Momentos económicos… e não só

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utilização de cuidados (actualização)

Se há pouco tempo dei alguns resultados das perguntas colocadas via internet, hoje deixo aqui uma visão actualizada, com base em 111 pessoas que começaram a responder. Não há qualquer pretensão de representatividade, uma vez que são valores obtidos sem qualquer estratificação da amostra e o acesso à internet cria desde logo um forte efeito de selecção.

O resultado mais interessante, para explorar em trabalhos mais estruturados, é a resposta associada com a procura de cuidados de saúde por se ter agravado um problema para o qual não se procurou ajuda anteriormente. A principal razão parece estar na opção por auto-medicação por se ter pensado que não era um problema grave (20 das 29 pessoas que não procuraram auxílio disseram que não era grave e tomaram a opção de auto-medicação).

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utilização do SNS e barreiras de acesso – mais um estudo, e mais interpretações com problemas

Ontem foi divulgado um estudo da Information Management School (da Universidade Nova de Lisboa, anteriormente conhecido por ISEGI), numa parceria com a AbbVie.

Nesse estudo surge a pergunta que começa a ser frequente (e que por isso permite alguma comparação ao longo do tempo), se a pessoa deixou de ir a cuidados de saúde (consultas de clinica geral, exames, ou urgência) por causa das taxas moderadoras em caso de necessidade de cuidados de saúde, surgindo em vários meios de comunicação a afirmação seguinte, ou uma sua variante: “Por falta de dinheiro, um em cada 10 portugueses deixou de ir ao médico no ano passado. As dificuldades financeiras impediram, também, 16% dos utentes de comprar medicamentos prescritos pelos médicos. São dados de um estudo, realizado pela Universidade Nova, mas que o Ministro da Saúde desvaloriza.”

Ora, a forma como esta pergunta está feita é bastante enganadora na interpretação que depois lhe é dada. O que a resposta 1 em 10 dá é “em pelo menos uma situação em que sentiram necessidade, 1 em 10 portugueses optaram por não ir procurar cuidados de saúde”.

Suponhamos agora que cada português sentiu necessidade de ir ao médico 5 vezes no ano, e que dessas 5 vezes, apenas numa delas 1 em 10 não foi por limitação da taxa moderadora. Tomando 20 portugueses, teremos neste exemplo hipotético 100 situações de necessidade (20×5). Destes 20 portugueses, 2 tiveram limitação por causa da taxa moderadora numa das 5 ocasiões. Ou seja, apenas 2 das 100 situações de necessidade foram limitadas. A resposta à pergunta em quantos casos houve limitação imposta pela taxa moderadora é neste exemplo hipotético 2% em vez de 10%. Significa então que o valor de 10% encontrado no estudo não pode ser lido, tal como nos estudos de outros anos feitos por outras entidades, como dizendo que 10% dos portugueses não tem acesso a cuidados de saúde por causa das taxas moderadoras.

Fica a nota de em futuros trabalhos se melhorar as perguntas realizadas ou então evitar as interpretações erradas.

Acresce que para casos de pouca gravidade se pretende de facto que a taxa moderadora impeça o recurso desnecessário aos serviços de saúde. Por isso, a forma de encontrar o valor pretendido tem que qualificar  o que significa “necessidade”. Uma forma de pensar em “necessidade” é saber se a ausência de recurso resultou num agravamento da situação que ditou então a ida ao serviço de saúde, em pior situação do que na decisão inicial de não procurar auxílio. E perguntar o que sucedeu na última vez que sentiram necessidade de recorrer a cuidados de saúde, para evitar confundir o ano com uma situação em particular.

Curiosamente, e por puro acaso pois não tinha conhecimento da existência deste estudo, lancei há dias via facebook + blog um pequeno inquérito sobre utilização de cuidados de saúde que procura precisamente ser mais detalhado nestes aspectos, que pode ser preenchido aqui. Esta experiência via internet tem 68 respostas (à data de escrita), mas não são de uma amostra representativa (mais de 95% são licenciados pelo menos, por exemplo). Só por curiosidade, 52 pessoas referiram terem-se sentido doentes, das quais 18 não procuraram serviços de saúde. Dessas 15 automedicaram-se. Das 34 que foram procurar serviços de saúde, 4 referiram ter sido por agravamento de condições anteriores em que não houve recurso a cuidados de saúde.

