Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


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De uma conferência há uns dias do FMI

sobre economia europeia, duas respostas sobre a situação portuguesa (acesso via página de Portugal no FMI):

– passagem de medidas no mercado de trabalho para “atacar” directamente os mercados finais, com liberalização nos serviços

– sobre programa cautelar, a visão é simples: se Portugal consegue colocar dívida pública, se mantém um compromisso visível com reformas então para quê programa cautelar, embora deixando a decisão final ao Governo (como não podia deixar de ser).

 

“QUESTIONER: You mentioned the risk with unemployment. It is not only a risk–it is a reality–in the case of Portugal, so I’d ask you a more broad question: What went wrong with the adjustment, the fiscal adjustment in Portugal, and specifically with unemployment? How can we turn that around?

MR. MOGHADAM: I think your point is correct. The unemployment rate in a number of places in Europe, including Portugal, is unacceptably high.

I think the issue has been first stabilizing the economies. Given the high level of debt and given that Portugal and others had lost market access, it was necessary to have a fiscal adjustment program that would bring debt under control. And to some extent, that has been done. Portugal planned a degree of fiscal adjustment, most of which has already been done. Two-thirds of it has already been put in place.

In terms of unemployment, the focus of the program has been to put conditions in place in product and labor markets, not just in Portugal but across the euro zone countries, through reforms in these areas and structural reforms in general in order to increase the potential growth of the economy. Some of those are yielding results. Now, obviously, the situation is difficult and is likely to continue to be difficult, but the starting point was extremely difficult, I would say critical. Some of these economies did lose market access, and the adjustment was necessary to bring the economies back to health.

So, I think that as we move forward, the emphasis on product and labor market reforms needs to continue. Now, Portugal has done a lot–one should commend them–in terms of labor market reforms. I think there also needs to be greater emphasis in terms of product market reforms, liberalization of the services sector, where there is scope to create jobs and reduce unemployment.

MS. GAVIRIA: We have a related question online: “Portugal is on the eve of concluding the financial assistance program. Do you think Portugal should ask for a precautionary program after the end of the bailout?”

MR. MOGHADAM: The Fund and European-supported programs come to an end at the end of June. I think the Portuguese government is in the process of consultation. They are talking to all the key partners, they are talking to market participants, to assess the easiness of access to the markets in the coming months and years.

What is very encouraging is that not only has market access been regained in a significant way; the spreads have been coming down very sharply in Portugal. It is a testimony to the successful implementation of the program despite many problems.

That process of consultation is continuing now. It would be prejudging it if we say it should go one way or the other. There are good reasons for considering a precautionary arrangement as a safety net. Also, equally, if there is market access, if there is commitment to continuing reforms beyond these programs, a credible case can be made for not having one. So that consideration is continuing now, and I think we need to let the government seek views and form its judgment.”


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ainda as dívidas públicas na saúde (2)

No início do mês (aqui) expressei a minha preocupação com o aumento em Janeiro de 2014 da dívida porque parecia retomar uma tendência passada. Com o valor de Fevereiro de 2014 publicado a 25 de Março pela Direcção-Geral do Orçamento, reforça-se a ideia de não ter existido uma alteração de tendência de crescimento da dívida do último ano.

Estatisticamente a tendência fora dos momentos de regularização dos últimos dois anos tem sido sempre a mesma. Ainda assim, mesmo que a hipótese de igualdade de tendência sobreviva, em termos de dinâmica parece fazer sentido contemplar um ritmo antes de 2013 e outro depois.

Calculando esses valores médios de acréscimo, o acréscimo absoluto de dívida em Janeiro e Fevereiro de 2014 não traduz qualquer abrandamento face a que sucedeu em 2013 fora do período de regularização de dívida, e esse ritmo é em média 34M€ por mês, ou seja, cerca de 400 euros por ano, o que sendo mais baixo do que pareceu ser o ritmo antes de 2011 (500M€ ao ano, numa estimativa simples), e mais baixo do que o ritmo mensal dos primeiros meses de 2012 (cerca de 80M€/mês), é ainda susceptível de criar problemas sérios à sustentabilidade financeira do SNS.

Segue o gráfico da minha preocupação, tendo logo depois a regressão realizada; em 23 de Abril de 2014, será adicionado o valor de 2014 a ver se se mantém a tendência.

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ainda o manifesto sobre a dívida pública, e como a discussão económica não teve lugar

como se podia antecipar, a discussão à volta do manifesto (dos 70, que afinal são 74 +1)  ficou-se muito pela batalha política, e pela falta de comparência de argumentos técnicos devidamente justificados, de um lado e de outro.

