Momentos económicos… e não só

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qual é a pressa?

Esta pergunta, popularizada por  António José Seguro enquanto secretário geral do PS, veio à memória a propósito da proposta de subconcessão a privados dos transportes colectivos do Porto por ajuste directo, com pedido de resposta aos contactados em 12 dias (a confiar no está descrito na imprensa).

O que me chamou a atenção não foi o estarmos em cima de eleições. O aproximar de eleições não pode ser pretexto para parar as decisões públicas. Também não foi uma decisão leviana, estando já prevista desde 2011 segundo o secretário de estado que gere o processo.

O que me levou a questionar a pressa é o motivo pelo qual foi preciso recorrer a esta opção: a empresa seleccionada no concurso público não apresentou as garantias devidas, e como tal foi excluída depois de ter sido seleccionada e quando se estava na fase de concretizar as últimas fases do concurso. Se esta empresa tinha apresentado a melhor proposta, calculo que na avaliação tivessem olhado para a sua capacidade de cumprimento das obrigações que uma entidade vencedora sabia que tinha de cumprir. De acordo com esta noticia, alterações nalguns aspectos regulatórios e o tempo entretanto decorrido justificaram a decisão da empresa vencedora, que diz ainda ter sido contactada para o novo processo “via verde”. Ora, se as condições se alteraram para esta empresa, também se alteraram para as outras e dar um prazo muito curto não dá tempo provavelmente para analisarem adequadamente. Além disso, se a mesma empresa que agora desistiu pode voltar a ganhar significa que as condições apresentadas podem ser diferentes, caso em que este processo, nos seus efeitos, começa a ficar parecido com uma renegociação não oficial da proposta que ganhou.

A melhor forma de prejudicar um processo de privatização da gestão de serviços públicos é ser pouco transparente. E se até aqui a contestação ao consórcio vencedor era de princípio e de opção política, com um processo de escolha “via verde” a discussão passa a ter outros elementos. Veremos que solução é adoptada no final.


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o serviço público da RTP

Apesar das várias tentativas de definição de serviço público de televisão que vão sendo feitas, há sempre qualquer coisa que está a mais ou qualquer coisa que falta, mas uma definição que se aproxima bastante do que é elemento essencial é dada pela seguinte afirmação: “Se concessionarem a minha Antena 1 terei menos possibilidades de fazer perguntas difíceis e incómodas ao Ministro da Saúde. A este e aos próximos. E provavelmente terei menos hipóteses de contar histórias que aborreçam o meu novo patrão. É isso que o serviço público me oferece: Liberdade total e absoluta e com o escrutínio dos meus concidadãos e dos poderes públicos legitimamente eleitos para produzir notícias de saúde.” [Jorge Correia, via Facebook]

Serviço público é a capacidade de escrutínio dos poderes públicos. É essa a parte que contribui para a qualidade da democracia e da liberdade.


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sobre as privatizações, de uma forma mais geral

Algumas perguntas que recebi nas últimas semanas foram sobre privatizações. Deixo aqui algumas dessas perguntas e umas primeiras respostas.

Q: Devia repensar-se melhor as privatizações tendo em conta que estamos numa fase negativa dos mercados e numa altura em que os ativos estão fortemente desvalorizados? Ou seja, na prática estamos a vender a desconto empresas onde o  Estado investiu largas centenas de milhões de euros ao longo dos anos?

R:
Há vários aspectos a ter em conta:

a) o investimento passado se irrecuperável, é irrelevante para a decisão de hoje – qualquer que seja o caminho escolhido, essas centenas de milhões foram-se!

b) para o futuro, se os privados forem capazes de gerir melhor podem obter melhor rendimento das empresas e pagar já hoje um melhor preço do que o valor futuro dos rendimentos que o Estado retiraria dessas empresas (admitindo por um momento que o estado não continuar a ter perdas em muitas dessas empresas).

c) se os activos estão fortemente desvalorizados face ao que vão valer no futuro, a venda deve ser feita por um preço que tenha em conta as perspectivas futuras. É uma questão de preço, não uma questão de princípio.

d) mais complicado é se o preço de venda é baixo porque há apenas um comprador interessado e há a obrigação de vender. A resposta aqui é definir de forma adequada como se faz a venda, eventualmente com um preço mínimo de venda.

e) a actual situação financeira das contas públicas e da dívida pública sugere que ter dinheiro hoje para abater à dívida vale mais do que ter fluxos futuros, é um argumento a favor da privatização

f) algumas das entidades a privatizar são usadas e abusadas como instrumento de política indirecta do estado, e a privatização irá obrigar a tornar claras essas intervenções, ou a levar ao seu abandono.

g) existem serviços especiais prestados por essas companhias que caiam dentro do que genericamente se designa por “obrigações de serviço universal”? o melhor será definir o que se entende por isso e colocar a sua prestação em concorrência entre diferentes entidades.

Q: É inevitável privatizar?

Inevitável nunca é, mas é aconselhável privatizar.

