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As pensões são dívida do Estado?

2 comentários

Roubei o título ao artigo de Ricardo Reis (aqui) que dá a conhecer a situação nalguns Estados dos Estados Unidos, em que as pensões dos funcionários públicos, decorrentes dos descontos que realizaram, são consideradas dívida como num contrato comercial, e como tal foram pagas a 100% mesmo quando os Estados tiveram que reduzir substancialmente a sua despesa pública.

A transposição desta experiência americana para Portugal não é directa. Embora não conheça os detalhes dos sistemas de pensões mencionados por Ricardo Reis, a minha conjectura é que se baseiam num sistema de contribuições definidas, em que os fundos vão sendo acumulados, e é o valor desses fundos (actualizado de acordo com os investimentos que os fundos de pensões realizam) que vai gerar o montante da pensão. Nesse contexto, a entrega de contribuições configura um contrato.

Em Portugal, no sistema público, as pensões de hoje são pagas pelas contribuições dos actuais trabalhadores e com transferências do orçamento do estado quando necessário. É por isso uma relação entre Estado, beneficiário da pensão e contribuinte da pensão bem mais difusa. E por isso mais fácil de apelar à ideia de que o contrato estabelecido é pagar a pensão que é possível com as contribuições que se conseguem recolher para o sistema ser sustentável.

O argumento da confiança é, a meu ver, em grande medida um argumento sobre qual é o contrato que de facto se estabelece e entre quem, aspecto que socialmente temos dificuldade em discutir.

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões pelas regras definidas, nem que para isso seja necessário tributar fortemente todo o resto da economia”, então as pensões devem ser pagas a 100%, e tributar ou aumentar as contribuições dos trabalhadores o que for necessário e o que custar aos restantes cidadãos, ou cortar fortemente nos  serviços públicos (a restante despesa pública, que também inclui algumas outras prestações sociais). Note-se que se dá valor absoluto maior a este contrato do que a outros contratos “de confiança”. Por exemplo, será aceitável como sociedade que para pagar as pensões a 100% se eliminasse o apoio à situação de desemprego (evitei propositadamente o termo “subsídio de desemprego”, ver noutros posts porquê)?

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões de acordo com o menor valor da comparação entre as regras definidas e o valor permitido pelas contribuições recolhidas”, então as pensões devem oscilar de acordo com as contribuições, e no actual contexto deveriam diminuir.

Diferentes contratos estabelecem diferentes regras de ajustamento e de quem suporta esse ajustamento. E regras de constituição de contas individuais (o chamado sistema de capitalização, que pode ter também redistribuição incluída) ou regras de sistema de repartição (os trabalhadores activos de hoje pagam as pensões dos reformados de hoje) têm também implicações diferentes.

Assim, a experiência americana relatada por Ricardo Reis é útil para mostrar que clareza de regras permite perceber melhor qual o contrato que de facto está presente, e agir de acordo com esse contrato. A situação portuguesa actual em que cada parte quer interpretar o contrato implícito de diferente modo (e se os actores políticos trocassem de lugar, tudo leva a pensar que trocariam também as suas posições sobre o sistema de pensões) não permite definir de forma clara qual é esse contrato.

E só depois de ficar claro qual é o contrato que os cidadãos têm com o Estado para o sistema de pensões é que se poderá passar às implicações do mesmo, e à discussão do que é um ajustamento equitativo dos valores das pensões. Procurar usar argumentos de equidade num quadro de ambiguidade quanto ao contrato subjacente é pouco útil.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

2 thoughts on “As pensões são dívida do Estado?

  1. Concordo em absoluto com o Pedro Pita Barros. Em particular, a invocação do principio de equidade é na situação presente uma mistificação da realidade enquanto todas as ambiguidades que pairam não só sobre a questão das pensões, como aqui é abordado, mas também sobre as demais funções sociais do Estado. Ou seja, é absolutamente prioritária a discussão nacional daquilo que queremos e da forma como queremos que seja organizado o Estado. Infelizmente não é a isso que assistimos: a verdadeira reforma do Estado continua na gaveta por pura táctica partidária.

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  2. O sistema de pensões nos EUA vinha há dias (29/12) abordado num artigo do FT – US public finance: day of reckoning – depreendendo-se dele que, apesar do sistema ser em princípio de capitalização, vários Estados encontram-se em situção de subfundeamento. Porto Rico terá 10% das suas responsabilidadadas “fundeadas”, Ilinois, 40%, a cidade de Chicago cerca de 35%, por exemplo. Falei, a propósito do assunto, com algumas pessoas amigas, um dos quais já reformado, com professores universitários (uni. publicas e privadas) e ainda com outros a trabalhar no sector privado. Basicamente, entre o sector público e privado não existem grandes divergências quanto aos efeitos dos contratos: As pensões só podem deixar de ser pagas se o Estado ou a Empresa suspenderem pagamentos a todos os credores.

    Acontece ainda que o sistema de capitalização é frequentemente encapotado: porque os fundos são aplicados em obrigações emitidas pelos Estados, em alguns têm sido utilizados (como cá!) para cobrir o défice das suas contas.

    A natureza do contrato existente em Portugal pode ser discutível, o que não é discutível é o facto de o governo insistir em considerar a CES como um não imposto. A este propósito escrevi hoje no meu bloco de notas (vulgo blog) um apontamento que tomo a liberdade de transcrever parcialmente:

    ” O governo informou ontem que o aumento de impostos ficou afastado como solução para compensar os efeitos do chumbo do Tribunal Constitucional aos cortes das pensões da CGA, tendo optado por alargar a base de incidência da CES às pensões acima de 1000 euros e aumentar as contribuições dos funcionários públicos para a ADSE. E que está a preparar reforma mais global no sistema da Segurança Social. (cf. aqui)

    A CES é um imposto, sem tirar nem pôr.
    O governo chama-lhe redução da despesa, mas mente descaradamente. Por todas as razões, e mais uma. Mais uma, que nem por mirabolantes contorcionismos semânticos ou sintáxicos, é possível fazer passar no crivo da honestidade intelectual por mais larga que seja a malha da rede.

    A CES incide não só sobre as pensões pagas pela CGA e pela Segurança Social mas também pelos fundos complementares de pensões privados, contituidos por privados, onde o Estado não tem quaisquer responsabilidades de gestão nem assunção de riscos de cálculo, em resumo, onde o Estado não mete o bedelho nem o OE tem qualquer cabimento. É uma redução de despesa?

    Não é.
    O senhor Passos Coelho diz que não é um imposto.
    É uma taxa? Não é. Uma taxa paga a prestação de um determinado serviço público.
    O que é, então?”

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