Momentos económicos… e não só

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também quero um monopólio privado,

a propósito da intenção de cobrar 20 (vinte) euros como bandeirada mínima nos táxi a partir do Aeroporto. O argumento (aqui) é que os motoristas estarão fardados e o carro terá ar condicionado. A reacção de um governante, “Como modelo não me parece mal. Ainda me parece melhor se resultar de um acordo alargado” (Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes) deixou-me numa primeira leitura espantado, esmagado mesmo. Assim de repente pareceu-me que era obrigar os consumidores (os viajantes que chegam às chegadas do aeroporto da Portela) a consumir um produto que não querem forçosamente (motorista fardado, carro com ar condicionado, tarifa a condizer) a um preço para o qual não lhes dão alternativa.

Tomemos pelo lado positivo, oferecer um produto de maior qualidade ao viajante. Ok, nesse caso não bastaria ter uma fila paralela devidamente identificada com as condições praticadas e deixar que fosse o viajante a decidir? liberdade de escolha, concorrência, não são princípios que se querem para o funcionamento da economia?

Claro que o consumidor tem alternativas. Aparentemente se se deslocar à zona das “Partidas” continuará a ter oferta de táxis à tarifa normal (pelo menos a acreditar na notícia do DN, que não vi a proposta de acordo). E se mesmo esta alternativa for suprimida (e não vejo como não se quererá levar o monopólio privado das fardas e ar condicionado para esta zona também, ou fazer com que a tarifa normal nas Partidas deixe de ser opção), restará apanhar o metro até à Gare do Oriente e aí apanhar um táxi à tarifa normal, com a perda de tempo e incómodo acrescidos. Ou então usar a Uber (ilegal? depois desta ideia?) ou uma alternativa que possa surgir. Mas qualquer destas soluções implica um custo adicional, menor ou maior, para o consumidor.

Mas as primeiras impressões são as primeiras impressões.

Depois de reflectir conclui que estava errado, e que não se tratava de criar um monopólio privado. Afinal deve-se ser favorável à iniciativa privada. Sendo assim decidi aderir à ideia, e participar nela. Sendo requisito que o carro tenha motorista fardado e ar condicionado a funcionar, reclamo ser entidade fiscalizadora das condições de cada táxi antes deste apanhar o passageiro para verificação das exigências legais, em situação de exclusividade. Pelos meus serviços cobrarei 10 euros por viatura inspeccionada, acrescido de um subsídio de risco de 1,5 euros, caso o taxista não queira deixar o local na circunstância de não ter as condições legais preenchidas para o exercício da actividade e se exalte (enfim, sabemos que não é provável, afinal está fardado, mas ainda assim, é melhor prevenir). Apenas a minha empresa (a constituir) será certificada para a prestação deste serviço. Acresce ainda 1 euro ao serviço para pagar à ANA a disponibilização das instalações para os funcionários que procederão à verificação de cada veículo.

Encontro-me à procura de um parceiro da área ambiental para proceder aos testes adequados no interior do veículo para confirmar a ausência de elementos prejudiciais à saúde, que isso de ar condicionado pode ser complicado e é preciso defender o condutor do veículo e os passageiros na sua saúde. O serviço será obrigatório, com natureza semanal. Naturalmente, apenas esta nova empresa a constituir estará devidamente certificada para prestar o serviço, que terá o valor de 20 euros por viatura por semana. A contratação de um pack anual terá um desconto de 10%.

A dignidade do exercício da actividade de motorista de aeroporto em Lisboa terá de ser assegurada por fardamento condigno, que uma estilista minha conhecida assegurará a preços em conta, e com renovação anual do fardamento, num exercício de contínuo acréscimo de valor no serviço prestado. Será também dada formação em línguas aos condutores, com um processo de recertificação anual, sem a qual não estarão habilitados para exercer a actividade. Encontra-se já em constituição a única empresa que será certificada para esta formação específica, “Inglês, alemão, francês, italiano e espanhol para turistas que apanham táxis” – o mandarim deixo para as empresas de outros sectores especializadas no mercado asiático e que poderão assim expandir a sua actividade. Para que não copiem, ficam já avisados que o nome da empresa é “euros4taxis”.