Pagar menos ou pagar em mais em tempo, tudo o resto constante, é naturalmente preferível. Daí que as diferenças de opinião sobre os efeitos de re-estruturação de dívida, com ou sem perdão formal, tenham que ser analisadas sobre que parte do “tudo o resto constante” é que não se verifica. E se consegui perceber o que está por detrás de cada lado, há sobretudo convicções mas não a apresentação de evidência que faça acreditar por um ou por outro lado. Vejamos:

a) menos juros hoje permitirão mais crescimento que tornarão mais fácil pagar os juros amanhã – pressupõe que haverá a capacidade de realizar investimento produtivo suficiente, mas desconhece-se se o nexo causal é por menores juros permitirem menor tributação que deixará maior rendimento na economia, em que parte será aplicada em poupança (e logo canalizada para financiar) e parte será aplicada em consumo, consumo esse que terá uma parte de bens nacionais e outra parte de bens importados; o primeiro aumento aumenta a actividade doméstica, o segundo aumento dinamiza as economias de onde importamos; mas menos juros hoje significa que alguém estará a receber menos, se for reduções de juros em dívida detida por agentes externos à economia, então não se sentirá efeito directo interno, mas se houver dívida afectada que está em mãos de agentes económicos nacionais (por exemplo, bancos e aforradores privados), então corresponde a uma redução dentro da economia, que terá também efeitos; suponhamos o caso extremo de se baixar a taxa de juro nos certificados de aforro, apenas como exemplo, neste caso o rendimento das famílias baixa, e se as famílias quiserem ter um certo nível de poupança para um futuro incerto poderão até reduzir um pouco o consumo para repor o rendimento de poupança (o efeito final depende de vários factores, e dependendo do que forem as preferências das famílias, o consumo pode aumentar por reduzir-se o interesse na poupança – a ambiguidade económica sobre este efeito obriga a que seja medido antes de tirarem conclusões). Mas também se pode dar o caso de a dívida estar toda em bancos (outra situação extrema), que veriam a sua situação financeira alterada, e para manter a estabilidade do sistema financeiro poderia ter que haver mais entrada de dinheiros públicos nos bancos (nacionalização, no limite), o que dificilmente parece estar na mente de quem apresenta este argumento. Ou seja, há toda uma cadeia de efeitos que tem de ser explicitada e valorizada (nem que seja para dizer que não será um efeito quantitativamente relevante, ou que será o efeito mais importante).

b) uma restruturação hoje teria o efeito calamitoso de fechar as portas dos mercados internacionais à dívida – este argumento tem por detrás uma antecipação do que possam ser as expectativas e depois as decisões de agentes externos quanto a tomarem futura dívida portuguesa. Uma vez mais temos muitas hipóteses, e nenhuma delas realmente baseada em evidência que tenha sido trazida. Em particular, se o receio está nas decisões de tomada de dívida nacional, que evidência temos dos efeitos permanentes de eventos sobre colocação da dívida? é que esperando que esses investidores sejam cautelosos, prudentes e analisem a situação em cada momento, o que estará sempre em causa numa emissão de dívida é a capacidade a prazo da economia produzir receitas públicas suficientes para que o estado pague a dívida que contrair (note-se que mesmo quando temos dívida renovada, há que pagar uma e contrair outra, o que significa que mesmo que haja inércia no volume total de dívida, há um processo de decisão que pode ser cortado se não houver interessados em comprar nova dívida – reside aqui parte do equívoco sobre o que significa “gerir a dívida”). Os argumentos de que a mera apresentação do manifesto prejudica gravemente a imagem de Portugal é passar um atestado de menoridade aos analistas internacionais que estudam se a dívida pública portuguesa é interessante ou não. Se o manifesto tivesse o apoio do principal partido da oposição no sentido de dizer que seria a política seguida, então poderia alterar as expectativas sobre a condução da política económica portuguesa, caso depois das eleições, a oposição actual ganhasse e tivesse capacidade para aplicar essas medidas, resultando numa perda imediata para quem comprar agora dívida pública nacional; e certamente nesta avaliação é ainda descontado o efeito de nem sempre o que é prometido antes de eleições é depois cumprido. Como se vê, também aqui há muitos “se” até se estabelecer um canal de efeitos.

Como cada lado da discussão se entrincheira a dizer que tem razões que o outro lado não vê (ou dizem que o outro lado não quer ver), mas não documentam, explicitam, discutem os pressupostos das suas próprias razões, a discussão acaba por ser estéril do ponto de vista de procura de caminhos de política económica. O que é pena. A tomada de posição política e a opção deverá ser feita tendo por base um trabalho técnico que possa ser analisado e contraditado. Qualquer dos dois lados da discussão tem obrigação de apresentar esse trabalho técnico.


