Momentos económicos… e não só

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O custo da investigação de novos medicamentos

Têm surgido frequentemente discussões sobre os preços de novos medicamentos, e o custo da inovação nessa área. A este respeito, foi publicado um trabalho recente de autores que têm calculado, ao longo das últimas décadas, esse custo de investigação e desenvolvimento para a indústria farmacêutica. O seu artigo mais recente está disponível aqui.

Neste artigo procedem a uma actualização de estimativas anteriores. Essa actualização é feita com base numa amostra aleatório de 106 novos produtos lançados sobretudo desde o ano 2000 até ao início da presente década.

O valor “mágico” para o custo de desenvolvimento para o sector privado de um novo produto, incluindo o custo das tentativas falhadas e do custo de oportunidade do dinheiro investido, é 2558 milhões de dólares a valores de 2013 (ao câmbio de hoje, 2269 milhões de euros). Este valor é bastante mais elevado do que o encontrado cerca de uma década antes (1044 milhões de dólares, também em valores actualizados para 2013).

Tal como nas estimativas anteriores, a componente de custo do capital investido é superior aos custos clínicos (reflexo do investimento financeiro à cabeça que é realizado). Quase metade deste salto nos custos é resultado da redução de taxa de sucesso no desenvolvimento de novos produtos – a probabilidade de um produto que entre na fase de ensaio clínico ser aprovado passou de 21,5% no estudo anterior para 11,83% no estudo actualizado. Este aspecto aumenta em 47% o custo por produto que chega realmente aos doentes (ao mercado). E tal sucede mesmo num contexto em que o abandono de desenvolvimento de novos produtos ter passado a ser também mais rápido.

Apesar de estes serem números muito elevados, vale a pena colocar em contexto. Para um medicamento que permita tratar uma doença que afecte 3 em 10.000 pessoas, considerando apenas a Europa e os Estados Unidos tem-se cerca de 1000 milhões de pessoas, logo 300.000 doentes, e para pagar essa inovação seriam necessários 7600 euros por tratamento. É um valor elevado, mas longe de preços que têm sido anunciados como estando para breve.

E se estivermos a falar de doenças mais comuns, por exemplo, se for um medicamento para tratar 100 milhões de pessoas com diabetes (ainda assim, menos de um terço das estimativas de doentes a nível global), o custo médio de inovação a dividir pelo número de doentes daria 22,69 euros por tratamento.

Ou seja, o custo da inovação é importante, mas não justifica por si só os preços de novos medicamentos que se anunciam.

 


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Inovação disruptiva em saúde

Hoje é dia de “post preguiçoso”,  documento disponível sobre inovação disruptiva em saúde, versão final (aqui), no seguimento do post sobre “disruptive innovation” de há uns meses atrás. Para conhecimento e discussão.

Disruptive Innovation: Final EXPH Opinion adopted

Today, the Commission’s independent Expert Panel which gives non-binding advice on matters related to “effective ways of investing in health”, adopted its opinion on the implications of Disruptive Innovation for health and health care in Europe. This final opinion reflects the comments received during the public consultation period, during which contributions were received from 25 parties.

Definition

Innovation can be categorised as non-disruptive or disruptive. Non-disruptive innovations aim to make improvements to existing systems without overly disrupting the status quo. Disruptive innovations, as the name suggests, are more radical. They result in organisational changes, new networks and new players, and displace older organisational structures, workforce, processes, products, services and technologies.

Opinion

The Opinion aims to identify drivers and barriers for the implementation of disruptive innovation, assesses its relevance in the EU, and identify strategic areas of focus.

It finds that disruptive innovation can be an important mechanism for improving health and health care in Europe. Disruptive innovations provide new and different perspectives that, in the long run, tend to reduce costs and complexity in favour of improved access and the empowerment of the citizen/patient. Policy makers should thus, see disruptive innovations as possible new ways of developing sustainable European health systems.

Barriers to disruptive innovation include lack of engagement of patients/people, lack of coordination, resistance of the health workforce and organisational/institutional structures, inadequate networks and processes, economic and legal factors and lack of political support.

The implementation of any (disruptive) innovation should carefully address the issues of relevance, equity (including access), quality, cost-effectiveness, person- and people centeredness, and sustainability. Health policy should be designed to encourage enablers for developing and implementing disruptive innovations and reduce the potential barriers.

