Hoje, na rádio, o presidente da ARS do Alentejo falava sobre as dificuldades em atrair médicos para o litoral alentejano. Vale a pena, como comentário rápido, referir que este problema dos “desertos médicos” não é específico de Portugal, e em França diversas tentativas de o resolver com medidas “positivas” para atrair médicos para essas zonas com menor densidade de presença médica. Tanto quanto conheço, o problema não teve ainda uma solução definitiva, apesar de terem sido canalizadas mais verbas. Não há razão para que Portugal seja diferente, no problema e no sucesso das soluções.
Daí que pensar que será somente com salários diferenciados que se resolverá o problema é insuficiente. Será necessário pensar de uma forma mais lata, em termos de projecto profissional e de vida que se oferece nestas zonas carenciadas. Ou seja, o pagamento diferenciado é parte da solução, não será a solução toda. O pensar em termos de projecto profissional implica provavelmente pensar em associações com outras unidades do Serviço Nacional de Saúde para promover o desenvolvimento profissional, por exemplo. Ou pensar no que possa ser o papel do desenvolvimento da prática privada dos mesmos médicos atraídos para o Serviço Nacional de Saúde.
Talvez fosse tempo de ter uma reflexão geral, com contribuições dos problemas e soluções das várias regiões que se sentem mais atingidas por este problema.
27 \27\+00:00 Fevereiro \27\+00:00 2015 às 11:38
Este tema é como outros no SNS e no quadro mais geral do “desenvolvimento” de um País litoral: aburguesamento de elites de todo o tipo face às crescentes pressões demográficas e de baixa de expectativas de vida e falta de auto motivação para encaixar uma formação técnica boa com uma exigência de consumo cultural e …evolução profissional.De que os médicos são claramente uma classe profissional muito especial depois das experiências nos anos 70/80 dos Médicos à periferia.
Para além do dinheiro, da educação dos filhos, comparação com as “evidências” da impreparação de muitas figuras locais (que vivem muito à pala dos dinheiros públicos), naturalmente que os médicos procuram melhores soluções para o seu futuro.Que não há como já houve, de resto.
Sem querer regressar à figura do João Semana e com estradas boas e tecnologias de informação e comunicação para ajudar, o tema está muito na iliteracia em saúde por parte das pessoas da classe média e média, média baixa e média. Potenciado pela rede de burocracia e interesses vários, a realidade está em que estamos perante uma necessidade de URGENTE TRANSFORMAÇÃO e não apenas de URGENTE SOLUÇÃO: Enfermeiros , Farmácias, Bombeiros, Assistentes Sociais têm de ser mais integrados em soluções que não sejam só ou quase só a passar pelos médicos.
No interior do País, na localidade em que nasci e ainda vive o meu Pai (Alter do Chão), situada a 30Kms de Portalegre sede da ULSNA, em pouco mais de 6 meses praticamente deixou de haver médico para apoiar uma população num concelho de cerca de 3000 habitantes,muitos dos quais idosos. Por reforma e doença posterior de uma médica, por doença de outra e por apoio na doença a esta pelo marido, que também lá é médico.
Perante isto, não só o planeamento de recursos deve ter andado a boiar (é zona de cortiça…) mas também o imprevisto ali caiu.
E se a esta situação, que é neste momento crítica, juntar o “novo caso” de Santiago do Cacém, só resta uma perspectiva extrema: será que só uma catástrofe nacional implicará que de Lisboa; Coimbra, Porto possam ir, mesmo que temporariamente, médicos restaurar a confiança no SNS nas tristes situações a mais de 60Kms dos centros “bem recheados ?Também de outro tipo de problemas como se tem visto.
Literacia em saúde não é fazer relatórios: é fazer com que as pessoas mudem comportamentos pela boa informação e formação.Sem andarmos sempre a desancar nos médicos.Mesmo quando às vezes mereçam.Tal como acontece com os economistas 🙂
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27 \27\+00:00 Fevereiro \27\+00:00 2015 às 17:47
Em jeito de resposta à situação de Alter do Prof. Roxo, deixo já aqui uma das múltiplas respostas possíveis ao post do Prof. Pedro.
Eu candidato-me a ir trabalhar para a terra do Prof Roxo de bom grado e já para ontem!!! Tenho uma vida menos stressante, com mais tempo para fazer investigação de forma paralela com a atividade clínica e ainda desenvolvo projetos paralelos de alto VAB para a região.
