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Gastos na saúde, desperdício e fraude

Numa recente notícia, aqui, são atribuídos 800 milhões de euros/ano a despesa em saúde desnecessária, por desperdício e fraude. Lendo a noticia percebe-se que houve uma referência a 10% como valor genérico e depois a extrapolação do valor absoluto com base no valor global de transferência do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde.

A preocupação com a fraude foi iniciada de uma forma mais acentuada a partir de 2011, enquanto a discussão sobre o desperdício vem de mais longe. Em qualquer caso, convém desde logo distinguir as duas situações, fraude e desperdício.

No caso da fraude, há um comportamento deliberado de prejudicar o “outro lado” (o Serviço Nacional de Saúde, que paga), e como tal há uma dimensão legal importante, sendo necessário detectar a situação de fraude, corrigir e coligir os elementos que permitam uma intervenção legal apropriada.

No caso do desperdício, é menos simples. Pode surgir apenas de forma involuntária, resultado de más decisões de organização e gestão, sem haver necessariamente uma intenção de prejudicar. E as situações de ineficiência não se limitam à noção de desperdício. O tipo de intervenção para “combater o desperdício” (frase habitual nestas circunstâncias) deve tocar também nos restantes aspectos de ineficiência.

A relevância da distinção não é semântica. Obriga a pensar no tipo de intervenção. Uma tradução simples de desperdício será ter situações em que com menos recursos usados se conseguem obter os mesmos resultados. E os recursos então poupados podem ser utilizados para conseguir melhores resultados, ou serem usados noutras áreas de intervenção. Mas esta é apenas uma noção de eficiência. Na realidade podem existir, para se alcançar o mesmo objectivo assistencial, várias formas de combinar recursos, várias maneiras de organizar o que seja preciso fazer. Para reduzir (eliminar totalmente será bem mais difícil) o desperdício, basta analisar os recursos e os processos usados.

Havendo diversas alternativas de organização que tenham a característica de não terem desperdício, há que proceder a uma escolha entre elas. E para fazer essa escolha entra necessariamente em campo a ideia de custos – para obter um certo resultado assistencial, deve-se procurar a que tem menor custo. Este princípio é mais forte do que apenas “combater o desperdício”, pois eliminar ou reduzir o desperdício reduz custos, mas não leva necessariamente à situação de menor custo possível para o objectivo pretendido. A dificuldade de passar a este segundo plano tem levado à apresentação e divulgação de conceitos como “value for money”, “value-added healthcare” (à la Porter e amigos), ou “custo-efectividade” (numa aplicação mais ampla do que apenas no campo da avaliação económica de medicamentos).

E há depois ainda um terceiro plano. Se o “combate ao desperdício” e o escolher a opção de menores custos para alcançar objectivos são dois passos de melhorar a despesa do Serviço Nacional de Saúde, o plano seguinte é saber quais os objectivos assistenciais que se tem. E tendo formas mais eficientes de prestar cuidados poderá ser bom fazer-se mais, mesmo que no final a despesa acabe por subir. Ou seja, ganhar eficiência pode resultar em ter mais despesas, apenas porque vale a pena fazer mais (no sentido em que o benefício gerado, digamos medido em ganhos em saúde, compensa o custo associado, que agora será menor por unidade de ganho em saúde).

Estes diferentes planos acabam por estar presentes nos diferentes anúncios que têm sido feitos sobre as intervenções que a actual equipa do Ministério da Saúde pretende fazer. E a avaliação do que forem os resultados dessas intervenções terá de o ter em conta. Desde o início se deve ter em conta que a despesa em saúde não poderá ser a única métrica de avaliação, sendo necessário desde já definir o que será ou não sucesso, como pode ser medido e montar desde o início da intervenção os mecanismos de recolha de informação que serão necessários para saber no final.

