Momentos económicos… e não só

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sobre o papel do banco central alemão (Bundesbank)

Recebi via email o seguinte comentário / esclarecimento sobre o papel do banco central alemão, no seguimento do meu texto anterior, que decidi partilhar com todos:

“O Bundesbank sempre fez retenção de dívida nas emissões na Alemanha, porque, entre outras, tem como função ser o garante do normal funcionamento do mercado secundário de dívida pública. A ideia não é (não era?) financiar monetariamente o défice, mas constituir uma reserva de activos no seu balanço para intervir no mercado secundário, se for esse o caso.

Em Portugal, o FRDP (Fundo de Regularização da Dívida Pública), para além de ser o canal através do qual o Estado gere o dinheiro das privatizações, também tem essa função de regularização do mercado secundário. Tem uma carteira de activos, e pode comprar/vendar dívida pública.

No passado, o BC alemão, mesmo quando existia procura volumosa pelos seus títulos, retinha parte da colocação. Não no sentido “perigoso” (para os alemães) do financiamento monetário do défice, mas de garante da estabilidade das taxas de juro no mercado secundário.

Entretanto, mesmo para a Alemanha, as coisas podem ter-se alterado!”


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euro – should I stay or should I go?

Tem crescido a discussão sobre a participação de Portugal na zona euro, sobretudo depois de se ter tido a percepção de que a Grécia poderia estar para sair.

Vários argumentos têm sido apresentados de cada lado, a favor e contra a manutenção de Portugal no euro.

Do lado do contra a manutenção do euro, o principal argumento que tenho visto é a perda do instrumento da desvalorização cambial.

Do lado a favor da manutenção do euro, há uma divisão entre os que referem os custos de saída do euro neste momento e os que referem a importância da zona euro para o crescimento futuro.

Face a tantas opiniões, é bom que se procurem bases um pouco mais sólidas para a discussão. Em particular, interessa ter mais informação sobre o que será o futuro da economia portuguesa dentro do euro e fora do euro, caso tomasse essa opção. A realização destes exercícios de “bola de cristal” não são fáceis, nem isentos de críticas, mas sempre permitem opiniões mais informadas.

Dois trabalhos que são importantes para ajudar a pensar no tema (podem existir outros, aceitam-se sugestões):

a) António Pinto Barbosa, coordenador, O impacto do euro na economia portuguesa, 1998, Publicações D. Quixote – foi realizado de forma prospectiva, para pensar no potencial impacto que a adesão ao euro teria para a economia portuguesa. Tem a curiosidade de o actual ministro das finanças ter sido um dos participantes.

b) Luís Aguiar-Conraria, Fernando Alexandre e Manuel Correia de Pinho, 2010, O euro e o crescimento da economia portuguesa: uma análise contrafactual, Universidade do Minho – em que se avalia a experiência de Portugal no euro procurando avaliar o que teria sido a evolução da economia portuguesa caso não tivesse aderido ao euro.

Começando por este último artigo, a principal conclusão é a de que Portugal teria crescido mais se não tivesse participado no euro e tivesse mantido a dinâmica que vinha do período imediatamente anterior. A amplitude do ciclo económico seria porém maior. A análise é baseada na construção de modelos VAR (basicamente relações entre variáveis macroeconómicas, que se projectam mecanicamente – isto é, sem alteração e influência de políticas económicas – para o futuro). De alguma forma, esta análise dá algum suporte à ideia de Portugal ter entrado no euro com uma taxa escudo – euro demasiado desfavorável, e que afectou o crescimento da economia portuguesa. Não se pode contudo concluir daqui que a saída é forçosamente um melhor caminho.

O primeiro estudo referido, realizado em 1997, ao ser prospectivo aproxima-se mais do que é necessário avaliar hoje. Uma das componentes importantes desse estudo foi precisamente a importância do instrumento cambial, reproduzindo parte da página 22 desse estudo: “Ao procurar avaliar o impacto do euro na capacidade de reacção às perturbações assimétricas que atingem a economia portuguesa, há que considerar, em primeiro lugar, a questão da perda do instrumento cambial, em resultado da unificação monetária, e o potencial prejuízo que essa perda representará, no futuro, em termos de estabilização das referidas perturbações. Na avaliação desse prejuízo, importa começar por aferir o papel que o instrumento cambial desempenhou no passado. Aqui, a análise histórica revela que, nas últimas décadas, o câmbio não terá desempenhado um papel significativo como instrumento activo de estabilização dos principais choques macroeconómicos. No passado mais recente, terá servido fundamentalmente para neutralizar o diferencial de inflação de Portugal com o exterior (um problema que tende a desaparecer com a moeda única) e não propriamente como um amortecedor de perturbações macroeconómicas.” Concluem depois que a “perda do instrumento cambial não virá previsivelmente a representar, relativamente ao passado, um custo adicional significativo em matéria de estabilização”.

