O André Barata escreveu um interessante texto no blog No Reino da Dinamarca, que gerou alguns comentários, e decidi adicionar os meus 2 cents à discussão:
O que o André escreveu corresponde em grande medida à minha reacção ao assunto: excessivamente empolado pela imprensa e comentários. Reflecte sobretudo uma reacção à pessoa mais do que às declarações.
Mas vejamos com mais atenção as declarações e a sua justificação.
Não há dúvidas sobre o pagamento de dívidas de particulares. Quem pede emprestado deve pagar, e o pagamento da dívida é algo que é devido.
Porque surge então a questão a nível agregado da economia?
Proponho que se pense a partir de uma situação simplificada, com dois grandes períodos de tempo na vida de cada pessoa, os anos mais novos e os anos menos novos. No primeiro desses períodos, pede-se emprestado, no segundo paga-se o empréstimo. Cada pessoa paga a sua dívida. E o que se passa em cada ano, em termos agregados da economia? havendo “mais novos” e “menos novos” em cada momento, significa que haverá sempre dívida agregada, mesmo que individualmente cada pessoa tenha que pagar as dívidas. E este efeito não depende sequer de existir ou não Estado que contraia dívida.
Ou seja, as dívidas têm que ser pagas, mas há sempre dívida agregada.
Coloquemos agora a dúvida de quem empresta sobre se a dívida será paga ou não. Então, deixará de emprestar, e esta “cadeia” que gera a dívida “eterna” quebra-se.
Se introduzirmos agora o Estado a pedir emprestado, em cada momento tem uma dívida a pagar, e pode estar a contrair nova dívida. Desde que haja quem empreste, vai-se refinanciando – mas quem toma os títulos de dívida num momento pode ser diferente de quem toma noutro momento. Neste sentido, também a dívida do Estado terá uma componente de “eternidade”. Mas se se quebrar a confiança de que será paga a dívida emitida, não haverá tomadores (ou exigirão taxas de juro superiores) de nova dívida, quebra-se a “eternidade” da dívida também no caso do Estado. Um exemplo de uma quebra parcial desta “eternidade” foi a reacção à alteração das condições de taxa de juro e de resgate dos Certificados de Aforro. A perda de confiança dos cidadãos na “palavra do Estado” quanto a um dos seus instrumentos de obtenção de dinheiro (emissão de dívida) ainda não foi recuperada. Ficará sempre a dúvida de quando voltarão a alterar as condições. A reputação demora muitos anos a ganhar, e breves instantes a dissipar. E no caso do pagamento da dívida, a quebra de reputação de que se paga, quebra a aparente “eternidade”.
Tudo por junto, existe um elemento de verdade nas afirmações de Sócrates, no sentido de tender a existir uma dívida rolante a nível agregado. Mas toda a dívida terá de ser paga, independentemente de ser novamente contraída dívida ao mesmo tempo.
Se houve reacção excessiva às declarações, creio não haver dúvida (independentemente do julgamento que se faça sobre os últimos tempos da governação de José Sócrates).
9 \09\+00:00 Dezembro \09\+00:00 2011 às 14:40
Em macroeconomia, para modelos dinásticos, é comum introduzir-se uma condição de transversalidade na restrição orçamental do consumidor, que implica que as famílias não podem contrair dívida para pagar a divida corrente mais juros sistematicamente. Caso contrário, todos os recursos mundiais – que são finitos – seriam rapidamente mobilizados para esse roll-over, destruindo essa cadeia de acumulação. Ou seja no longo-prazo, toda a divida tem de ser paga.
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