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Ainda sobre as pensões e a decisão do Tribunal Constitucional

3 comentários

um texto do meu amigo Francisco Severino sobre o assunto (como não tem blog, dou-lhe espaço para as suas ideias):

Convergência nas pensões – violação do princípio da confiança, violação do princípio da igualdade ou uma guerra entre gerações?

Será que a proposta do Governo para alterar pensões a pagamento recentemente considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional é de facto inconstitucional?

Ou será que estamos perante mais um dos famosos direitos adquiridos que pululam na sociedade Portuguesa e que protegem com “rendas excessivas” como agora se costuma dizer, alguns em detrimentos dos muitos?

Será ainda que a violação da constituição resultaria desta norma agora intentada pelo Governo, ou que, pelo contrário, resultou de um conjunto de normas, regras e leis que foram sendo aprovadas sucessivamente por vários Governos e que por serem insustentáveis, esses sim, violavam a constituição e logo em pelo menos dois princípios: o da equidade e o da confiança?

É que se o Estado promete a uns (os que já estão ou estão próximo de vir a estar reformados) o que não pode prometer a outros (os que estão – cada vez – mais longe de vir a ter uma reforma), viola-se o princípio da igualdade.

E se o mesmo Estado promete dar a uns algo que desconfia seriamente que não conseguir dar, compromete seriamente o princípio da confiança.

Temos assim instalado um conflito entre gerações. Conflito esse que é julgado por uma das gerações – a que está representada no Tribunal Constitucional.

Temos também um problema que dificilmente o sistema democrático em vigor irá querer resolver.

É que de acordo com dados oficiais (http://www.pordata.pt/Portugal/Recenseados+total+e+por+grupo+etario-2252) quase 48% dos eleitores têm mais de 50 anos e mais de 31% têm mais de 60 anos!

Será assim difícil imaginar que o sistema político possa querer prejudicar um grupo tão elevado de votantes.

É que temos um sistema que foi desenhado para funcionar num esquema que faz lembrar o da “Dona Branca” – enquanto estiverem a entrar novos contribuintes para o sistema, este funciona. O problema é quando ao mesmo tempo, os aposentados vivem mais do que o inicialmente esperado e ao mesmo tempo há menos trabalhadores e ainda por cima ganham menos.

Mas vejamos então porquê manter o atual status quo poderá ser considerado altamente inconstitucional.

Recalcular pensões – ou o princípio da equidade e o princípio da confiança

O recálculo das pensões a pagamento pode ser defendido por contribuir decididamente para repor a equidade entre:

  •       – Atuais e futuros pensionistas
  •       – Atuais trabalhadores e atuais pensionistas
  •        – Atuais pensionistas privados e públicos

Mas por outro lado o recálculo das pensões que já estão a pagamento, levando a que o valor da pensão a receber no futuro (já amanhã) venha a ser diferente da que foi atribuída no momento da passagem à reforma, poderá violar o princípio da confiança.

Resta saber qual poderá ser o efeito que prevalece e qual o grau de certeza que se pode ter sobre essa opinião.

Sobre o nosso sistema de pensões

Ao contrário do que a maioria dos portuguese crê, as pensões não são suportadas pelo valor (atualizado) dos descontos passados dos atuais beneficiários (os pensionistas), como seriam aliás num regime de capitalização, mas sim pelas receitas atuais que a SS e CGA recebem, já que o nosso sistema de pensões é um sistema “pay as you go” ou de “repartição em que os atuais trabalhadores no ativo pagam as pensões dos atuais reformados e os seus descendentes se encarregarão de lhes pagar as suas – há assim um princípio assente de solidariedade intergeracional, mas uma solidariedade que tem sido unidirecional.

As receitas da SS e CGA são no essencial as contribuições dos trabalhadores no ativo (que trabalham e descontam para a segurança social ou CGA) e as respectivas contribuições dos seus empregadores.

Não sendo estas receitas suficientes, diferença é coberta por transferências do Orçamento de Estado que são financiadas pelos impostos pagos por todos nós e, quando estes são insuficientes (como acontece em cada ano que existe um deficit do orçamento de Estado), também por emissão de dívida pública.

Em 2011 a despesa total com as prestações da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações ascendeu a mais de 32 mil milhões de euros, dos quais mais de 22,3 mil milhões corresponderam a pensões.

As contribuições pagas à SS e CGA pelos atuais trabalhadores e entidades empregadoras ascenderam a cerca de 17mil milhões, correspondendo uma parte destas “quotizações” a outras eventualidades que não pensões – por exemplo proteção na situação de desemprego.

