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para discussão, no diário económico

Solidariedade e pagamentos na saúde

Em período de aproximação às eleições legislativas, é útil recordar princípios e ideias que ajudem os eleitores a olhar para os programas partidários.

Tomemos a área da saúde e alguma atenção recente que houve para com os pagamentos diretos feitos pelos doentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A existência de mecanismos solidários de proteção, como o SNS em Portugal, procura garantir que há acesso aos cuidados de saúde necessários em tempo útil e na medida adequada. Outros países adoptaram soluções diferentes mas Portugal não está de forma alguma isolado nesta escolha.

O elemento central desta proteção é a recolha solidária de contribuições, feita sobretudo por impostos em Portugal (e nos outros países com o modelo de serviço nacional de saúde). Significa esta opção que cidadãos com maior rendimento contribuem proporcionalmente mais e que o pagamento de contribuições desta forma leva também a uma redistribuição de recursos de quem está saudável para quem esteja doente. A natureza do financiamento solidário, contra a incerteza quanto a despesas futuras e inesperadas de saúde, não dá espaço para princípios, populares noutras áreas, como o utilizador-pagador.

Porque existem então pagamentos feitos pelo cidadão/doente quando recorre a serviços públicos de saúde, se é suposto serem pagos pelos impostos de todos? O motivo está na necessidade de evitar desperdício na utilização de serviços que têm de ser pagos, em que desperdício significa não contribuir para a melhorar a saúde. A denominação de taxas moderadoras usada em vários casos procura precisamente transmitir essa noção, de evitar usar serviços quando o benefício resultante é baixo e o custo é suportado por todos.

Deste princípio retira-se então que pagamentos feitos pelos doentes quando utilizam o SNS devem ter apenas lugar quando ajudem a “orientar” a utilização dos serviços de saúde. Quando não há escolha do cidadão, o pagamento que este tenha de fazer quando está doente, para ter acesso a um meio de diagnóstico ou a uma terapêutica, é unicamente uma penalização financeira da sua condição de doente, a acrescer à natural fragilidade que a situação em si já implica.

A natural tendência da discussão pública é para se centrar em aspectos como saber quantos portugueses não têm médico de família e em quantos anos se resolve esse problema. Contudo, convém não deixar de fora do debate os aspectos de arquitetura financeira e de pagamentos.

As taxas moderadoras e os outros pagamentos feitos pelos doentes no momento em que utilizam cuidados de saúde são um instrumento, não um fim ou um princípio em si mesmo. E como instrumento temos que atender ao seu objectivo, influenciar decisões. Se as decisões não são dos doentes, então o seu papel como instrumento é nulo. Por exemplo, quando se paga uma taxa moderadora num serviço de diagnóstico cuja decisão que originou o seu uso foi do médico, não há esse papel de orientação de utilização. Já na ida a uma urgência hospitalar, por iniciativa própria, sem haver primeiro um contacto com o centro de saúde ou com a Linha Saúde24, é natural que seja cobrada uma taxa moderadora (e mais elevada do que se a decisão for ir a uma consulta não programada no centro de saúde). Normalmente, contemplam-se os casos de restrição financeira que impeçam a utilização de serviços quando há necessidade com isenções de pagamento, dando assim a primazia ao aspecto de proteção solidária.

Sendo os valores destes pagamentos em Portugal dos mais elevados no contexto da OCDE, sobretudo com medicamentos (e apesar da forte baixa de preços observada nos últimos anos), o tempo de um novo Governo, qualquer que seja o vencedor das próximas eleições, dará uma oportunidade para se reverem as áreas e os valores que são praticados. Os princípios para essa revisão são, de um lado, a proteção solidária contra despesas de saúde inesperadas, e, por outro lado, o papel instrumental que possam ter nas decisões de utilização. Não será este aspecto que resolverá os problemas e desafios que se colocam ao Serviço Nacional de Saúde. No entanto, um sistema bem pensado destes pagamentos poderá ajudar a cumprir melhor os objectivos do Serviço Nacional de Saúde.


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qual é a pressa?

Esta pergunta, popularizada por  António José Seguro enquanto secretário geral do PS, veio à memória a propósito da proposta de subconcessão a privados dos transportes colectivos do Porto por ajuste directo, com pedido de resposta aos contactados em 12 dias (a confiar no está descrito na imprensa).