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e sobre o manifesto dos 70,

tinha pensado não dizer nada, pois as opiniões têm tido um cunho emocional imediato, e considerei ser preferível deixar passar algum tempos; adicionalmente, o J Gomes Ferreira (aqui) e a Helena Garrido (aqui) expressaram  em grande medida a minha reacção inicial. Além disso, custa-me reagir ao manifesto com base apenas no que “os mercados” ou “os credores” possam pensar, ou aquilo com que queremos imputar que seja o pensamento deles. É um jogo de adivinhação pouco interessante para mim.

E como no fundo o manifesto irá passar adiante sem grande efeito, como outros documentos no passado, estava a programar manter a minha “teimosia” de continuar a escrever sobre cuidados de saúde. Afinal, cada um é livre de expressar a sua opinião, qualquer que seja o seu fundamento e sentido.

Contudo, a importância que acaba por ter a exoneração de dois dos assinantes do manifesto do cargo de assessores do Presidente da República e as reacções às reacções  fez-me pensar que talvez valesse a pena chamar a atenção num par de aspectos, diferentes do que a maioria das pessoas tem referido, mas que me surgem como mais centrais e fundamentais:

a) a ligeireza com que o texto se encontra escrito (pode ser lido aqui, entre outras possibilidades);

b) a ausência de uma  concretização de como definir e ter uma estratégia macro-económica em Portugal.

Vejamos o porquê desta visão e porque era de exigir mais na própria escrita do manifesto, e nos comentários produzidos (não dá normalmente para perceber se as pessoas que comentam leram de facto o manifesto, ou se comentam com base em comentários que ouviram ou resumos que leram).

O meu primeiro comentário ao manifesto é não ser claro (rigoroso) quanto ao que é opinião/interpretação e  quanto ao que é matéria de facto. Apresentar opiniões ou opções como verdades é pelo menos discutível, embora possa ser efectivo como mensagem num primeiro momento. Por exemplo, a frase de abertura do manifesto “Nenhuma estratégia de combate à crise poderá ter êxito se não conciliar a resposta à questão da dívida com a efectivação de um robusto processo de crescimento económico e de emprego num quadro de coesão e efectiva solidariedade nacional.” Para ser totalmente correcto, deveria dizer dívida pública (?). E ao dizer-se que não há “nenhuma estratégia”, o que querem dizer é que na opinião dos subscritores não há alternativa, mas tal não significa que outros não considerem melhores outras opções. Ou existe uma demonstração cabal do “nenhuma” – não haver outra possibilidade – que possam referenciar ou apresentar?

O segundo parágrafo refere que “tem sempre em atenção (…) as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental”. Como não se diz quais são, cada subscritor pode entender as suas, cada leitor pode entender as suas, como estando aqui reflectidas, ganhando adesão para o manifesto, mas sendo vazio em termos de conteúdo de acção proposta.

Terceiro parágrafo, começa com a culpabilização da crise internacional iniciada em 2008. Subscrevem os autores do manifesto que sem crise internacional Portugal não teria qualquer problema? e o problema foi a crise, ou foi aumentado por decisões nacionais, que se adicionaram ao funcionamento dos chamados “estabilizadores automáticos” (despesa pública que aumenta naturalmente em situações de recessão, receita pública que diminui naturalmente em situações de recessão)? Considerar que tudo se deveu ao que se passou lá fora é errado e não ajuda a procurar soluções, tal como dizer que a crise internacional não teve efeito não é razoável.

De seguida, é referido que saldos “orçamentais primários verdadeiramente excepcionais” (suponho que queiram dizer positivos e elevados, no seguimento do argumento) são “insusceptíveis de imposição prolongada” – até posso concordar, mas sei quais as razões que estão subjacentes a esta afirmação. Porque é que não são possíveis?

Continuando, “A nossa competitividade tem uma base qualitativa demasiado frágil (…) É preciso uma profunda viragem, ruma a especializações competitivas geradas pela qualidade (….)”. Certo, mas qual a diferença para o que se disse há dez anos, e há 20 anos, e quando o Michael Porter fez um famoso relatório sobre os clusters em Portugal? porque ainda não sucedeu?

A secção seguinte está dedicada à necessidade de “reestruturar a dívida para crescer” – a abertura “deixemo-nos de inconsequentes optimismos” aplica-se curiosamente à própria proposta de achar que apenas reestruturar a dívida pública (aqui é acrescentado o “pública”) resolverá todos os problemas de crescimento. Quando muito podem defender que será uma condição necessária, mas dificilmente se consegue estabelecer um nexo de causalidade suficiente.