Não transformei estes valores em percentagem para não dar demasiado valor a uma amostra pequena e claramente não representativa. Apenas ilustra que a forma de fazer as perguntas é crucial para a interpretação a dar. E ilustra como se pode estar a construir uma visão errada do que é a realidade (pode, porque até se ter uma análise adequada fica a dúvida de as respostas dos estudos serem ou não generalizáveis a algo mais preciso do que 10% dos portugueses em pelo menos uma situação de necessidade não usaram serviços de saúde, que repito é diferente de dizer que em 10% das situações de necessidade não houve recurso a serviços de saúde).

 


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Desertos médicos (de volta à discussão?)

Hoje, na rádio, o presidente da ARS do Alentejo falava sobre as dificuldades em atrair médicos para o litoral alentejano. Vale a pena, como comentário rápido, referir que este problema dos “desertos médicos” não é específico de Portugal, e em França diversas tentativas de o resolver com medidas “positivas” para atrair médicos para essas zonas com menor densidade de presença médica. Tanto quanto conheço, o problema não teve ainda uma solução definitiva, apesar de terem sido canalizadas mais verbas. Não há razão para que Portugal seja diferente, no problema e no sucesso das soluções.

Daí que pensar que será somente com salários diferenciados que se resolverá o problema é insuficiente. Será necessário pensar de uma forma mais lata, em termos de projecto profissional e de vida que se oferece nestas zonas carenciadas. Ou seja, o pagamento diferenciado é parte da solução, não será a solução toda. O pensar em termos de projecto profissional implica provavelmente pensar em associações com outras unidades do Serviço Nacional de Saúde para promover o desenvolvimento profissional, por exemplo. Ou pensar no que possa ser o papel do desenvolvimento da prática privada dos mesmos médicos atraídos para o Serviço Nacional de Saúde.

Talvez fosse tempo de ter uma reflexão geral, com contribuições dos problemas e soluções das várias regiões que se sentem mais atingidas por este problema.

(no passado, dois posts tocaram neste aspecto: aqui e aqui)


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hoje, no jornal “i”, sobre o Serviço Nacional de Saúde

a argumentar que devemos ter a ambição de pensar o longo prazo, aqui, e para completar, com o relatório Gulbenkian (para quem ainda não o tenha lido, resumo e versão completa).


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Prevenção em oncologia – algumas ideias

Os aspectos de prevenção da doença e promoção da saúde são frequentemente destacados enquanto centrais para as políticas de saúde, embora depois frequentemente as acções tomadas não acabam por reflectir essa importância na discussão de ideias.

O Conselho da Diáspora Portuguesa elegeu como um dos temas da sua discussão anual a prevenção em oncologia. A propósito desse tema fui desafiado a elaborar um pequeno texto sobre as vantagens e o valor económico da prevenção em oncologia. Numa primeira impressão, parece que bastaria fazer um cálculo de custos presentes versus benefícios futuros (nomeadamente custos evitados e valor de não perder saúde). Avançar com um número de casos evitados, incluindo mortalidade evitada, valorizada aos custos actuais de tratamento não é muito complicado de realizar. E adicionando os custos indirectos, ainda mais simples se torna dizer que a prevenção vale a pena (ver aqui alguma quantificação).

Mais desafiante é perceber porque nesta área, como noutras áreas da medicina, onde se intui facilmente que maior prevenção é desejável, se fica tão aquém da que estas discussões apontam. Acabou por ser este o ponto de partida que me pareceu mais interessante para discutir, e o documento que preparei está disponível aqui, para os comentários, sugestões e desenvolvimentos que entenderem.


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Pacto para a saúde (4)

Saltando alguns dos tópicos, que virão a ser tratados nos próximos dias, é interessante pegar no ponto “Que liberdade de escolha?”. O ponto de liberdade de escolha é diferente de concorrência que é diferente de privatização. Pode-se ter liberdade de escolha para o cidadão (para o doente) dentro do sector público e sem ter concorrência (e sem ter privatização). Importante é saber o que são as consequências da liberdade de escolha, e como é que as instituições do Serviço Nacional de Saúde reagem a essa liberdade de escolha, e que instrumentos têm para essa reacção.

Contudo, antes de passar a essa discussão, e como o que parece ser o grande fantasma é a questão de concorrência com o sector privado, será útil conhecer um pouco mais das percepções das pessoas sobre este aspecto, pelo que proponho um rápido questionário (adaptado de outro contexto, e em inglês): aqui

Analisarei os resultados daqui a uns dias.