O que me chamou a atenção não foi o estarmos em cima de eleições. O aproximar de eleições não pode ser pretexto para parar as decisões públicas. Também não foi uma decisão leviana, estando já prevista desde 2011 segundo o secretário de estado que gere o processo.

O que me levou a questionar a pressa é o motivo pelo qual foi preciso recorrer a esta opção: a empresa seleccionada no concurso público não apresentou as garantias devidas, e como tal foi excluída depois de ter sido seleccionada e quando se estava na fase de concretizar as últimas fases do concurso. Se esta empresa tinha apresentado a melhor proposta, calculo que na avaliação tivessem olhado para a sua capacidade de cumprimento das obrigações que uma entidade vencedora sabia que tinha de cumprir. De acordo com esta noticia, alterações nalguns aspectos regulatórios e o tempo entretanto decorrido justificaram a decisão da empresa vencedora, que diz ainda ter sido contactada para o novo processo “via verde”. Ora, se as condições se alteraram para esta empresa, também se alteraram para as outras e dar um prazo muito curto não dá tempo provavelmente para analisarem adequadamente. Além disso, se a mesma empresa que agora desistiu pode voltar a ganhar significa que as condições apresentadas podem ser diferentes, caso em que este processo, nos seus efeitos, começa a ficar parecido com uma renegociação não oficial da proposta que ganhou.

A melhor forma de prejudicar um processo de privatização da gestão de serviços públicos é ser pouco transparente. E se até aqui a contestação ao consórcio vencedor era de princípio e de opção política, com um processo de escolha “via verde” a discussão passa a ter outros elementos. Veremos que solução é adoptada no final.


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Observatório mensal da dívida dos hospitais EPE, segundo a execução orçamental (nº 16 – Agosto 2015)

Devido ao período de férias, junto desta vez dois meses no habitual observatório mensal da dívida dos hospitais EPE. Principal novidade: enquanto o valor de Junho veio na continuação dos meses anteriores, o valor do mês de Julho (acréscimo de 26 milhões de euros) encontra-se mais próximo da tendência histórica de evolução da dívida dos hospitais EPE (uma vez descontados os efeitos das regularizações extraordinárias), tendo subido 26 milhões de euros de Junho para Julho. O ritmo histórico desde 2012 é estimado em cerca de 32 milhões de euros/mês. Ainda assim, não se pode falar já em inversão da tendência favorável dos últimos meses, numa visão optimista.

Os gráficos seguintes ilustram a evolução da dívida (no gráfico 1, os valores nominais; no gráfico 2 assinalam-se as tendências, depois de testada a igualdade entre diversos intervalos). As regressões reportadas mostram as estimativas de tendência até Junho de 2015, primeiro, e até Julho de 2015, depois. O efeito de adicionar Julho de 2015 é claro – o que parecia ser uma tendência de redução da dívida dos hospitais EPE de 8 milhões de euros/mês passou para uma redução de 2 milhões de euros.

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Pacto para a saúde, conselhos consultivos e o seu papel para uma melhoria do funcionamento dos hospitais

No dia 5 de Junho (de 2015) realizou-se uma sessão do Ministério da Saúde dedicada aos Conselhos Consultivos de Hospitais e Unidades Locais de Saúde.

Não tendo tido a possibilidade de assistir a todas as sessões, irei comentar alguns aspectos do que ouvi (o que pode ser injusto para quem teve intervenções nas outras sessões).

Houve a defesa da ideia de um pacto para a saúde, com base numa lógica de imperativos de sustentabilidade. Nesses foram focados a) inovação tecnológica – novas tecnologias dispendiosas (comentário que acrescento: no preço, e não necessariamente no custo de produção); b) consciência social – mas afecta mais uns que outros (sectores vulneráveis e carenciados, que não têm a alternativa de ir ao sector privado); c) cidadania – política de saúde promove e defende o cidadão e a sua intervenção na sociedade. A frase chave foi que um pacto para a saúde é mais do sustentabilidade, é condição de sucesso e de qualidade da democracia.