É também fundamental criar uma “carta dos direitos e deveres do consumidor de serviço de táxi no aeroporto de Lisboa”. Por exemplo, o taxista fardado deverá ter o direito de excluir passageiros que manifestamente aparentem ter uma constipação, pois a mesma poderá ser exacerbada pelo uso do ar condicionado do veículo. Estou disponível para juntar uma equipa técnica de juristas e economistas para a elaboração desta carta, numa comissão com um mandato de seis meses para apresentação de proposta, e obviamente deverá ocorrer posterior fiscalização, com a criação de uma Entidade Reguladora do Serviço de Táxi no Aeroporto (ERS-TaxA), essencial para receber as reclamações que possam ocorrer no sector.

Estas propostas, além de inovadoras e de ajudarem a cumprir a missão da Antral de dar a cada passageiro um condutor fardado e um carro com ar condicionado nas melhores condições, reúnem também um consenso alargado, pelo menos entre amigos e família creio que o conseguirei, e dinamizam o emprego na economia portuguesa.

PS. Que a Antral tente criar um monopólio privado local no Aeroporto de Lisboa, parece-me até natural. Que lhe seja dada essa oportunidade é contraditório com a campanha da Autoridade da Concorrência “com concorrência todos ganhamos”

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1 de maio, dia Pingo Doce, uma vez mais? e com Continente a fazer o mesmo!

informação recebida por SMS:

1Maio,dia de poupanca especial no Pingo Doce,tem +100 produtos com 50% desconto imediato alem da promocao da semana.Este ano vale por 2.Saiba como na sua loja.So para si,50% em: MAçA GRANNY SMITH,ALFACE FRI EMB PD KG,ALFACE FRISADA p/PM2446026919762,ate 6un

Haverá luta para chegar à alface frisada?

Ou seja, três anos depois, volta-se, ainda que de forma menos agressiva, só em alguns produtos, aos 50% de desconto. Sobre o que se passou há 3 anos, ver aqui e aqui.

E desta vez o Continente faz a mesma coisa, durante três dias:

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Será que voltaremos a ter intervenção da Autoridade da Concorrência?

(em 2012 aplicaram uma multa, que foi depois reduzida, ver aqui)


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De BPI/La caixa a BPI/CaixaBank/NovoBanco

Basta sair um dia para trabalho de investigação na Universitat Autónoma de Barcelona, e logo o CaixaBank se lança a comprar o que lhe falta do BPI.

Em termos de funcionamento do BPI esta operação não altera nada de significativo, a menos da intenção de compra do NovoBanco. Se for esta a intenção subjacente, criar uma entidade suficientemente forte para comprar o NovoBanco, a pergunta interessante é porque se torna interessante primeiro consolidar BPI com CaixaBank e depois “engolir” o NovoBanco, em lugar de primeiro o BPI ou a CaixaBank comprarem o NovoBanco e só depois se juntarem. Aguardemos por novidades nos próximos dias pois certamente esta operação irá ser escrutinada pelas autoridades económicas e pelos concorrentes de mercado e em especial os que também se manifestam interessados no NovoBanco.

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continua a corrida pela Espirito Santo Saúde

Do início do dia de hoje, a continuação da interessante luta pela Espirito Santo Saúde. Depois da saída da corrida da José de Mello Saúde, agora é a vez dos primeiros concorrentes que apareceram, o grupo Angeles do México saírem. Se no primeiro caso terá sido um caso de “secretaria”, ligado à certeza de uma decisão da Autoridade da Concorrência, no caso do grupo mexicano terá sido meramente uma questão de preço, depois da proposta de preço da Fidelidade (de base chinesa). Entretanto, entra na corrida a United Health, o que para mim não deixou de ser uma surpresa. Toda a actuação do grupo Amil (brasileiro de raiz mas adquirido pela UnitedHealth) dos últimos tempos tinha sido discreta e sem indicação de uma estratégia de crescimento. Claro que oportunidades destas são diferentes mas mesmo assim foi surpresa, bem como a forma como tentaram uma negociação directa (a crer nas informações da comunicação social).