Vejamos com um exemplo, o dos cuidados de saúde primários – se conseguirem mais eficiência, menor desperdício, etc., o resultado de sucesso poderá ser, desejavelmente, cada residente em Portugal ter médico de família atribuído. O que poderá no final significar mais despesas em saúde nos cuidados de saúde primários. E até maior despesa total em saúde. Ou menor despesa total em saúde, por compensação de menor despesa em saúde noutras áreas do Serviço Nacional de Saúde (por exemplo, evitando o recurso aos serviços de urgência hospitalar).

Não creio que se venham a conseguir reduzir em 800 milhões de euros a despesa do Serviço Nacional de Saúde, nem creio que o Ministério da Saúde se tenha colocado perante esse objectivo em termos de despesa. Mas o “combate ao desperdício” e à fraude deve ser enquadrado num objectivo mais genérico de eficiência, obrigando a que a sua avaliação venha a ser feita em termos de benefícios gerados e de custos tidos, olhando para nível de actividade assistencial, custos gerados e utilização desnecessária de recursos.


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À volta do Serviço Nacional de Saúde e comparações internacionais

Num curto espaço de tempo foram publicados na imprensa três artigos sobre comparação de sistemas de saúde, tendo-se iniciado a série com um artigo de Rui de Albuquerque, seguido de réplica de José Manuel Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos, e comentado no Observador por Mário Amorim Lopes.

O primeiro artigo começa por defender uma privatização (passagem de Serviço Nacional de Saúde para seguro de saúde privado regulado), o segundo contesta os valores de base apresentados no primeiro, e argumenta a favor do Serviço Nacional de Saúde como estrutura base, mas com espaço para o sector social, para o pequeno sector privado e para o grande sector privado na prestação de cuidados de saúde. O terceiro artigo é menos claro na sua mensagem, mas basicamente contesta que Portugal tenha o melhor sistema do mundo, como sugerido pelo título do artigo de José Manuel Silva, mas vê sobretudo a necessidade de apostar mais nos cuidados de saúde primários (no que coincide com os programas dos partidos políticos do PSD+CDS ao Bloco de Esquerda!).

A comparação de sistemas de saúde não é um exercício simples. Um trabalho da OCDE (disponível aqui) que olhou com cuidado para as características de sistemas de saúde e as procurou usar para uma classificação de sistemas de saúde, e depois confrontar com os respectivos níveis de eficiência, encontrou maior variação dentro de cada categoria de sistemas de saúde do que entre sistemas de saúde. Utilizando dados mais recentes, Ana Beatriz Luís conclui que essa mesma característica de diversidade de desempenho de sistemas de saúde se mantém mesmo depois dos anos de crise internacional (ver aqui).

A forma de classificação proposta no trabalho referido por Mário Amorim Lopes é bastante incompleta pois parte de duas medidas que procuram captar o estado de saúde da população (aliás, o autor fala em sistema de saúde eficaz e não eficiente, precisamente para focar em resultados que alcança – eficácia – mas sem comparar com os recursos que usa – eficiência). Não há por isso qualquer confronto com recursos usados, e sem esse elemento não se pode realmente falar de que país tem um sistema melhor. Este trabalho da OCDE também mostra que a divisão simples do primeiro artigo é demasiado simplista (além das estatísticas invocadas estarem erradas à luz dos números mais recentes, ver aqui os dados da OCDE disponibilizados em Novembro de 2015).

A necessidade de clareza nos conceitos técnicos é essencial para se perceber o que se quer medir e o que significa. Quando se pretende comparar sistemas de saúde com base em eficiência é preciso definir o que significa eficiência. A versão simples, usualmente conhecida como eficiência tecnológica, é definida como não desperdiçar recursos para atingir os resultados observados. Esta é uma versão intuitiva, e tem a força de dizer que se um sistema de saúde conseguir obter exactamente os mesmos resultados mas usando menos recursos, então é eficiente. Nesta noção de eficiência, diferentes sistemas de saúde podem alcançar diferentes resultados, e serem todos eficientes no sentido de não terem desperdício. A maior parte dos indicadores utilizados acabam por centrar-se neste tipo de eficiência. Em jargão técnico, o que se procura medir aqui é a distância do ponto de produção efectivo à melhor prática (função de produção). É um conceito de eficiência que requere comparar os resultados observados (produção) com os recursos usados (profissionais de saúde, equipamentos, etc.).