Peço a mobilidade ao meu ACES e essa será negada dado o contrato assinado em 2014 impedir-me de sair de Rio de Mouro (Sintra), um local carenciado (82,6% dos utentes sem Médico de Família, num Universo de 25000 utentes) para ir para outro carenciado, no interior do país.
Segundo problema nesta equação: apesar de a C.M aceitar de bom grado a minha ida, facilitando creche e se calhar parte da renda mensal de casa, a minha esposa que tem vinculo em funções públicas com o IST, nunca conseguirá ir exercer a Lisboa e viver em Portalegre que por acaso até é a terra de onde é natural.
E assim se perde a hipótese de um casal em idade fértil e altamente qualificado poder ir para o interior, de vontade própria, quer por negação de mobilidade do profissional quer por ausência de alternativa profissional para o conjugue.
Já num post anterior do Prof. Pedro tinha deixado um comentário relativamente a esta situação: tal como as empresas privadas fazem, deve ser da competência do estado inquirir que outras regalias extra salário os profissionais procuram e criar portfolios diversos de regalias extra que tornem atrativos os lugares carenciados em todo o país. Nem sempre se centra à volta de dinheiro, muitas vezes é o fator “formação”, outras vezes e de forma tão simples, o facto de os profissionais serem já casados e terem conjugues com carreiras firmadas. Não se deverá começar logo a atrair os profissionais por exemplo durante a sua atividade formativa pré graduada? E as regiões terem um papel importante na forma e no conteúdo de atraírem os profissionais, tal como as empresas privadas o fazem?
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27 \27\+00:00 Fevereiro \27\+00:00 2015 às 14:19
Caro Prof. Pita Barros e Dr. Francisco Velez Roxo,
Mais uma vez, subscrevo q.b. as V. análises oportunas. Acrescento, na minha visão Drone com curto-circuito, que o projeto profissional é talvez a questão crucial da fixação de quadros médicos qualificados à periferia. Nesse sentido, aproveito para declarar que estou inteiramente de acordo com a política do MS quanto à contratação de recém especialistas e outros (inclui mobilização) à periferia: servi durante 6 anos a causa pública nessas condições e não me arrependo. No entanto, com conhecimento de causa, realço as seguintes questões associadas à prática da Medicina na periferia:
-“Parque” de equipamentos realmente obsoleto, nomeadamente em especialidades técnicas e não se trata de “chorar” por inovação marginal (as demissões ao nível das chefias de urgência passam tanto pela falta de recursos humanos como de materiais básicos)
-Unidades de serviço concentradas em espaços de 30 m2 , com boxes separadas por biombos indiscretos de alcatrão sujo, comprometendo a relação médico-doente e a privacidade;
-Espírito de equipa duvidoso e desconfiança perante outsiders, particularmente se vierem dos grandes centros urbanos (com exceção no Algarve, onde existe o chamado bypass coimbrão, um mito burguês da região) ou de outra nacionalidade; isto faz-me lembrar um jovem e brilhante colega de Cirurgia Plástica que descobriu, da pior forma, que o deserto de “Marrocos de cima” pode ser uma ilha delimitada pelo mar…
Quanto à prática de atividade privada, pessoalmente dispenso-a se o hospital satisfizer as minhas necessidades profissionais. Por outro lado, a contratação de 40 horas semanais deixa pouco espaço para a mesma, exepto para os “workEURÓlicos”. Talvez me seja difícil transmitir o desgaste físico e mental que a profissão de médico exige. Talvez se os “gestores modernos da saúde”, incluindo os nomeados politicamente e que provém da gestão de bares de alterne ou com formação em politécnicos de vão de escada, vestissem uma bata e acompanhassem o médico numa semana de 40 horas a sua visão mudasse e deixassem de dizer que comem esta e aquela “interna” e que os médicos são merda a quem batem à porta quando em apuros. Talvez ser médico não tenha futuro e os gestores, e os seus descendentes, definhem à mingua de cuidados de saúde. Talvez o sistema de saúde português seja isto e melhor seja impossível…
Faço votos para que o que de correto o MS realizou possa ser transversal às eventuais mudanças de ciclo político, no médio e longo prazo, tendo em mente o valor para o utente e não só o acrescentado para a clientela “acionista”.