O desenvolvimento natural é perguntar onde deve incidir um pacto sobre a saúde, e aqui foram apresentadas quatro linhas: 1) modelo de financiamento do serviço nacional de saúde – questão angular de qualquer reforma nesta área [comentário; mas discutir as fontes de financiamento não motiva, e não resolve necessariamente]; novo modelo de pagamento assente em resultados, premiando ganhos em saúde, premiando práticas que geram eficiências. Também foi questionado se não será necessário diferenciar em função dos rendimento da população? [Comentário: a resposta é não, a redistribuição faz-se através do sistema tributário, pelo pagamento antecipado de acordo com o rendimento, não com o pagamento no momento de necessidade – a menos que se prove que a sensibilidade ao preço no momento de utilização é muito diferente para quem elevados rendimentos e para quem tem baixos rendimentos, e que há um excesso de utilização muito maior pelos cidadãos de elevados rendimentos que necessita de ser contido – o argumento para pagamentos no momento de necessidade é de eficiência e não de equidade.] 2) prevenção para a saúde – apostar na prevenção [Comentário: todos estamos de acordo, mas como se deve estruturar o sistema de pagamento para assegurar esse resultado? ]; 3) liberdade de escolha – é um princípio que a retórica acolhe, a prática desvaloriza. É uma orientação que avança em três linhas: liberdade do cidadão, acentua a responsabilidade do cidadão, e leva a uma cultura de concorrência dentro do SNS [comentário: com a lógica de concorrência dentro do SNS, a questão crucial é o que se faz aos prestadores – hospitais, por exemplo, que não conseguem responder a essa concorrência. Como se encerra? Numa visão mais geral, é necessário pensar que a concorrência é um instrumento, permite alguns objectivos mas não permite todos os objectivos que um sistema de saúde tem. Um só instrumento tem dificuldade em alcançar simultaneamente muitos objectivos diferentes. Introduzir com gradualismo e ponderação é uma posição sensata]; 4 Avaliação isenta, permanente e independente das políticas de saúde. Não chega metas e objectivos. É preciso prestar contas e avaliar resultados. Não é por serem públicas que estas políticas deixam de poder ser escrutinadas [Comentário: até porque no sector privado, a capacidade de escolha permite fazer isso automaticamente; até certo ponto este quarto aspecto vem trazer um certo cepticismo a que apenas a concorrência consiga resolver todos os problemas de sustentabilidade de um sistema de saúde.]

Um pacto para a saúde (ou mais alargado) não é uma tarefa fácil. Sobretudo se não for apenas uma cartilha de meras intenções. É importante o momento de estabelecer o pacto. Tem que ser feito no início da legislatura (o que de estrutural se faz é nos dois primeiros anos do mandato – legitimidade e energia criativa são mais fortes).

Uma outra intervenção salientou que é ilusório pensar que a solução consiste apenas em aumentar o financiamento da saúde. A sustentabilidade só pode ser garantida com 5 condições: população saudável; comunidade coesa que desenvolva redes informais de cuidados; politicas e práticas de saúde integradas nas restantes politicas sociais económicas e educativas do estado; ausência do desperdício e centrado no cidadão; profissionais em número adequado e com capacidade de funcionamento em equipas multidisciplinares. Não poderá ser uma situação em que o cidadão é apenas recipiente do que o Serviço Nacional de Saúde organiza para lhe dar. Retoma-se aqui o que está expresso no Relatório Gulbenkian.

Frase emblemática: “Como poderá o SNS enfrentar a modernidade, tão imprevisível na suas mudanças, tão cruel nas suas desigualdades, e ser mais ágil nas suas respostas, mais vigilante na sua responsabilidade ética. É o que se deve exigir ao SNS, para cuidar dos seus cidadãos desde nascimento até ao fim dos seus tempos.”

Por fim, foi acentuada a necessidade de melhoria da governance e o contributo que os conselhos consultivos podem ter para essa melhoria. No caso dos hospitais, estes são com frequência dos principais empregadores das regiões onde estão. Deve-se olhar para os hospitais como empresas da maior complexidade.