De qualquer modo, neste momento há dois grupos económicos com grande “almofada financeira” para fazerem subir o preço da operação. A vantagem de ambos sobre quer o grupo mexicano quer sobre a José de Mello Saúde está na capacidade financeira de fazer o investimento, pelo que dificilmente qualquer um destes dois grupos que saiu da corrida pela Espirito Santo Saúde teria possibilidade de competir via preço, o elemento central neste momento. O preço a pagar reflecte o que cada grupo espera ganhar com a actividade, sendo que parte dos ganhos não são directos da actividade da Espirito Santo Saúde – o maior conhecimento do mercado europeu num contexto de Serviço Nacional de Saúde para os americanos ou de como funciona um grupo de prestação de cuidados de saúde para os chineses são também valor associado com a aquisição.

Em qualquer caso, para um preço elevado que seja pago, haverá uma pressão acrescida sobre a gestão do grupo Espirito Santo Saúde para mostrar resultados que justifiquem esse preço pago. O que dificilmente acontecerá se o preço incluir a valorização de outros aspectos não directamente relacionados com a actividade de prestação de cuidados de saúde. Este será um desafio para a equipa de gestão, qualquer que seja o grupo vencedor.

Mas há outros aspectos que fazem as ofertas destes dois grupos diferentes. No caso da Fidelidade, a possibilidade de integração vertical torna-se um ponto interessante de analisar, bem como a forma como serão tratados, caso a Fidelidade ganhe, os concorrentes da Fidelidade na área dos seguros de saúde pela Espirito Santo Saúde. O potencial para eventuais comportamentos lesivos da concorrência entre seguradoras com produtos na área dos seguros de saúde deverá ser seguido com cuidado pela Autoridade da Concorrência.

No caso do grupo Amil, coloca-se mesmo a questão de concentração de actividade, sobretudo na área de Lisboa, devendo também aqui a Autoridade da Concorrência ter uma palavra a dizer. Nesta situação, que tem algumas semelhanças com o que seria a aquisição pela José de Mello Saúde, será provável que a Autoridade da Concorrência queira garantir condições de concorrência, ditando a venda de alguns activos, no caso concreto o hospital dos lusíadas (o hospital da Luz será sempre a “bandeira” da frente do grupo que resultar da operação de venda). Se será ou não necessário esse compromisso por parte do grupo Amil para obter a aprovação na Autoridade da Concorrência, veremos caso seja este o grupo com a proposta vencedora. Tal como para a José de Mello Saúde, a exploração de uma PPP na saúde pelo grupo Amil, o hospital de Cascais, não oferece problemas pois existe um contrato que especifica as obrigações a cumprir, e os preços a serem pagos.

Em termos de desenvolvimento estratégico da Espirito Santo Saúde, não é inteiramente claro qual o que terá maior interesse para o mercado português. Intuitivamente, e sem ter pensado todos os detalhes de cada uma das possibilidades, a compra pela Fidelidade é menos interessante para o desenvolvimento da prestação de cuidados de saúde pois o elemento de integração vertical poderá mais facilmente colocar a prestação de cuidados de saúde ao serviço da concorrência no mercado de seguros. Por outro lado, a gestão do grupo Amil da sua actividade em Portugal não se mostrou particularmente activa, podendo ter sido por cautela e aprendizagem, ou por ser um mercado marginal para UnitedHealth. Neste sentido, qualquer uma destas duas ofertas sendo financeiramente melhor para quem tem acções da Espirito Santo Saúde não é melhor, a meu ver, do que as ofertas que já ficaram pelo caminho.

 


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lei sobre vendas com prejuízo – o que se pretende e o que se irá obter?

As vendas com prejuízo receberam recentemente outra vez atenção, com nova legislação sobre o assunto.