Para que o argumento seja único, haveria que definir uma estratégia de crescimento e mostrar (demonstrar) que a reestruturação da dívida é condição necessária, ou que ajuda a essa estratégia e minimiza os riscos para os credores. Por exemplo, será que a reestruturação da dívida implica uns ganharem e outros perderem obrigatoriamente, ou consegue-se encontrar situações em que todos possam ganhar? e ganhar o quê?

Do ponto de vista dos credores, porque irão ter interesse em reestruturar? para Portugal voltar a contrair mais divida (pois facilmente haverá um manifesto seguinte a dizer que só com financiamento se consegue fazer investimento necessário ao crescimento…)? ou será que é possível dizer que a reestruturação consegue fazer com que seja mais provável ter certeza no pagamento e no evitar de problemas futuros? e se os nossos credores principais hoje em dia envolvem instituições internacionais, reestruturar em Portugal não dará o sinal para que todos aqueles a quem eles emprestam (socorrem) e irão emprestar no futuro quererão fazer o mesmo, e que antecipado destrói a noção de empréstimo?

Segue-se depois um conjunto de considerações sobre os problemas da economia portuguesa, que são reais, mas surgem todos misturados – por exemplo, se há emigração de desempregados, então há previsivelmente redução de pagamentos sociais, e as desigualdades tendem a baixar – é a forma adequada de o fazer? não certamente, mas há que atender aos vários efeitos dos elementos que se enunciam. De forma similar, o aumento de impostos foi muito grande? foi, reduz desigualdades na distribuição do rendimento? com o aumento da progressividade é muito provável que sim; mas reduzir desigualdades deixando menos rendimento disponível em média não é usualmente a forma como o queremos fazer, mas diminuir as desigualdades se for esse o objectivo. Fica por isso a sensação que o que fica escrito reflecte sobretudo a opinião (de muitos? de alguns?) mas sem ter a força de evidência e de consistência entre os vários argumentos. Há certamente afirmações correctas, mas todas elas ao mesmo tempo poderão ter nuances ignoradas.

É feita também a defesa da reestruturação dentro do espaço europeu, apelando sobretudo à noção de a Alemanha ser o “inimigo”, e indo buscar o que foi feito com as reparações das guerras mundiais do século XX e do perdão da dívida alemã.  É muito redutor dizer que é apenas um problema com a Alemanha, e é errado. Há outros países que podem não ter o poder económico da Alemanha nem a sua dimensão mas que são extremamente vocais contra os países do Sul da Europa e os seus excessos, incluindo-se aqui a Finlândia por exemplo, os estados bálticos e a própria Holanda até certo ponto. E no final toda a argumentação apresentada só reforça os receios de “risco moral” que esses países têm sobre o Sul da Europa. Sobretudo quando a proposta de reestruturação não surge associada a qualquer compromisso credível de não repetição da situação, e apenas dizer que problemas num país do euro alargam-se aos outros países do euro – mas então isso só dá força a quem nesses países defende uma europa a duas velocidades, uma zona euro para uns e uma zona de qualquer outra coisa para outros.

Sobre as condições da reestruturação, deveria ter sido reconhecido que discretamente tem ocorrido um abaixamento da taxa média de juro, que houve um alongamento dos prazos da dívida. Além disso, suavizar picos de pagamento de dívida pode ser feito com outros instrumentos (e que pelo que se vai sabendo até vão sendo usados), porque é que a reestruturação tem vantagem sobre a utilização desses instrumentos?

É que em lado algum se refere que possam haver consequências negativas da reestruturação. Se não as há, deveria ser dito; se as há deveriam ser esmiuçadas e demonstrada a presunção razoável que as consequências positivas dominarão as consequências negativas. Sem o fazer, o propósito do documento não será o de gerar uma discussão técnica e depois política sobre a opção, e sim “exigir” que as autoridades económicas, o Governo, aceite que deve fazer o que este manifesto diz, os detalhes depois alguém que trate?

Aliás, também deveria ser explicitado qual o contributo de Portugal para tornar a solução de reestruturação atractiva para os nossos credores, não apenas dizer que nós beneficiamos. E mesmo sobre este último ponto, é evidente que se beneficia por não pagar, mas qual o mecanismo pelo qual a ausência de dívida fará crescer a economia, de forma consistente, o que significa aumentar a produtividade e o seu ritmo de crescimento? E as consequências de não pagar, não afectam o crescimento? (por exemplo, se a reestruturação implicar que internacionalmente não se consegue colocar dívida pública portuguesa durante alguns anos, isso não obriga aos saldos primários positivos para o défice público,  que nos termos do manifesto são “insusceptíveis de imposição prolongada”?

