Momentos económicos… e não só

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o guião da reforma do estado (take 2) – (6)

O capítulo 2 deste documento mantém o seu título “Reformar é diferente de cortar”. Não há muitas diferenças, e algumas são apenas de redacção, para versões mais amigáveis do cidadão, como a nova entrada referente à simplificação administrativa: “Reformar o Estado, é simplificar procedimentos. Nesse plano, o princípio “só uma vez”, segundo o qual os cidadãos e empresas são dispensados de entregar informação ou documentos que a Administração Pública já possua, e a sua implementação os novos regimes de licenciamento industrial e ambiental; ou a agilização dos regulamentos dos equipamentos sociais, são elementos críticos, necessários mas não suficientes, de redução da burocracia económica e social. As iniciativas relativas ao uso alargado das tecnologias de informação na relação da Administração com a sociedade, bem como a reforma do Código de Procedimento Administrativo, visando acelerar o processo de decisão administrativa, são outros passos relevantes na direção da simplificação.”

Mas logo de seguida, surge um novo parágrafo sobre o “crescimento verde”, que é um conjunto de boas intenções vazias no seu conteúdo específico sobre que acções vão ser tomadas: “Reformar o Estado, é fomentar o crescimento verde apostando na proteção, valorização e utilização eficiente dos recursos naturais e no desenvolvimento de novos padrões de consumo e de produção. A resolução de passivos ambientais, a reestruturação do sector dos resíduos, a revisão do plano de ação e dos instrumentos de ordenamento do litoral, a nova visão para a política de clima e energia, com reforço dos objetivos ambientais e das interligações energéticas; ou, ainda, o regime excecional para a reabilitação urbana, a nova Lei de Bases dos Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo ou o novo regime jurídico da mobilidade elétrica, são outros exemplos de reforma. ” Qual é a nova visão mencionada? o que são os novos padrões de consumo e de produção? e a tentação  da aplicação dessa “visão” através da produção normativa…Em vez de reforma do estado, isto parece muito a forma como o estado tem sempre actuado; pressuponho que sejam aprovadas leis e publicados decretos-lei, que necessitam depois de portarias de regulamentação que nunca chegam a ver a luz do dia.

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o guião da reforma do estado (take 2) – (5)

Na secção “Consensos  para uma política da administração pública”, ao contrário de outras secções, retirou-se o “lamento” sobre os “bloqueios à acção do Governo”, tornando o texto mais simples de seguir. O texto anterior recebe algumas adições, passando a referir-se de forma explícita a regras, escolhas e consensos que “conciliem a sustentabilidade das políticas públicas e a promoção do crescimento e do emprego”; sobre a revisão constitucional, o Governo “conhece as dificuldades políticas para gerar consenso neste ponto. Por isso, sempre o considerou desejável, mas não condição indispensável nem condição suficiente “, uma formulação mais suave que a anterior “declara a sua convicção de que essa introdução da “regra de ouro” na lei fundamental beneficiaria o interesse nacional”.

Onde também há uma mudança é na referência aos funcionários públicos, onde além da qualificação se fala agora em “motivação dos agentes, mais recompensados sob o ponto de vista do mérito e do empenho; a aposta na negociação social da política de rendimentos na Administração Pública, visando a recuperação progressiva e faseada dos salários, tendo em atenção uma tabela remuneratória única dotada de maior racionalidade e coerência, tendo em conta as disponibilidades orçamentais” (e como se vê, não se perdeu a oportunidade de mais uma vez transmitir a ideia de recuperação salarial na função pública).

Ainda sobre a função pública, onde se falava antes apenas em reformas antecipadas, redução da despesa através da requalificação, rescisões e trabalho e reforma a tempo parcial, agora fala-se em “abertura à negociação de uma política coerente entre os instrumento de racionalização da Administração – rescisões e requalificação, trabalho e reforma a tempo parcial -, a política de aposentações e os necessários critérios de renovação e contratação de pessoal” – a parte final é novidade (pós-17 de maio, pré-legislativas de 2015, com a contratação de funcionários públicos?)

Há claramente uma mudança de tom, bastante menos agreste do que a versão anterior.