Como em muitas outras situações, não é claro o que a legislação irá provocar. A posição geral sobre as vendas com prejuízo está bem descrita no site da Autoridade da Concorrência:

“As vendas de bens a preço abaixo do preço de custo ou vendas com prejuízo integram-se nas denominadas práticas individuais restritivas do comércio, designadamente, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio)

Este comportamento consiste em vender, ou oferecer para venda, a um agente económico ou a um consumidor, um produto por um preço inferior ao de compra acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e dos encargos relacionados com o transporte.

Expectavelmente este comportamento é susceptível de prejudicar tanto os produtores como os concorrentes do vendedor, sem contribuir para o bem-estar geral do consumidor.”

Este tema não é ainda assim tão pacífico como parece. Em particular, se uma empresa quiser vender com prejuízo qual é o dano que causa? se for a única empresa no mercado, só estará a beneficiar os consumidores, na ausência de outros efeitos, e nesse caso não haveria qualquer razão para o impedir. Claro que se pode argumentar que não seria racional para a empresa estar sistematicamente a ter perdas financeiras por vender abaixo de custo. Mas até pode fazer sentido, se houver fortes efeitos de aprendizagem que lhe permitam baixar custos futuros, ou para introdução de produtos.  Mas ainda assim não é claro que cause danos ao funcionamento da economia ou que tenha custos de eficiência.

É por isso necessário introduzir algo mais, e esse algo mais é a existência de concorrentes – se uma empresa vender com prejuízo com o objectivo de colocar fora do mercado empresas rivais para mais tarde subir preços e recuperar as perdas, então haverá um dano para o funcionamento da economia, e mesmo os consumidores que num momento imediato beneficiam dos preços mais baixos, depois terão de pagar preços mais elevados. Significa que descidas pontuais de preços abaixo do seu custo de aquisição não são preocupantes, mas se tiverem frequência suficiente para terem efeitos estratégicos sobre a permanência ou entrada de empresas concorrentes, então deverá haver preocupação.

O outro aspecto que surge no decreto-lei é o das relações entre as empresas e os seus fornecedores – o de imporem condições retroactivas de descontos (redução de preços, para todos os efeitos) aos seus fornecedores, explorando o seu poder económico. Uma vez mais aqui a questão de eficiência é delicada – se não afectar a sobrevivência económica dos produtores, e simplesmente gerar uma distribuição diferente do valor criado desde a produção até à venda do consumidor final, não é uma questão fundamental – e até pode melhorar a eficiência global; mas também pode criar problemas de eficiência se limitar as opções estratégicas dos produtores e gerar incerteza excessiva na sua actividade (ou no limite forçar a saída desses produtores). Não é também aqui uma questão simples.

Do novo decreto-lei aprovado, não é claro qual será o resultado final – a ocorrência de menores promoções será uma consequência natural, mas não significa que o nível de preços médios venha a ser superior forçosamente; por outro lado, nas relações entre produtores e distribuidores, poderão surgir novas práticas que afectem a redistribuição do valor económico gerado e que não estão contempladas expressamente neste diploma.

Teremos que esperar para ver qual o efectivo resultado que sairá como consequência desta nova disposição.


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fusões e concorrência

A notícia da manhã de hoje, ouvida na rádio no meio do trânsito, é a fusão da PT com a Oi, criando uma empresa luso-brasileira.

Esta fusão é interessante por vários motivos.

Primeiro, mostra como um gestor, Zeinal Bava, constrói a sua carreira de forma segura, e convencendo sucessivamente os accionistas das empresas por onde passa. Acabará certamente a escrever as suas memórias como Jack Welch.

Segundo, mostra como o mercado português não é suficiente para o desenvolvimento actual das principais empresas nacionais. A internacionalização, seja investindo fora, seja adquirindo empresas fora, seja fundindo-se com outras empresas, é o caminho que teremos de estar preparados para ver, e com algumas das empresas emblemáticas a deixarem de ter sede em Portugal a prazo.