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27 \27\+00:00 Fevereiro \27\+00:00 2015 às 17:47
Em jeito de resposta à situação de Alter do Prof. Roxo, deixo já aqui uma das múltiplas respostas possíveis ao post do Prof. Pedro.
Eu candidato-me a ir trabalhar para a terra do Prof Roxo de bom grado e já para ontem!!! Tenho uma vida menos stressante, com mais tempo para fazer investigação de forma paralela com a atividade clínica e ainda desenvolvo projetos paralelos de alto VAB para a região.
Peço a mobilidade ao meu ACES e essa será negada dado o contrato assinado em 2014 impedir-me de sair de Rio de Mouro (Sintra), um local carenciado (82,6% dos utentes sem Médico de Família, num Universo de 25000 utentes) para ir para outro carenciado, no interior do país.
Segundo problema nesta equação: apesar de a C.M aceitar de bom grado a minha ida, facilitando creche e se calhar parte da renda mensal de casa, a minha esposa que tem vinculo em funções públicas com o IST, nunca conseguirá ir exercer a Lisboa e viver em Portalegre que por acaso até é a terra de onde é natural.
E assim se perde a hipótese de um casal em idade fértil e altamente qualificado poder ir para o interior, de vontade própria, quer por negação de mobilidade do profissional quer por ausência de alternativa profissional para o conjugue.
Já num post anterior do Prof. Pedro tinha deixado um comentário relativamente a esta situação: tal como as empresas privadas fazem, deve ser da competência do estado inquirir que outras regalias extra salário os profissionais procuram e criar portfolios diversos de regalias extra que tornem atrativos os lugares carenciados em todo o país. Nem sempre se centra à volta de dinheiro, muitas vezes é o fator “formação”, outras vezes e de forma tão simples, o facto de os profissionais serem já casados e terem conjugues com carreiras firmadas. Não se deverá começar logo a atrair os profissionais por exemplo durante a sua atividade formativa pré graduada? E as regiões terem um papel importante na forma e no conteúdo de atraírem os profissionais, tal como as empresas privadas o fazem?
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27 \27\+00:00 Fevereiro \27\+00:00 2015 às 22:30
Caros, concordo inteiramente com os pontos essenciais dos vossos comentários:
a) parte da solução para as populações desprotegidas poderá / deverá incluir outras respostas de apoio
b) preenchimento de condições, de enquadramento institucional e de equipamento, para um projeto profissional de longo prazo
c) participação na solução das entidades locais
d) em muitos casos pensar em termos de casal, e encontrar soluções de casal nesta procura de fixação de médicos no interior
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28 \28\+00:00 Fevereiro \28\+00:00 2015 às 20:27
Da minha experiência como medico deslocado de Lisboa para a “província”
1) fundamental sentir se parte de um projecto. Que a escolha não seja um sacrifício permanente da carreira, que não seja uma Marca de “ficar para trás…” Esta sensação de participar num projecto, de sentir se que se vai construir algo em vez de simplesmente tapar um buraco anda um pouco nas ruas da amargura…
2) sentir que se pode construir uma vida familiar de qualidade, com acesso a muitas das coisas do mundo moderno… A maioria dos jovens vêm do Litoral, do Norte, dos grandes centros urbanos. Net, bons equipamentos, integração em redes internacionais… Antigamente dizia se que se as mulheres queriam conquistar o mercado de trabalho tinham o peso enorme de ter qe ser melhores para serem aceites. Felizmente já não será tanto assim. As instituições da “província” têm que ser muito activas… Mais do que são ou do que lhes permitem ser?
3) políticas de contratação com alguma liberdade… Muitos não ficam porque os maridos, mulheres etc não encontram empregos…
4) ordenados justos, se necessário com componentes variáveis por produtividade ou como agora em alguns locais (não em Portugal) incluindo prêmios por objectivos de qualidade.
Em suma, só uma actividade mais integrada das diferentes instituições fechada região, uma maior integração em redes internacionais e a criação e abertura a projectos de longo prazo serão eficazes. Tudo isto me parece um pouco distante. Tapam se buracos…
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28 \28\+00:00 Fevereiro \28\+00:00 2015 às 20:29
Desculpem a escrita a correr em telemóvel…
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