o facto de algumas dessas infraestruturas terem valor social duvidoso (autoestradas quase desertas, por exemplo) e não serem investimento reprodutivo sugerem que globalmente foram um instrumento para investimentos públicos pouco interessantes.
A sua complexidade como instrumento de políticas públicas é evidente, e as condições da sua aplicação são exigentes, incluindo a preparação técnica do sector público para lidar com contratos de longo prazo.
Pedro Pita Barros
Lisboa, Novembro de 2013