A este propósito, desenvolvi algumas ideias na coluna netfarmaNotas da Nova” em que os investigadores do Nova Healthcare Initiative – Research participam:

Conselhos consultivos e o Serviço Nacional de Saúde Numa sessão recente do Ministério da Saúde, foi acentuada a necessidade de melhoria do modelo de governação das instituições que prestam cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde, bem como o contributo que os conselhos consultivos podem ter para essa melhoria.    No caso dos hospitais, estes são com frequência dos principais empregadores das regiões onde estão, senão mesmo o principal. A ideia de que se deve olhar para os hospitais como empresas da maior complexidade surge então naturalmente. Poucas empresas em Portugal lidam com centenas de milhões de euros por anos, milhares de pessoas como recursos humanos e como utilizadores nas suas instalações.   Apesar da naturalidade dessa comparação, na verdade, gosto de propor uma outra forma de pensar, outra analogia – o hospital como “mercado” onde um conjunto de agentes procura recursos (os médicos) e outro conjunto oferece recursos (a administração), não havendo preço mas negociação nessa relação. A analogia com um “mercado”, e não com uma empresa, resulta de haver duas cadeias de autoridade dentro do hospital, e não apenas uma como nas empresas. Por um lado,  a hierarquia médica, que define os tratamentos e solicita recursos para cumprir os objectivos assistenciais. Por outro lado, a administração, hierarquia administrativa, responsável por um orçamento global, e que disponibiliza os recursos necessários para os tratamentos.   Uma consequência desta analogia é que para perceber em que medida as instituições de saúde cumprem, de forma eficiente ou não, o seu papel é necessário que estas duas partes se relacionem da melhor forma possível.    Não é só necessário que a decisão de cada profissional de saúde seja a melhor possível. É também necessário que a gestão das instituições consiga garantir os recursos necessários no momento adequado, e de uma forma que faça um balanço entre as diferentes solicitações que recebe.    A atenção à qualidade da gestão intermédia nas unidades prestadoras de cuidados de saúde é um fator que pode contribuir para um melhor desempenho assistencial do Serviço Nacional de Saúde. Compreender melhor o contexto dessa gestão é, por isso, essencial. Curiosamente, na discussão pública sobre recursos humanos na saúde, a qualidade da gestão e a avaliação dessa qualidade de gestão é normalmente ignorada.    Provavelmente, faz mais diferença do que se pensa, pois os ganhos de eficiência que todos dizem querer ter no Serviço Nacional de Saúde para ajudar à sua sustentabilidade dependem de muitos pequenos passos que têm de ser definidos e aplicados pela gestão intermédia das instituições.   Se os conselhos consultivos criados ajudarem as organizações (os hospitais, desde logo) a olharem para a qualidade da sua gestão, então darão um importante contributo para uma maior eficiência do Serviço Nacional de Saúde.

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores) – See more at: http://www.netfarma.pt/artigo/notas-da-nova-conselhos-consultivos-sns-pedro-pita-barros#sthash.2uBb3wdE.dpuf


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Sobre esforços para medir produtividade na saúde no Reino Unido

Saiu recentemente um documento intermédio de análise de produtividade nos hospitais ingleses (disponível aqui), que possui algumas partes interessantes e que podíamos pensar em desenvolver.

O ponto de partida é que ganhar eficiência significa intervir na gestão dos recursos humanos e na produtividade. Tudo o resto é útil, mas terá pouco impacto. O equivalente ao Ministério da Saúde inglês criou um grupo de trabalho para olhar para as oportunidades de ganhos de eficiência, e neste relatório intermédio, a principal conclusão é que este é um trabalho de minúcia, de identificação de muitas pequenas alterações que todas somadas produzem um resultado visível.

Uma dessas alterações é tornar parte da rotina a capacidade de as instituições prestadoras de cuidados de saúde (o relatório preocupa-se com hospitais, mas o argumento é válido para todas as entidades) avaliarem regularmente o que fazem e procurarem pontos de melhoria. Da recolha de experiências que fizeram, concluiram que todos os hospitais analisados possuem oportunidades de melhoria mas é necessário assegurar que são consistentes entre si quando se fazem intervenções, e que há realmente intervenções.

As quatro áreas de intervenção que foram definidas como oportunidades para ganhar eficiência são: a) recursos humanos, b) medicamento hospitalar; c) gestão das instalações; d) aquisições (“procurement”).

