Leitura recomendada na manhã de hoje: Asterix au Portugal, por Rui Zink. Na essência do problema, como os rendimentos de direitos de autor são tributados a uma taxa efectiva mais baixa (só metade dos rendimentos são englobados), os serviços do fisco decidiram passar a verificar com “muito empenho” o que é classificado como tal. No caso que Rui Zink menciona, realizar uma conferência não é contemplado.
Nesta questão, como em muitas outras, o zelo tributário de combate aos excessos (que os haverá) implica um custo sobre o que é a prestação de boa vontade – os convites gratuitos para falar e participar aqui e ali, incluindo escolas, igualmente referidos por Rui Zink (e que relembra algo de similar que se passou com Ruy de Carvalho há um ano e tal; também João Miguel Tavares anda às voltas com o mesmo problema).
A actividade criativa, pelo que tem de intangível, é difícil de “contabilizar” para efeitos fiscais. Mas mais do que isso, o desenvolvimento da actividade criativa depende muito de aspectos pessoais de empenho – uma conferência tanto pode ter uma componente criativa, de empenho em apresentar algo de novo, como ser simplesmente uma reprodução de algo existente.
Compreendendo a necessidade de monitorização das situações de direitos de autor, a mesma deverá ter a capacidade de atender ao que é a natureza dessa actividade criativa.
Ou então levar à solução “Asterix”, com duas sugestões: primeiro, para cada conferência o fisco passar a ser consultado sobre se configura situação criativa ou não, com oito dias para emitir parecer de oposição a que seja o caso, com fundamento do parecer de oposição, caso contrário considera-se que seja direitos de autor. Ou seja, um sistema de notificação prévia, a cargo de quem convida para dar uma conferência, à qual o fisco tem um prazo curto após o qual há deferimento tácito; segunda sugestão, para os convites gratuitos a “escritores, músicos, actores”, ser imputado um valor de donativo, ou mecenato, dos mesmos, a ser deduzido contra o rendimento tributável. Se grandes empresas podem fazer mecenato e reduzir os seus impostos, se os donativos monetários individuais a instituições podem ser deduzidos ao rendimento tributável, não há razão para que os donativos em espécie não o possam também ser (haverá um problema de verificação, mas tenha-se um registo electrónico de cada convite e evento para verificação pelo fisco).
Complicado? sim, mas a presunção de que qualquer actividade criativa é um acto de evasão fiscal é injusta, mesmo que existam casos de abuso que sejam encontrados.
E para 10 minutos de entretenimento, Asterix and the place that sends you mad.
PS. Declaração de interesses – recebo direitos de autor por livros publicados, e tenho por isso simpatia para com as actividades criativas.
28 \28\+00:00 Dezembro \28\+00:00 2014 às 22:48
Caro Prof. Pita Barros,
Quanto aos direitos de autor, uma sugestão “alternativa”: não se cobre a conferência, cobre-se os documentos que a acompanham (uma resenhazinha A4, devidamente autorada, com cedência dos direitos da mesma para o comprador).
Quanto ao mecenato, tenho mesmo problema. A minha empresa faz algum (pouco, somos pequenos) mecenato “em espécie”: prestamos serviços de assistência e fornecemos equipamento/produtos gratuitamente a uma IPSS. Quando abordamos o caso com o nosso contabilista foi-nos dito que não podiamos – mecenato só em “cash”. Solução? Facturamos o serviço e as vendas, damos o donativo em dinheiro, que nos é devolvido como pagamento… Esquesitices e idiotices fisco-legais.
GostarGostar
29 \29\+00:00 Dezembro \29\+00:00 2014 às 08:21
Pois, andamos ao jogo do gato e do rato, que gasta tempo e recursos. Os famosos “custos de contexto” não são só para os investidores estrangeiros.
E provavelmente, se um escritor for falar a uma escola pública não só não deve poder dar o donativo como a escola não deve poder pagar-lhe de volta.
GostarGostar
31 \31\+00:00 Dezembro \31\+00:00 2014 às 12:00
Caro Pita Barros, agradeço a atenção. Há instrumentos vários, creio, e há um código do autor, que é amiúde «descumprido». Infelizmente os autores – e muitos conhecem-se pessoalmente – têm alguma moleza em contar em nome próprio os episódios rocambolescos em que se vêem envolvidos. A velha desunião portuguesa. E os parceiros – escolas, associações, free-lancers – desconhecem quase todos o que é um «donativo em espécie». Tentei apenas agitar as águas: histórias em nome próprio (testemunho directo e não de «ouvi dizer que») teriam mais força. Por isso recorri a episódios que conhecia pessoalmente.
GostarGostar