No mesmo período o Orçamento de Estado contribuiu com mais de 11mil milhões de euros para a SS e CGA. Sendo certo que uma parte dessas transferências foram para fazer face a programas sociais (como o rendimento social de inserção, entre outros), a maior parte terá sido para financiar a diferença entre as pensões atualmente em pagamento e as receitas relativas aos atuais trabalhadores (e seus empregadores). Só no caso da CGA o Orçamento de Estado contribuiu com mais de 4mil milhões de euros de financiamento direto. São mais 4mil milhões de Euros de impostos que têm de ser cobrados.

Visto de outra forma, só o deficit de financiamento das pensões da CGA contribui com 2,4 pontos percentuais para o tal deficit excessivo do OE que tentamos combater.

Como resulta fácil de compreender destes números, já hoje as pensões a pagamento não conseguem ser pagas apenas com as contribuições para a SS e CGA dos que estão a trabalhar (e dos seus empregadores). Todos os anos é necessária uma transferência dos contribuintes para os pensionistas.

 

(1) O sistema não é assim sustentável, já que depende de transferências do exterior.

Iniquidade entre sistema público e privado

Fruto do desenho dos sistemas (SS e CGA) dois atuais pensionistas com carreiras contributivas equivalentes (número de anos e remuneração pensionável) mas sendo um beneficiário da CGA (ex funcionário público) e outro beneficiário da SS, têm pensões bastantes diferentes.

A pensão do ex-funcionário público será cerca de 20% superior ao do outro pensionista.

Por maioria de razão e a bem da equidade entre público e privado passados contributivos iguais deveriam resultar em pensões a pagamento iguais.

Para repor igualdade restam assim duas alternativas:

  1. a.    Recalcular pensão da SS segundo critérios da CGA o que resultaria num aumento dos encargos da SS
  2. b.    Recalcular pensão da CGA segundo critérios da SS, o que resultaria numa redução imediata dos encargos da CGA

Como se viu em (1) o sistema já hoje não é sustentável pelo que a hipótese a) que agrava o desequilíbrio já existente, não será viável.

Por outro lado, está já há vários anos em curso a convergência faseada das regras dos regimes de Proteção Social da CGA e SS, convergindo a CGA para as regras da SS, o que reflete as premissas defendidas na alternativa b).

Iniquidade entre atuais e futuros pensionistas

Fruto do reconhecimento da elevada insustentabilidade do sistema à data, nomeadamente face aos efeitos do aumento da longevidade – que sem qualquer aumento no período das contribuições, aumentam o período em que as pensões passam a ser devidas – foi feita uma extensa reforma do sistema de SS (e CGA) em 2006.

Entre outros, esta reforma alterou a idade mínima de reforma dos 60 para os 65 anos e introduziu o factor de sustentabilidade que tem como objectivo assegurar que a sustentabilidade do sistema não é colocada em causa pela evolução da longevidade.

As novas regras e para as mesmas carreiras contributivas reduzem o valor das pensões a pagamento.

Sob pretexto de respeitar os “direitos adquiridos” dos trabalhadores que já tinham carreiras contributivas com alguns anos, foi no entanto definido um sistema faseado de introdução das novas regras que vem atrasar o alcançar da sustentabilidade do sistema.

A entrada faseada das novas regras resulta na necessidade do sistema continuar a receber transferências adicionais do OE durante largos anos, consubstanciando assim uma transferência dos contribuintes para os pensionistas.

Por outro lado e ainda que os novos pensionistas vejam as suas pensões calculadas de acordo com as novas regras, os pensionistas que já se encontravam reformados à data da entrada em vigor das novas regras não tiveram qualquer impacto e continuam a beneficiar de pensões mais generosas do que o que as suas contribuições permitiriam suportar num modelo sustentável, obrigando à continuidade de transferências anuais do OE para o orçamento da SS (e CGA), suportadas pelo contribuinte.

Temos assim um tratamento claramente desigual:

  1. c.    Antigos pensionistas – beneficiam de regras antigas que exigem uma sobrecarga anual do contribuinte para compensar pelas pensões mais elevadas do que as contribuições para SS (e CGA) permitiriam
  2. d.    Novos pensionistas – beneficiam de regras de transição que, apesar de menos exigentes, continuam a exigir uma sobrecarga anual do contribuinte para compensar pelas pensões mais elevadas do que as contribuições para SS (e CGA) permitiriam
  3. e.    Futuros pensionistas – sabem já que irão beneficiar de regras menos vantajosas no cálculo da pensão futura e ao mesmo tempo são sobrecarregados enquanto contribuintes para suportar encargos de um sistema de SS (e CGA) que não se encontra equilibrado.