Normalmente, para se conseguir uma situação eficiente segundo esta definição, existem diferentes combinações de recursos – utilizar mais ou menos recursos humanos e diferentes profissões, mais ou menos equipamento, mais ou menos tecnologia. Esta multiplicidade de opções leva à segunda definição de eficiência, que podemos chamar eficiência alocativa. Implica escolher a melhor combinação de recursos que permite alcançar os resultados observados, em que melhor combinação significa menos custo global. É neste conceito de eficiência que entram os preços e os custos dos recursos utilizados. Em geral, aponta para que se utilizem relativamente mais os recursos com custos relativos mais baixos – isto é, normalmente não se consegue utilizar apenas um recurso para alcançar um objectivo, mas uma combinação de recursos adequada depende dos seus custos relativos. Um exemplo, a nível mais micro, que transmite esta ideia é pensar escolher entre duas opções terapêuticas – uma que implique ver mais vezes um doente, mas usar menos medicamentos; outra que prescreva mais medicamentos e observação mais espaçado do doente. Admitindo, para efeitos do exemplo, que ambas permitem obter o mesmo resultado final (eficiência tecnológica de ambas as possibilidades), a opção pela primeira ou pela segunda depende do custo/preço associada a cada uma. Uma descida grande do preço dos medicamentos ou a necessidade de pagar salários mais elevados para conseguir contratar médicos inclinam a decisão para a primeira opção. A importância deste conceito de eficiência é que podemos ter facilmente diferentes escolhas, ambas eficientes, em diferentes países, dependendo dos preços e custos dos recursos necessários usados em cada país. Ser eficiente neste sentido obriga a não ter desperdício de recursos, logo implica o primeiro tipo de eficiência.

O terceiro nível de eficiência é estar a obter o melhor desempenho, os melhores resultados, a nível agregado, em que melhor desempenho significa que o último beneficio conseguido com os recursos adicionais utilizados é não inferior ao custo de utilização desses recursos. Ou seja, implica saber “se vale a pena”, o que obriga a um exercício complicado de valorizar benefícios do sistema de saúde, o que só é possível se houver clareza quanto aos objectivos pretendidos. Significa também que é possível “fazer a mais” no sistema de saúde, quando o que é realizado não tem contributo relevante para a melhoria da saúde das pessoas (por exemplo, ter uma consulta semanal com um médico especialista em cardiologia seria provavelmente “fazer a mais”, só para ter um exemplo extremo). As tentativas de valorização deste tipo de eficiência estão associadas a exercícios do que é chamado “value for money”, mas uma visão abrangente necessita da valorização da sociedade dos vários objectivos.

A utilização da despesa em saúde como indicador agregado para falar em eficiência face à esperança de vida à nascença é uma forma simplificada de obter uma primeira ideia da eficiência tecnológica, mas não é isenta de problemas pois para fazer sentido implica a hipótese implícita de os preços dos recursos usados serem similares entre países, para se agregar num único indicador – despesa per capita em saúde – todos os recursos usados. Esta hipótese implícita não é em geral verdadeira, mesmo ajustando para diferenças gerais de preços entre países (o ajustamento para paridade de poder de compra), embora seja uma primeira aproximação sem grandes complicações à necessidade de ter um indicador agregado de utilização de recursos.