Terceiro, mostra como as empresas em sectores com barreiras à entrada tendem a encontrar formas de reduzir a concorrência depois de períodos de alguma intensidade nessa concorrência. A fusão Zon/Optimus e agora esta fusão, ao contrário do que as empresas argumentam, dificilmente irão criar mais concorrência. Criar uma empresa de telecomunicações exige uma dimensão mínima que torna a entrada difícil, basta ver que mesmo tentativas de facilitar essa entrada como a criação de condições de acesso a redes para operadores virtuais tem um sucesso muito limitado. Assim, reduzir o número de empresas no mercado, num movimento que é internacional de vaga de fusões em telecomunicações, a prazo não irá aumentar a concorrência. Aliás, suspeito que nos próximos dias ambas as fusões anunciem diversas sinergias, mas nenhuma delas anunciará compromisso firme de reduzir preços dos serviços que oferecem.

Quarto, se a PT aproveitou o anúncio da fusão Zon/Optimus para lançar a oferta quádrupla e ganhar alguma vantagem durante o período de (re)organização da concorrência, com esta fusão será a Zon/Optimus que irá ganhar tempo enquanto a PT internamente se “entretém” com a fusão. Resta saber se o outsider no mercado nacional, a Vodafone, terá interesse e capacidade em aproveitar a convulsão, ou se entrará numa espécie de pacto de não agressão informal.

Estes factores reanimam o interesse da “economia das telecomunicações” e sua regulação para os próximos tempos.


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tem coisas que não entendo…

Tem-se falado muito da intervenção da Autoridade da Concorrência no sector bancário. Houve um coro quase unânime a apregoar a elevada concorrência no sector.

Notícia encontrada no dinheirovivo.pt: “Bancos querem limitar taxas de juro nos depósitos a prazo” – porquê? para melhorar a rentabilidade. Ou seja, os bancos querem reduzir a concorrência que fazem entre si para captar depósitos, através das taxas de remuneração que oferecem. Como não se podem encontrar e decidir conjuntamente, usam a regulação via Banco de Portugal como instrumento de redução de concorrência no preço oferecido pelos depósitos. Concorrência não é só publicidade, com margens administrativamente fixadas elevadas. Concorrência é concorrência via preço, mesmo! Não é por ser por regulação que esta limitação deixa de ser uma tentativa de cartelização no mercado. Aliás, até mais interessante, porque acordos genéricos têm muito menos força que uma norma regulatória. O passo seguinte será pedirem ao Banco de Portugal que determine qual a quota de mercado de depósitos que cada um poderá ter, para assegurar a rentabilidade devida a cada banco (mas este passo não creio que seja tornado visível, se quiser ser dado). A linha entre regulação prudencial e “captura regulatória” é ténue. Veremos se é ultrapassada.


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Cartelização no sector bancário?

De acordo com a imprensa de hoje, o primeiro indício para a situação de cartelização do mercado terá sido a “troca de informação comercial entre bancos”, sendo diversos os comentários feitos, incluindo os que apontam, por responsáveis do sector bancário, para a “grande transparência” e para a “evidência” de grande concorrência (todas as empresas reclamam que têm concorrência nos seus sectores, de qualquer modo).

Se houve troca de informação relevante (e é um “se” exploratório), porque é que essa troca de informação é um problema?  paradoxalmente, grande transparência na divulgação de preços pode ser uma forma de se garantir que todos cumprem o acordo de cartelização. Mais complicado é se o acordo é na verdade um comportamento tácito de coordenação – de seguir regras simples, sem comunicar com os outros, e desde que todos cumpram, ninguém se atreve a ser mais concorrencial.

E como é apontado neste comentário por Gonçalo Leónidas da Rocha, alguma regulação, seja de aparente defesa dos consumidores seja “prudencial”, pode ajudar a essa menor concorrência:

Serve apenas como apontamento sobre o impacto das Autoridades no comportamento dos “regulados”.