Resultando a alteração das regras da constatação da insustentabilidade do sistema vigente à data, não parece assim que seja possível repor as regras antigas para novos e futuros pensionistas.

Por outro lado, as regras de novos pensionistas, são regras transitórias que como o próprio nome indicia não asseguram a sustentabilidade – são necessariamente transitórias. Assim a sua aplicação a todos os pensionistas também não é solução, pois não poderá perdurar no tempo.

Assim, a única forma de assegurar a equidade de tratamento entre antigos, novos e futuros pensionistas passa por aplicar as novas regras a todo o universo de pensionistas. Tal implica recalcular todas as pensões a pagamento – para os antigos pensionistas e novos pensionistas que entretanto tenham entrado na reforma.

 

Iniquidade entre trabalhadores e atuais pensionistas

Tal como já referido (1) o sistema atual de SS (e CGA) não é sustentável – tal como está desenhado hoje não consegue gerar receitas suficientes para fazer face aos compromissos que tem. Para compensar este desequilíbrio beneficia hoje de uma elevada contribuição do Orçamento de Estado que ultrapassa os 11mil milhões de euros, o que equivale a mais de 6,7% do PIB e a mais de 13% do total do Orçamento de Estado.

O Orçamento de Estado é financiado sobretudo à custa dos contribuintes – em primeiro lugar através de impostos sobre o consumo e depois sobre impostos sobre o trabalho ou sobre os rendimentos de capital, mas também é financiado em parte pelos contribuintes futuros, que terão de pagar a dívida assumida para financiar o deficit orçamenta.

Temos assim que as pensões hoje pagas são suportadas pelos trabalhadores de hoje (através das suas contribuições para a SS e CGA, mas também através dos impostos diretos sobre o rendimento do trabalho), pelos empregadores (através da contribuições para a SS e CGA pelos seus trabalhadores, mas também através dos impostos diretos sobre as empresas), pelos consumidores (que em boa parte também são compostos destes mesmos trabalhadores e das mesmas empresas) e finalmente pelos futuros trabalhadores, empresas e consumidores.

Sendo as regras de atribuição de pensões antigas diferentes (mais generosas) que as atuais e que as futuras e sendo as atuais pensões suportadas pelos futuros pensionistas, será uma questão de equidade alterar sistema de forma a que atuais financiadores suportem um sistema que é equivalente ao sistema de que irão beneficiar.

Tal implica recalcular as pensões atualmente em pagamento para refletirem as regras da SS (e CGA) futuras que garantem a sustentabilidade do sistema.

O princípio da confiança exigiria que os atuais pensionistas mantivessem as condições que lhes foram prometidas antes de ser reformarem, mas tal implica a manutenção de uma situação profundamente iniqua entre os atuais e os futuros pensionistas.

Se o princípio da confiança prevalecer sobre o da equidade, os futuros pensionistas são duplamente prejudicados: 1) pagam um sistema mais generoso (através de contribuições para a SS, de impostos e dívida) e 2) beneficiam de um sistema menos generoso.

 

Os efeitos da crise

A atual crise tem tido como efeitos relevantes 1) o aumento do desemprego, 2) a redução dos salários nominais, e 3) o aumento da carga fiscal.

Assim, para uma despesa com os atuais pensionistas que não se reduz, as receitas diretas das contribuições para a SS (e CGA) diminuem por duas vias: efeito quantidade (menos empregados) e efeito preço (salários menores), resultando naturalmente num aumento do deficit do sistema de pensões que tem de ser colmatado com transferências crescentes do OE, o que por sua vez implica um aumento adicional de impostos – que em parte voltam a recair sobre os mesmos (poucos) empregados.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “Ainda sobre as pensões e a decisão do Tribunal Constitucional

  1. Muito interessante. Finalmente fiquei a perceber o problema das pensões! Obrigado.

    Um comentário: é possível desligar os flocos de neve? Acho que é muito distractivo; tive de copiar o texto para um editor de texto para o ler sem me distrair com um floco a passar-me à frente do texto, e outro ao lado, e outro do outro lado.

    Cumps e Bom Natal,
    Jorge

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  2. Pingback: Continuando a discussão sobre as pensões e a decisão do TC, | Momentos económicos... e não só

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