Tomando o exemplo de Mário Amorim Lopes, que fala em indicadores de mortalidade e de morbilidade. Não é complicado pensar que diferentes países poderão dar diferente importância relativa à longevidade (mortalidade) e à qualidade de vida em termos de saúde (morbilidade), e como tal pontos diferentes nos indicadores serem igualmente eficientes. E também se pode ter uma versão de interpretação em que é a maior ou menor morbilidade que serve de indicador para um maior ou menor mortalidade, o que aproximaria a análise do primeiro tipo de eficiência, embora com alguns cuidados – se só sobreviverem as pessoas mais saudáveis, a menor morbilidade está associada a menor mortalidade, mas então é preciso consubstanciar este nexo causal, diferente do que é ter uma maior carga de doença em geral – maior morbilidade – causar maior mortalidade, e devia-se falar aqui em mortalidade evitável, pois mortalidade haverá sempre. Os “se” implícitos no gráfico e interpretações de Mário Amorim Lopes são muitos, tal como nos artigos de Rui de Albuquerque e de José Manuel Silva. Claro que é difícil colocar num artigo de opinião na imprensa, pelo espaço limitado, estas considerações, mas a arte do colunista está precisamente em saber que “se”s deve revelar e que são relevantes. Já na parte factual dos números é mais fácil ser claro.

No segundo artigo, é ainda referido que “Sublinhe-se que, conforme está publicado, não há nenhuma evidência científica de que, em saúde, a gestão privada seja melhor que a pública.” Bom, é verdade que em termos de medição de eficiência de hospitais, as comparações não são conclusivas (ver por exemplo aqui), dependendo dos países e períodos que sejam usadas, mas essa sendo o tipo de comparação mais frequente, não é realmente uma comparação de sistemas de saúde. Uma medição mais directa da qualidade da gestão, feita para hospitais ingleses, parece indicar que a gestão privada é mais eficiente em média que a gestão pública de hospitais, sobretudo devido à componente de gestão de recursos humanos, e que a presença de concorrência entre hospitais é factor de pressão para melhor gestão (ver aqui e aqui). Mas mais uma vez está-se centrado nos hospitais (a disponibilidade de informação é maior do que noutras áreas).

Uma análise mais agregada da Comissão Europeia (ver aqui), usando indicadores como esperança de vida, confrontado com despesa per capita como indicador de recursos usados, e uma técnica de análise denominada DEA – Data Envelopment Analysis, coloca Portugal em 10º lugar nos 28 da União Europeia, ou seja a meio da tabela.

Se usarmos outra “tecnologia de análise”, chamada de fronteira estocástica (ver aqui um sumário e mais detalhes disponíveis aqui), encontramos essencialmente a mesma conclusão, quer se foque na esperança de vida à nascença ou na esperança de vida aos 65 anos (que se pode argumentar ser preferível por refletir em maior grau a intervenção do sistema de saúde) e normalizando o cálculo do score de eficiência para diversos factores (nível de rendimento do país, despesa per capita, hábitos alimentares, consumo de álcool, papel do sistema de seguro – percentagem de seguro privado e percentagem de pagamentos directos no financiamento do sistema de saúde).

A principal conclusão é corroborada, Portugal está numa posição médio-elevada em termos de eficiência, medida desta forma.

Idealmente, porém, devíamos procurar construir informação estatística regular que conseguisse cobrir as diferentes dimensões que são objectivo dos sistemas de saúde, saúde da população (mortalidade e morbilidade), equidade de acesso, qualidade e satisfação de vida, ou as dimensões usadas no relatório da Organização Mundial de Saúde de 2000 (nível de saúde, capacidade de resposta do sistema de saúde às necessidades da população, equidade no financiamento do sistema de saúde).

Qualquer que seja a metodologia, o conhecimento adquirido dos vários estudos, e da sensibilidade das medições de eficiência às diferentes metodologias, sugere fortemente que a conclusão de que a variação de desempenho dentro de categorias de sistemas de saúde será substancial, e que não se encontrará um modelo de sistema de saúde que domine os restantes – significando que um país aparecer melhor ou pior depende em grande medida dos “olhos do analista” (com as opções implícitas a terem um papel relevante no que destaca), e dentro de cada tipo de sistema de saúde há que procurar ter os mecanismos que fazem esse país ter um bom desempenho. A lição que retiro é que Portugal em vez de copiar sistemas de outros países ou embarcar em alterações profundas ganha mais em melhorar o modelo atual, baseado num Serviço Nacional de Saúde, que tanto quanto é possível ir apercebendo é também um modelo de satisfaz a maioria da sociedade portuguesa.