As comissões bancárias sempre estiveram longe da “informação perfeita”: deveria ser raro o agente económico que comparava comissões bancárias. O Banco de Portugal considerou que havia falta de transparência e resolveu publicar um portal com toda a informação, organizada de forma standardizada. Agora, nenhum banco quer ficar mal na fotografia e alinha os seus preços pela tabela publicada pelo Banco de Portugal. Admito até que haja bancos com estratégias claramente definidas: o seu preço é a média dos outros, ou o segundo mais barato, ou… Concertação!

Outro exemplo: as taxas de juro cobradas no crédito ao consumo eram livres até se publicar uma lei anti-usura há cerca de 4 anos. Agora, nenhum banco pode ter uma taxa que desvie mais do que 33% da média praticada no trimestre anterior. Esta regra claramente promove o alinhamento de taxas de juro. Claro que alguém poderá considerar que se trata de concertação e não de “alinhamento”.

Nos tempos mais recentes têm aparecido vários casos de concertação em mercados como o Reino Unido e os Estados Unidos. E as práticas nocivas da concorrência devem ser fortemente rebatidas (mesmo na banca onde a concorrência contribui para a menor estabilidade do sistema, ou para o “risco sistémico”). Mas espero que os indícios das Autoridades sejam um pouco mais do que a simples constatação de que os preços estão mais alinhados. E que o populismo não tenha tido nenhum papel na iniciativa.

A dificuldade em provar em situações de concertação está no que constitui evidência dessa concertação, sabendo-se que tal não é permitido por lei da concorrência, e que as entidades que estejam eventualmente envolvidas não o anunciarão. Não é uma questão específica da banca, em muitos sectores coloca-se a mesma questão. Se o produto é similar, no que podemos chamar de grande substituibilidade entre alternativas, então tanto concorrência muito forte como concertação podem gerar valores iguais entre empresas – a concorrência porque quem desviar do valor concorrencial perderá muita procura, e preferirá então alinhar por esse valor; em concertação, para que todos dividam os ganhos de preços mais elevados. Não se pode por isso olhar apenas para o alinhamento dos valores dos spreads para inferir se há concorrência ou não. O alinhamento entre bancos é em si mesmo pouco informativo. A análise terá que procurar outros factores. É nesse contexto que se insere a procura de troca de informação entre os bancos, que seria evidência praticamente directa dessa concertação.

A análise de informação quantitativa terá que incidir sobre os níveis dos spreads praticados – a pergunta correcta é se estão consideravelmente, no caso de crédito concedido, dos custos que o banco tem para obter os fundos para conceder esse crédito, incluindo nesse custo a incerteza sobre o pagamento do crédito por parte de quem pediu emprestado. Também é possível perceber o grau de concorrência através da forma como os spreads se alteram quando esses custos bancários se alteram. Em geral, em concorrência é preciso acompanhar de perto todas as variações de custos, e em concertação parte dos choques sobre a estrutura de custos (e aqui significa em grande medida a taxa a que os bancos podem conseguir fundos que depois emprestam como crédito) são absorvidos. Há uma maior estabilidade de preços em concertação do que em concorrência.

A forma de fazer esta avaliação não é simples e exige informação detalhada, pelo que demorará tempo até a Autoridade da Concorrência ter uma conclusão sobre o assunto e decidir se avança ou não.

Esta situação permite-me recuar no tempo, a preocupações de investigação onde dediquei algum tempo. Num estudo, em que colaborei, sobre as fusões no início do século, não havia evidência de que essas fusões tivessem criado maiores condições para exercício de poder de mercado. Na verdade, depois da onda de fusões, verificou-se uma maior concorrência. Noutro estudo, mais antigo, com quase 20 anos, e com metodologia mais simples, mas analisando produto a produto, nos produtos onde havia menor grau de concorrência, tal parecia estar mais associado a custos de mudança para os consumidores (barreiras de informação, fidelidade ao banco, etc…) do que em reacções cruzadas com outros bancos.  A mesma conclusão surgiu noutro trabalho mais ou menos da mesma altura, em que se rejeitou a hipótese de cartelização. Claro que não se pode usar informação de há quase 20 anos para inferir o que se passa hoje no mercado bancário. O que espero que se retire, destes e de outros trabalhos sobre o sector bancário em Portugal, é que a procura de identificação de situações de cartel não é nova, nem fácil, e que essa identificação tem que distinguir entre múltiplos aspectos e motivos para os “preços” no mercado bancário serem o que vemos.