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António Ferreira: Reforma do sistema de saúde (3)

E por fim, na leitura do livro, ficam as propostas de reforma do sistema, no que António Ferreira chama de reforma do modelo assistencial:

  • extinção da ADSE – bom, de alguma forma já foi feito, com o aumento das contribuições de tal forma que as receitas da ADSE são já contribuintes líquidas do orçamento do estado;
  • financiamento – há algum saltar de financiamento no sentido de obter fundos da sociedade e financiamento da instituições – a passagem para capitação, e para cuidados de saúde primários como compradores de serviços, é pelo menos algo que deverá ser testado – por exemplo, começando com as urgências, para ver que comportamentos se alteram; e conhecer mais da realidade das ULS. Note-se que a capitação favorece ainda mais a selecção de casos, ou melhor a exportação dos piores casos. receber por capitação significa suportar riscos, qual a solução? encerrar mesmo? mas depois como se processa abertura? questões de economias de escala e comparações para determinação de preços?
  • abertura ao sector privado – o que significa exactamente e onde? (pior que um monopólio público é um monopólio privado com direito de saque sobre o orçamento público)
  • redefinição das políticas de recursos humanos – carreiras, sim, mas pensar de uma forma mais estruturada toda a política, incluindo a localização, para evitar desertos médicos – por exemplo, pontos como condição necessária mas não suficiente em que diferentes localizações se traduzem em diferentes pontuações?
  • medicamento – ter avaliação económica, mas depois ter mecanismos descentralizados de aquisição – qual o grau de fragmentação óptimo? como é que as negociações e concursos são afectados? Formulário fechado seguido de negociação.
  • dispositivos e MCDTs – devem ser tratados essencialmente da mesma forma que o medicamento – avaliação económica, regras claras e deixar depois funcionar os prestadores privados (note-se que esta é a característica comum das três áreas). Obrigatoriedade de ter reprocessamento e reutilização de dispositivos de uso único, também por motivos ecológicos.
  • Reforma do modelo de gestão – autonomia e responsabilização, gostava de ver mais claros quais os paus e quais as cenouras a usar, com que consequências

 

É uma proposta, ou conjunto de propostas, que actua sobretudo do lado da oferta. Falta trabalhar todo o lado da procura, que a prazo será o que determina as necessidades que a oferta terá de satisfazer. Aspectos cruciais:

  • papel do doente e como lidar com a heterogeneidade das suas preferências
  • como tornar o sistema de saúde (ou só o SNS) mais amigável do cidadão numa fase mais precoce das decisões sobre cuidados de saúde e prevenção e tratamento? (por exemplo, papel da linha saúde 24?)
  • até porque mudando a forma de ver do cidadão se muda a pressão política por via dos votos – enquanto abrir equipamentos der votos teremos uma situação diferente de ter uma população a valorizar a sua saúde e não a resposta à doença
  • que processo de escolha colectiva para lidar com alguns dos desafios (por exemplo, o encarniçamento terapêutico mencionado)

Ainda do lado da oferta, outras temas que me parece lícito discutir:

  • como assegurar orçamentos estáveis às unidades do SNS?
  • importância da produção de evidência permanente?
  • que motor para uma procura permanente da eficiência e da sustentabilidade?
  • que mecanismos de abertura e encerramento de unidades?
  • qual o papel das ARS?
  • como assegurar o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários? USF B terão a dimensão para comprar serviços de forma adequada?
  • que opções para toda a cadeia do medicamento?
  • Sobre as PPP, bom ou mau modelo?
  • como reproduzir as boas lideranças?
  • que visão sobre o papel dos benefícios fiscais e estrutura tributaria?
  • que papel para os mecanismos de pay-for-performance, partilha de risco, etc.?


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António Ferreira: Reforma do sistema de saúde (2)

Continuando a leitura comentada do livro de António Ferreira, chega-se ao capítulo das estratégias:

  • educação para a saúde e prevenção – ok, mas creio que falta algo mais do que apenas dizer que se deve gastar mais em prevenção, que tipo de prevenção, que tipo de envolvimento dos cidadãos (relatório Gulbenkian coloca o cidadão como o agente principal); problema técnico – num período de transição poderá ter-se de gastar mais, como fazer chegar os ganhos futuros aos dias de hoje? prevenção tem o problema de se pagar o que não se vê (se é evitado não acontece), pagar apenas por processo?
  • cuidados prolongados e domiciliários – com um papel para os cuidadores informais, mas também para cuidados que sejam mais acompanhamento do que intervenção? será sobretudo um problema de organização e menos um problema financeiro?
  • focalização no cliente – naturalmente, mas há que pensar no que é liberdade de escolha e as suas implicações – o que não for escolhido encerra? mesmo que sirva alguns? liberdade de escolha não pode ser liberdade de lançar impostos sobre os outros pela despesa desnecessária.
  • formação dos profissionais – certo, mas adicionava a isso a criação dentro de cada instituição de mecanismos que obriguem de forma rotineira a pensar na sustentabilidade (e que sejam a negociação permanente com o ministério da saúde ou com a ACSS de reforços de verba)
  • investigação – novamente surge a questão da linha da actividade empresarial, onde fica e que implicações tem?
  • exportação – idem