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o guião da reforma do estado (take 2) – (3)

Na secção dedicada às condicionantes da despesa no novo documento, além de actualização de números, auto-elogios e lamentos, é adicionado um parágrafo: “Como adiante se observará, o fim do período de exceção, com o termo do programa com a “troika”, permitirá começar a corrigir, progressivamente, os efeitos injustos que a restrição teve nos funcionários da Administração Pública, bem como recuperar, substancialmente, rendimento dos pensionistas, face aos cortes da CES. Uma coisa e outra dentro das regras do Tratado Orçamental e com o contributo virtuoso do crescimento.”

Estas duas frases levantam diversas perplexidades, face a todo o discurso político que tem sido usado. Primeiro, parece dizer que a redução da despesa só poderia ser materialmente feita com cortes em salários e em pensões, as duas grandes categorias. Mas que esses cortes são injustos no caso dos funcionários públicos. O que não sei se totalmente compatível com dizer-se que a “justiça” salarial implica avançar para uma tabela retributiva única. Há um problema de discurso em compatibilizar os “efeitos injustos” aqui referidos e a convergência para uma tabela salarial única, que implica cortes de salários, como sendo “justa”. Ou é justo cortar apenas alguma coisa, e não tanto como foi feito, ou é justo cortar mais em alguns salários do que noutros, ou outra coisa qualquer, mas algo falta para ligar as duas posições.

O segundo aspecto é que se está a alimentar a expectativa de que havendo crescimento económico se fará a reposição dos valores de salários e do rendimento dos pensionistas (embora o substancialmente deixe antever que não será na totalidade). Ou seja, já está aqui a prometer uma repartição dos ganhos do crescimento económico que venha a haver. O que não está clarificado é se essa repartição é dada pelo actual sistema fiscal que define as receitas que o Estado recebe que depois são usadas para estes fins, ou se é dada pelo que é permitido pela reposição dos valores de tributação existentes antes da “enorme” subida de impostos, nomeadamente sobre o rendimento, que existiu nos últimos anos (e que continua devagarinho a subir, como se viu com o recente incremento no IVA).  É que provavelmente a actual carga de tributação exerce um efeito forte contra a criação de empresas e contra o crescimento económico, e não são programas de apoio ao emprego ou benefícios fiscais ou palavras que se pretendem inspiradoras e de confiança que tomarão o papel da capacidade de um investimento privado gerar retorno para quem investe.

Uma comparação que gostava de ver feita, por alguém, é quanto uma empresa com 5 empregados a ganharem 1000 por mês cada, com vendas exactamente suficientes, antes de IVA, para pagar esses salários, gerava em termos de contribuições para o estado (TSU, contribuição patronal, IRS, e IVA; IRC seria zero por definição neste exercício, e estou a ignorar outros impostos, taxas e contribuições que possam existir) em 2010 e quanto é que para os mesmos salários e vendas, receberia hoje o Estado. É preciso começar a perceber melhor qual o efeito dos níveis de tributação sobre a actividade económica, mais do que pensar apenas a tributação em termos de receita para o Estado ou como instrumento de redistribuição de rendimento.

Sem saber mais sobre estes efeitos, é difícil avaliar o que será o resultado da aplicação prática deste parágrafo (assumindo que é para ter efeitos práticos e não apenas para preencher espaço político e mediático, obviamente).


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o guião da reforma do estado (take 2) – (1)

Embora tenha sido divulgado este novo documento, a sua leitura acaba por revelar ter pouco de novo. Antes de passar à identificação e análise das diferenças entre este e o documento anterior, de há 6 meses, há considerações gerais que vale a pena fazer:

a) é dito que foram recebidas contribuições e incorporadas – na verdade, não é nada claro o que foi o resultado da discussão do documento; não são apresentados que contributos foram recebidos, nem é feito qualquer comentário a esses contributos (textualmente é dito “audição de partidos políticos, parceiros sociais e parceiros da economia social “) – houve certamente sugestões que não foram acolhidas, mas não são conhecidas nem porque não foram acolhidas. Pelo menos, deveriam ser tornadas públicas as contribuições recebidas. Para saber como se faz, basta ir a qualquer uma das consultas públicas da Comissão Europeia, e simplesmente copiar esse processo. De outro modo, a sensação que fica é que deram o documento a ler aos mesmos do “costume”, que sugeriram alterações de redacção aqui e ali, e ignorou-se (sem ler?) quaisquer outras contribuições que tenham vindo de fora desse círculo próximo. Ficamos também sem saber se essa audição foi unicamente “conversa” ou se houve contributos escritos de alguma das entidades “ouvidas”.

