Momentos económicos… e não só

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A distância entre os títulos das noticias e o que lá está

a propósito da recente entrevista de Mário Centeno ao DN (aqui) e do titulo “quem-tem-2000-euros-de-rendimento-tem-uma-posicao-privilegiada”. A leitura da entrevista demonstra duas coisas:

a) que Mário Centeno deu uma resposta técnica e essencialmente correcta – ter 2000 euros de rendimento bruto por mês coloca essa pessoa pelo menos nos 20% com rendimento médio mensal mais elevado em Portugal (ver quadro abaixo, “roubado” do recente post do Pedro Romano sobre os efeitos redistributivos da proposta de orçamento).

b) que Mário Centeno ao usar o termo “posição privilegiada” estava certamente a pensar nessa resposta técnica e descuidou a conotação política que pode ter. Aliás, reconhece nessa mesma entrevista que este valor é baixo num contexto europeu. É útil por isso reproduzir a pergunta e a resposta:

Pergunta-“Mas como classificaria alguém que tem um rendimento bruto de 2000 euros por mês?”

Resposta- “Lá está, uma pessoa que tem um rendimento bruto de 2000 euros por mês está numa posição da distribuição de quem paga impostos em Portugal, altamente privilegiada. Se isto faz dessa pessoa uma pessoa rica ou não… no contexto europeu garanto-lhe que não faz. No contexto português, ela de facto está numa posição cimeira da distribuição de rendimentos. Justifica-se por isso que essa pessoa seja penalizada, do ponto de vista fiscal, pelo menos do ponto de vista relativo? Com muitos limites, porque senão deslaçamos também aquilo que é a coesão social.”

O que permite retirar que os salários são globalmente baixos em Portugal, o que se for procurado porquê revela que decorre da baixa produtividade por hora (e não do baixo número de horas trabalhadas) em Portugal.

E se toda a discussão do orçamento tem estado à volta de dois temas, redistribuição (onde se inclui o papel da carga fiscal) e “estímulos” expansionistas, é altura de pelo menos adicionar as preocupações com a produtividade, procurando saber para cada medida proposta qual o efeito sobre a produtividade e qual o canal desse efeito.

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Produtividade: evolução dentro de cada empresa ou por mudanças de emprego entre empresas

A discussão sobre os efeitos do salário mínimo levantou alguma poeira. É necessário ir além dos impactos que podemos considerar normais. Do ponto de vista de teoria económica, é relativamente simples dizer que um salário mínimo que esteja acima do que é o salário de equilíbrio gera desequilíbrio, com desemprego. Grosso modo, o salário é de equilíbrio quando o valor da produtividade apropriado pela empresa que é gerado pelo trabalhador adicional iguala a disponibilidade do trabalhador para trabalhar para um salário igual a essa produtividade. Se for imposto um salário superior ao valor da sua produtividade, a empresa preferirá não contratar o trabalhador.

A questão que coloquei num post anterior foi se não haveria também efeitos associados com a procura de maior produtividade por parte de empresas que tenham a informação de que no futuro próximo, para um salário mínimo superior, ou são mais produtivas ou não sobrevivem. E que se algumas empresas não sobreviverem tal não é necessariamente mau para a economia portuguesa, numa lógica de abrir espaço para outras empresas. Num mercado com facilidade de entrada e de saída de empresas, este efeito seria pouco relevante, mas em Portugal há uma dificuldade (cultural?) em conseguir admitir que empresas falham e há uma dificuldade (legal, certamente, e também provavelmente cultural) em tornar novamente produtivos os activos (equipamento, organização até) de empresas que falham.

A insistência em tentativas de recuperação e de sobrevivência de empresas com pouca produtividade é um dos aspectos que dificulta o crescimento global da economia portuguesa. Um trabalho de 2013, de Mitsukuni Nishida, Amil Petrin, Sašo Polanec, Exploring reallocation’s apparent weak contribution to growth, NBER Working Paper 19012, http://www.nber.org/papers/w19012, retomou a questão de como a produtividade nas economias cresce, distinguindo entre aumentos de produtividade dentro de cada empresa e aumentos de produtividade por passagem de trabalhadores de empresas menos produtivas para empresas mais produtivas. Com base numa avaliação das experiências de Chile, Colômbia e Eslovénia, chegam à conclusão que o segundo efeito é mais relevante que o primeiro. Para Portugal, não conheço estudos que façam estes cálculos, mas seria interessante perceber qual é a nossa realidade e saber qual o efeito que um aumento do salário mínimo poderá ter nestes efeitos de produtividade dentro da empresas e na transição de trabalhadores de empresas menos produtivas para empresas mais produtivas.