Ou seja, a evidência passada é a de que mesmo quando era possível, o instrumento cambial tinha apenas um papel de compensar diferenciais de inflação, e não de atenuar os ciclos económicos.

Em contraponto ao instrumento cambial, este estudo de 1997 referia ainda (p.24): “os ajustamentos requeridos na dívida pública e no saldo orçamental dos Estados-Membros, por força do Tratado e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, irão possibilitar a criação de um espaço de manobra ao funcionamento dos mecanismos de estabilização automática dos orçamentos nacionais, que lhes poderá conferir, por essa via, uma eficácia estabilizadora”. Ora, foi este mecanismo e esta credibilidade de ajustamento que foi destruída pelos políticos europeus, com França e Alemanha à cabeça quando “furaram” os limites estabelecidos. O desenho económico pensado não resistiu à pressão política do momento.

Juntando estas duas peças do puzzle, não são tão antagónicas como parecem. Um elemento crucial é a interacção entre a decisão política e o modelo económico adoptado. A incerteza da actuação política na condução da política económica não é capturada pelo tipo de modelo usado no estudo de 2010, e os mecanismos formais dos tratados também são menos fortes do que se julgava (ou se queria crer). Olhar para o futuro implica assumir que quaisquer resoluções hoje serão ultrapassadas por outras medidas se isso for vantajoso no futuro, mesmo que se escreva hoje em tratado que não sucederá.

É certo que os custos de transição de euro para outra moeda serão substanciais. E, pessoalmente, a estabilidade e pertença da zona euro são a prazo, digamos 20 anos, mais compensadoras que uma gestão cambial de curto prazo. Mas seria bom ter alicerces mais fortes que convicções de pessoas (mais ou menos informadas, conforme os casos).

 

Trivia: 30 anos depois, The Clash, coloque-se Portugal e a zona euro nos protagonistas – http://www.youtube.com/watch?v=V1Gn0e7kvTA


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Ainda a Madeira – comentários adicionais

O meu texto sobre a Madeira aqui publicado há uns dias, recebeu comentários do blog mãos visíveis e de oefervescente.

Embora não seja muito dado a réplicas e tréplicas, desta vez julgo valer a pena a clarificação.

Do blog mãos visíveis, contestam as implicações que sugiro retirar da experiência da Madeira com base em dois argumentos:

a) questões de linhas divisórias de esquerda e direita, que honestamente não entendi; não me pareceu que defendam que uma despesa pública é boa se for feita por um governo de esquerda e é má se for feita por um governo de direita; eu pelo menos não o defendo. Como só chamei a atenção para o esperado multiplicador da despesa pública em termos de crescimento, a base das propostas dita Keynesianas que são feitas, poder ser mais ilusório do que garantido, olhando para uma tentativa da sua utilização dentro da República de Portugal.

b) que o próprio crescimento da Madeira será mais ilusório que real, devido à zona franca, que não gera riqueza via produção de bens ou serviços na Madeira. Curiosamente, a minha leitura é que esse aspecto apenas reforça o meu ponto – a enorme despesa pública realizada na Madeira não conseguiu ter efeito multiplicador visível que permitisse depois pagar a dívida gerada para fazer essa despesa.

Do blog ofervescente, o amigo Vladimiro, aponta para ser necessário completar a análise, relembrando

a) que a dimensão de outras dívidas de empresas não é muito diferente;

b) que há um regime dominante na Madeira via controle da administração pública

c) que podem haver outros buracos ainda não detectados pelas entidades competentes.

Certamente que esses aspectos poderão ser eventualmente verdade, mas convém fazer uma separação de argumentos.

Como referi acima, apenas assinalei que podemos interpretar a despesa pública da Madeira financiada por dívida como um caminho de crescimento e desenvolvimento económico que falhou. Nada mais.

Agora, se quisermos comparar a situação da dívida da Madeira com outras situações, seja de empresas seja do Continente como um todo, devemos ter o cuidado de calibrar e a) ver valores per capita,  b) ver a sua dinâmica de evolução; e c) ver o processo pelo qual a dívida foi criada e mantida. Sobre o aspecto de regime dominante da Madeira, não conheço em detalhe a situação da região, mas um bom indicador, para quem o quiser calcular, será ver quantas empresas importantes têm nos seus orgãos de gestão de topo pessoas que também possuem cargos políticos de relevo, e verificar pelo momento das nomeações se o trajecto foi da vida política para as empresas ou vice-versa. Se forem muito poucas, temos uma situação, se forem muitas, outra, eventualmente mais preocupante. Mas aqui o meu desconhecimento da realidade local não permite formar uma opinião mais forte.