Como escrevi anteriormente, noutro post, a nossa principal preocupação deverá ser ter linhas de estratégia para as políticas económicas que sejam credíveis (no sentido em que não vamos querer fazer diferente do que se escrever na primeira oportunidade para o fazer), e que satisfaçam a preocupação fundamental de quem empresta, reaver o que emprestou.

O manifesto é uma desilusão no sentido em que não tem uma estratégia coerente de longo prazo, apenas a ideia de alterar as condições da dívida pública, e depois tudo se resolverá, sem olhar aos efeitos negativos que possa ter e sem enquadrar num contexto mais geral de definição do rumo das políticas económicas. A discussão à volta dele é uma desilusão por focar apenas no que possam ou não possam pensar os “mercados” financeiros (aspecto certamente relevante, mas não único).


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ainda as dívidas públicas na saúde,

como este é um problema de fundo no serviço nacional de saúde, quanto mais informação melhor. Usando dados disponibilizados pela APIFARMA, referi há algum tempo as preocupações que o seu ritmo de crescimento geravam (ver gráfico aqui), e avancei até com algumas ideias (aqui).

Existe porém boa informação pública sobre estas dívidas através do que a Direcção-Geral do Orçamento disponibiliza sobre execução orçamental (síntese da execução orçamental, em ficheiros Excel facilmente utilizáveis – bom serviço), e que não indo tão atrás no tempo como os valores da APIFARMA, já tem dois anos de dados mensais para se olhar (os valores de 2011 parecem ter subjacentes uma definição diferente na sua contabilização). Aqui é usada a informação das dívidas por pagar há mais de 90 dias, Hospitais EPE e subsector da Saúde nas Administrações Públicas.

A primeira comparação é entre os valores que estão na APIFARMA e estes valores da execução orçamental. As dívidas totais deverão ser maiores que apenas as dívidas dos medicamentos às associadas da APIFARMA. Além disso, o ser mais de 90 dias fará também alguma diferença nos valores. O quadro seguinte mostra uma importante diferença entre as duas séries de valores depois do primeiro episódio de regularização de dívidas. A linha azul mostra a evolução das dívidas totais às associadas da APIFARMA, as outras duas linhas são as dívidas incluídas na síntese de execução orçamental, a vermelha o total e a verde os hospitais EPE. A mudança de posição relativa da linha azul é curiosa porque revela que a dívida mais recente ainda estará dentro dos 90 dias, mas contabilizada pela APIFARMA (explicação que encontrei para reconciliar as duas linhas). Em ambos os casos, vê-se que depois do episódio de regularização das dívidas em 2012, voltou-se a crescer a dívida a ritmos não muito diferentes dos anteriores. Mesmo o valor de Janeiro de 2014 tem uma subida na mesma ordem de magnitude do ritmo mensal médio quando se retiram os momentos de regularização.

dividaJan2014Tomando de seguida apenas a série das dívidas constante da execução orçamental, testei se a evolução temporal antes e depois dos episódios de regularização era diferente. O resultado está na figura seguinte.

dividasNesta figura a linha azul é a séria real de despesa, e a linha vermelha é o valor previsto impondo que o acréscimo mensal  fora dos períodos de regularização é idêntico. A linha verde permite que seja diferente (excepto para Janeiro de 2014, igual ao período antes de Junho de 2012, mas há apenas um valor para 2014). Estatisticamente, os valores de ritmo de crescimento não são diferentes, e estão nos 41 M€/mês, segundo a linha vermelha. Com a separação de ritmos de crescimento, o valor de ritmo de crescimento sobe para mais de 70M€/mês na primeira metade de 2012, e é ligeiramente menos de metade durante os primeiros nove meses de 2013 (cerca de 35 M€/mês). O crescimento em Janeiro de 2014 foi de 55 M€. Qualquer que seja a versão preferida, com ou sem separação entre períodos de crescimento, o valor de Janeiro de 2014 sugere que é preciso seguir com atenção a dinâmica. As regularizações extraordinárias que têm ocorrido baixaram o stock. Terá que se ver se as medidas que foram adoptadas tiveram a capacidade de alterar o ritmo de acréscimo.

E assim termino o descasque da análise sumária que estava no relatório do FMI da 10ª avaliação sobre as dívidas, a confirmação grosso modo dos valores indicados e o porquê da preocupação em criar mais mecanismos de controle da criação de dívidas em atraso.


