Momentos económicos… e não só

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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (14)

O sexto capítulo do documento da OCDE apresenta uma discussão das experiências de vários países com as limitações orçamentais decorrentes da crise de 2008, e é da autoria de M Blecher. Sobre as respostas mais comuns às limitações orçamentais decorrentes da crise, quatro são destacadas pelo autor: a) redução da despesa com medicamentos via negociação de preços mais baixos (imposição, acordo de payback com a indústria farmacêutica em Portugal), redução de salários, e cortes generalizados. A única resposta que não foi adoptada em Portugal que é destacada é o corte na despesa hospitalar através da redução dos pagamentos e do volume de actividade. Não houve em Portugal uma redução deliberada e generalizada da actividade hospitalar.

Sobre o que resultou e não resultou, o autor aponta que as melhores respostas envolveram a redução de hospitalização excessiva por troca de um maior papel dos cuidados de saúde primários, redução da utilização inadequada dos medicamentos, menor utilização dos pagamentos por acto (fee-for-service) que têm incentivos para sobre-prestação de cuidados de saúde.

E das respostas consideradas mais negativas em termos de qualidade, resultados e acesso, refere a utilização de copagamentos, cortes cegos de serviços ou de pessoal, redução de coberturas ou de serviços de prevenção.

 

Termina aqui a leitura comentada deste documento. Apesar de ainda existirem mais quatro capítulos, um dedicado a aspectos do efeito do envelhecimento no financiamento de cuidados de saúde de carácter social, e aos processos orçamentais para as despesas da saúde seguidos em três países da União Europeia (França, Reino Unido e Holanda). Esses capítulos são sobretudo interessantes para a análise do processo orçamental, e não tanto para a sustentabilidade das despesas públicas com cuidados de saúde (apesar de como se viu não serem aspectos separados, devido ao papel do conceito de espaço orçamental como um todo e das opções políticas dentro desse espaço orçamental por diferentes tipos de despesa).


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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (13)

No documento da OCDE, o capitulo 4, assinado por C Hulbert e C Vammalle, dedica-se à descentralização do financiamento e da despesa em saúde, sobretudo relevante em países com acentuada descentralização da despesa pública em saúde, o que não é a situação de Portugal quando comparado com países como a Espanha, a Itália ou a Finlândia.

Passo, por isso, para o capitulo 5, da autoria de Rodrigo Moreno-Serra, que trata dos efeitos das políticas de contenção de custos nas despesas públicas em saúde.

Rodrigo Moreno-Serra faz uma revisão da literatura sobre o que funcionou e não funcionou noutros países, distinguindo entre medidas do lado da oferta e medidas do lado da procura.

De uma forma sumária, vejamos as principais conclusões:

  • alterações na forma como os prestadores de cuidados de saúde são pagos têm-se traduzido em menor despesa – assinala os pagamentos por capitação e a redução dos pagamentos por acto. A utilização de pagamentos por episódio a nível hospitalar tem tido resultados mais ambíguos.
  • a introdução de concorrência entre hospitais tem sido associada com menores custos, maior eficiência e melhor qualidade nos estados unidos e no reino unido desde que a concorrência não ocorra no elemento preço. Quando há concorrência no elemento preço os resultados de saúde são menores.
  • a concorrência entre entidades seguradoras (uma questão que não se coloca em Portugal porque a opção tomada é de ter um Serviço Nacional de Saúde) se acompanha de mecanismos de contratualização também tem produzido resultados (com os denominados sistemas de pay-for-performance).
  • no campo do medicamento, as políticas de genéricos são apontadas como um instrumento útil no controle da despesa em saúde.
  • sobre o controle orçamental, refere que este só por si não é suficiente, à semelhança do que foi argumentado noutros capítulos deste documento por outros autores
  • quanto a controles de acesso à profissão, um tema que também tem sido repetidas vezes introduzido pelo Bastonário da Ordem dos Médicos, refere que normalmente resulta em aumento de despesa devido aos aumentos salariais que as profissões assim protegidas conseguem alcançar

Do lado da procura, refere aspectos como

  • copagamentos: reduzem a despesa no curto prazo por passarem despesa pública para despesa privada, mas têm efeitos negativos em termos de resultados de saúde e iniquidades no acesso a cuidados de saúde, mesmo que haja politicas de isenção desses copagamentos.
  • sistemas de referenciação (gatekeeping), em que os cuidados de saúde primários são a porta de entrada e o primeiro ponto de contacto com o sistema de saúde, surgem como uma forma promissora de conter o crescimento das despesas em saúde, mas termina com uma nota de cautela sobre a ausência detalhada sobre os efeitos da introdução destes sistemas de gatekeeping.
  • controle dos medicamentos cujo custo é coberto pelos sistemas de protecção (Serviço Nacional de Saúde, no caso português) sobretudo quando são usadas metodologias de avaliação de tecnologias em saúde.