Ficou um texto longo (provavelmente demasiado longo para um blog), mas relevante para ilustrar a necessidade de conceitos precisos e formas adequadas de medir (sendo que não temos a solução perfeita), e ilustrar como é preciso ir além de compilar indicadores aqui e ali e depois concluir rapidamente o que se pretende.

Nota: apresentam-se de seguida alguns gráficos contendo a) a classificação de sistemas de saúde da OCDE e sua variabilidade em termos de eficiência, como presente no artigo original; b) estimativas do score de eficiência com destaque para a posição de Portugal (antes e nos anos 2011-2014).

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(observação: valor mais baixo é melhor – se há menos ganhos a conseguir, é porque se está mais perto da situação de eficiência, definida como melhor resultado possível para os recursos usados)

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Relação entre esperança de vida à nascença e riqueza do país (PIB per capita em unidades comparáveis)

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Score de eficiência resultante de modelo de fronteira estocástica  versus despesa per capita de cada país (usando como indicador de resultado, esperança de vida à nascença) – Portugal está no terço superior, para o que gasta tem bons resultados em comparação internacional, mas não os melhores

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Score de eficiência, usando como indicador de desempenho a esperança de vida aos 65 anos.


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Sobre esforços para medir produtividade na saúde no Reino Unido

Saiu recentemente um documento intermédio de análise de produtividade nos hospitais ingleses (disponível aqui), que possui algumas partes interessantes e que podíamos pensar em desenvolver.

O ponto de partida é que ganhar eficiência significa intervir na gestão dos recursos humanos e na produtividade. Tudo o resto é útil, mas terá pouco impacto. O equivalente ao Ministério da Saúde inglês criou um grupo de trabalho para olhar para as oportunidades de ganhos de eficiência, e neste relatório intermédio, a principal conclusão é que este é um trabalho de minúcia, de identificação de muitas pequenas alterações que todas somadas produzem um resultado visível.

Uma dessas alterações é tornar parte da rotina a capacidade de as instituições prestadoras de cuidados de saúde (o relatório preocupa-se com hospitais, mas o argumento é válido para todas as entidades) avaliarem regularmente o que fazem e procurarem pontos de melhoria. Da recolha de experiências que fizeram, concluiram que todos os hospitais analisados possuem oportunidades de melhoria mas é necessário assegurar que são consistentes entre si quando se fazem intervenções, e que há realmente intervenções.

As quatro áreas de intervenção que foram definidas como oportunidades para ganhar eficiência são: a) recursos humanos, b) medicamento hospitalar; c) gestão das instalações; d) aquisições (“procurement”).

Na gestão de pessoal, dão como exemplo a existência de excesso de trabalho administrativo para  os enfermeiros, que deveria ser feito com uma melhor gestão da logística, incluindo as aquisições, por parte do hospital. Este trabalho administrativo traduz-se em menor tempo de enfermagem propriamente dito e mais horas de trabalho dos enfermeiros do que é efectivamente contratado.

No medicamento, a sugestão é de utilização de mecanismos electrónicos de aquisição. Neste ponto, não será diferente do que já se tenta fazer em Portugal.

Na gestão das instalações, uma das preocupações é a manutenção de um ambiente limpo e seguro por um lado mas também com os custos de energia e outros. Ou seja, na mera gestão da instalação física há possibilidades de poupança que são normalmente negligenciadas.

Nas aquisições, a resposta é procurar melhores processos de aquisição e de gestão de stocks, com catálogos electrónicos, mais informação sobre alternativas no caso dos dispositivos médicos de elevado preço, na definição de protocolos de intervenção adequados, etc.