É claro que tudo se torna mais fácil se, como sugere a Autoridade da Concorrência, um dos bancos procurar usar os mecanismos de protecção face à multa que pode ser aplicada para fornecer informação sobre a eventual existência de um cartel.


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o regresso do estado gestor de empresas

ao mesmo tempo que se afirma defensor da iniciativa privada, o estado recupera todo o voluntarismo do estado gestor de empresas.

Não sendo viável o estado empresário – o estado lançar-se ele próprio em novos negócios – o mais próximo que consegue é o ser o estado gestor. Na versão estado empresário o mais próximo será o anunciado (? pelo menos na imprensa) banco de fomento. Mas na versão estado gestor, observamos vários exemplos em que o estado afirma, determina, o que as empresas privadas devem ou não devem fazer. Há uma diferença grande entre criar enquadramento e depois deixar funcionar a iniciativa privada, e ser o estado a substituir-se às empresas privadas na tomada de decisão.

A situação que melhor ilustra este aspecto nos dias que correm é o dos combustíveis low-cost. Aparentemente, as duas opções a serem consideradas são

a) o estado obrigar as bombas privadas a oferecerem combustível low-cost, e provavelmente terão que fixar também o respectivo preço, de outro modo as empresas terão a liberdade de aproximar o preço deste tipo de combustível ao que já vendem actualmente, o que levantará a questão de saber se fixam o preço apenas para estas bombas ou para todas, incluindo as que têm apenas combustível low-cost, mas então não estarão já a fixar coisas a mais e a reduzir a própria concorrência no mercado – aliás, se decidirem fixar o preço do combustível low-cost terão que criar um comité de análise, que não poderá deixar de ter as principais operadoras, que com isso farão com que os preços fixados sejam provavelmente superiores aos que actualmente existem, ou então terão que dar representação desproporcionada aos pequenos operadores, só que parte substancial das bombas low-cost são de grandes superfícies comerciais, e isto tudo já ficou uma grande embrulhada – ter o Estado Combustíveis SGPS não se afigura particularmente atractivo

b) o estado facilitar as condições em que pequenos operadores podem abrir e ter postos de combustível low-cost. Aqui, o argumento é distinto e consiste em facilitar o acesso a liquidez desses pequenos operadores para que entrem no mercado. É uma opção mais natural numa economia de mercado. Na verdade, o pensamento deverá ser em termos de reduzir as barreiras à entrada que possam existir e que antecipo o acesso à liquidez seja apenas uma delas. Certamente a primeira a ser ultrapassada, mas depois é fácil imaginar que o próprio acesso ao produto venha a ser dificultado. Ou seja, será necessário assegurar que esses pequenos operadores têm capacidade para comprar gasolina e gasoleo que possam depois vender. Dado o número de refinarias existentes em Portugal e sua propriedade, dadas as condições de armazenagem em tanques existente em Portugal e sua propriedade, será de seguir com atenção essa capacidade de aquisição. Não haverá certamente recusas de venda, mas dificuldades no abastecimento, problemas técnicos, condições abusivas impostas para esse abastecimento de combustível para revenda dos pequenos operadores. Será um campo fértil mas difícil para a actuação / monitorização da autoridade da concorrência. De outro modo, não será difícil prever que os investimentos dos pequenos operadores, apoiados por fundos públicos, resultarão em falências a breve ou médio prazo, traduzindo-se depois num baixo retorno no investimento realizado (seguindo aliás uma tradição portuguesa de mal investir, mas essa é outra história).

Ou seja, do que está em discussão, ainda assim, a opção b) faz mais sentido, mas convém que seja acompanhada pela Autoridade da Concorrência.