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A dívida da Madeira (como “gordura” do Estado), no dinheirovivo.pt

Pode ver aqui como a situação de dívida da Madeira nos diz mais do que apenas a falta de controlo ou a “legítima defesa” que têm estado na lista da frente dos vários comentários.

A dívida da Madeira (como “gordura” do Estado)

19/09/2011 | 00:57 | Dinheiro Vivo

De repente a dívida da Madeira saltou para as primeiras páginas e para a primeira linha das conversas. O traço mais comum dos comentários é o cansaço com a capacidade de Alberto João Jardim extrair fundos ao resto do país (há quem use termos mais fortes). O outro aspecto que tem sido focado é do efeito da dívida madeirense agora revelada na reputação internacional de Portugal, num momento em que as diferenças face à Grécia são crescentemente importantes.

Sobre estes dois aspectos, nada há mais a dizer. Há, porém, um outro aspecto que este problema ilustra. Contra o processo de consolidação orçamental e de redução de despesa pública tem sido apresentado por várias pessoas e partidos políticos a visão alternativa de fomentar o crescimento económico através da despesa pública.

Ora, a situação actual da Madeira, acusada de excessiva e preocupante pelos mesmo partidos, não é mais do que o resultado das políticas por eles preconizadas – dar rédea solta à despesa pública que esta se multiplicará, combater o desemprego através do emprego como funcionário público. Esta foi a “receita” para o crescimento da Madeira. O que se vê hoje? Para além de obras como estradas e túneis, não se encontrou uma fonte de crescimento da actividade económica que fosse duradoura. Não se reinventou o Turismo, dando-lhe novo ânimo, não se descobriram novas actividades económicas que trouxessem riqueza à região. Mais, ao cristalizar no emprego público uma fatia considerável da população activa, retirou-se a essas pessoas o interesse e a dinâmica de procurarem outras actividades económicas.


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mais um passo

Mais um passo foi dado no sentido de sabermos o que o Governo realmente pretende como concretização do memorando de entendimento.

O Documento de Estratégia Orçamental 2011 – 2015 é mais um (mais um…) passo intermédio até ao desvendar do plano de acção, prometido para o Orçamento. Ainda assim, o seu conteúdo vai para além do aumento de impostos que tem sido divulgado pela imprensa. O aumento de impostos está lá, é verdade, mas devemos olhar com atenção para os outros aspectos tratados no documento. Na verdade, devemos ver este documento como um compromisso do Governo consigo mesmo e com os cidadãos.

Uma parte importante do Documento é dedicado à organização interna do Estado. Mas vamos por partes na análise do documento.

A primeira parte é, como vem sendo usual nestes documentos, de enquadramento macroeconómico. O enfoque na descrição histórica cai sobre o baixo crescimento da produtividade e logo da economia. Mas reconhece dois aspectos importantes:

a) que parte substancial do problema económico é interno, poderá ter sido revelado mais cedo ou agudizado pela crise internacional, mas não deixa de ser um problema interno. A mera recuperação das outras economias não o irá resolver.

b) que o Estado tem um problema grave – falta de disciplina orçamental que assenta em grande medida num débil processo orçamental – ou seja, o Estado não consegue ter disciplina porque não tem internamente os meios para verificar essa disciplina.

Adicione-se aqui uma miopia sempre presente nas previsões económicas, traduzidas no quadro que mostra as diferenças entre a realidade e os documentos PEC – programas de estabilidade e crescimento – sucessivos. Se as melhores previsões oficiais que se conseguiram fazer foram estes, como se podia esperar que os credores acreditassem no rumo da economia portuguesa?

A correcção do processo orçamental e uma maior precisão técnica nos documentos elaborados são melhorias internas do Estado que têm de ser feitas. A primeira é essencial para haja de facto contenção da despesa, e nos deixemos de lamentar com o ciclo de conferência de imprensa – aumento de impostos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(ps. amanhã continuarei com a análise do documento)


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Informação, Emoções e Ratings

As decisões sobre o rating da dívida do estado português geraram uma quase união nacional em torno da indignação quanto a baixa na classificação atribuída. Essa indignação é natural e eu próprio a senti também quando ouvi o anúncio. A maioria das reacções que ocorreram por essa Europa fora acompanharam esse sentimento. Dessa emoção à (renovada) crítica da actuação das agências de rating foi um pequeno passo, seja pelo lado mais emocional, na versão de “abutres especuladores”, seja pelo lado mais racional, na versão de abuso de poder de mercado por serem apenas três grandes empresas, seja ainda pelo lado da “conspiração”, o dólar contra o euro.

