A quarta linha de actuação é “adotar sistemas que promovam a eficiência de preços”. Aqui há duas ideias chave propostas: acordos de partilha de risco baseados em resultados, e alterar o cabaz de países para os quais Portugal é referência.
O segundo aspecto não está na mão de Portugal, não é algo que se possa controlar directamente. Há apenas uma influência indirecta através de acordos “secretos” de descontos de preços (feitos através de acordos confidenciais, mais ou menos sofisticados). É aliás um caminho que vários países estão a seguir.
Já os acordos de partilha de risco têm que ser vistos com mais cuidado. Sob a mesma designação existem diferentes realidades, e podem-se criar enquadramentos que geram resultados que podem ser contrários ao espírito inicial. Quando se diz que se partilha o sucesso e o insucesso com a indústria farmacêutica, o que na realidade se faz é passar o risco do sucesso para a indústria farmacêutica. Se esta tiver alguma liberdade ou influência sobre os preços praticados, sucederá que os casos de insucesso acabarão por ser reflectidos nos preços dos casos de sucesso. E como (aparentemente) o prestador/pagador público só paga se tiver sucesso passa a ter o impulso de tentar sempre o medicamento, levando a uma sua utilização excessiva. É por isso frequente ter elementos de quantidade especificados nestes acordos. Mas se há limites de quantidades (só se pode tratar um número limitado de doentes), então passa a haver um risco – o de se ultrapassar esse número de doentes – que tem de ser suportado por alguma das partes (ou partilhado). Enfim, não é tão fácil como solução. E eficiência de preços aqui deverá significar também discutir qual o nível de preços face aos custos de produção e de R&D (qual a parte da investigação e desenvolvimento de um medicamento para o mercado global que deve ser partilhado por Portugal?).
Na verdade, aqui começa a inclinar-me cada vez mais para soluções que se possam chamar de “value sharing” do que “risk sharing”, com todo o valor transferido apenas para um dos lados.
A quinta linha de actuação é “alterar o modelo de financiamento dos hospitais públicos”. Embora compreenda a motivação para a proposta de ter “um modelo de financiamento por doente tratado associado a um pagamento por performance”, há um elemento central de qualquer tipo de pagamento que precisa de ser resolvido, e sobre o qual o documento BCG é silencioso (aliás, todos os documentos recentes não tocam neste assunto): o que fazer com as unidades prestadoras de cuidados de saúde – neste caso hospitais – que não consigam melhorar o seu desempenho? Além de definir desempenho com normalização para as condições de partida da população servida, para evitar situações de “cream skimming” (escolha dos melhores casos para ter indicadores de desempenho mais favoráveis). Sem este aspecto estar resolvido, e criando-se a ideia de que haverá sempre dinheiro mais cedo ou mais tarde qualquer que seja o desempenho porque um hospital público “não fecha”, não haverá modelo de financiamento hospitalar que resulte.
O segundo aspecto mencionado, o “modelo de financiamento plurianual para a saúde por área terapêutica”, é proposta que apoio incondicionalmente, sobretudo na parte de plurianual – se se quer que haja gestão e inovação nessa gestão para atingir melhores fins assistenciais com os mesmos ou até com menos recursos usados, é necessário dar tempo para que se pense, planeie, tome decisões e se obtenha resultados. Claro que a eficácia deste elemento depende também do aspecto anterior, de saber o que acontece às unidades com mau desempenho.
A referência aos mecanismos de capitação associados ao desempenho utilizados nos Estados Unidos têm que levar em conta que nos Estados Unidos se aceita a falência dos prestadores. Essa parte do mecanismo de incentivo à eficiência não está presente, pelo menos nessa forma, no Serviço Nacional de Saúde, que não consegue facilmente encerrar valências de hospitais. Um dos pontos chave será o de “fechar o prestador” sem encerrar o serviço à população, o que poderá ser mais fácil de garantir nas zonas geográficas com mais população do que em zonas remotas.