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cortes e recortes

tendo-se iniciado mais uma avaliação da troika, surgiram novamente as discussões sobre se e onde cortar a despesa pública, desta vez envoltas num “embrulho” de espiral recessiva. Nessas discussões, há em geral mais a preocupação de marcar pontos políticos do que em ser tecnicamente rigoroso. Desde logo, definir o que é espiral recessiva.

Que é desejável crescimento económico não é disputado por ninguém. As diferenças estão no que é necessário para gerar esse crescimento, e no que possa ser suficiente para o sustentar a prazo.

A primeira pergunta que nos devemos colocar é se a estrutura produtiva da economia portuguesa de 2010 tem a capacidade de promover crescimento económico de forma sustentada. A resposta tem sido, parece-me, geral no sentido negativo.

A segunda pergunta é então como se induz uma mudança da estrutura produtiva. E aqui as diferenças são maiores, havendo os que defendem que será sobretudo da iniciativa privada que deverá surgir a procura de novos sectores de actividade económica, e os que apoiam uma acção mais interventiva do estado. No contexto actual, interessa saber se aumentar a despesa pública teria a capacidade de gerar essa mudança da estrutura produtiva. Aqui, a resposta mais plausível será que um aumento da despesa pública, mesmo que fosse possível em termos de financiamento da dívida pública, dificilmente teria um efeito de transformação da estrutura produtiva da economia.

A terceira pergunta, de resposta mais difícil, é qual a dimensão do estado que é compatível com induzir e sustentar a mudança na estrutura produtiva da economia portuguesa. A resposta é aqui mais complicada, pois a contribuição do estado para a situação económica não está apenas no que é contribuição da despesa pública para a despesa agregada (no sentido da contabilidade nacional), mas não é possível deixar de lado as regras, regulações, protecções, etc., em que o estado se envolve.

Por esse motivo, o papel do estado e a sua revisão não se pode limitar a uma questão de cortes e recortes. Até porque apenas esses cortes e recortes poderão nada alterar, por um lado, e não é evidente onde cortar, como se pode ver da despesa do estado de 2012 (no caso da saúde, há que ter em conta a verba de 1932 M€ para regularizar dívidas em 2012). O anunciado corte de 4 mil milhões de euros é mais do que a defesa nacional ou a segurança e ordem públicas, por exemplo. É mais do que as funções económicas.

A discussão deve incidir sobre o papel de cada função e como poderá ser desempenhado com menor despesa. E é neste quadro que se deve ter como primeiro passo uma fase de brainstorming, para perceber caminhos possíveis. Recuperar propostas recentes, como algumas das ideias no relatório do FMI, como indexação de pensões ao ciclo económico à semelhança da Suécia, ou menos recentes, como o imposto sobre a riqueza para abater directamente à dívida pública e com isso baixar a despesa com juros, de Miguel Cadilhe, ou pedir autorização para usar os fundos comunitários para reduzir a dívida pública e reduzir juros a pagar (e sempre se poupava os custos das estruturas para atribuir e fiscalizar os fundos, as manobras de lóbi para os obter, e as distorções de decisões a favor de investimentos que são apenas rentáveis se subsidiados), ou mesmo não pagar a dívida, poupando nos juros mas não tendo como financiar défices futuros, como sugerido por outros comentadores. Avaliar as implicações presentes e futuras de cada uma dessas opções, de forma séria e quantificada será o segundo passo. Ter uma escolha colectiva sobre essas opções será o terceiro passo.

 

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no dinheirovivo.pt de hoje,

sobre o que poderá ser essencial para o estado recuperar o investimento das pequenas poupanças em instrumentos de dívida pública, aqui, na habitual crónica do dinheiro vivo.


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para o dinheirovivo.pt de hoje

de repente parece que o único problema é os “mercados” (financeiros internacionais) acreditarem em Portugal (o que quer que isso queira dizer). Ora, esse é apenas o reflexo do problema, capacidade de crescer, e corremos um risco – de uma vez mais nos dispersarmos pelo acessório – e a discussão das conversas de Vitor Gaspar com o ministro alemão são um exemplo disso mesmo

Desfocados

13/02/2012 | Dinheiro Vivo

Uma conversa informal entre o ministro das finanças português e o ministro das finanças alemão ganhou um grande protagonismo na semana que passou. O que sendo compreensível é provavelmente menos relevante para o nosso futuro colectivo do se poderia supor das diferentes reacções.

Para perceber porque é pouco relevante essa conversa, comecemos por responder a algumas perguntas.

