E por fim, na leitura do livro, ficam as propostas de reforma do sistema, no que António Ferreira chama de reforma do modelo assistencial:
- extinção da ADSE – bom, de alguma forma já foi feito, com o aumento das contribuições de tal forma que as receitas da ADSE são já contribuintes líquidas do orçamento do estado;
- financiamento – há algum saltar de financiamento no sentido de obter fundos da sociedade e financiamento da instituições – a passagem para capitação, e para cuidados de saúde primários como compradores de serviços, é pelo menos algo que deverá ser testado – por exemplo, começando com as urgências, para ver que comportamentos se alteram; e conhecer mais da realidade das ULS. Note-se que a capitação favorece ainda mais a selecção de casos, ou melhor a exportação dos piores casos. receber por capitação significa suportar riscos, qual a solução? encerrar mesmo? mas depois como se processa abertura? questões de economias de escala e comparações para determinação de preços?
- abertura ao sector privado – o que significa exactamente e onde? (pior que um monopólio público é um monopólio privado com direito de saque sobre o orçamento público)
- redefinição das políticas de recursos humanos – carreiras, sim, mas pensar de uma forma mais estruturada toda a política, incluindo a localização, para evitar desertos médicos – por exemplo, pontos como condição necessária mas não suficiente em que diferentes localizações se traduzem em diferentes pontuações?
- medicamento – ter avaliação económica, mas depois ter mecanismos descentralizados de aquisição – qual o grau de fragmentação óptimo? como é que as negociações e concursos são afectados? Formulário fechado seguido de negociação.
- dispositivos e MCDTs – devem ser tratados essencialmente da mesma forma que o medicamento – avaliação económica, regras claras e deixar depois funcionar os prestadores privados (note-se que esta é a característica comum das três áreas). Obrigatoriedade de ter reprocessamento e reutilização de dispositivos de uso único, também por motivos ecológicos.
- Reforma do modelo de gestão – autonomia e responsabilização, gostava de ver mais claros quais os paus e quais as cenouras a usar, com que consequências
É uma proposta, ou conjunto de propostas, que actua sobretudo do lado da oferta. Falta trabalhar todo o lado da procura, que a prazo será o que determina as necessidades que a oferta terá de satisfazer. Aspectos cruciais:
- papel do doente e como lidar com a heterogeneidade das suas preferências
- como tornar o sistema de saúde (ou só o SNS) mais amigável do cidadão numa fase mais precoce das decisões sobre cuidados de saúde e prevenção e tratamento? (por exemplo, papel da linha saúde 24?)
- até porque mudando a forma de ver do cidadão se muda a pressão política por via dos votos – enquanto abrir equipamentos der votos teremos uma situação diferente de ter uma população a valorizar a sua saúde e não a resposta à doença
- que processo de escolha colectiva para lidar com alguns dos desafios (por exemplo, o encarniçamento terapêutico mencionado)
Ainda do lado da oferta, outras temas que me parece lícito discutir:
- como assegurar orçamentos estáveis às unidades do SNS?
- importância da produção de evidência permanente?
- que motor para uma procura permanente da eficiência e da sustentabilidade?
- que mecanismos de abertura e encerramento de unidades?
- qual o papel das ARS?
- como assegurar o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários? USF B terão a dimensão para comprar serviços de forma adequada?
- que opções para toda a cadeia do medicamento?
- Sobre as PPP, bom ou mau modelo?
- como reproduzir as boas lideranças?
- que visão sobre o papel dos benefícios fiscais e estrutura tributaria?
- que papel para os mecanismos de pay-for-performance, partilha de risco, etc.?
11 \11\+00:00 Dezembro \11\+00:00 2014 às 11:17
Caro Pedro
«…saque sobre o orçamento público…» ??? ; estará a desaparecer o académico e a surgir o panfletário ?
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11 \11\+00:00 Dezembro \11\+00:00 2014 às 11:21
definitivamente, mas onde está “saque” podes ler “exercício de poder de mercado” 🙂
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11 \11\+00:00 Dezembro \11\+00:00 2014 às 15:28
Parece depreender-se do que afirmas, que a abertura ao sector privado(num sistema como o português) poderá representar sempre um risco de monopólio privado(com «saque» ou, mais eufemisticamente, com «exercicio do poder de mercado») ; para aplacar todos os receios de algumas pessoas, que tal a adopção de um modelo tipo … norte coreano ?
Agora sem ironia – Um Bom Natal.
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11 \11\+00:00 Dezembro \11\+00:00 2014 às 15:36
Não podes depreender isso. Só uma ordenação de situações. A abertura ao sector privado não é em si mesma um dogma, e comporta riscos. O mau funcionamento do sector público não justifica automaticamente a abertura ao sector privado, tal como um funcionamento insuficiente do sector privado não justifica automaticamente fechar ao sector privado. Infelizmente (ou felizmente?) não há regras absolutas. A chamada de atenção foi só para a situação extrema de um monopólio público controlado por command & control não ser necessariamente pior que um monopólio privado não regulado. Digamos que se quiser refrasear será “abertura ao privado sempre que as condições necessários para o seu bom funcionamento estejam garantidas”, e claro “the devils is in details”, o que são as condições necessárias. Voltarei a isto um destes dias.
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