 


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perceber as diferenças (2)

No post anterior, dei alguma atenção à comparação entre as estimativa do cenários com e sem propostas do programa do PS com as previsões da Comissão Europeia e do Conselho das Finanças Públicas (que são uma média de várias previsões internacionais). A principal informação retirada dessa comparação é que as estimativas de impacto aparentam ser optimistas (o que não é novidade neste tipo de exercícios, relembro o primeiro documento de estratégia orçamental do actual Governo que criticava os desvios anteriores no crescimento económico previsto e realizado, sendo que depois sucedeu o mesmo tipo de situação).

Trabalhando um pouco mais sobre os valores absolutos, uma vez que é dado o valor do PIB nominal previsto, um indicador que vejo como relevante é o PIB por trabalhador empregue. Apesar de o programa do PS ver o problema de crescimento da economia portuguesa como sendo decorrente de falta de procura, o crescimento da produtividade será essencial para que os níveis salariais possam aumentar de forma sustentada. Tomando o valor do PIB (em termos reais, com aplicação das taxas de crescimento indicadas) a partir de 2015 e dividindo pelo emprego total, pode-se comparar a evolução no cenário inicial e no cenário com as políticas.

Ao fazer este exercício resulta, como seria de esperar, um aumento da produtividade ao longo do tempo, à volta de 1% por ano no cenário com políticas, mas com valores mais elevados, cerca de 1,3% por ano nos dois últimos anos, no cenário inicial. Ou seja, o crescimento da produtividade é menor com a aplicação das políticas propostas. Este é um aspecto que gostaria de ver melhor esclarecido – qual o mecanismo no modelo usado que está na base no abrandamento do crescimento da produtividade?

Evolução do PIB (real) por trabalhador - cenário com políticas e cenário inicial

Evolução do PIB (real) por trabalhador – cenário com políticas e cenário inicial

 

 

Nota final: infelizmente não é possível  comparar as políticas propostas dos dois principais programas candidatos (PS e coligação PàF), pois apenas o PS deu, até ao momento, informação susceptível de ser analisada.

 


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voltaram as sinergias

para justificar decisões. Retirando do Diário Económico online: “A criação de uma nova empresa de infraestruturas em Portugal, através da fusão da Refer com a Estradas de Portugal, deverá trazer uma poupança de mil milhões de euros para o Estado nos próximos cinco anos, garante fonte oficial do ministério da Economia”.

As revisões das expectativas deste tipo de ganhos levanta-me sempre dúvidas porque:

a) qual a razão da incompetência na primeira previsão (não é clara qual a informação nova adicional)

b) há interesse em empolar as sinergias e poupanças (hipotéticas, neste momento)

c) em geral, nas operações de concentração e fusões, uma das regularidades observadas é que mais de 50% dos casos não tem as sinergias pré-anunciadas, e destrói mesmo valor face às empresas separadas antes, e não há razão para com empresas públicas esta regularidade ser diferente

d) quem anuncia estas sinergias não tem qualquer custo se as previsões de sinergias falharem

e) neste caso, como parecem estar a basear as sinergias na venda de imóveis significa que esperam poupanças sobretudo nos custos fixos, resta saber se os custos variáveis também registaram alguma poupança

f) se as poupanças são sobretudo a nível de custos fixos não é claro porque não há outras alternativas de obter essas poupanças que não passem pela concentração (já agora, se vamos de concentração em concentração, qual a diferença para uma direcção geral de infra-estruturas?)

Ficaria mais confiante neste tipo de afirmações se fosse dito que os responsáveis por estas afirmações devolveriam um terço do que ganham desde hoje até, digamos, 5 anos depois da operação de concentração se for verificado que após cinco anos não ocorreram essas sinergias. Desta forma teriam um custo de fazer previsões excessivamente optimistas apenas para justificar a sua decisão e teriam interesse em ser mais precisos nessa estimativa.


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E eis que “ela” volta à discussão, a produtividade

Pela mão da Moody’s (aqui), no seu mais recente relatório, embora só tenha visto o press release (não tenho acesso ao documento mais substancial), a “culpa” de não haver uma visão mais simpática está na evolução previsível da produtividade, que até aumentou recentemente.