Q: Privatizar ajuda a resolver os problemas do défice e da competitividade das empresas portuguesas?

Privatizar ajuda em dois lados – pode-se abater à dívida (para que não se financiem défices com medidas extraordinárias), o que beneficia défices futuros por menores juros. Na medida em que o estado deixa de absorver recursos financeiros que são libertados para as empresas, é provável um efeito benéfico para as empresas. Além disso, se os bens e serviços produzidos pelas entidades privatizadas forem produzidos ou fornecidos em regimes de maior concorrência, com menores preços e/ou melhor qualidade de serviço, também as empresas em geral beneficiarão (e os cidadãos, já agora).

Q: Parece-lhe boa ideia privatizar as Águas de Portugal? Riscos e vantagens?

As Águas de Portugal é o caso em que tenho mais dúvidas. Principal risco: pior que um monopólio público é um monopólio privado. A regulação terá que ser fortemente activa. Mas sabendo isso quem compra irá certamente querer proteger-se do risco regulatório, e acredito que mais facilmente o consegue fazer do que o estado defender os seus interesses. Aqui, antes de tomar posição final, preciso de saber mais.

 

Q: Quando estiver tudo privatizado a economia vai por si só ficar mais competitiva?

Não vai ficar tudo privatizado. A pergunta deve ser feita ao contrário, há alguma vantagem em que o estado desempenhe a função de empresário nesses casos?

 


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privatização da caixa geral de depósitos

Sobre o tema da privatização da caixa geral de depósitos, a solicitação do Expresso dei uma breve opinião (publicada a 29 de Setembro de 2012): “A experiência recente da CGD mostra-a como um braço armado da fação política que estiver no poder. Como instrumento de intervenção do Estado na banca tanto é para o bem como para o mal. Neste momento, não estou convencido que o valor económico deste instrumento compense a destruição de valor produzida pela ingerência política”.

Este é um tema que irá despertar reacções muito diferentes. Interessantes são os exemplos dados por Nicolau Santos, e com ele concordo que a privatização a ser feita deve ser feita a 100%, cobrando o “prémio justo por ficar com um terço do mercado bancário nacional”.

Se é defensável que a CGD é um instrumento do Estado no sector bancário, a questão é saber como é que esse instrumento é usado. E não me consigo recordar de um único bom exemplo em que a CGD em mãos nacionais tenha a prazo sido decisiva para o bem-estar comum (e não de apenas alguns); saber claramente em que momentos a CGD estar em mãos públicas contribuiu para um rumo diferente de acontecimentos no sector financeiro e na economia é crucial para se saber o valor que tem como instrumento.

De outro modo, será melhor fazer a privatização a 100% e definir as regras de intervenção pública de outra forma. Há alguns anos dava mais importância a ter-se este instrumento, mas a forma como tem sido usado levou-me a reconsiderar e ver que há mais riscos de fazer mal que potencial de fazer bem.


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rtp, tabu e histeria

Com toda a agitação que houve depois da entrevista de António Borges sobre a solução para a RTP, pensei num primeiro momento reflectir sobre o tema, mas depois era tanto o barulho que achei melhor deixar para outra altura, quando fossem conhecidos mais detalhes técnicos sobre a proposta e as alternativas que foram consideradas. O que se fará com a RTP tem muito de económico mas também de político.

Acabei por decidir escrever alguma coisa desde já, uma vez que o primeiro-ministro falou sobre o  assunto, referindo não haverem tabus e ser desejável não ter histeria nas discussões. Curiosamente, foi exactamente essa a sensação com que estava – uma certa histeria, muito focada no processo mas também na rejeição imediata da ideia, sendo que não houve uma discussão generalizada séria sobre os méritos da solução sugerida face a alternativas, e também das desvantagens, claro.

Sobre o processo político, de quem deverá anunciar o quê e em que momento, não me pronuncio.

Olhemos apenas para a ideia de solução. A ideia de concessão é desafiadora. Parece uma solução boa à primeira vista, talvez porque ainda não tinha sido proposta. Ou parece uma solução má porque não é aquela em que cada um tinha pensado ou que ideologicamente prefere. As posições públicas não andaram muito longe de uma destas duas.

Mas exploremos com cuidado o que significa concessão da RTP a privados. Ainda antes de saber quem ganha e quem perde financeiramente com esta solução, a primeira pergunta deve ser “qual o objectivo da actividade concessionada” ou mesmo “qual é a actividade concessionada”. Do que foi possível perceber, o objectivo será “assegurar o serviço público de televisão”. Do qual nasce desde logo a inevitável questão “o que é o serviço público de televisão?”.