A falta de capacidade de crescimento da produtividade na economia portuguesa é um problema a resolver? Creio ser consensual que a resposta é sim.

Resolver o actual problema financeiro das contas públicas sem resolver o problema do crescimento da produtividade é suficiente?

A resposta é não, acaba-se por voltar a ter o problema, ou ter que fazer o ajustamento para consumo compatível com o valor da capacidade produtiva do país.

Uma alteração das condições do apoio financeiro, para dar mais tempo à economia portuguesa, poderá ser nociva?

A resposta é que não podemos excluir que haveria a tentação de adiar também os aspectos de “transformação estrutural”, para usar a expressão adoptada pelo actual governo. Há assim que comparar as vantagens de mais tempo para ajustar a economia portuguesa, com a desvantagem de eventualmente não o fazermos.

Uma questão final, corresponde a troca de impressões entre os dois ministros a um compromisso? Creio que a resposta será negativa. Não há qualquer garantia ou presunção de que a posição alemã daqui a uns meses (ou se calhar uns dias) seja realmente esta. Além de que o ministro alemão ao falar, formal ou informalmente, não compromete as posições das três instituições, Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu.

Algumas dos comentários, nacionais e internacionais, produzidos conseguiram distrair ainda mais as atenções ao referirem os mercados financeiros internacionais. O regresso de Portugal aos mercados financeiros internacionais para financiar a sua dívida pública, frequentemente tomado quase como o único objectivo, é apenas um objectivo intermédio. É por ser um objectivo intermédio que poderá ser, ou não, flexibilizado, consoante o progresso da economia portuguesa e das medidas adoptadas pelo Governo.

Convém não estarmos desfocados do verdadeiro objectivo, conseguir que a economia portuguesa tenha a capacidade de ter maior produtividade. Ciclicamente é preciso ir relembrando que maiores salários só poderão ser pagos se houver maior produtividade. E maior produtividade depende de uma maior capacidade de inovação e de uma melhor utilização dos equipamentos produtivos.

Repito, convém não ficarmos desfocados do que é central: produtividade.


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Colocar na Constituição limites ao défice público e/ou à dívida pública, sim ou não?

Nos últimos dias voltou a ganhar atenção a questão de haver vantagem, ou não, de colocar na constituição limites ao défice público e/ou à dívida pública. O André Barata lançou aqui ontem a discussão, defendendo que tal não deverá ser feito. O principal argumento é a perda de flexibilidade de decisão que implica.

Curiosamente, a perda de flexibilidade é também o principal argumento para que seja inscrito um limite constitucional ao défice e/ou à dívida pública. Embora em geral a perda de flexibilidade seja má, uma vez que é fácil pensar que o resultado sem flexibilidade pode ser sempre conseguido com flexibilidade de decisão, pois se for óptimo pode-se actuar exactamente da mesma forma. Ou seja, sem restrições é sempre possível alcançar pelo menos o mesmo resultado que com restrições.

Só que esta descrição é demasiado simples em muitas situações. A minha preferida para ilustrar intuitivamente o problema está presente na ilustração abaixo.

Esta ilustração corresponde a um vaso grego relatando um episódio da Odisseia – Ulisses amarrado ao mastro para poder ouvir o canto das sereias. Neste caso, a perda de flexibilidade (estar amarrado ao mastro) permite-lhe ouvir o canto das sereias, melhor resultado do que a alternativa com flexibilidade – ouvir o canto das sereias e afogar-se no mar atrás delas.

A decisão de ficar amarrado constitui um “compromisso credível” com uma acção concreta, não se atirar ao mar. E esse compromisso tem um valor, no caso ouvir o canto das sereias.

A transposição desta ideia simples para o campo da actividade económica, e em particular para as decisões dos governos quanto a despesa pública, a discussão das condições em que é desejável e quais as suas implicações para a própria gestão dos ciclos económicos e do crescimento económico, tem sido feita desde há praticamente três décadas e meia. Deu mesmo origem à atribuição do prémio Nobel de 2004 a Finn Kydland e Edward Prescott (a justificação pode ser vista aqui), e as raízes da discussão já estavam de alguma forma presentes no trabalho iniciado por Buchanan nos anos 60 (também ele um prémio Nobel da economia, ver aqui). Uma descrição mais detalhada em português do valor da perda de flexibilidade pode ser consultada no capítulo 4 do livro Economia Pública, de Pinto Barbosa.