While disruptive innovation can be an important concept for policy analysis, it does not mean that other types of innovation are less desirable. Incremental innovation can be very important, as well as more radical innovations that may not be classified as disruptive.

Conteúdo do trabalho:

THE CONCEPT OF DISRUPTIVE INNOVATION;

CHRISTENSEN CONCEPT OF DISRUPTIVE INNOVATION;

DISRUPTIVE INNOVATION IN HEALTH CARE (The applicability of disruptive innovation to health care;  EXPH concept of disruptive; Elements that characterise disruptive innovation);

TAXONOMY OF DISRUPTIVE INNOVATION; DIFFERENT OPTIONS TO CLASSIFY DISRUPTIVE INNOVATIONS; THE FIELD OF APPLICATION; EXAMPLES ILLUSTRATING THE TAXONOMY; STRATEGIC AREAS FOR DISRUPTIVE INNOVATION;

DISRUPTIVE INNOVATION AND TRANSLATIONAL RESEARCH; DISRUPTIVE INNOVATION AND TECHNOLOGY IN MEDICINE; DISRUPTIVE INNOVATION AND PRECISION MEDICINE;

DISRUPTIVE INNOVATION AND HEALTH AND CARE PROFESSIONAL;

DISRUPTIVE INNOVATION AND HEALTH PROMOTION;

IMPLEMENTING DISRUPTIVE INNOVATION;  FACTORS THAT TRIGGER DISRUPTIVE INNOVATIONS IN HEALTH (BARRIERS TO DISRUPTIVE INNOVATION IMPLEMENTATION; ADOPTION AND DIFFUSION OF DISRUPTIVE INNOVATION; POLICY ISSUES);

CASE STUDIES: NEW AND MORE EFFECTIVE TREATMENT FOR HCV; COMMUNITY-BASED MENTAL HEALTH; POPULATION BASED ACCOUNTABLE ORGANISATIONS; ANTI-ULCER DRUGS; DIABETIC PATIENT SELF-MANAGEMENT; MINIMAL INVASIVE SURGERY;  PATIENT-CENTRED CARE; THE SWEDISH REHABILITATION GUARANTEE;

CONCLUSIONS AND POLICY RECOMMENDATIONS


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Inovação como um direito dos Portugueses (7)

A sexta linha de atuação no documento BCG é “criar rede de centros de referência e respetivos centros afiliados em áreas terapêuticas específicas”. Há neste ponto dois aspectos diferentes.

O primeiro é a forma de organização, ter decisões terapêuticas centralizadas e apoio à terapêutica geograficamente descentralizado. O outro é saber em que áreas há realmente ganhos associados com concentração de actividade. O relatório da BCG utiliza informação para a cirurgia de cancro retal e proporção de mortes em hospitais suecos 2009-2011. Para Portugal, há o trabalho de Gisele Braun “Volume – outcome effect in a National Health Service: The portuguese case” que utiliza os GDH em Portugal, 2004-2008, e encontra que esta relação de volume – melhor desempenho se encontra apenas em alguns dos 21 GDH analisados, entre os quais se incluem o tratamento de AVCs, infecções respiratórias, procedimentos da bacia, prótese de anca, por exemplo, mas não se encontraram esses efeitos em tratamentos de oncologia. Convém atualizar esta informação e análise, mas claramente não se pode importar acriticamente os resultados de outros países, precisamos de saber o que se passa por cá.

De qualquer forma, a própria ideia de especialização tem que ser vista à luz da possibilidade de se ter uma população que cada vez mais tem múltiplas patologias, o que cria desafios para especialistas demasiado especializados. Haverá aqui uma tensão que será necessário tratar.

A linha de atuação 7 é “medir e divulgar os resultados em saúde”. É algo que será necessário fazer. Incluindo informação sobre as condições iniciais de cada doente, para que a análise que se realize tenha em consideração o ponto de partida.

Conclusão: o estudo tem o interesse de analisar caminhos de intervenção para acelerar a introdução da inovação e de esses caminhos terem sido tratados com atenção; mas o que é vantagem também desvantagens, pois sendo o único desafio que trata o dos medicamentos, deixa de lado o muito mais de desafios presentes no sistema de saúde; por outro lado, não há referência às margens da indústria farmacêutica, aceitando-se acriticamente que os preços propostos são adequados. Dificilmente tal corresponderá à verdade, mesmo atendendo aos elevados custos da investigação e desenvolvimento dos novos medicamentos. Instalar-se a noção de partilha de risco é perigosa, e devia focar-se na noção alternativa de partilha de valor. No pagamento por capitação não se fala das condições que é necessário satisfazer para que possa ter reais efeitos, em particular não se fala do que fazer com os hospitais que não atinjam os resultados desejados.