Neste campo, não me pareceu haver aspectos que já não tenha ouvido falar também em Portugal como sendo relevantes. O que leva a discussão para qual o melhor processo de realizar estes ganhos mais do que identificar onde possam estar.

E aqui o relatório inglês apresenta uma ideia que poderá ser ensaiada: “We therefore believe it would be appropriate to publish, in stages, what a model NHS hospital could look like in terms of operational productivity and cost.” Só o processo de procurar construir o que seria um hospital modelo poderá trazer ideias novas, e fornece, por outro lado, um ponto de referência claro.

O relatório é também claro que não será por regulação externa que estas iniciativas produzirão resultados, é necessário que a melhor prática seja identificada dentro dos hospitais e partilhada. Ou seja, a intervenção externa tem que ser de apoio e facilitação e não de direcção. O que coloca um nível de desafio e de responsabilidade à capacidade de gestão intermédia dos hospitais.

O relatório tenta também produzir um indicador geral de eficiência que possa comparar hospitais, mas nesse campo a proposta parece-me ter ainda algumas fragilidades e será provavelmente refinada até ao relatório final, pelo que deixo algum comentário para essa altura.


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Das leituras recentes de investigação, o efeito mortífero do dia de recebimento do salário

é dos mais curiosos. De acordo com uma análise feita com dados suecos sobre os funcionários públicos, há um aumento da mortalidade devida a enfartes cerebrais, ataques de coração e problemas do sistema circulatório, no dia em que é recebido o ordenado.

Os autores têm um cuidado metodológico grande a procurar garantir que é um efeito causal (receber o ordenado provoca risco de mortalidade) e não apenas uma coincidência, explorando a situação de nem todos os funcionários receberem o ordenado no mesmo dia ou na mesma data e do motivo do óbito. Além do tipo de mortalidade, os dados revelam também que esta resposta em termos de mortalidade é mais forte para quem tem menores rendimentos. Aliás, o efeito “letal” de receber o ordenado desaparece para quem tem níveis de rendimento mais elevados.

Conseguem também verificar que este efeito de mortalidade não é por antecipação no curto prazo de uma situação de ocorreria no curto prazo (ter um enfarte no dia de receber o salário em vez de ter esse mesmo enfarte uma semana depois, por exemplo).

Em termos de mortalidade adicional por ano, a estimativa dos autores é de 96 mortes prematuras devido a este efeito, numa população empregada de 4,7 milhões de pessoas. Não sendo um efeito muito elevado, faz pensar se não haverá também outros custos de stress ainda por contabilizar (ansiedade de limitações financeiras que não resulta em reacções físicas que levam à morte) e quais os mecanismos que poderiam ajudar a mitigar este efeito.

Em particular, fica a curiosidade de saber se pagar semanalmente poderia levar a uma diferente gestão pessoal que evitasse os picos associados com o recebimento mensal do vencimento. Não foi um aspecto explorado no trabalho porque só tinham dados de recebimento mensal, mas fica a ideia para investigação futura.

 


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eficiência hospitalar e público vs privado (em França)

As questões de eficiência hospitalar e de sector público versus sector privado não são exclusivas de Portugal. As comparações, lá como cá, têm que ser feitas com o devido cuidado. Num recente trabalho de Brigitte Dormont aplicado a França procurou-se compreender porque os hospitais públicos e os hospitais privados sem fins lucrativos têm custos superiores. A visão comum que é transmitida, a de que estes hospitais têm uma menor produtividade porque têm um mandato de terem de atender todos os doentes que a eles se dirigem, é avaliada. A principal questão é saber se as diferenças existentes no tipo de doentes atendidos em cada tipo de instituição é suficiente para explicar as diferenças de produtividade e de custo.

Este aspecto tem especial importância porque os pagamentos prospectivos realizados assumem que não existem economias de escala ou heterogeneidade de doentes que não se encontre reflectida já na própria diferença de pagamento entre tipos de episódios.