Contra-corrente tivemos algumas vozes, das quais destaco Vitor Bento e Helena Garrido, que rapidamente e em dois blogs, tentaram dar uma análise mais fria da decisão. Sem negar as consequências negativas das decisões de redução da classificação atribuída, procuraram entender os elementos objectivos dessa decisão.

Olhar de forma isenta para esta situação é provavelmente a melhor forma de encontrar uma solução.

O primeiro passo é entender qual é o negócio das agendas de rating. A vida (e sobrevivência) das agências de rating faz-se pela prestação de informação. As classificações atribuídas servem para que os investidores de todo o mundo não tenham que analisar em detalhe todas as emissões de dívida que ocorrem. Se cada investidor tivesse que olhar com minúcia todas as emissões de dívida, haveria uma duplicação de esforços e desperdício de recursos em comparação com uma análise única e depois facultada a todos os outros. O propósito último da agências de rating é fornecer informação aos investidores. E apenas enquanto fornecerem informação útil e credível aos investidores terão possibilidade de sobrevivência. Há investidores especulativos que aproveitam essa informação? Certamente. Mas também os investidores que não tenham objectivos de especular o fazem.

A reacção portuguesa europeia foi no entanto emocional. O que predominou foram os sentimentos de indignação e injustiça. Houve do Ministério das Finanças a procura de uma explicação mais racional, a de que haveria informação relevante ainda não incorporada da nova classificação, o que foi mais tarde clarificado pela própria agência como não sendo o caso. Voltamos a cair no terreno da emoção, a falar do que gostaríamos que a agência de rating escrevesse e não do que fez e porque fez.

O motivo principal parece estar na actuação das autoridades europeias, e com as dúvidas sobre um incumprimento “escondido” no caso grego, que poderia vir a ser uma solução para Portugal também.

O segundo passo é perceber como agir. A proposta de Vitor Bento (http://www.sedes.pt/blog/?p=3669) procura agir pela modo de actuação das autoridades europeias.

Complementarmente, deve-se também actuar pela informação. Isto é, encontrar uma forma de tornar a informação prestada pelas agências de rating tão redundante quanto possível, fornecendo directamente não uma classificação e sim os elementos essenciais para que os investidores possam realizar directamente a sua avaliação sem grandes custos. A atenção mediática dada ao país facilita essa transmissão de informação.

As avaliações das agências de rating baseiam-se em informação recolhida sobre os países e em premissas por elas assumidas. Validar, ou não, a informação de base das agências de rating é algo que tem de ser feito. Se estiverem a usar informação errada, então esta tem de ser corrigida. Mas não basta os governos anunciarem, pois serão sempre suspeitos de só estar a dar a informação que lhes convém. Tem que ser dada publicamente de uma forma ainda mais credível do que se for uma agência de rating a anunciar (o que não me parece especialmente difícil, aliás).

O segundo aspecto, as premissas assumidas pelas agência de rating, pode e deve ser também contestado, reconstruindo as análises das agências, mas tornando claros os “saltos” que estas próprias dão quando produzem as classificações. Por exemplo, e espero que me corrijam se estiver errado, a principal razão para a nova classificação atribuída a Portugal teve como base duas “hipóteses” (e não factos) da agência de rating: 1- que a solução para a crise grega envolve um incumprimento escondido, com custos para os investidores; 2- que a solução para a crise grega será aplicada com elevada probabilidade a Portugal.

E a classificação é dada como se estas hipóteses fossem factos. Ora, a pergunta que se coloca tecnicamente é, se a segunda hipótese não for verdadeira, a classificação atribuída a Portugal faz sentido? Provavelmente não. Então há que contestar esta segunda hipótese transformada em facto pela agência. Expor internacionalmente de forma técnica, para os investidores que seguem as agências de rating, que estão na realidade a basear-se não em informação, mas em “emoções” agora das agências de rating.

A crítica às agências de rating não deve ser emocional, mas racional, e metodologicamente apontada às bases das suas análises: é a informação de base correcta? Quais são as hipóteses usadas que estão assentes na “emoção” do analista?

(post também colocado em http://blog.sedes.pt)