Na revisão de outras políticas que têm sido seguidas, uma observação interessante é que refere que reformas que procuram aumentar a componente de seguro social por redução do financiamento por tributação geral têm levado a despesas de saúde públicas e totais mais elevadas. Curiosamente, a análise feita em 2006 pela Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde apontava já nessa direcção, com a informação então disponível. As implicações para as politicas de financiamento das despesas públicas em saúde são importantes, pois esta observação sugere que não há vantagem, em termos de controle da despesa pública em saúde, em passar de um sistema de Serviço Nacional de Saúde financiado por impostos para um sistema como o da ADSE, financiado por contribuições dos beneficiários, ligadas aos respectivos salários.


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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (12)

Ainda no capitulo 3 do documento sobre sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde disponibilizado pela OCDE, há um conjunto de observações que mostram que Portugal não está isolado nos problemas que tem encontrado nesta área. Ou seja, significa que a resolução dos problemas de sustentabilidade orçamental e despesas com a saúde tarda não por incapacidade dos diversos ministros e equipas que tem passado pelo ministério da saúde e sim pela dificuldade do problema, presente em muitos outros países.

Uma dessas observações é as análises económicas produzidas pelos Ministérios da Saúde não terem grande influência sobre os Ministérios das Finanças (ou as entidades que tratam da determinação do orçamento do Estado, consoante os países), sendo que estes últimos reconhecem que têm dificuldade em avaliar e compreender essas análises. E quando inquiridos sobre que aspectos consideram prioritários (figura 3.12, reproduzida abaixo), a visão de fora dos Ministério da saúde recai sobre os suspeitos do costume: despesas hospitalares e despesas com medicamentos, referidos por uma larga maioria dos países inquiridos, 20 e 18 países respectivamente, num total de 25. Só depois surge a preocupação com a despesas em cuidados continuados, programas de prevenção e cuidados de saúde primários (3 países em cada caso).

Ou seja, também aqui Portugal não tem sido diferente dos outros países. E se nos últimos anos se olhou com grande destaque para a despesa com medicamentos, as tentativas de controlar as despesas hospitalares têm sido menos bem sucedidas. O novo Governo pretende fazer mais uma tentativa, actuando, aparentemente, pela reorganização interna da actividade hospitalar (conforme se poderá inferir dos termos da nomeação de António Ferreira para uma das coordenações nacionais de reforma do Serviço Nacional de Saúde).

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Sustentabilidade dos sistemas de saúde (11)

Este terceiro capítulo do relatório da OCDE, sobre as práticas orçamentais para despesas em saúde seguidas nos países da OCDE, detalhe depois alguns dos resultados do inquérito feito junto das entidades nacionais. Uma das regularidades encontradas é que as entidades encarregues do processo orçamental deixam normalmente a distribuição do orçamento pelas categorias de despesa a cargo do ministério da saúde (ou equivalente), e fazem-no mais do que com outras áreas da despesa pública. Ou seja, limitam-se a estabelecer tectos de despesa dentro dos quais depois o ministério da saúde opera. Esses tectos de despesa refletem sobretudo prioridades orçamentais dos governos em termos do défice público e não factores específicos da despesa pública em saúde. E apesar desses tectos à despesa pública em saúde, também noutros países ultrapassar esses tectos tem sido frequente. Há, pois, uma dificuldade generalizada em conter os orçamentos das despesas públicas em saúde.