Na gestão de pessoal, dão como exemplo a existência de excesso de trabalho administrativo para  os enfermeiros, que deveria ser feito com uma melhor gestão da logística, incluindo as aquisições, por parte do hospital. Este trabalho administrativo traduz-se em menor tempo de enfermagem propriamente dito e mais horas de trabalho dos enfermeiros do que é efectivamente contratado.

No medicamento, a sugestão é de utilização de mecanismos electrónicos de aquisição. Neste ponto, não será diferente do que já se tenta fazer em Portugal.

Na gestão das instalações, uma das preocupações é a manutenção de um ambiente limpo e seguro por um lado mas também com os custos de energia e outros. Ou seja, na mera gestão da instalação física há possibilidades de poupança que são normalmente negligenciadas.

Nas aquisições, a resposta é procurar melhores processos de aquisição e de gestão de stocks, com catálogos electrónicos, mais informação sobre alternativas no caso dos dispositivos médicos de elevado preço, na definição de protocolos de intervenção adequados, etc.

Neste campo, não me pareceu haver aspectos que já não tenha ouvido falar também em Portugal como sendo relevantes. O que leva a discussão para qual o melhor processo de realizar estes ganhos mais do que identificar onde possam estar.

E aqui o relatório inglês apresenta uma ideia que poderá ser ensaiada: “We therefore believe it would be appropriate to publish, in stages, what a model NHS hospital could look like in terms of operational productivity and cost.” Só o processo de procurar construir o que seria um hospital modelo poderá trazer ideias novas, e fornece, por outro lado, um ponto de referência claro.

O relatório é também claro que não será por regulação externa que estas iniciativas produzirão resultados, é necessário que a melhor prática seja identificada dentro dos hospitais e partilhada. Ou seja, a intervenção externa tem que ser de apoio e facilitação e não de direcção. O que coloca um nível de desafio e de responsabilidade à capacidade de gestão intermédia dos hospitais.

O relatório tenta também produzir um indicador geral de eficiência que possa comparar hospitais, mas nesse campo a proposta parece-me ter ainda algumas fragilidades e será provavelmente refinada até ao relatório final, pelo que deixo algum comentário para essa altura.


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Inovação como um direito dos Portugueses (7)

A sexta linha de atuação no documento BCG é “criar rede de centros de referência e respetivos centros afiliados em áreas terapêuticas específicas”. Há neste ponto dois aspectos diferentes.

O primeiro é a forma de organização, ter decisões terapêuticas centralizadas e apoio à terapêutica geograficamente descentralizado. O outro é saber em que áreas há realmente ganhos associados com concentração de actividade. O relatório da BCG utiliza informação para a cirurgia de cancro retal e proporção de mortes em hospitais suecos 2009-2011. Para Portugal, há o trabalho de Gisele Braun “Volume – outcome effect in a National Health Service: The portuguese case” que utiliza os GDH em Portugal, 2004-2008, e encontra que esta relação de volume – melhor desempenho se encontra apenas em alguns dos 21 GDH analisados, entre os quais se incluem o tratamento de AVCs, infecções respiratórias, procedimentos da bacia, prótese de anca, por exemplo, mas não se encontraram esses efeitos em tratamentos de oncologia. Convém atualizar esta informação e análise, mas claramente não se pode importar acriticamente os resultados de outros países, precisamos de saber o que se passa por cá.

De qualquer forma, a própria ideia de especialização tem que ser vista à luz da possibilidade de se ter uma população que cada vez mais tem múltiplas patologias, o que cria desafios para especialistas demasiado especializados. Haverá aqui uma tensão que será necessário tratar.

A linha de atuação 7 é “medir e divulgar os resultados em saúde”. É algo que será necessário fazer. Incluindo informação sobre as condições iniciais de cada doente, para que a análise que se realize tenha em consideração o ponto de partida.

Conclusão: o estudo tem o interesse de analisar caminhos de intervenção para acelerar a introdução da inovação e de esses caminhos terem sido tratados com atenção; mas o que é vantagem também desvantagens, pois sendo o único desafio que trata o dos medicamentos, deixa de lado o muito mais de desafios presentes no sistema de saúde; por outro lado, não há referência às margens da indústria farmacêutica, aceitando-se acriticamente que os preços propostos são adequados. Dificilmente tal corresponderá à verdade, mesmo atendendo aos elevados custos da investigação e desenvolvimento dos novos medicamentos. Instalar-se a noção de partilha de risco é perigosa, e devia focar-se na noção alternativa de partilha de valor. No pagamento por capitação não se fala das condições que é necessário satisfazer para que possa ter reais efeitos, em particular não se fala do que fazer com os hospitais que não atinjam os resultados desejados.