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António Ferreira: Reforma do sistema de saúde (1)

A intervenção como comentador do livro de António Ferreira “Reforma do sistema de saúde –a minha visão” na sessão organizada pela APAH em parceria com a Bristol-Meyers Squibb permitiu-me a leitura do livro numa lógica de elementos para discussão.

Tendo feito alguns comentários diretamente, há ainda assim um corpo adicional de notas, comentários e perguntas, que decidi colocar para discussão neste e nos próximos textos.

António Ferreira, o conhecido Presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, é uma pessoa de afirmações fortes. O livro que escreveu fornece uma leitura agradável, foi claro o esforço de procurar chegar ao cidadão que não é especialista, sem que se deixe de sentir o estilo do autor, quase como se o pudéssemos realmente ouvir falar em diversas partes do livro. Como seria de esperar o livro está fortemente marcado pela sua experiência de gestão hospitalar. Aliás, quem vá à procura apenas das frases fortes que costuma usar nas suas intervenções públicas encontra-as aqui em muito menor grau, a favor de uma maior clareza de pensamento e argumentação, que o tempo mediático dessas outras intervenções não permite. Devo dizer que partilho de várias das preocupações apresentadas, mesmo que aqui e ali tenha algumas diferenças de caracterização, e noutros casos creio que será preciso mais discussão sobre os vários tipos de solução, mas a seu tempo faremos essa discussão.

No balanço de uma frase: satisfeito com os resultados obtidos em termos assistenciais, com a certeza do desastre se continuarmos como até aqui na parte de custos e despesa.

Antes de apresentar a sua visão, António Ferreira percorre um caminho de caracterização da situação do sistema de saúde português no contexto europeu, com recurso aos dados da OCDE.

Recolhe dessa caracterização diversos factos, que organiza sob o título de evidências:

  • o SNS está falido – embora falte aqui uma definição do que é falido, pois o sentido empresarial do termo não é diretamente aplicável, uma vez que a mesma entidade, o Estado, determina em grande medida as receitas e as despesas. Falido deve ser visto aqui como a incapacidade política (será apenas económica do país?) de garantir os fundos necessários para os níveis assistenciais pretendidos. Aspecto que depende tanto dos objectivos como das restrições. Mais importante é saber o que teria sucedido se tivesse sido dado mais receita / transferência… mas orçamento demasiado curto justifica divida a acumular-se – qual o equilíbrio sobre a forma de determinar o valor a ser pago, ainda antes de discutir a forma como será pago?
  • a ADSE é economicamente insustentável – neste campo, poderíamos discutir o papel da dupla cobertura da ADSE, e que caminho tomar, mas como as decisões políticas já aumentaram as contribuições da ADSE de modo a que esta é hoje contribuinte líquida para o orçamento, o aspecto financeiro está ultrapassado. A defesa da extinção da ADSE é uma possibilidade, como também deve ser a sua passagem a associação mutualista gerida pelos próprios beneficiários que dela queiram fazer parte (e nesse contexto alargar a outros fora do sector público?). Mas não é um elemento crucial do que António Ferreira discute como propostas.
  • não existe em Portugal, economia privada da saúde – não tenho a certeza de que seja verdade, sempre houve economia privada da saúde em Portugal, creio que deve ser lido como não existe em Portugal espaço para actividade hospitalar privada de grande dimensão. Mas mesmo isso não tenho a certeza que seja hoje verdade. Mas mais uma vez não é algo que seja crucial para o que discute António Ferreira.
  • o sistema de saúde português favorece algumas regiões em detrimento de outras – bom, comparar despesa média sem ajustar pelo risco para acomodar as diferentes populações é suas necessidades é um passo que precisa de ser dado antes de retirar esta conclusão, que provavelmente será verdade no sentido em que com todos os factores que afectam a despesa será muito improvável que dê exactamente o mesmo valor em todas as regiões. Resta saber se a dispersão que existe é aceitável ou não. E aqui mais do que olhar para despesa vale a pena olhar para outros indicadores, reconhecendo ainda que diferentes regiões podem atingir os mesmos objectivos assistenciais de forma diferente – por exemplo, a proximidade ao cidadão no Alentejo implica maior dispersão física dos equipamentos e dos profissionais de saúde do que em Lisboa, e pode ter custos superiores, justificados pelos objectivos assistenciais. Mas a maior proximidade em Lisboa pode levar a maior utilização, fazendo subir a despesa. Na tabela 8 de indicadores, gostava de ter visto também o indicador de despesa em medicamentos por mil habitantes, até pelo papel que o medicamento tem na discussão posterior.
  • a economia está em recessão e o défice público é uma constante – mas não será sempre assim; é interessante retirar implicações para o que possa ser uma forma de organização do sistema de saúde que isole mais das flutuações da economia?
  • Portugal gasta mais do que os seus parceiros e do que pode – o gastar mais ou menos é uma escolha legitima de cada país; não há razão para a média da OCDE ser o padrão adequado – neste ponto, em lugar desta discussão é preferível pensar em termos de value for money, aspecto que é tratado, e bem, por António Ferreira, mais à frente.
  • o sistema de saúde assenta em cuidados curativos agudos e no medicamento – totalmente de acordo, e de acordo com a necessidade de transformação desta característica, e não é só a longevidade, é a morbilidade associada com os últimos anos de vida que nos deve preocupar em termos de objectivos assistenciais e de despesa – reduzir essa morbilidade permite pessoas mais saudáveis e menos despesa. Mas o envelhecimento por si só não fará explodir a despesa em saúde (mas a inovação dirigida a essa população envelhecida sim).
  • previsão de crescimento explosivo dos custos – bom a previsão usa dados desde 1970, e pelo que percebi não desconta a inflação ocorrida, pelo que tende a ter natureza exponencial. De qualquer modo, revendo para a existência de pressão para subida da despesa, creio que não haverá grande discussão sobre a direcção do movimento, mesmo que a magnitude não seja a indicada. É de realçar que em termos de despesa per capita, despesa em % do PIB e até despesa pública como parte da despesa total em saúde estamos no grupo europeu sem ser um caso extremo.
  • estado não conseguirá acompanhar o crescimento da despesa pelo que a presença pública diminuirá – importante será também saber quanto da despesa é determinada pelo sistema público, serviço nacional de saúde, mesmo que seja paga por dinheiro privado (pagamentos directos) e quanto passa para fora, passando a ser relação entre privados, em formato de seguro ou de pagamento directo.
  • desafio da internacionalização – há um problema básico que tem sido largamente ignorado – como é que empresas do estado vão competir num mercado global (ou europeu)? haverá certamente intervenção da Comissão Europeia para evitar ajudas de estado – se querem estar na internacionalização, a possibilidade de falência terá que seguir os moldes empresariais, mesmo que isso implique cortes de serviço à população. Será mesmo possível seguir este caminho em Portugal, e com que sucesso?
  • houve ganhos em saúde extraordinários – ok
  • sistema de saúde português tem recursos adequados, é acessível, menoriza diferenças sociais e tem boa qualidade – então o problema é apenas gastar a mais, ou ser demasiado para um país como Portugal, ou para as finanças públicas; é um problema financeiro, de organização ou de expectativas excessivas face à riqueza do país?
  • sistema não se preparou para a pressão demográfica
  • os portugueses não estão satisfeitos com a resposta do sistema de saúde e têm hábitos de vida pouco saudáveis – teria sido apropriado separar em dois pontos distintos.

Sobre a avaliação dos portugueses quanto ao sistema de saúde, além do habitual pessimismo, há que ressalvar que quem usa o SNS tem melhor opinião do que quem não usa e forma opinião apenas por ouvir falar.

Senti a falta de um capítulo sobre o papel dos profissionais de saúde, como está a mudar e como evoluíram os recursos humanos, até porque depois terão um papel relevante na discussão sobre soluções.

O sector público pode ajustar de três formas – preço/custo, quantidade e grau de cobertura – gostava de ver mais claro como é que a(s) solução(ões) proposta(s) se divide(m) nestes elementos.