Comentário: esta tem sido também a tradição em Portugal, o que tendo a vantagem de deixar ao ministério da saúde a utilização do conhecimento que tem para determinar as áreas de maior ou menor despesa tem a desvantagem de poder facilmente gerar tectos de despesa que não são realistas. A experiência dos últimos 20 anos, através da frequência de orçamentos rectificativos e de acumulação de dívidas por parte de organismos do Serviço Nacional de Saúde refletiu em vários momentos essa característica (o que alguns chamaram subfinanciamento crónico da saúde). Ou seja, é hoje em dia claro que simplesmente estabelecer limites de despesa numa óptica de controle orçamental puro não é credível como instrumento para controlar a despesa pública em saúde, sendo necessários procurar outros instrumentos, que actuem de forma mais directa sobre o tipo de despesa que é feito.

Interessante é também a informação de que muitos países produzem previsões de longo prazo, mas que depois só raramente são usadas no processo orçamental e na tomada de decisão. A incerteza dessas projeções é provavelmente factor relevante, tal como a taxa de desconto intertemporal implícita no decisor político. A este respeito, apresentam um quadro onde indicam os anos de estimativa para a despesa em saúde que é apresentada no orçamento do estado (ver a primeira figura no final deste texto). Portugal é um dos 4 países (em 26) onde apenas um ano é reportado. A Holanda, no outro extremo, tem previsões para a despesa orçamental em saúde para os 5 anos seguintes. Três anos é o horizonte mais comum, fazendo provavelmente um balanço entre a incerteza da previsão e a utilidade de ter estas previsões. Seria interessante se Portugal também conseguisse realizar esse exercício de previsão.

Mas se Portugal não está no conjunto dos países que apresentam estimativas plurianuais, já nos tempos de reporte de informação a um organismo central de controle orçamental Portugal está bem. Apesar de não aparecer no aparecer na figura 3.8 do relatório, Portugal tem um tempo de reporte de 1 a 2 meses, pois mensalmente a Direcção Geral do Orçamento apresenta a execução orçamental do mês anterior incluindo o Serviço Nacional de Saúde e as dívidas em atraso do Ministério da Saúde e individualizando os hospitais EPE.

 

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Sustentabilidade financeira nos sistemas de saúde (9)

A secção seguinte do capítulo de J White no documento da OCDE sobre sustentabilidade de sistemas de saúde foca na escolha entre financiamento por receitas gerais de impostos ou por receitas consignadas à saúde.

A utilização de receitas consignadas em finanças públicas não é isenta de discussão e de problemas. Desde logo porque não garante eficiência do sistema tributário (isto é, recolher um determinado volume de fundos necessários com a menor distorção causada na economia). E sobretudo porque aumentos das receitas consignadas resultam usualmente em aumentos da despesa, que depois se torna difícil de reverter quando essas receitas consignadas se reduzem.

Por outro lado, no campo da saúde, usar receitas consignadas pode tornar mais fácil, junto da opinião pública (leia-se eleitores), aumentar impostos. Receitas consignadas tornam mais claras as consequências das decisões orçamentais, o que numa fase de pressão para o seu crescimento resultará em contribuições acrescidas (o exemplo da evolução para a auto-suficiência da ADSE ilustra este potencial mecanismo das receitas consignadas, ainda que no caso da ADSE se tenha tornado o volume de receitas superior às despesas).

Em qualquer caso, é improvável que receitas consignadas consigam ultrapassar o problema conhecido como “soft budget constraints”, isto é, gasta-se que depois de alguma forma as verbas irão aparecer porque se está a falar de saúde.

É no final desta discussão que J White apresenta a sua proposta de combinar um sistema de orçamentos por entidade financiados por receitas consignadas à saúde.

Para Portugal, a Comissão para a Sustentabilidade Financeira do SNS em 2006 sugeria que receitas consignadas, ou um imposto específico, deveria ser uma solução apenas de último recurso. De outro modo, a despesa tenderá a acompanhar a evolução das receitas quando estas crescerem, e tenderá a exigir aumento de contribuições/taxas de imposto específico quando as despesas crescerem mais rapidamente. Por outro lado, com uma parte financiada por receitas consignadas ou impostos específicos para a saúde, haverá naturalmente uma tentação de reduzir o financiamento por via das receitas gerais, como forma de globalmente aumentar as receitas de tributação. Ou seja, o ajustamento do agente “Estado” é tão ou mais importante que a sensibilidade da opinião pública a aumentos de impostos com receitas consignadas.


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Sustentabilidade financeira nos sistemas de saúde (8)

Continuando com a análise do documento da OCDE sobre sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde, capitulo 2 de J White, sobre os desafios de orçamentação de programas de cuidados de saúde.