Sendo então que existe valor em “regras” que limitam decisões futuras, não se deve saltar   imediatamente para a conclusão de que é melhor ter uma regra constitucional de limitação do défice ou da dívida, ou que é melhor não ter apenas para não perder flexibilidade. É preciso conhecer quais os benefícios da perda de flexibilidade, e quais os riscos de manter a flexibilidade.

Há também o problema operacional de definir como os limites seriam definidos, qual a definição de défice? estrutural, ajustado do ciclo económico? (que mantém alguma flexibilidade)? quem o calcula? que verificações existem? permite-se reacção a choques extremos não antecipados (por exemplo, catástrofes naturais, como é sugerido pelo André Barata)? Existem mecanismos alternativos para garantir o mesmo resultado?

Antes de concluir por um lado ou por outro, a favor ou contra a limitação constitucional ao défice público, importa dar resposta a diversas perguntas – não é uma tarefa fácil, mas definir posições nesta matéria deve ir para além de intuições ou ideologias.

A forma de apresentação também influencia fortemente a nossa percepção e posição – suponhamos que o governo anunciava um compromisso de não aumentar mais impostos, presentes e futuros. Colocado a votação ou sondagem, certamente que este compromisso teria o acordo da maior parte da população (toda?).  Mas esse compromisso significa que a despesa pública, o défice público, fica limitado pela evolução dos impostos de acordo com a actividade económica. E se houver uma catástrofe natural, para respeitar o compromisso, terá que reduzir outra despesa pública. Um compromisso de não aumentar impostos é equivalente a colocar na Constituição um limite ao défice público.

 

(post gémeo com o blog No Reino da Dinamarca)


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sobre dívidas, eternidade e crianças…

O André Barata escreveu um interessante texto no blog No Reino da Dinamarca, que gerou alguns comentários, e decidi adicionar os meus 2 cents à discussão:

 

O que o André escreveu corresponde em grande medida à minha reacção ao assunto: excessivamente empolado pela imprensa e comentários. Reflecte sobretudo uma reacção à pessoa mais do que às declarações.

Mas vejamos com mais atenção as declarações e a sua justificação.

Não há dúvidas sobre o pagamento de dívidas de particulares. Quem pede emprestado deve pagar, e o pagamento da dívida é algo que é devido.

Porque surge então a questão a nível agregado da economia?

Proponho que se pense a partir de uma situação simplificada, com dois grandes períodos de tempo na vida de cada pessoa, os anos mais novos e os anos menos novos. No primeiro desses períodos, pede-se emprestado, no segundo paga-se o empréstimo. Cada pessoa paga a sua dívida. E o que se passa em cada ano, em termos agregados da economia? havendo “mais novos” e “menos novos” em cada momento, significa que haverá sempre dívida agregada, mesmo que individualmente cada pessoa tenha que pagar as dívidas. E este efeito não depende sequer de existir ou não Estado que contraia dívida.

Ou seja, as dívidas têm que ser pagas, mas há sempre dívida agregada.

Coloquemos agora a dúvida de quem empresta sobre se a dívida será paga ou não. Então, deixará de emprestar, e esta “cadeia” que gera a dívida “eterna” quebra-se.

Se introduzirmos agora o Estado a pedir emprestado, em cada momento tem uma dívida a pagar, e pode estar a contrair nova dívida. Desde que haja quem empreste, vai-se refinanciando – mas quem toma os títulos de dívida num momento pode ser diferente de quem toma noutro momento. Neste sentido, também a dívida do Estado terá uma componente de “eternidade”.  Mas se se quebrar a confiança de que será paga a dívida emitida, não haverá tomadores (ou exigirão taxas de juro superiores) de nova dívida, quebra-se a “eternidade” da dívida também no caso do Estado. Um exemplo de uma quebra parcial desta “eternidade” foi a reacção à alteração das condições de taxa de juro e de resgate dos Certificados de Aforro. A perda de confiança dos cidadãos na “palavra do Estado” quanto a um dos seus instrumentos de obtenção de dinheiro (emissão de dívida) ainda não foi recuperada. Ficará sempre a dúvida de quando voltarão a alterar as condições. A reputação demora muitos anos a ganhar, e breves instantes a dissipar. E no caso do pagamento da dívida, a quebra de reputação de que se paga, quebra a aparente “eternidade”.

Tudo por junto, existe um elemento de verdade nas afirmações de Sócrates, no sentido de tender a existir uma dívida rolante a nível agregado. Mas toda a dívida terá de ser paga, independentemente de ser novamente contraída dívida ao mesmo tempo.

Se houve reacção excessiva às declarações, creio não haver dúvida (independentemente do julgamento que se faça sobre os últimos tempos da governação de José Sócrates).