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a adse e o veto do presidente da república

7 comentários

O Presidente da República não promulgou o aumento da contribuição para a ADSE, sendo que o diploma legal continha também uma transferência a titulo de consumo de medicamento que foi igualmente vista com olhos negativos (ler aqui).

Esta decisão não deve ser vista como uma surpresa, nem num caso nem no outro.

O aumento na taxa de contribuição para a ADSE tinha o objectivo de gerar um excedente (lucro) a ser depois transferido para financiar as despesas públicas em geral (contribuição para baixar o défice público). Do ponto de vista do Orçamento do Estado pretendia ser uma forma equivalente a baixar salários e pensões. Ora, o Estado fazer lucro com a ADSE através de um aumento das contribuições dos trabalhadores acima do valor necessário para o seu equilíbrio financeiro, mesmo que o Estado reduzisse a zero a sua contribuição directa, foi considerado como abusivo por parte da Presidência da República. E bem, a meu ver, pois constituiria um “abuso de poder de mercado”. O que está previsto desde o início é a contribuição do orçamento do estado passar a zero, e até aí, para compensar essa diminuição de receita, poderá ser aumentada a contribuição.

O segundo aspecto é a transferência de verba da ADSE para o SNS a título de despesa com medicamentos. O argumento é o de que os medicamentos se encontram já cobertos pelo SNS. Este argumento é verdadeiro mas só até certo ponto. Exemplos ajudam a ilustrar. Suponhamos um doente crónico, que tem sempre a mesma despesa mensal em medicamentos, e que não se altera ao longo do ano. Se não tiver ADSE tem esse consumo pago pelo SNS. Se tiver ADSE, como paga os mesmos impostos, a cobertura dada pelo SNS continua a ser dada (de outro modo discriminam-se os cidadãos com base no subsistema que usam, e apenas por isso), logo não deve ser feita qualquer transferência.

Suponha-se agora que esse mesmo doente por ter ADSE vai mais facilmente a consultas de especialidade (uma hipótese alicerçada na evidência empírica disponível), e que nessas consultas são prescritos medicamentos. Como resultam de “consumo adicional” que não ocorreria caso o doente não tivesse ADSE devem ser imputados à cobertura ADSE. De outro modo, a existência da ADSE gera despesa indirecta para o Serviço Nacional de Saúde. É este acréscimo que deve ser pago pela ADSE ao SNS e não toda a despesa, pois este acréscimo corresponde ao efeito de procura adicional de cuidados de saúde gerada pela cobertura ADSE.

Agora, segundo o i-online (aqui), o diploma seguiu para a Assembleia da República tal qual estava, e por isso vamos assistir a uma batalha política sobre como reduzir salários “por linhas tortas” dos funcionários públicos, com a única diferença de neste caso haver para os funcionários públicos uma possibilidade de evitar esse corte, saírem da ADSE, o que poderá complicar as contas de receita a transferir da ADSE para o orçamento do Estado. Será que ainda se ouvirá o argumento de como os beneficiários da ADSE receberam do orçamento do estado no passado é agora justo que paguem para esse orçamento do estado mais do que os outros cidadãos? (há dias em que nada me surpreende)

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Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

7 thoughts on “a adse e o veto do presidente da república

  1. Caro Prof. Pita Barros,

    Desculpe, mas não percebi o seu argumento em relação à trasnferências da ADSE para o SNS. Pode ser verdade que os medicamentos sejam prescritos por um médico privado e, caso o beneficiário não tivesse ADSE, não fossem, mas para avaliações clínicas idênticas (vamos imaginar o mesmo médico) é de assumir que a posologia seria idêntica, seja o médico consultado privadamente (ADSE) ou no âmbito do SNS. Se a pessoa não tem acesso ao médico por ser via SNS, não me parece que a ADSE deva ser “culpada” por ser mais eficiente…

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  2. Se o combate político é isto, a historia talvez diga que afinal era ou devia ser outra coisa.
    Mais um tema que, à luz do combate eleitoral do momento, vai servir para evidenciar como todos os meios servem para alguns fins.Ou não…Mas, no caso da ADSE, nem é meio nem tem fim.
    A reforma do Estado, esse polvo à mesa do henry potter governo, tem na ADSE um exemplo de um tratamento paliativo, que sabe a placebo com vinagre.
    E um codigo postal errado na devolução a Assembleia para troikar o deficit publico ate Maio…
    Realmente concordo contigo Pedro:Ja nada nos deve surpreender!!’
    Tal a pseudo afirmação gritante geral em que as elites (?) nacionais transversais estão.
    Felizmente voltou o Sol.