Ora, aqui há uma profunda incapacidade de definir de forma precisa e completa o que será o “serviço público de televisão”. Basta relembrar  a tentativa feita há um ano, com toda a contestação que levantou, para se perceber a dificuldade de saber o que é. Ora, na ausência de um objectivo concreto, a definição de um contrato de concessão será especialmente complicado. Pensemos em quem estaria disposto a assinar um contrato que diga apenas “terá que cumprir o serviço público de televisão a troco de 150 milhões de euros”. Quem paga irá exigir mais em termos do que acha ser serviço público, quem presta irá argumentar que já faz mais do que suficiente. O Estado terá o interesse em ir redefinindo o que é serviço público, alargando o conceito, sobretudo depois do contrato assinado. O privado que tome a concessão quererá limitar essa redefinição, alegando que tudo o que faz é serviço público. Claro que a entidade privada que tomar a concessão estará disposta a fazer tudo o que seja considerado serviço público desde que paga para isso, mas se há adições ao conceito terá que haver acréscimo ao pagamento, e lá se vai a certeza do valor da despesa com o serviço público.

Conclusão, o contrato de concessão terá de ser mais preciso. Mas há dúvidas de que se consiga escrever um contrato que consiga especificar todas as dimensões relevantes do que é serviço público de televisão e antecipar a sua evolução para a duração da concessão. É o que em teoria económica se chama contrato incompleto, e que neste caso tem dimensões de difícil definição para serem incluídas num contrato. É necessário que essas dimensões possam ser observadas de forma a que um juiz ou entidade possam dirimir conflitos de interpretação entre as partes. É pouco provável que essa indefinição possa ser resolvida, o que sugere pouca adequação do modelo de concessão dados os objectivos de assegurar o serviço público de televisão.

Mas suponhamos, por um momento, que era possível resumir o serviço público de televisão à condição de não ter mais do 6 minutos de publicidade por hora. (se o leitor quiser, adicione outras condições similares em termos de verificação quantitativa – número de minutos falados em português por semana, número de programas de debate ou de música, etc…)

Ora, se estes valores forem especificados, então porque não considerar a alternativa de um concurso em que qualquer televisão assegure essas condições a troco do pagamento especificado. Ou seja, se for possível especificar, então o concurso deveria ser para essas condições, eventualmente até separadas, e não para uma concessão mais geral.

Ou seja, se o objecto “serviço público de televisão” é vago e dificilmente concretizável para poder pertencer a um contrato sem ambiguidades sobre o seu significado e custos associados, então a solução de concessão parece inferior à operação directa (que é aqui a versão de integração vertical entre as duas partes – contratante e contratado). Mas se for facilmente concretizável em medidas quantificáveis, então a solução concessão parece inferior a uma solução em que não há televisão pública e sim contratação a uma das estações da prestação dos serviços que levam a essas medidas quantificáveis.

A discussão sem tabus significa correr o espectro completo de opções, vendo as vantagens e desvantagens de cada uma delas – existem passos metodológicos de escolha pública para ajudar na estruturação deste tipo de decisões.

No caso da concessão da RTP, como proposta, apenas olhando para o que significa “serviço público de televisão” e o que é a sua caracteristica em termos de objecto contratável, parece sugerir que será sempre dominada por outra opção, nuns casos televisão pública, noutros casos televisões privadas contratáveis.

Como a discussão é sem tabus e sem histerias, posso estar completamente enganado e ter-me esquecido de algum factor essencial. Cá estarei para o reconhecer se for caso disso, sem histeria.

 

ps. propositadamente não quis discutir o que deve ser incluído no serviço público de televisão, pois interessa focar nas características do que é mais do que o conteúdo especifico que cada um queira dar.


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no dinheirovivo.pt de hoje, sobre privatizações

como vamos estar a discutir detalhes das privatizações nos próximos meses, é bom que se tenha uma pequena check-list de aspectos a serem verificados em cada caso, a minha pequena contribuição de três pontos, no dinheirovivo.pt


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tap e privatização

Excelente entrevista de Fernando Pinto hoje no Jornal de Negócios, a preparar a privatização da TAP. Aproveita para esclarecer qual o rumo estratégico que a empresa deve ter, e como se assegura a paz social na empresa numa altura de cortes salariais generalizados e privatização à vista, combinação potencialmente explosiva. Sem necessidade de estar sempre sob as luzes mediáticas, são geralmente intervenções inteligentes. Elementos a ter conta para a privatização:

– quem ganhar a privatização deve ter um compromisso de manter o hub para o Atlântico Sul em Lisboa, que é por si rentável;

– quem ganhar vai ter que estar preocupado com a crescente procura de pilotos na Ásia e são uma ameaça à capacidade operacional da TAP;

– quem ganhar vai receber uma empresa com níveis de eficiência comparáveis às outras empresas de aviação

– quem ganhar vai ter acesso a operações de manutenção com reputação internacional

Inteligente a apontar todos os pontos fortes da empresa, sem valorizar em excesso os mais negativos (compromissos com os sindicatos, regras comunitárias de máximo de capital extra-comunitário).

Além do mais, mesmo estando provavelmente em fim de ciclo na TAP, é aparente o seu profissionalismo, em que estabelece a sua mensagem sem recorrer a ameaças ou “gritaria mediática”. Se lhe for deixada margem para ajudar a decidir a privatização da TAP será certamente um processo que começa e termina da melhor forma para a companhia.