É referido que se a qualidade dos sistemas de saúde melhorou substancialmente, tal não ajuda em termos de orçamento, pois o problema passa a ser redefinido como resistir ou pagar por essa “qualidade”, em lugar de combater a ineficiência. Ora aqui há que saber se “qualidade” significa apenas tecnologia, que tem levado a maior despesa, ou se “qualidade” pode significar “fazer bem à primeira”, no que seria uma redução do desperdício e ineficiência, reduzindo a despesa (que é o sentido de “qualidade” que é explorado no Relatório Gulbenkian de 2014 sobre o sistema de saúde português).

De uma forma mais geral, este capitulo defende a necessidade de prestar mais atenção do que é definido como “necessidade” de cuidados de saúde, sendo cada vez mais medicalizados pequenos desvios: falta de atenção das crianças na escola é hiperactividade e medicada; tristeza é depressão e medicada; etc.

A questão central, embora não colocada dessa forma, acaba por ser definir-se como “necessidade de saúde” e logo sujeito a protecção financeira que retira a sensibilidade ao preço, criando procura a preços potencialmente elevados, a tudo o que possa ser fornecido aos cidadãos. Ou seja, temos uma versão das questões de indução de procura por parte dos prestadores de cuidados de saúde. Sendo aliás mais fácil “induzir” a necessidade no campo da saúde do que no campo da educação ou da defesa nacional (exemplos de J White).

Resulta daqui que as necessidades orçamentais acrescidas resultam não de factores totalmente inelutáveis mas de decisões que explicitamente ou por omissão são tomadas quanto à cobertura (o que são as necessidades apercebidas em cada momento) e quanto aos preços/custos de novas “tecnologias” (entendidas de forma ampla).

White tem também a visão de que os esforços para ligar o orçamento do desempenho (budget for performance) apresenta diversas limitações:

  • dificuldade de medir o que é desempenho (necessário medir antes, depois e eliminar a influência de outros factores)
  • indicadores simples tipicamente vão apanhar muitas influências
  • comparações entre o valor de diferentes intervenções não são fáceis, dado que umas podem ser mais importantes para uns e outras para outros
  • o nível de desempenho não dá informação sobre a adequação do financiamento – se o mau desempenho for devido a falta de fundos, então é necessário mais fundos; mas adoptar esse princípio como regra significaria que se estava a estimular mau desempenho como forma de obter mais fundos;

Em termos de formas de determinação da despesa pública em cuidados de saúde, White distingue duas formas fundamentais: por departamentos ou áreas – em que é atribuído um orçamento à entidade; e por programas em que a despesa depende das regras de pagamento e da procura desses serviços (e como tal não há uma determinação exacta do montante a ser gasto à partida). Ambas as opções têm vantagens e desvantagens a ser consideradas, em termos das intervenções que podem ser usadas.

A atribuição de orçamentos exerce maior controle sobre a despesa, mas resulta mais facilmente em subfinanciamento e subprovisão dos serviços relevantes. A utilização de pagamento por serviços prestados torna mais fácil utilizar prestadores privados como forma de tentar conseguir mais eficiência. Mas também gera o problema de como lidar com a incerteza quanto ao que possa surgir ou possa ser necessário. A escolha entre prestadores públicos e privados tem também associada uma escolha entre instrumentos para lidar com factores incertos.

Interessante é a forma como avalia a transposição de um conjunto de ideias que têm sido defendidas conceptualmente mas cujos efeitos ainda não se encontram demonstrados: “In the theory of managed competition, informed patients would recognise skimpy performance, risk adjustment would eliminate incentives to avoid sicker patients and market forces would prevent organisational shirking; but this has yet to be demonstrated in practice.” Não há por isso regras absolutas no desenho institucional que se tenha a certeza que produza os resultados desejados de menor despesa em cuidados de saúde para melhores cuidados de saúde, obrigando em cada caso a uma avaliação cuidada de todas as situações.


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (7)

Retomando, após interrupção para outros temas, o documento da OCDE, o capítulo 2 do Relatório  sobre sustentabilidade de sistemas de saúde é dedicado aos desafios de fazer a orçamentação das despesas em saúde, e em lugar de vir assinado pela OCDE tem um autor próprio, o que significa que as posições e opiniões não são necessariamente subscritas pela OCDE.