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  3. @Carlos Duarte O argumento é sobre o que é garantido por cada cobertura. E nem sempre utilização adicional é justificada. Se a ADSE levar a utilização adicional, que não existiria no SNS (a funcionar de forma adequada), então essa utilização adicional deve ser paga pelos fundos da ADSE. Actualmente, a despesa com medicamentos dos beneficiários da ADSE é paga pelo SNS. O que a proposta do Governo faz é dizer que toda a despesa que os beneficiários da ADSE têm é responsabilidade da ADSE, e deve ser compensada com transferência a ser feita a partir dos fundos recolhidos pela ADSE, Neste caso, os beneficiários da ADSE estão realmente a pagar duas vezes pela mesma utilização de medicamentos. Assim, a fazer-se alguma transferência compensatória da ADSE para o SNS deveria ser pela despesa que ocorre na ADSE e que não teria lugar no SNS. Como a ADSE fornece um acesso mais rápido a especialistas (sobretudo), que estão no sector privado, será a despesa em medicamentos associada com essas consultas, paga pelo SNS e que seja acima do que seria adequado ter no SNS, que deverá ser paga pela ADSE ao SNS.
    Estamos aqui apenas no plano conceptual, porque a operacionalização deste princípio não é nada simples, em termos de identificar o que é o consumo de medicamentos acima do que seria dado pelo SNS em condições de funcionamento eficiente (adequado). Mas certamente que fazer uma transferência do total de despesa com medicamentos que é gasto pelo SNS nos beneficiários da ADSE é excessivo.

    @Francisco: pelo menos o Sol está aí 🙂 e mais uns meses, futebol e praia, com troika oficialmente saída, mas sempre presente (afinal. ainda cá está o dinheiro deles), farão o nosso Verão.

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    • Caro Prof. Pita Barras,

      O meu ponto é exactamente esse: considerar que uma prescrição existiria (ou não) é especulativo. A única maneira realmente “justa” de garantir que não existiam excessos contributivos seria separar a ADSE do SNS (i.e. quem contribui para a ADSE não o faz para o SNS) e cobrar à ADSE as despesas efectuadas ao abrigo do SNS (medicamentos ou serviços directos). Uma maneira “prática” de o fazer (e visto o SNS ser financiado com o “bolo” de impostos) poderia passar por transferências do OE para a ADSE correspondentes aos beneficários desta. Obviamente que aposto que, nesse caso, mesmo os 2,5% de taxa contibutiva seria excessiva…

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  4. A única solução completamente clara será a ADSE ser um sistema de opting-out, assume totalmente as responsabilidades de despesas de saúde, e o SNS paga uma capitação ajustada, a ADSE poderá cobrar mais ou não aos beneficiários conforme necessite. Mas essa solução parece estar afastada. A alternativa seguinte é a ADSE ser clara na cobertura adicional que faz e funcionar como um seguro de saúde adicional, e nesse caso, as transferências entre ADSE e SNS deverão ser nulas excepto naquilo que ADSE explicitamente contratar como parte da cobertura adicional ao SNS.

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  5. As pessoas com seguros de saúde ou simplesmente mais ricas também têm mais acesso a especialistas. Portanto, qualquer solução que penalize o acesso a especialistas fora do SNS não pode limitar-se aos beneficiários da ADSE.

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    • Certo, mas o problema só é similar se esses médicos especialistas consultados no sector privado prescreverem medicamentos a serem comparticipados pelo SNS (o que pode suceder), de outro modo tudo se desenrola na esfera privada, e os pagamentos feitos pelos seguros correspondem às coberturas que oferecem e não implicam transferências financeiras em qualquer sentido entre o SNS e a companhia de seguros.

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