Oops, mas não era isso que queríamos? Sim, mas …
O mas ė aqui importante e a Moody’s tem motivo para chamar a atenção. Portugal tem feito ajustamentos no passado na sua produtividade agregada – pib / valor acrescentado por trabalhador – que resultaram de redução do número de trabalhadores mantendo o valor acrescentado e não pelo aumento do valor acrescentado que se produz.

Com a actual crise aparentemente é esse mecanismo que voltou a funcionar (no passado foi algo que me chamou a atenção, ver aqui e ver aqui, e as visões há 10 anos de Pedro Lains e Miguel Lebre de Freitas aqui).
As empresas despediram mas conseguiram manter a produção. As empresas com menor produtividade, que geram menor valor acrescentado foram desaparecendo.
Em si mesma esta evolução ao nível de cada empresa é melhor do desaparecer, seria melhor que as empresas tivessem conseguido aumentar o valor acrescentado do que produzem e mantido o emprego. O ajustamento feito poderia ter sido melhor (podia ter sido pior também mas devemos ser exigentes).
Como esses trabalhadores que perderam o emprego não tiveram oportunidade de encontrar outro o desemprego atingiu níveis muito elevados e inéditos em Portugal.

O desafio que agora existe é conseguir simultaneanente dois objectivos – que as empresas consigam aumentar o valor acrescentado do que produzem e com isso recrutar novamente trabalhadores sem que a produtividade volte a baixar, e que os trabalhadores desempregados se direccionem para os sectores com maior crescimento e potencial de crescimento da produtividade.

A recuperação de empregos nos próximos anos não vai ser, é bom que não seja, nos mesmos sectores e empregos que foram destruídos na actual crise. As oportunidades mais interessantes para os desempregados vão estar noutras áreas e aqueles que mais rapidamente as descobrirem melhor resolverão a sua situação.

Esta transiçāo de trabalhadores para sectores diferentes daqueles onde trabalharam coloca maior responsabilidade no próprio desempregado. Será difícil que um qualquer centro de emprego consiga saber melhor que o próprio trabalhador que tipo de emprego mais o satisfaz fora do que foi a sua experiência passada. Os mecanismos de apoio público têm que descobrir como apoiar da melhor forma esta passagem de uns sectores para outros.

Ė este afinal o ponto central que deve ser retirado, a meu ver, do press release da Moody’s.


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“O trabalho – uma visão de mercado” (4)

Retomando o livro de Mário Centeno sobre o mercado de trabalho, o elemento seguinte que é tratado em detalhe é o papel dos contratos de trabalho, que procuram resolver três problemas com um único instrumento – regulação do risco (protecção dos trabalhadores), assimetria de informação (sobre o quanto cada uma das partes investiu na relação, e sobre a melhor forma de organizar a relação para que seja produtiva) e dependência mútua (no sentido em que cada um dos lados pode tentar aproveitar-se dos investimentos que o outro tenha feito).

Estas incertezas têm como efeito reduzir o interesse das partes investirem em tornarem a relação produtiva – se um trabalhador souber que será dispensado com elevada probabilidade ao fim de seis meses ou ao fim de dois anos, a partir de certa altura o seu pensamento estará mais no novo emprego que terá de encontrar no que focar-se em ser produtivo e em se empenhar no actual emprego. Do mesmo modo, se uma empresa estiver a pensar dispensar um trabalhador a curto prazo, os recursos que está disposta a investir na sua formação e treino são naturalmente menores. De ambos os casos resulta que a produtividade do trabalhador é menor desde que se antecipe a sua saída num prazo relativamente curto. Provavelmente uma das razões para uma menor produtividade dos trabalhadores em geral, e para um menor crescimento da produtividade em média ao longo dos últimos vinte anos poderá ter estado na crescente importância dos contratos a prazo, que levam a pouco investimento de ambas as partes. Se estes contratos afectarem desproporcionadamente novos trabalhadores que entram no mercado de trabalho, não chega a ocorrer o seu desenvolvimento profissional no máximo potencial.

Claro que os problemas de produtividade da economia também estão associados com o tipo de sectores que se desenvolveu mais, para onde foi direccionado mais investimento, de bens não transaccionáveis, mas não se deve negligenciar o papel que o próprio funcionamento do mercado de trabalho poderá ter tido num abrandamento geral do crescimento da produtividade dos trabalhadores.