A mesma questão aplica-se a Portugal quando se escolhe ter uma tabela única de pagamentos aos hospitais, em que a existência de economias de escala é ignorada.

As diferenças, em teoria, entre os três sectores, público, privado com fins lucrativos e privado sem fins lucrativos, está em duas grandes áreas: objectivos e mandato de cada tipo de instituição, e regras relativas à gestão (recursos humanos e aprovisionamentos) e possibilidade de seleccionar doentes.

Em França, o sector privado tem presentes grupos de hospitais privados, que são responsáveis por cerca de 1/3 dos episódios de internamento. Há uma certa dificuldade em medir os seus custos reais e produtividade, uma vez que a típica de definição de custos nesses hospitais não inclui o pagamento de honorários aos médicos no custo do sector privado, mas tal sucede no sector público (em que os honorários – salário – dos médicos é pago pelo hospital).

Para realizarem esta análise criaram uma escala sintética de actividade, e é com essa escala que avaliam a produtividade. Olhando por esta via, os hospitais públicos são menos produtivos que os privados sem fins lucrativos que por sua vez são menos produtivos que os hospitais privados com fins lucrativos. Reproduzem assim a visão geral, e é com base neste indicador que partem para a procura de factores explicativos das diferenças de produtividade.

A conclusão a que chegam no final é depois do ajustamento da produtividade para o tipo de doentes e suas características, os hospitais públicos surgem como mais eficientes – a elevada complexidade dos casos que tratam e que não são tomados pelo sector privado é suficiente para justificar e compensar as diferenças de produtividade. Mas as diferenças nos doentes tratados não são o único factor explicativo encontrado. Face ao que fazem e mesmo tendo em consideração as características dos doentes, há parte da menor produtividade nos hospitais públicos que é devida a estabelecimentos sobredimensionados no sector público.

(versão do trabalho aqui, em francês)


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eficiência nos custos hospitalares

decorreu ontem a apresentação dos resultados de um estudo sobre os custos e a eficiência no sector hospitalar do Serviço Nacional de Saúde (a eficiência dos hospitais privados não foi analisada).

A notícia sobre o estudo surgiu em diferentes pontos, um deles aqui, o resumo do estudo pode ser visto aqui.

O estudo, realizado utilizando uma metodologia que avalia a eficiência de cada episódio de internamento – excluem-se as urgências e as consultas como grandes agregados de “produção”, aponta para um limite máximo de cerca de 800 milhões de euros de poupança, conforme refere a noticia.

O estudo considera diversas fontes de falta de eficiência, procurando captar as diferentes faces da realidade da actividade hospitalar de internamento de doentes: falta de eficiência pura, complicações evitáveis, readmissões, admissões precoces, dias de internamento excessivos, admissões tardias e cesarianas em excesso.

Há um conjunto de comentários que vale a pena fazer quanto à notícia e aos resultados do estudo. Os 800 milhões de euros são um limite superior, pois como os próprios autores referem a contabilização de cada linha de potencial ineficiência é calculada independentemente das restantes, e como tal é possível, e provável, que existam duplicações num montante considerável.

Só que mesmo descontando essas duplicações os valores de poupança potencial vão continuar a ser significativos – suponhamos, sem qualquer base, que as duplicações seriam 50%, então ainda haveria um potencial de 400 milhões; ou se forem 25%, haveria um potencial de 600 milhões de euros. Em qualquer dos casos, valores importantes. Naturalmente, um próximo passo dos autores será estabelecerem um limiar inferior às poupanças possíveis, e avaliar se esse limiar inferior tem os mesmo elementos determinantes do limiar superior.

Para os tais 800 milhões de euros contribuem com mais de metade as situações associadas com complicações evitáveis e com dias de internamento excessivos. Dentro destas duas, será provavelmente na segunda categoria que haverá maior capacidade de intervenção.

Cabe agora aos profissionais, de saúde e de gestão, retirarem as suas conclusões, e olharem para dentro dos seus hospitais.