Ou seja, temos aqui um início de discussão, mas ainda não uma solução global pronta a ser aplicada.


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Inovação como um direito dos Portugueses (6)

A quarta linha de actuação é “adotar sistemas que promovam a eficiência de preços”. Aqui há duas ideias chave propostas: acordos de partilha de risco baseados em resultados, e alterar o cabaz de países para os quais Portugal é referência.

O segundo aspecto não está na mão de Portugal, não é algo que se possa controlar directamente. Há apenas uma influência indirecta através de acordos “secretos” de descontos de preços (feitos através de acordos confidenciais, mais ou menos sofisticados). É aliás um caminho que vários países estão a seguir.

Já os acordos de partilha de risco têm que ser vistos com mais cuidado. Sob a mesma designação existem diferentes realidades, e podem-se criar enquadramentos que geram resultados que podem ser contrários ao espírito inicial. Quando se diz que se partilha o sucesso e o insucesso com a indústria farmacêutica, o que na realidade se faz é passar o risco do sucesso para a indústria farmacêutica. Se esta tiver alguma liberdade ou influência sobre os preços praticados, sucederá que os casos de insucesso acabarão por ser reflectidos nos preços dos casos de sucesso. E como (aparentemente) o prestador/pagador público só paga se tiver sucesso passa a ter o impulso de tentar sempre o medicamento, levando a uma sua utilização excessiva. É por isso frequente ter elementos de quantidade especificados nestes acordos. Mas se há limites de quantidades (só se pode tratar um número limitado de doentes), então passa a haver um risco – o de se ultrapassar esse número de doentes – que tem de ser suportado por alguma das partes (ou partilhado). Enfim, não é tão fácil como solução. E eficiência de preços aqui deverá significar também discutir qual o nível de preços face aos custos de produção e de R&D (qual a parte da investigação e desenvolvimento de um medicamento para o mercado global que deve ser partilhado por Portugal?).

Na verdade, aqui começa a inclinar-me cada vez mais para soluções que se possam chamar de “value sharing” do que “risk sharing”, com todo o valor transferido apenas para um dos lados.

A quinta linha de actuação é “alterar o modelo de financiamento dos hospitais públicos”. Embora compreenda a motivação para a proposta de ter “um modelo de financiamento por doente tratado associado a um pagamento por performance”, há um elemento central de qualquer tipo de pagamento que precisa de ser resolvido, e sobre o qual o documento BCG é silencioso (aliás, todos os documentos recentes não tocam neste assunto): o que fazer com as unidades prestadoras de cuidados de saúde – neste caso hospitais – que não consigam melhorar o seu desempenho? Além de definir desempenho com normalização para as condições de partida da população servida, para evitar situações de “cream skimming” (escolha dos melhores casos para ter indicadores de desempenho mais favoráveis). Sem este aspecto estar resolvido, e criando-se a ideia de que haverá sempre dinheiro mais cedo ou mais tarde qualquer que seja o desempenho porque um hospital público “não fecha”, não haverá modelo de financiamento hospitalar que resulte.

O segundo aspecto mencionado, o “modelo de financiamento plurianual para a saúde por área terapêutica”, é proposta que apoio incondicionalmente, sobretudo na parte de plurianual – se se quer que haja gestão e inovação nessa gestão para atingir melhores fins assistenciais com os mesmos ou até com menos recursos usados, é necessário dar tempo para que se pense, planeie, tome decisões e se obtenha resultados. Claro que a eficácia deste elemento depende também do aspecto anterior, de saber o que acontece às unidades com mau desempenho.

A referência aos mecanismos de capitação associados ao desempenho utilizados nos Estados Unidos têm que levar em conta que nos Estados Unidos se aceita a falência dos prestadores. Essa parte do mecanismo de incentivo à eficiência não está presente, pelo menos nessa forma, no Serviço Nacional de Saúde, que não consegue facilmente encerrar valências de hospitais. Um dos pontos chave será o de “fechar o prestador” sem encerrar o serviço à população, o que poderá ser mais fácil de garantir nas zonas geográficas com mais população do que em zonas remotas.