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o que ontem se disse

merece três comentários:

a) a triste discussão sobre milhões de orçamento comunitário, em que se passa implicitamente (ou se calhar mesmo explicitamente) à “compra” de votos dos países dando mais ou menos milhões para aqui ou para ali. Não sei o que se passa dentro das reuniões, mas a forma como são dadas as informações não levam a grande optimismo sobre o rumo da União Europeia. Não sei porquê faz-me confusão títulos como “oferece 1000 milhões de euros a Portugal” (subentende-se que com o propósito de toma, cala e leva para casa)

b) a afirmação do ministro da economia sobre um plano a nível europeu para recuperar indústrias deslocalizadas. Tal como colocada a afirmação presta-se a equívocos. Julgo que deve ser entendida como pretender que a Europa e Portugal nela incluído tenham capacidade de reter produção de bens e serviços, e não exactamente e num sentido literal que Portugal (ou a Europa) venham a ter a mesma estrutura produtiva que tinham há 30 anos. As vantagens de abertura às trocas internacionais está em grande medida em cada economia se ir especializando, o que aumenta a sua dependência mútua. Pretender manter uma estrutura produtiva sem mudanças é abdicar de ter parte substancial dos ganhos dessa inserção nas trocas internacionais. É que se fosse apenas uma questão de voltar a produzir o que se tinha no passado, a solução seria relativamente simples. Mas a questão, para a actuação das políticas públicas, é como facilitar que as empresas consigam descobrir quais os produtos, bens e serviços, que melhor são recebidos no exterior, e pelos quais conseguimos obter melhor preço. O problema não é a falta de um plano quinquenal de actividades produtivas no sector do aço e carvão (velhas actividades europeias). Creio que o ministro da economia tem estas distinções bem presentes, pela sua formação, mas a forma como as suas declarações são lidas pode ser menos correcta.

c) E de repente volta-se a falar de contrapartidas nos fornecimentos de material militar adquiridos no exterior. É um tema que surge de forma ciclica de 15 em 15 meses, mais coisa menos coisa. Desta vez, não é dar mais contrapartidas, e sim alterar a forma como os fornecedores do estado português dão essas contrapartidas, focando em empresas portuguesas que tenham capacidade de diálogo e de concretização, em lugar de pequenas e médias empresas que depois não conseguem executar essas contrapartidas. Mas o que era mesmo bom era converter essas contrapartidas ainda não executadas em descontos de preços a pagar pelo estado português. (para quem quiser ver uma discussão antiga, mas ainda perfeitamente válida sobre isto, ver aqui).


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feriados, quanto valem…

hoje é um dos feriados a ser suprimido no próximo ano a bem da economia.

Feriado também pode ser sinónimo de dia de trabalho sem interrupções, pelo menos para alguns.

Hoje, parte do dia foi dedicada a um trabalho em curso, de curiosidade, sobre o que é o impacto económico de acordo com os dados de se ter mais ou menos feriados. Como temos tido ao longo dos anos diferentes trimestres com diferente número de feriados em dias úteis, pode-se ver se a actividade económica, depois de controlados outros factores, é menor e em quanto é menor por se ter mais feriados.

A questão é relevante porque a primeira ideia é aproximar o efeito dos feriados pelo PIB médio por dia, mas se houver o que tecnicamente chamamos rendimentos marginais decrescentes, essa aproximação pode ser desadequada, e a contribuição de mais um dia de trabalho ser inferior ao valor médio. A verificar-se essa situação significa também que os indicadores futuros de produtividade, como PIB por hora trabalhada vai baixar mesmo que o PIB por trabalhador aumente – o acréscimo por hora trabalhada adicional é inferior ao valor médio, pelo que a nova média baixa. E depois venham queixar-se que os portugueses reagiram mal à crise trabalhando menos! Será um resultado inevitável desta característica das economias – a partir de certa altura, os ganhos de produtividade adicionais são progressivamente menores.

As contas ainda vão a meio, mas os resultados preliminares apontam para este tipo de situação – valor marginal da produção dos dias feriados ser inferior ao valor médio.


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completamente …. o quê?

Hesitei muito sobre se deveria escrever a propósito das declarações de António Borges. Primeiro, porque as sensações imediatas são mais emoções que razão; segundo, porque entretanto toda (ou quase toda) a gente decidiu falar e emitir a sua opinião sobre o assunto. Passados alguns dias, talvez se consiga olhar para o que foi dito com mais calma.