 

(continua amanhã)


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Uma vista de olhos europeia sobre a saúde

Saiu o “health at a glance 2014“, que também tem tido destaque na imprensa. Como as organizações libertam primeiro para os orgãos de comunicação social, e convém ler antes de comentar (embora também seja frequente ver o comentar antes de ler), os pontos de discussão acabam por ser liderados por essas escolhas. Mas vejamos o que uma primeira leitura do documento revela:

a) em termos de estado de saúde e de “recursos físicos” (incluindo recursos humanos e equipamentos), Portugal não destoa dos restantes países da Europa. Não está nem na frente nem na cauda. Claro que se pode fazer melhor e deve-se ter essa ambição (talvez possamos passar a ter o primeiro terço dos melhores resultados dentro da OECD como meta, em vez da média? e depois os 20% melhores? objectivos em termos relativos são sempre perigosos, mas se servirem para focar a atenção, então pelo menos que se tenha como alvo algo mais exigente que a média). Principal nota de preocupação, o crescimento do tempo de espera para intervenção, a seguir com os números mais recentes. Note-se que em 2011 já tinha ocorrido um aumento dos tempos de espera, com redução em 2012, e novamente subida em 2013. Mas sempre acompanhado com aumento de actividade (ver aqui o relatório mais recente do SIGIC que se encontra no site da ACSS). A capacidade de resposta do serviço nacional de saúde não foi suficiente em 2013, mas não por corte da actividade.

b) em termos de despesa, corremos o risco de voltar à eterna discussão de despesa per capita versus despesa em percentagem do PIB, que é relativamente estéril nas suas consequências, pois gastar por gastar é pouco interessante como critério. Mais importante porém é que a evolução dos últimos anos reflectirá sobretudo a evolução em preços, que foram a principal variável de ajustamento da despesa pública (não a única, mas a principal). Com reduções de salários e de medicamentos a serem, numa estimativa por alto, cerca de 2/3 do ajustamento da despesa, é inevitável que a despesa per capita se reduza (e a despesa como percentagem do PIB também, embora aqui a evolução negativa do PIB também altere o indicador). Ora, se o sistema de saúde estivesse a fazer exactamente o mesmo mas pagando menores preços e salários, a redução da despesa per capita seria um bom sinal – para os mesmos resultados, tinha-se menor despesa. Claro que “tudo o resto” não ficou constante, mas este exemplo ilustra apenas a dificuldade em retirar uma implicação negativa da redução da despesa quando há fortes efeitos preço envolvidos.

c) o outro aspecto que chama a atenção é o aumento da despesa privada out-of-pocket, ou seja, pagamentos directos feitos pelas Familias no momento de utilização de cuidados de saúde. Esta despesa corresponde a falta de protecção financeira dada pelo Serviço Nacional de Saúde (e outros mecanismos complementares – os seguros não devem ser incluídos aqui, pois são protecção financeira, mesmo que paga privadamente, não correspondem a despesa no cidadão no momento de utilização). Ora, a evolução das despesas privadas em saúde em pagamento directo era perfeitamente previsível, e na verdade aumentam a equidade do financiamento do serviço nacional de saúde. Bom, sendo provavelmente pouco intuitiva esta afirmação, convém perceber de onde virá este aumento e porque era previsível – as deduções em sede de IRS das despesas privadas em saúde reduziram-se fortemente durante este período e reduziram-se mais para os grupos de rendimento mais elevado. As alterações dos benefícios fiscais fazem com que despesa privada que era deduzida via sistema fiscal ao imposto pago se traduzissem na verdade em despesa privada. Como só deduz esta despesa privada quem paga imposto, por um lado, e como tradicionalmente as classes de rendimento mais elevado gastam mais em cuidados de saúde privados, a consequência imediata da redução dos benefícios fiscais está no aumento da despesa privada em saúde. Essa evolução pode ser melhor vista não nestes números da OCDE e sim na evolução dos valores detalhados na Conta Satélite da Saúde publicada pelo INE (e onde presumo seja obtida a informação usada pela própria OCDE). Não é possível querer ao mesmo tempo reduzir os benefícios fiscais, tornando menos regressivo o financiamento público da saúde, e reduzir a despesa privada. Ou seja, parte substancial deste efeito está associada com medidas da área das deduções fiscais e não com um aumento da utilização de cuidados de saúde privados por falta de resposta do Serviço Nacional de Saúde (que seria a interpretação natural, caso não tivesse ocorrido esta alteração fiscal).

Sobre a conta satélite da saúde e pagamentos privados, ver aqui. E como ilustração do efeito acima, o gráfico seguinte

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