Ou seja, temos aqui um início de discussão, mas ainda não uma solução global pronta a ser aplicada.


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Inovação como um direito dos Portugueses (6)

A quarta linha de actuação é “adotar sistemas que promovam a eficiência de preços”. Aqui há duas ideias chave propostas: acordos de partilha de risco baseados em resultados, e alterar o cabaz de países para os quais Portugal é referência.

O segundo aspecto não está na mão de Portugal, não é algo que se possa controlar directamente. Há apenas uma influência indirecta através de acordos “secretos” de descontos de preços (feitos através de acordos confidenciais, mais ou menos sofisticados). É aliás um caminho que vários países estão a seguir.

Já os acordos de partilha de risco têm que ser vistos com mais cuidado. Sob a mesma designação existem diferentes realidades, e podem-se criar enquadramentos que geram resultados que podem ser contrários ao espírito inicial. Quando se diz que se partilha o sucesso e o insucesso com a indústria farmacêutica, o que na realidade se faz é passar o risco do sucesso para a indústria farmacêutica. Se esta tiver alguma liberdade ou influência sobre os preços praticados, sucederá que os casos de insucesso acabarão por ser reflectidos nos preços dos casos de sucesso. E como (aparentemente) o prestador/pagador público só paga se tiver sucesso passa a ter o impulso de tentar sempre o medicamento, levando a uma sua utilização excessiva. É por isso frequente ter elementos de quantidade especificados nestes acordos. Mas se há limites de quantidades (só se pode tratar um número limitado de doentes), então passa a haver um risco – o de se ultrapassar esse número de doentes – que tem de ser suportado por alguma das partes (ou partilhado). Enfim, não é tão fácil como solução. E eficiência de preços aqui deverá significar também discutir qual o nível de preços face aos custos de produção e de R&D (qual a parte da investigação e desenvolvimento de um medicamento para o mercado global que deve ser partilhado por Portugal?).

Na verdade, aqui começa a inclinar-me cada vez mais para soluções que se possam chamar de “value sharing” do que “risk sharing”, com todo o valor transferido apenas para um dos lados.

A quinta linha de actuação é “alterar o modelo de financiamento dos hospitais públicos”. Embora compreenda a motivação para a proposta de ter “um modelo de financiamento por doente tratado associado a um pagamento por performance”, há um elemento central de qualquer tipo de pagamento que precisa de ser resolvido, e sobre o qual o documento BCG é silencioso (aliás, todos os documentos recentes não tocam neste assunto): o que fazer com as unidades prestadoras de cuidados de saúde – neste caso hospitais – que não consigam melhorar o seu desempenho? Além de definir desempenho com normalização para as condições de partida da população servida, para evitar situações de “cream skimming” (escolha dos melhores casos para ter indicadores de desempenho mais favoráveis). Sem este aspecto estar resolvido, e criando-se a ideia de que haverá sempre dinheiro mais cedo ou mais tarde qualquer que seja o desempenho porque um hospital público “não fecha”, não haverá modelo de financiamento hospitalar que resulte.

O segundo aspecto mencionado, o “modelo de financiamento plurianual para a saúde por área terapêutica”, é proposta que apoio incondicionalmente, sobretudo na parte de plurianual – se se quer que haja gestão e inovação nessa gestão para atingir melhores fins assistenciais com os mesmos ou até com menos recursos usados, é necessário dar tempo para que se pense, planeie, tome decisões e se obtenha resultados. Claro que a eficácia deste elemento depende também do aspecto anterior, de saber o que acontece às unidades com mau desempenho.

A referência aos mecanismos de capitação associados ao desempenho utilizados nos Estados Unidos têm que levar em conta que nos Estados Unidos se aceita a falência dos prestadores. Essa parte do mecanismo de incentivo à eficiência não está presente, pelo menos nessa forma, no Serviço Nacional de Saúde, que não consegue facilmente encerrar valências de hospitais. Um dos pontos chave será o de “fechar o prestador” sem encerrar o serviço à população, o que poderá ser mais fácil de garantir nas zonas geográficas com mais população do que em zonas remotas.