Sobre a dimensão política das afirmações, não me pronuncio. Aliás, essa dimensão foi já suficientemente explorada, tal como a dimensão de estratégia de comunicação. Só achei estranho que nenhum comentador tivesse pedido para ver os exames do curso que António Borges dá, só para tirar as dúvidas do que é suposto os seus alunos saberem.

Interessa-me olhar para a dimensão económica subjacente, até porque como bem notou Marcelo Rebelo de Sousa vai de encontro ao que o próprio primeiro-ministro disse, embora de forma menos agressiva, e que revela (?) o pensamento económico que lhe possa estar subjacente.

Em termos de teoria económica, na representação mais simples de uma economia, em situações de concorrência, a produtividade dos trabalhadores (na última unidade produzida) é o elemento determinante do salário real. Ou, outra forma de o dizer, o valor da produtividade iguala o salário. Se a produtividade aumenta menos do que os salários nominais e os preços dos produtos vendidos não acompanham, cria-se um desfazamento que em termos económicos mais cedo ou mais tarde tem de ser corrigido – ou a empresa desaparece, ou baixa salários, ou aumenta produtividade, admitindo que em termos de preços a empresa tem que acompanhar a concorrência (especialmente verdade no caso das empresas exportadoras, que para a mesma qualidade de produto, em geral, não podem praticar preços muito mais elevados que a sua concorrência).

Do ponto de vista das empresas, o salário relevante neste contexto é o salário acrescido de todas contribuições envolvidas, que é por isso diferente do salário liquido recebido pelos trabalhadores (em que para além das contribuições pagas directamente pelo empregador, ainda têm que pagar a sua parte da contribuição para a segurança social e ver retido a componente de imposto sobre o rendimento).

Uma das implicações mais antigas da teoria económica é que esta diferença entre salário liquido e salário bruto é inibidora de contratações que seriam mutuamente vantajosas para trabalhador e empresa. Uma das distorções no mercado de trabalho, destruidora de emprego, é esta diferença. No caso da medida proposta pelo primeiro-ministro, e defendida por António Borges, esta distorção aumentava, pelo que não pode ser este o motivo de defesa da medida. Também não foi este o argumento invocado contra a proposta por quem se mostrou contra. Note-se que uma descida da TSU do empregador, financiada de outra forma, levaria a uma redução desta distorção. O aumento só surge porque a contribuição do trabalhador aumenta mais do que a redução da contribuição do empregador. O argumento contra esta distorção é o de que actualmente não é por ter salário maior ou menor que as pessoas aceitam um novo emprego ou manter o que já têm. Na actual conjuntura, até pode ser verdade, mas medidas desta natureza para promover o emprego não se espera que tenham resultados a três meses, por isso o prazo relevante de discussão é mesmo o médio prazo, onde a distorção se fará sentir.

Sendo assim, é necessário procurar outras explicações.

Do lado de António Borges, e juntando com declarações de outros defensores da proposta apresentada, as principais vantagens da medida eram a) baixar salários de forma generalizada; b) permitir um aliviar de tesouraria às empresas, substituindo-se esta medida à actuação do sector bancário no proporcionar de liquidez às empresas com maiores dificuldades nesse campo.

Sobre a importância de baixar salários dedicarei outro texto, mas é de notar que nada impedia que os salários fossem aumentados aos trabalhadores pelas empresas que estivessem em condições de o fazer, e que até o poderiam fazer aumentando apenas aqueles trabalhadores que considerassem merecedores, e nos restantes “aceitariam” a imposição de decréscimo salarial. Neste sentido, surge até como uma medida de flexibilidade salarial, e não apenas de decréscimo salarial. Os empregadores poderiam gerir da forma que considerassem adequada a folga gerada pela redução da TSU a seu cargo, mesmo que em termos totais viesse a ocorrer uma maior distorção.

O elemento aparentemente não previsto neste argumento é a reacção emocional e de justiça percepcionada face à medida que faz passar directamente dinheiro do bolso dos trabalhadores, em que já sofreram aumentos de impostos e nalguns casos reduções salariais impostas pelas empresas, em pequenas e médias empresas, para os empregadores, que poderão aplicar essa transferência a salvar a empresa ou simplesmente aumentar os seus rendimentos próprios.

Mas também falhou perceber melhor o lado das empresas.