b) apesar de algumas modificações de texto, o novo documento é basicamente idêntico ao anterior – principais modificações identificadas, em linhas gerais: tudo escrito ao sabor do novo acordo ortográfico (não sucedia no documento inicial), revisão e actualização de alguns números, e parte substancial das revisões resultam na adição de frases de auto-elogio. As alterações de pormenor dedicarei atenção em próximos posts (não vão ser muitos…). Ah, ia-me esquecendo, no final é adicionado um quadro com ministério responsável-medida-prazo. Vai ser de certeza usado para dizer que a reforma do estado tem 118 medidas, das quais umas quantas foram já concluídas.

c) Dado o tempo que passou, era certamente possível e desejável ter feito mais, muito mais, na revisão do documento, e mesmo na sua preparação para aplicação. E nem é preciso ser especialmente inventivo. Bastava que cada ministério, para cada medida que obrigue a preparar legislação, tivesse feito e divulgado uma aplicação do que vem descrito no Guia de Avaliação de Impacto Normativo de Carlos Blanco de Morais. Aliás, até seria uma boa forma de dar seguimento prático ao que o Ministério da Justiça tem no seu site governamental (original aqui):

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reforma do estado: take 2

disponibilizado hoje novo relatório sobre a reforma do estado, aqui.

Está difícil de acompanhar a produção de documentos nesta altura – foi o relatório da comissão europeia sobre a 11ª avaliação, foi o DEO (que espero terminar de ler e comentar em breve), é este novo relatório sobre a reforma do estado  (para procurar as diferenças com o anterior, será que vale a pena?).

 


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As pensões são dívida do Estado?

Roubei o título ao artigo de Ricardo Reis (aqui) que dá a conhecer a situação nalguns Estados dos Estados Unidos, em que as pensões dos funcionários públicos, decorrentes dos descontos que realizaram, são consideradas dívida como num contrato comercial, e como tal foram pagas a 100% mesmo quando os Estados tiveram que reduzir substancialmente a sua despesa pública.

A transposição desta experiência americana para Portugal não é directa. Embora não conheça os detalhes dos sistemas de pensões mencionados por Ricardo Reis, a minha conjectura é que se baseiam num sistema de contribuições definidas, em que os fundos vão sendo acumulados, e é o valor desses fundos (actualizado de acordo com os investimentos que os fundos de pensões realizam) que vai gerar o montante da pensão. Nesse contexto, a entrega de contribuições configura um contrato.

Em Portugal, no sistema público, as pensões de hoje são pagas pelas contribuições dos actuais trabalhadores e com transferências do orçamento do estado quando necessário. É por isso uma relação entre Estado, beneficiário da pensão e contribuinte da pensão bem mais difusa. E por isso mais fácil de apelar à ideia de que o contrato estabelecido é pagar a pensão que é possível com as contribuições que se conseguem recolher para o sistema ser sustentável.

O argumento da confiança é, a meu ver, em grande medida um argumento sobre qual é o contrato que de facto se estabelece e entre quem, aspecto que socialmente temos dificuldade em discutir.

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões pelas regras definidas, nem que para isso seja necessário tributar fortemente todo o resto da economia”, então as pensões devem ser pagas a 100%, e tributar ou aumentar as contribuições dos trabalhadores o que for necessário e o que custar aos restantes cidadãos, ou cortar fortemente nos  serviços públicos (a restante despesa pública, que também inclui algumas outras prestações sociais). Note-se que se dá valor absoluto maior a este contrato do que a outros contratos “de confiança”. Por exemplo, será aceitável como sociedade que para pagar as pensões a 100% se eliminasse o apoio à situação de desemprego (evitei propositadamente o termo “subsídio de desemprego”, ver noutros posts porquê)?

Se o contrato for algo como “o Estado compromete-se a pagar as pensões de acordo com o menor valor da comparação entre as regras definidas e o valor permitido pelas contribuições recolhidas”, então as pensões devem oscilar de acordo com as contribuições, e no actual contexto deveriam diminuir.

Diferentes contratos estabelecem diferentes regras de ajustamento e de quem suporta esse ajustamento. E regras de constituição de contas individuais (o chamado sistema de capitalização, que pode ter também redistribuição incluída) ou regras de sistema de repartição (os trabalhadores activos de hoje pagam as pensões dos reformados de hoje) têm também implicações diferentes.