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Inovação como um direito dos Portugueses (5)

O segundo capítulo do documento BCG entra na proposta de “Linhas de atuação para fomentar um maior acesso à inovação”.

A primeira linha é “aumentar a dedicação total de recursos à saúde e à inovação farmacológica”, com duas partes – priorizar a saúde e a inovação face a outras despesas públicas e obter financiamento adicional. Ou seja, parte da solução será reduzir outra despesa pública (ou num contexto de crescimento económico, fazer aumentar menos outra despesa pública).

Outra ideia apresentada é a criação de fundos específicos para a introdução de inovação. Embora interessante, essa ideia precisa de ser bem pensada, por dois motivos. Primeiro, é uma ideia que foi tentada no Reino Unido e que começa agora a ser questionada nos seus resultados, por um lado; e, por outro lado, colocar uma parte da indústria a pagar algo que beneficia outra parte é natural que leve a problemas de consistência interna da solução.

Uma terceira opção são os “sin taxes”, e também aqui é necessária reflexão adicional, pois ou são encarados como solução para alterar comportamentos de risco ou como solução para obter financiamento significativo. Querer as duas coisas ao mesmo tempo será provavelmente impossível. Por exemplo, se o imposto sobre o tabaco levar muita gente a deixar de fumar, tem-se um objectivo de alteração de comportamento mas perde-se a receita. (nota: de um ponto de vista de saúde da população, é preferível perder a receita).

A segunda linha é “cumprir prazos previstos para aprovação e reembolso de medicamentos e definir prazos para a efetiva disponibilização ao público”. Em geral, é fácil concordar com esta linha, embora como argumentei antes, é bom também saber com que “velocidade” as companhias disponibilizam os novos produtos e a que preços.

A avaliação de práticas de preços abusivamente elevados irá provavelmente passar a ser mais comum, e não só em Portugal.

De uma forma duradoura, a questão de acesso a rápido a inovação e a que inovação terá de ser resolvida num contexto mais amplo, tanto mais que Portugal dificilmente será um mercado relevante para qualquer empresa recuperar a inovação que faz).

A terceira linha é “uniformizar práticas clínicas e de acesso”, no que se pode denominar de rápida difusão do que for adoptado como melhor prática. É uma transferência de prática clínica que está aqui em causa, e o proposto não merece reparos de natureza económica.


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Inovação como um direito dos Portugueses (4)

O documento da BCG apresenta uma interessante “caixa” onde fala dos custos da inovação (mas não dos custos de produção). E é interessante porque coloca em cerca de 2 mil milhões de dólares o custos de desenvolvimento médio de uma nova molécula. O que permite umas contas simples – tomemos um medicamento que tem o dobro deste custo mas em euros, e que se dá 100% de retorno nesse investimento. Estamos a falar em 8 mil milhões de euros. Suponhamos uma patologia com 1 milhão de doentes em todo o mundo que pode beneficiar desse medicamento. Apenas o preço para remunerar o investimento em investigação e desenvolvimento em 100% seria 8 mil euros por tratamento. Como há medicamentos que pedem mais de 75,000 e até 100,000 euros por tratamento, está-se muito longe destes valores.

É também referido que os “universos de doentes [são] cada vez mais reduzidos”, mas deverá haver aqui o cuidado de perceber se tem, ou não, existido uma “salamização” – começar com uma faixa pequena de doentes, para ter uma efectividade elevada, que permite negociar um preço elevado, que depois se procura alargar em termos de indicação, para o mesmo preço (mesmo que a efectividade seja menor).

As preocupações com sistemas internacionais de referenciação de preços e o efeito que têm sobre as estratégias empresariais das empresas são também de considerar. Embora seja de notar que resultam de haver poder de mercado das empresas nestes mercados (derivado da patente, naturalmente) – caso houvesse forte concorrência, o preço praticado teria uma aproximação ao custo de produção e as diferenças entre países seriam resultado de custos de transporte e/ou de produção.