Do lado dos empregadores, a principal motivação da reacção adversa esteve associada com a motivação dos trabalhadores face a esta medida e as consequências que a mesma pudesse ter. Este argumento não está presente na descrição teórica simples que apresentei inicialmente. O desenvolvimento desse tipo de argumentação está contudo presente na teoria económica, na chamada teoria dos salários de eficiência (o leitor interessado pode ver aqui um resumo e uma visão crítica aqui, mas também existem outros motivos para os empregadores não quererem baixar salários, que em geral estão associados com a ideia de relação de longo prazo com trabalhadores como forma de motivação e promoção da produtividade; um tratamento dos vários motivos pode ser visto aqui). A resistência dos empregadores a baixar salários não resulta apenas e unicamente de aspectos redistributivos, ou sequer de “visões marxistas” da economia. Este aspecto é crucial para perceber a divergência de opiniões entre uma proposta que se julgava “amiga” das empresas e a resposta destas.

A julgar pelas reacções observadas, o factor de perturbação dentro das empresas criado pela redução salarial associada com a proposta apresentada pelo primeiro-ministro teve mais peso que o alivio financeiro proporcionado pela medida. Esse diferente peso também revela que os empregadores dão maior peso ao longo prazo, em que essa perturbação laboral terá mais consequências para a empresa, do que dão ao curto prazo (ou ao futuro imediato), em que certamente o alivio financeiro seria bem vindo.

Não sendo eu especialista no mercado de trabalho, é desejável que outros refinem aspectos da análise acima (mas também não quis escrever um paper científico!), pois há outras características do mercado de trabalho que podem ter relevância, como os processos de negociação salarial, contratação colectiva, etc.

De qualquer modo, é bom saber que os alunos do primeiro ano de António Borges são capazes de articular modelos de determinação salarial complexos com situações de falta de liquidez das empresas em contexto de recessão.


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para o dinheirovivo.pt de hoje

de repente parece que o único problema é os “mercados” (financeiros internacionais) acreditarem em Portugal (o que quer que isso queira dizer). Ora, esse é apenas o reflexo do problema, capacidade de crescer, e corremos um risco – de uma vez mais nos dispersarmos pelo acessório – e a discussão das conversas de Vitor Gaspar com o ministro alemão são um exemplo disso mesmo

Desfocados

13/02/2012 | Dinheiro Vivo

Uma conversa informal entre o ministro das finanças português e o ministro das finanças alemão ganhou um grande protagonismo na semana que passou. O que sendo compreensível é provavelmente menos relevante para o nosso futuro colectivo do se poderia supor das diferentes reacções.

Para perceber porque é pouco relevante essa conversa, comecemos por responder a algumas perguntas.

A falta de capacidade de crescimento da produtividade na economia portuguesa é um problema a resolver? Creio ser consensual que a resposta é sim.

Resolver o actual problema financeiro das contas públicas sem resolver o problema do crescimento da produtividade é suficiente?

A resposta é não, acaba-se por voltar a ter o problema, ou ter que fazer o ajustamento para consumo compatível com o valor da capacidade produtiva do país.

Uma alteração das condições do apoio financeiro, para dar mais tempo à economia portuguesa, poderá ser nociva?

A resposta é que não podemos excluir que haveria a tentação de adiar também os aspectos de “transformação estrutural”, para usar a expressão adoptada pelo actual governo. Há assim que comparar as vantagens de mais tempo para ajustar a economia portuguesa, com a desvantagem de eventualmente não o fazermos.

Uma questão final, corresponde a troca de impressões entre os dois ministros a um compromisso? Creio que a resposta será negativa. Não há qualquer garantia ou presunção de que a posição alemã daqui a uns meses (ou se calhar uns dias) seja realmente esta. Além de que o ministro alemão ao falar, formal ou informalmente, não compromete as posições das três instituições, Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu.

Algumas dos comentários, nacionais e internacionais, produzidos conseguiram distrair ainda mais as atenções ao referirem os mercados financeiros internacionais. O regresso de Portugal aos mercados financeiros internacionais para financiar a sua dívida pública, frequentemente tomado quase como o único objectivo, é apenas um objectivo intermédio. É por ser um objectivo intermédio que poderá ser, ou não, flexibilizado, consoante o progresso da economia portuguesa e das medidas adoptadas pelo Governo.

Convém não estarmos desfocados do verdadeiro objectivo, conseguir que a economia portuguesa tenha a capacidade de ter maior produtividade. Ciclicamente é preciso ir relembrando que maiores salários só poderão ser pagos se houver maior produtividade. E maior produtividade depende de uma maior capacidade de inovação e de uma melhor utilização dos equipamentos produtivos.

Repito, convém não ficarmos desfocados do que é central: produtividade.