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envelhecimento e despesas de saúde

Quando se fala em despesas de saúde e do seu crescimento, um dos argumentos mais usados é que esse crescimento é inevitável devido ao envelhecimento da população.

Dado que não se pretende travar que as pessoas atinjam idades avançadas como forma de poupar despesas em cuidados de saúde, a implicação retirada é a necessidade de aumentar os recursos destinados à saúde.

Contudo, a premissa inicial está errada.

O envelhecimento da população não provoca, por si só, um crescimento significativo dos custos com cuidados de saúde.

Esta conclusão encontra-se presente em trabalhos académicos de diversas proveniências (países e áreas – economia, saúde pública, etc…) e em relatórios de organismos como a Comissão Europeia e a OCDE.

Aliás, o argumento de que o envelhecimento por si só não pode ser um factor preponderante no crescimento das despesas com saúde ressalta dos valores portugueses.

Em 1990, as despesas per capita com cuidados de saúde eram 628 USD (fonte: oecd health data, ajustado PPP) e a fracção da população com mais de 65 anos era de 13,4%. Em 2008, a população com mais de 65 anos residente em Portugal era 17,5%.

Admitindo que a população com mais de 65 anos gasta 4 vezes mais recursos per capita que a restante,(1) o valor decorrente para as despesas per capita com saúde é de 638 USD. O valor real foi de 2508 USD para 2008, o que significa que apenas o envelhecimento foi responsável por cerca de 3% desse crescimento.

Que outros factores estiveram então envolvidos? inflação, nalguma medida, mas sobretudo novas tecnologias, em sentido lato, e maior procura de cuidados por parte de uma população que ao longo do tempo foi ficando mais rica.

Esta afirmação não significa que o envelhecimento não traga desafios do sistema de saúde e podemos identificar pelo menos dois desses desafios ligados à economia e gestão:

a) adopção, ou não, de novas tecnologias de saúde, novamente entendidas em sentido amplo, destinadas à população idosa;

b) complexidade da resposta que é preciso dar, obrigando a uma reorganização da prestação (mais cuidados continuados, menos hospitais, por exemplo; aumento da componente de apoio social, e menos de componente medicalizada).

Assim, a atenção deverá focar-se na resposta, como deve ser organizada, às diferentes necessidades da população idosa, e não nos custos do envelhecimento.

 

Nota

(1) de acordo com números do internamento hospitalar, os custos com pessoas acima de 65 anos serão cerca do dobro (e não 4 vezes) os custos com pessoas abaixo dessa idade. A hipótese usada é mais favorável a encontrar-se efeito do envelhecimento nos custos.


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Programa do Governo – melhorar o desempenho e a gestão

Depois de um assunto complexo e muito sujeito a mal-entendidos, como foi a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde no texto anterior, o bloco seguinte de medidas no programa do Governo é susceptível de reunir grande consenso de princípios.

É difícil argumentar contra melhorar o desempenho e a qualidade da gestão.

A questão central, neste área, é como fazê-lo. Os princípios gerais são conhecidos:

– regras de gestão adequadas

– responsabilização da gestão pelos resultados e na medida em que estes traduzam decisões de gestão.

O programa do Governo é cauteloso ao enunciar apenas o aprofundar das concentrações a nível hospitalar. E faz bem em ter essas cautelas. Nem sempre maior dimensão significa ser mais eficiente. À noção de economias de escala a serem recolhidas com a concentração de unidades de prestação de cuidados de saúde muito pequenas tem-se que contrapor a noção de deseconomias de escala quando a dimensão é muito grande. Sem perceber, tecnicamente, qual a dimensão mínima que permite ser eficiente, juntar por juntar significa poupar em conselhos de administração para gastar muito mais do que essa poupança em disfuncionalidades das organizações. Aqui, os princípios são claros – não havendo verdades universais, é necessário análise técnica sobre a dimensão óptima mínima, e só depois pensar em concentrar (ou desmembrar, no caso de organizações demasiado grandes).