Desde o início o autor, J White, torna clara a importância das opções políticas neste contexto: “os programas de saúde não são insustentáveis em sentido económico desde que os Governos estejam dispostos a aceitar que as despesas em saúde sejam uma parte crescente do PIB”. Retoma também este autor o argumento da menor importância relativa do envelhecimento para focar depois na tecnologia, referindo que a utilização desta depende de escolhas e que envolve também um alargamento do que as sociedades olham como “necessidade em saúde”.

É também discutida a forma de organizar a despesa pública e se tem, ou deve ter ou não deve ter, financiamento dedicado.

É curioso o cuidado colocado em não dar soluções definitivas, sinal provável da grande incerteza que existe em todo o sistema.

Na discussão sobre a pressão orçamental, é tomado como ponto de comparação as pensões e a pressão que fazem vista como superior, em vários países, à pressão associada com as despesas em saúde. Este é um aspecto que a propósito de Portugal tinha já apontado na comunicação que ia fazer a propósito dos 35 anos do Serviço Nacional de Saúde (em Setembro de 2014).

A atenção dada ao aspecto político das decisões sobre a despesa pública em saúde é ainda reforçado quando se refere que os sistemas de saúde (com despesa pública não só redistribuem dos saudáveis para os doentes como dos que têm maiores rendimentos para os que têm menores rendimentos.

Parte do texto dedica-se a desmontar argumentos de insustentabilidade das despesas em saúde com base em impactos sobre a economia de défices orçamentais que fossem criados pelas despesas em saúde (o que conta é o défice público global), ou nos efeitos decorrentes das distorções na economia associadas com a recolha de fundos.

Onde J White neste capítulo coloca mais atenção é na expansão das necessidades – o que é a definição social de necessidades (de despesas) em saúde expanda-se mais rapidamente e de forma contínua face às necessidades de outras despesas públicas (educação, por exemplo). Um dos pontos centrais deste capítulo é argumentar que este processo de expansão de “necessidade” pode ser tomado erradamente como aumento em tecnologia. A distinção não é irrelevante, uma vez que o processo de aumento de necessidade terá uma natureza sobretudo social, e deverá ser então tratado nesse contexto. Com dificuldades próprias, que o autor exemplifica ao afirmar que “igualizar os factores sociais determinantes da saúde envolveria uma restruturação maciça das sociedades, de formas que os eleitores objectariam por muitas razões que são relacionadas com a saúde”.

No caso de Portugal, e como comentário lateral, temos um caminho similar no campo do medicamento – à medida que a utilização de medicamentos se torna mais geral, e regular (com o aumento de tratamento de condições crónicas por este meio), os aspectos de protecção financeira e aumento da cobertura de “seguro público” vão-se tornando mais centrais, e provavelmente não serão resolvidas unicamente com pressão para redução de preços nos medicamentos vendidos em ambulatório. Os aspectos de acesso a cuidados de saúde tratados noutros textos deste blog ilustram bem essa evolução e a necessidade de olhar para a cobertura financeira nesta área.


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (6)

Ainda no capítulo 1 deste relatório da OCDE há a identificação de possíveis instrumentos para assegurar (ou procurar assegurar) a sustentabilidade orçamental das despesas públicas em saúde: obter novas formas de financiamento (origens de fundos), melhorar a eficiência da despesa pública em saúde e redefinir as fronteiras entre despesa pública e despesa privada. Os esforços na origem de fundos podem ter duas fontes: alargar a base de contribuições de uma forma geral, o que em sistemas como o português significa um esforço global de incluir todas as fontes de rendimento na tributação geral, ou então criar novas contribuições, nas quais se incluem os chamados “sin taxes” (sobre tabaco, álcool e elementos de alimentação não saudável). Mas chamam a atenção que este aspecto de diversificação de fontes de fundos é sobretudo importante nos países em que as despesas públicas em saúde são pagas a partir de contribuições baseadas em salários e não tanto em impostos gerais.

Sobre a melhoria da eficiência da despesa pública em saúde, as ideias apresentadas são retocadas de outras discussões, e incluem contenção da despesas com medicamentos, com destaque para o papel dos medicamentos genéricos como fonte de poupança de despesa; redução das variações de prática clinica; melhoria da coordenação entre níveis de cuidados de saúde, nomeadamente nas doenças crónicas; alteração da forma como se pagam aos prestadores de cuidados de saúde; e prevenção e promoção da saúde. A importância destes aspectos tem sido referida várias vezes, e o problema encontra-se mais na definição de medidas concretas e sua aplicação do que na identificação dos grandes temas.

