Os últimos meses estão a ser complicados para o Ministério da Saúde e, em particular para os seus responsáveis políticos, Ministro e Secretários de Estado.
Olhando retrospectivamente para os últimos seis meses encontramos aí mais “casos” do que em todo o resto do mandato. Casos que têm colocado à prova tanto a gestão técnica como a gestão política num período que foi notoriamente o mais complicado.
Os três “casos” importantes foram, pela sua ordem de impacto mediático, o surto de Legionella, a situação das urgências hospitalares e o tratamento para a hepatite C.
No caso da Legionella, houve um eficiente tratamento técnico e político do problema de uma forma que se poderá considerar exemplar. Desde cedo houve a sensação de que os meios necessários e as medidas requeridas em termos técnicos, foram colocados a trabalhar de acordo com o que é sempre de esperar em situações de emergência e suportada por comunicação sóbria e eficaz. A presença política foi de apoio discreto. O surto, dos piores a nível mundial, acabou por ser controlado rapidamente. A mortalidade não foi evitada é verdade. Mas houve a sensação que foi feito o que era preciso fazer para debelar os vários aspetos controláveis numa situação destas , desde o aparecimento do surto até ser declarado o seu controlo e extinção.
No caso das urgências, pela época em que caiu, conjugado com factores conjunturais, criou um alerta mediático que levou a tempo de resposta técnica e política na condução da situação mais demorado do que o desejado e aconselhado.
A intervenção desenvolveu-se com anúncios sucessivos de medidas ditadas centralizadamente, reactivas e sem se ser completamente clara a identificação do problema e de como é que cada medida concorria para solucionar esse problema (que pode ser diferente de urgência para urgência). A imagem de intervenção sistémica pensada e bem gerida não foi bem conseguida.
Aparentando ser este um problema de gestão local (situações muito heterogéneas num Pais tão pequeno), foram evidenciando serem surpreendentemente poucas as soluções locais que foram apresentadas como pensadas e bem coordenadas.
Caiu-se no erro habitual em situações de emergência com muito eco mediático, de esperar que se solucionasse centralizadamente um problema que tem de ser resolvido localmente. E em rede estreita de cooperação regional. Com apoio central e regional é certo, mas de solução local. Os sucessivos anúncios de “mais e mais”, feitos como o foram deixaram certamente na população a percepção de que algo estava mal preparado antes, apesar de já não ser a primeira vez que surgem picos de utilização das urgências. A condução política desta situação foi pouco eficaz por razões da dificuldade de ação e comunicacional conhecida por envolver as três dimensões local, regional e central.
No caso do medicamento para hepatite C, é conhecido que desde há alguns anos que iam surgindo avisos da classe médica do que estava para surgir em termos de necessidades, primeiro, e de novos medicamentos muito caros, depois. Durante o ultimo ano houve negociações com a empresa que disponibiliza o medicamento. Mas tal processo só agora ganhou evidência mediática, porque se viveu um momento dramático com um primeiro doente a morrer por falta de acesso, como se veio a saber nestes últimos dias.
E o assunto tem obrigatoriamente que ser mais profundamente analisado e sobretudo gerido.
Primeiro porque se há motivos para negociar os preços, a pressão pública sobre o acesso ao medicamento iria sempre deixar mal ambos os lados. Mas o tema de fundo que é o “pagar a inovação” não pode corresponder a transferir todo o valor do medicamento em termos monetários para a indústria farmacêutica (num processo que não é apenas o deste medicamento, mas de todos os que se aproximam, sobretudo na área de oncologia).
A necessidade de se encontrarem mecanismos para que as negociações de preços de novos medicamentos não se traduzam em situações dramáticas para os doentes é clara. Mas algumas das soluções sugeridas e tentadas noutros países, como a criação de fundos especiais de acesso, estão a ser reavaliadas (como o Cancer Drug Fund no SNS inglês), pois não vão ao elemento central do tema – como se reparte o valor gerado pela inovação entre as empresas e os pagadores.
Aos poucos este problema irá entrando na discussão, também e sobretudo, mediática (ver artigos no Observador e no Jornal i).
Neste caso, o Ministro da Saúde esteve sempre presente na condução política, acompanhado pelo Presidente do Infarmed, com uma posição essencialmente firme e voltada para a negociação do preço, sem prejuízo de acesso imediato mediante pedido em processo de gestão controlada sempre difícil em situações complexas.
A companhia farmacêutica mais visada disponibiliza tratamentos gratuitos até um certo limite de doentes e até estar concluída a negociação. Os circuitos formais burocráticos de garantia de acesso aos doentes mais necessitados parecem ter falhado.
A preocupação de garantir as vidas em risco aparenta ter estado sempre presente nos dois lados, mas algo falhou e parece ter sido de caracter processual.
No final, a imagem pública de ambos os lados sofre danos e tal não era de todo desejado. Mas tem de ser ultrapassada em nome da proatividade, rigor técnico e humanista que caracteriza muito o SNS.
Muito deveria ter sido evitado com um acordo mais cedo sobre o preço e condições de acesso.
Como chapéu comum de todos destes casos, surge novamente a acusação de se ter cortado mais do que a troika exigia, e que a fonte de todos os problemas esteve aí. E é neste aspeto multifacetado que é fácil entrar em discussões menos informadas.
A redução da despesa pública em saúde pode ser feita por 5 vias:
redução do número de pessoas cobertas pelo SNS , redução dos serviços cobertos pelo SNS , redução dos cuidados de saúde efetivamente prestados pelo SNS , redução dos preços e/ou custos dos cuidados de saúde prestados, e/ou redução da participação pública nesses custos / preços (tendo como contrapartida o aumento da participação privada, nomeadamente no momento de consumo). Destas 5 vias, a que mais teve expressão efectiva nos últimos três anos, foi a de redução de preços no que o SNS adquire (destaque para medicamentos e salários).
Afirmar que tal foi mau é dizer-se que afinal a despesa que havia era adequada, pois em termos de alternativas, essas parecem ser piores como opção de redução imediata de despesa.
Fica então a parecer que o que falta neste momento é um roteiro mais claro do que se pretende fazer até ao final da legislatura. O caminho dado pelo Memorando de Entendimento e as revisões periódicas da troika davam a todos os agentes do sector um mapa comum da estrada a percorrer (concordando-se ou não). Com o fim desse mapa caminho, retoma-se alguma confusão habitual da discussão sobre as políticas de saúde.
O plano nacional de saúde poderia ser um outro mapa da estrada que tem de ser continuada a percorrer. Mas não se tem conseguido afirmar nesse sentido. A proposta de um pacto para a saúde apresentada pelo Ministro da Saúde não teve acolhimento político para uma discussão pública que seria útil. Sem um mapa da estrada da Saúde, as políticas de saúde tenderão, de novo, a ficar resumidas aos casos mediáticos e à luta política que os mesmos fomentam. Temos o desafio de evitar esse caminho mais confuso e a obrigação de definir com clareza uma visão de futuro e as estratégias para lá chegar.
Gostar disto:
Gostar Carregando...