A preocupação com a despesa (“Em 2012, Portugal era o país com menor despesa em medicamentos oncológicos ajustada à incidência de cancro, apresentando uma despesa 43% inferior à média desta região”) é um problema de preço baixo ou que “quantidade” / tratamento não ministrado? E usar como referencia a “carga de doença” não é necessariamente adequado, sobretudo quando nessa carga de doença se introduzem muitas hipóteses ad-hoc (discutíveis e discutidas) para o seu cálculo.

É também dito que se “poderá vir a agravar o subfinanciamento dos medicamentos oncológicos” – sem disputar a afirmação ser correcta ou não por não dispor dos elementos de apreciação necessário – seria apropriado que tivesse sido definido o que é “financiamento óptimo” para depois se poder concluir que o actual nível é subóptimo. De certo modo, é fácil dizer que se deve gastar mais, mas então quanto mais e como se divide essa despesa entre preço e quantidade de medicamentos?

E mesmo que se consiga canalizar mais verbas para a saúde (um grande “se” no contexto actual e previsível dos próximos anos), não é claro que deva ser preferencialmente para oncologia, é necessário conhecer as prioridades que se queiram estabelecer – por exemplo, na sessão de 2014 do Encontro Anual do Conselho da Diáspora Portuguesa, a grande defesa era da despesa em prevenção em oncologia.

Um chamada de atenção, que já vai sendo habitual nestes documentos, é para as possibilidades de falta de equidade geográfica no acesso aos tratamentos, que provavelmente começam nas diferenças no tempo de diagnóstico. É um aspecto sobre o qual precisamos de saber mais.


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Inovação como um direito dos Portugueses (3)

Ainda na parte dedicada ao diagnóstico, há uma referência aos tempos de aprovação de novos medicamentos em Portugal. Além de se saber se os tempos analisados incluem os períodos de interrupção de prazos por informação a dar pelas empresas (o que faz parte do prazo total dependente do próprio comportamento das empresas), para se falar no atraso que os doentes portugueses têm em receber novos medicamentos, temos também que olhar para o tempo que medeia entre o medicamento estar disponível e ser apresentada a sua proposta de introdução e comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde em Portugal, no que é uma decisão completamente pertencente às companhias farmacêuticas.

Enquanto não se tem informação mais recente e contas actualizadas, deixo aqui a referência a um trabalho liderado por Patricia Danzon:

Danzon, P. M., Wang, Y. R. and Wang, L. (2005), The impact of price regulation on the launch delay of new drugs—evidence from twenty-five major markets in the 1990s. Health Econ., 14: 269–292. doi: 10.1002/hec.931

Com dados de há praticamente vinte anos, “We analyze the effect of price regulation on delays in launch of new drugs. Because a low price in one market may ‘spill-over’ to other markets, through parallel trade and external referencing, manufacturers may rationally prefer longer delay or non-launch to accepting a relatively low price. We analyze the launch in 25 major markets, including 14 EU countries, of 85 new chemical entities (NCEs) launched between 1994 and 1998. Each NCE’s expected price and market size in a country are estimated using lagged average price and market size of other drugs in the same (or related) therapeutic class. We estimate a Cox proportional hazard model of launch in each country, relative to first global launch.

Only 55% of the potential launches occur. The US leads with 73 launches, followed by Germany (66) and the UK (64). Only 13 NCEs are launched in Japan, 26 in Portugal and 28 in New Zealand. The results indicate that countries with lower expected prices or smaller expected market size have fewer launches and longer launch delays, controlling for per capita income and other country and firm characteristics. Controlling for expected price and volume, country effects for the likely parallel export countries are significantly negative.”

Da tabela 3 extrai-se que Portugal é o segundo país onde os medicamentos são introduzidos mais tarde, por decisão das empresas, face ao potencial de mercado e de preço esperado. Sendo assim há vinte anos, é de esperar que face às pressões sobre preços em Portugal a situação seja pior. E se há vinte anos demoravam quase dois anos a pensar na introdução do medicamento em Portugal depois de estar disponível, uma contabilidade no atraso do acesso à inovação para os doentes deverá passar a contar também com este aspecto (e não apenas com o tempo que o medicamento passa no processo regulamentar depois da empresa o ter decidido introduzir em Portugal).

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