Na redefinição do papel do sector público e do sector privado, as implicações retiradas pelo relatório são colocadas de forma clara: não se deve reduzir a cobertura da população nem ter aumentos generalizados de copagamentos. Mesmo nos copagamentos, é reconhecido que se forem valores pequenos, para “gerir a procura” então não vão levar a receitas substanciais. Aqui, parece-me que esquecem que o benefício da despesa que evitam, que reduz a pressão orçamental por contenção da despesa (com pouco valor) e não por aumento da receita. Este é um efeito pouco medido, o de custos evitados com as taxas moderadoras (nos termos usados em Portugal), e não parece ser um efeito muito forte.

Em termos de cobertura de serviços, a recomendação é ser especifico e selectivo na definição do que é coberto pela protecção pública face a despesas de saúde, com destaque para o papel da avaliação de tecnologias em saúde (que agora em Portugal estará a cargo do Infarmed, com o novo sistema SiNATS). Em concreto, sugerem estratégias activas de permanente ajustamento dos serviços que são incluídos – se a introdução de novas tecnologias se traduz em tornar obsoletas outras, então essas deverão ser eliminadas da cobertura pública, sobretudo quando a utilização das tecnologias se revela cumulativa (isto é, usam-se todas) em vez de substitutiva (a nova substitui a velha tecnologia, em lugar de se adicionar).

E assim termina este primeiro capitulo. Seguem-se os próximos no relatório.

(continua)


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (5)

A terceira secção do primeiro capítulo do documento da OCDE faz uma revisão do conhecimento sobre as tendências de crescimento da despesa em cuidados de saúde, tendo como principais pontos a) o crescimento das despesas em saúde foi mais rápido que o crescimento económico em geral; b) os anos de crise económica estiveram associados, em geral, com um crescimento das despesas em saúde mais lento; c) apesar do menor crescimento recente, continua-se a prever um crescimento da despesa pública em saúde para os próximos 20 anos, que poderá atingir um aumento de 2% do PIB. Portugal é incluído nos países que estão em risco de insustentabilidade orçamental das contas públicas por conta desta pressão, mas há também uma referência aos efeitos sobre essa mesma sustentabilidade orçamental do aumento das pensões.

De seguida, o relatório procura estabelecer os factores que têm gerado o aumento das despesas em saúde nos países da OCDE. Fazem uma diferença entre países com rendimento médio ou baixo, em que a principal força para crescimento das despesas em saúde é o aumento de cobertura (seja de pessoas seja de serviços abrangidos), enquanto nos países de rendimento mais elevado referem os quatro elementos essenciais: tecnologias, demografia, rendimento e características institucionais dos sistemas de saúde. Destes quatro, as tecnologias de saúde (o factor mais importante, com várias estimativas a colocar como responsável por cerca de 50% do crescimento observado) e o rendimento (incluindo maiores expectativas em populações com maior rendimento) são os elementos mais importantes, com a demografia e as características institucionais sendo muito menos importantes.

Este é uma conclusão comum a muitos estudos, incluindo para Portugal, e ainda assim em muitas intervenções públicas se coloca, erradamente, a demografia (envelhecimento da população) como um factor, senão “o” factor, de crescimento das despesas em saúde. E para não repetir argumentos já apresentados noutros posts, fica a sugestão de usar a caixa de procura neste blog com o termo “envelhecimento”.

(continua)


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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (4)

Retomando o documento da OCDE sobre sustentabilidade de sistemas de saúde, a secção 2 do primeiro capítulo discute o aspecto crucial de qual a definição de sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde.

O ponto de partida é a definição geral de sustentabilidade orçamental, que a OCDE toma como sendo a capacidade de um governo manter as financias públicas numa posição credível e com capacidade de pagamento no longo prazo. Ou seja, é uma definição baseada na lógica de criação de dívida excessiva para as gerações futuras. Não há assim um número mágico de défice público a ser alcançado ou um limite absoluto de dívida pública a não ser ultrapassado, o que gera natural ambiguidade na interpretação (e em particular, dado que se baseia numa lógica de futuro de longo prazo, abre espaço para diferentes previsões sobre crescimentos futuros de receitas e despesas levarem a diferentes posições sobre a sustentabilidade das contas públicas, aspecto que tem sido claro na discussão política geral).