Assim, a experiência americana relatada por Ricardo Reis é útil para mostrar que clareza de regras permite perceber melhor qual o contrato que de facto está presente, e agir de acordo com esse contrato. A situação portuguesa actual em que cada parte quer interpretar o contrato implícito de diferente modo (e se os actores políticos trocassem de lugar, tudo leva a pensar que trocariam também as suas posições sobre o sistema de pensões) não permite definir de forma clara qual é esse contrato.

E só depois de ficar claro qual é o contrato que os cidadãos têm com o Estado para o sistema de pensões é que se poderá passar às implicações do mesmo, e à discussão do que é um ajustamento equitativo dos valores das pensões. Procurar usar argumentos de equidade num quadro de ambiguidade quanto ao contrato subjacente é pouco útil.


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Guião da reforma do Estado (28)

Chegando ao fim da leitura do documento “Um Estado Melhor”, três grandes conclusões.

Primeiro, faltam detalhes que será necessário preencher nos próximos tempos, com ritmo e processos adequados.

Segundo, o documento toca muitas áreas, mas acaba por faltar uma visão globalmente enquadradora. Não é simples fazê-lo, mas é necessário ter esse esforço. Com igual nível de destaque e exposição surgiram princípios muito genéricos e medidas muito aplicadas. É necessário estruturar o nível de discussão de cada tema introduzido.

Terceiro, falta toda uma discussão sobre os mecanismos que criem um processo de melhoria contínua dentro do Estado. Parece estar subjacente uma ideia estática da construção de “um estado melhor”.

Para um objectivo de “Um Estado Melhor”, o documento advoga Estado em tudo e mais alguma coisa. Não há uma área de intervenção em que se diga que o Estado deva deixar de intervir. Muda-se sim, em vários casos e segundo as propostas feitas, o instrumento que é usado. A existência de mais contratos e relações com agentes privados (de diversas natureza) levanta a preocupação com a capacidade do Estado em gerir essas novas relações e os processo de selecção dos privados com que se vai relacionar. Os riscos de corrupção não deverão ser ignorados, e é necessário acautelar e prevenir.

Uma nota de curiosidade final. Sendo o problema económico nacional da última década sobretudo um problema de falta de crescimento da produtividade, é de notar que o termo produtividade é apenas focado uma vez no guião e na parte temática dedicada ao sector da saúde e medição da produtividade dos profissionais dentro das instituições. A ideia de colocar o Estado ao serviço do crescimento da produtividade na economia nacional parece ter estado ausente. 

Retomando as minhas primeiras impressões, é verdade que há muito a fazer, a detalhar e a discutir com base neste guião. Porém, é claramente um ponto de partida mais rico, mesmo que para criticar, do que muitos têm referido. Aliás, depois de ler e ter procurado comentar este guião, fico com a dúvida se a maior parte dos comentadores não terá feito uma leitura ligeira do guião, com ideias pré-concebidas e opiniões já formadas. Algumas das áreas tocadas claramente exigem uma expertise grande para serem comentadas e discutidas, e deverá chamar-se quem mais souber desses temas para a discussão. A sua discussão séria exige mais do que banalidades e impressões genéricas.


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Guião da reforma do Estado (27)

O capitulo 4, o final, é breve, e discorre sobre o reduzir a carga fiscal e a burocracia. A intenção parece ser a de referir o que o cidadão terá a ganhar com a reforma do Estado, acabando-se por centrar nos efeitos de uma redução de IRS, e nas vantagens de uma redução do IRC (que foi comentada noutros posts).

Na relação do cidadão com o Estado, e na ideia de simplex, vale a pena ver primeiro o que foi a experiência passada de simplificação administrativa, nas palavras de quem teve responsabilidades, Maria Manuel Leitão Marques, numa das sessões das sextas da reforma.

E sobre a ideia de um estado pós-burocrático, a discussão é ainda pobre no plano conceptual e de evidência, não se definindo sequer o que é um estado burocrático. Se foi criada uma estrutura dita burocrática foi para ter algumas vantagens, que foram entretanto “neutralizadas” pelo funcionamento da instituição. Não significa que essas vantagens sejam para ignorar. Há que rever o que significa uma estrutura burocrática e o que se pretende com a administração pública.  Que princípios devem nortear a relação do Estado com o cidadão? Que sistema / organização melhor garante esses princípios, dada a actual tecnologia e a sua previsível evolução?