Além da definição da OCDE, o documento refere também as definições de sustentabilidade da Comissão Europeia (de 2014) e a definição do Fundo Monetário Internacional (de 2007).

A definição de sustentabilidade orçamental pela Comissão Europeia é (numa tradução livre) “a capacidade de continuar, agora e no futuro, as politicas actuais (sem alterações nos serviços públicos e na tributação) sem levar a que a dívida pública cresça de forma continua em relação ao PIB”.

A definição do Fundo Monetário Internacional é “um conjunto de políticas é sustentável se a entidade (governo) é esperada continuar a pagar o seu serviço da dívida sem uma correcção futura irrealisticamente forte para equilibrar receitas e despesas”.

Note-se que nenhuma destas definições é especifica às despesas em saúde e à sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde que recebem dinheiro das contas públicas.

Relativamente ao sector da saúde, surge de seguida uma afirmação importante pelas implicações de perspectiva que tem (e que corresponde ao que tenho argumentado várias vezes): “relativamente ao sector da saúde, a sustentabilidade orçamental é provavelmente melhor vista como sendo uma restrição que precisa de ser respeitada do que um objectivo em si mesmo.” Ou seja, há objectivos do sistema de saúde que nos esforços para serem atingidos deverão ter em conta as restrições das contas públicas em lugar de tornar o corte de custos o objectivo em si mesmo.

Voltando às definições de sustentabilidade orçamental, e olhando para o modelo de organização utilizado em Portugal, o Serviço Nacional de Saúde, a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde não pode ser desligada da sustentabilidade orçamental como um todo das contas públicas, e é nesse espaço global das contas públicas que deve ser colocada.

Esta visão que decorre das definições de sustentabilidade orçamental estava já presente na definição que em 2006 se adoptou em Portugal pela Comissão para a Sustentabilidade Financeira do Serviço Nacional de Saúde: “Existe sustentabilidade do financiamento do Serviço Nacional de Saúde se o crescimento das transferências do Orçamento do Estado para o SNS não agravar o saldo das Administrações Públicas de uma forma permanente, face ao valor de referência, mantendo-se a evolução previsível das restantes componentes do saldo.”

Esta é uma definição complicada na escrita mas que corresponde em grande medida à preocupação de considerar a despesa em saúde num contexto global de despesas públicas, permitindo que estas despesas públicas em saúde cresçam desde que o crescimento das restantes despesas públicas tenha uma evolução que compense (crescendo menos ou até diminuindo em termos relativos). Focar do défice gerado (“saldo das Administrações Públicas”) e no longo prazo (“de uma forma permanente”) traduzem de outra forma o efeito sobre a dívida pública.

Estas definições de sustentabilidade orçamental implicam um problema: o que sucede quando são as restantes componentes da despesa pública que geram uma situação de insustentabilidade das contas públicas.

O documento da OCDE reconhece estas implicações da interdependência entre diferentes tipos de despesa pública quando refere que a “sustentabilidade orçamental não exclui automaticamente aumentos da despesa pública em saúde (…) numa perspectiva de crescimento pode ser preferível que a saúde substitua formas menos eficientes de despesa pública”. Claro que é preciso demonstrar que a despesa pública em saúde é mais eficiente que outro tipo de despesa, e não se pode acriticamente aceitar que toda a despesa pública em saúde tem efeitos positivos em termos de crescimento ou de melhoria da saúde da população, mas o aspecto principal é reforçar a ideia de que a sustentabilidade orçamental não implica um objectivo de despesa pública em saúde definido como rácio do PIB ou como estabilidade desse rácio actual.

E na medida em que a despesa pública em saúde é avaliada no contexto de toda a despesa pública terá inevitavelmente uma componente de escolha política envolvida.

Resumindo, a noção de sustentabilidade orçamental tem que ser vista no total das contas públicas, e a necessidade de assegurar a sustentabilidade orçamental implica restrições sobre a despesa pública em saúde. A maior ou menor pressão dessas restrições decorrem do que são as outras despesas públicas e do que são as opções políticas (entre diferentes tipos de despesa pública).

 

(continua)