Há com certeza vários textos de introdução. Um ponto de partida será o texto de Miguel Pina e Cunha, referenciado noutros posts e que relembro.


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Guião da reforma do Estado (26)

Sobre a saúde, focada no ponto 3.12, o comentário é mais difícil nesta altura. Na altura, as principais considerações ficaram expressas aqui.

No restante estou de acordo com a sustentabilidade ser uma restrição a ter em conta, não o objectivo em si mesmo. Bem como concordo com a demografia obrigar a repensar o tipo de cuidados.  E com a preocupação com a mobilidade de doentes no espaço europeu.

Não há medidas concretas propostas, pelo que a discussão concreta ficará para mais tarde.

Desafios que não são aflorados no documento:

a)    terminar o ciclo de reforma dos cuidados de saúde primários;

b)   perceber se o problema da criação das dívidas hospitalares ficou resolvido com a lei dos compromissos (ainda não temos evidência suficiente sobre este aspecto)

c)    compreender como é que a reforma hospitalar tem sido sucessivamente atrasada e porque é que a publicação do guião irá resolver esse problema de resistência à reforma

d)   pensar na capacitação dos cidadãos para a gestão da sua saúde em termos que não sejam a ineficaz adopção de “medidas legislativas imprescindíveis” – tudo o que seja “ditadura de saúde pública” sobre vida pessoal irá enfrentar resistências; a liberdade individual de cada um dentro da sua vida privada é uma linha invisível a não ser ultrapassada, mesmo que com objectivos meritórios de promoção da saúde. Não compreender que existe essa linha é caminho certo para medidas desajustadas e que não produzirão os efeitos desejados.

e)    Repensar um pouco a estrutura do Serviço Nacional de Saúde; em particular, com o fusão de agrupamentos de centros de saúde, é de questionar se as Administrações Regionais de Saúde ainda são estruturas que se justifica existir, ou se deverão ser repensadas.

 

Um ponto de discordância com o guião da reforma do estado é o papel do Estado na internacionalização do sector da saúde. Não cabe ao Ministério da Saúde fazer política industrial, e menos ainda deixar que as instituições do Serviço Nacional de Saúde a façam com recurso aos fundos dos contribuintes. O sector privado de saúde em Portugal pode e deve internacionalizar-se, não é esse aspecto que está em causa. Só não deve ser o Serviço Nacional de Saúde a fomentar essa internacionalização, primeiro porque não tem escala para o fazer a nível global e deverão ser as empresas a procurar essa escala, segundo porque é bastante fácil cair em situações de benefícios privados e custos públicos dessas iniciativas.


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Guião da reforma do Estado (25)

Voltando às IPSS, é dito que “Só a contratualização com as IPSS permitirá uma gestão de proximidade, tecnicamente habilitada, e ajustadas às circunstâncias especificas das famílias”. Esta afirmação carece de demonstração cuidada. Por exemplo, pretende-se com esta afirmação garantir que a gestão das IPSS assegura a não discriminação e a igualdade de tratamento de todos os cidadãos? É possível que sim, mas é preciso que os cidadãos não tenham dúvidas quanto a isso; de outro modo, a afirmação baseia-se em “achismo” (eu acho, tu achas, ele acha…) ou conhecimento de casos particulares. Note-se que o conhecimento local e o distanciamento da ética da burocracia pública poderá levar a uma maior utilização de “cunhas” e de favorecimento, ou até mesmo de utilização da posição numa IPSS para projecção pessoal. E bastará um ou dois casos para mancharem a imagem de todo um sector. Como serão estes aspectos acautelados? Fica realmente mais eficiente que usar alternativas, nomeadamente intervenção pública directa? Não sei, e estou disponível para qualquer solução desde que ancorada em evidência clara.

Da mesma forma, “a concessão de equipamentos sociais que [o Estado] não tem competências para gerir” tem que ser completada com definição do que é o que Estado não tem competência para gerir e porquê. E se faz contrato de gestão, como assegurar que não fica refém de uma entidade privada e como assegurar que no contrato não vão estar envolvidas “rendas excessivas”? Além da questão da gestão política do sucesso e do insucesso.

Se a concessão for bem sucedida, a entidade privada gerará excedentes e o Governo será acusado de dar “rendas” aos privados; se for mal sucedida, será acusado de ter feito um erro.