Momentos económicos… e não só

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Dilema: ter sanções ou não ter sanções?

A grande discussão económica das últimas semanas, brevemente interrompida pelos sucessos desportivos recentes, é se a União Europeia irá, ou não, aplicar sanções de natureza económica a Portugal, no cumprimento das regras a que Portugal voluntariamente se comprometeu quando integrou como fundador a zona euro.

É evidente que para Portugal, agora e neste momento, é melhor não sofrer sanções. E será sempre verdade “agora e neste momento”, qualquer que ele seja. O que está em causa não é se as sanções por si vão ajudar a economia portuguesa. Não vão. A questão é saber se Portugal (e já agora cada um dos restantes países do euro, pelo menos) tem capacidade de viver num mundo de decisões de política económica com regras fixadas previamente. O propósito dessas regras é evitar erros de política económica ou aproveitamento dos mecanismos europeus à custa dos restantes parceiros (e se todos fizerem isso, no final todos ficarão pior – é o velho problema da “conta do restaurante” ).

A criação de regras tem o potencial de gerar melhores decisões de política económica em geral, mas tem que lutar contra a tentação de subverter essas regras no futuro, argumentando que não se aplicam. Este debate sobre a relevância das regras é permanente. Há cinco anos, num outro texto, procurei explicitar o que nos diz a análise económica (ver aqui).

Mas qual é o problema de Portugal argumentar que não lhe devem ser aplicadas as sanções previstas pelos tratados que Portugal livremente assinou? Se o argumento se baseia em não estarem preenchidas as condições para essa aplicação, então a discussão é sobretudo uma discussão técnica, e deverá ser conduzida nesse plano. E Portugal tem neste caso toda a razão em discutir com os serviços da Comissão Europeia que preparam os documentos para a decisão política.

Mas se o argumento é que apesar de estarmos nas condições de aplicação de sanções, essa aplicação é prejudicial à economia portuguesa e como tal não deverá ser aplicada, então estaremos a ajudar a minar a credibilidade da estrutura montada para o enquadramento das decisões económicas, e também a minar a credibilidade nacional (quando Portugal se comprometer no futuro com decisões de longo prazo, os nossos parceiros “aprendem” desta situação que procuraremos renegociar mais tarde, o que afectará os termos com que quererão trabalhar com Portugal). O que se joga com as sanções a Portugal e Espanha no contexto europeu é a credibilidade de um sistema em que podem ser tomadas decisões de longo prazo e esperar que os países as cumpram versus um sistema de negociação permanente, com a incerteza a ele inerente. A discussão que tem sido feita em Portugal mostra a preocupação (grande) com o momento presente, ignorando os efeitos de longo prazo na credibilidade e reputação do país e dos mecanismos europeus (aspecto em que Portugal não está sozinho, claro).

 


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Custos de crescimento do Brexit para o Reino Unido

para quem quiser ver um resumo de uma quantificação feita há dois anos, ver aqui, o original está aqui, de um grupo de pessoas da London School of Economics. Porque perde o Reino Unido nessas contas: barreiras ao comércio com a União Europeia. Outros factores que não são fáceis de incluir como efeitos sobre o investimento, sobre a imigração e alteração da regulação económica, não foram contemplados. Estimativa de perda entre 1,1 e 3,1% do PIB com o saída da União Europeia.

E há ainda a distribuição desses custos, que poderão ter consequências importantes. A esse respeito, uma extraordinária notícia sobre a Cornualha – votaram pela saída da União Europeia, mas agora querem que o Governo inglês compense a perda de fundos comunitários que vão ter (noticia aqui) (“Not only do Cornwall’s many farmers and fishermen benefit from the Common Agricultural Policy and Common Fisheries Policy respectively, but the county receives tens of millions of pounds a year in structural and convergence funds to support local economic growth and communities. In the 2014-2020 budget, Cornwall has been allocated 592 million euros from the convergence fund to assist with further development. If Britain leaves the EU before 2020 the government should seriously consider keeping this fund up.”)

Não é difícil adivinhar que iguais pedidos vão surgir de outras regiões de Inglaterra que recebam fundos, e de actividades que recebam apoios da União Europeia, ou até mesmo o sistema de ensino superior e investigação que se candidata com grande sucesso aos fundos europeus nessa área. Chegar a um entendimento não será fácil. E os defensores do Brexit, como Nigel Farage, no dia seguinte já estão a negar o que disseram antes da votação (ver aqui).

 


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Brexit e uma avalanche de opiniões

O resultado do referendo no Reino Unido trouxe a decisão de saída da União Europeia. Os próximos tempos vão ser avassaladores nos comentários e análises. Não é difícil antecipar que haverá quem anuncie o fim do “projecto europeu”, como quem defenda que sem os ingleses se poderá avançar para “mais projecto europeu”.

O processo de saída do Reino Unido levará até dois anos depois do pedido dessa saída, que terá de ser feito, e David Cameron no seu discurso de demissão referiu que será o próximo primeiro-ministro inglês a fazer esse pedido. O que só sucederá em Outubro, dado que Cameron anunciou que permanecerá até lá.

Os resultados do referendo vão ter consequências de curto prazo e de longo prazo importantes, para a Inglaterra/Reino Unido, para a União Europeia e para Portugal.

No caso inglês, o problema maior do resultado do referendo vai ser provavelmente político – A Irlanda do Norte e a Escócia votaram a favor de permanecer na União Europeia, as ideias sobre a independência na Escócia devem voltar, reforçadas pela vontade de pertencer à UE – o que a suceder cria dois problemas – como separar a Escócia do Reino Unido? Como fazer a adesão da Escócia à União Europeia?

E também têm o problema político de uma Inglaterra que tem uma divisão Londres / resto do país. Os mapas de votação são muito claros quanto a isso (ver abaixo, retirados do Guardian). Poderá ser este um resultado de um discurso continuado de muitos anos (desde sempre?) contra a União Europeia e contra as suas instituições?

Em termos económicos, a Inglaterra tem mostrado ter uma economia com capacidade de ajustamento, e encontrará o seu novo espaço, com novos acordos, revisão da legislação para expurgar o que quiser do normativo europeu, etc.

Para a Europa, o desafio principal será o de gerir as relações económicas e políticas durante o processo de saída. Não há nada que impeça a criação de tratados que mantenham continuidade nas relações económicas vigentes. Sendo a primeira separação de um país da União Europeia, haverá um caminho de aprendizagem, mas que não tem de ser traumático. E dentro da Europa há o exemplo da República Checa e da Eslováquia, que resultaram da cisão de um país. Mais fortes serão as pressões para referendos nalguns países da União Europeia, o que terá tensões que se poderão transmitir a nível europeu.

Para Portugal, a principal mudança nos próximos meses virá do turismo, e do que for a evolução do câmbio da libra inglesa face ao euro. A concretizar-se uma desvalorização da libra face ao euro, os turistas ingleses terão menos poder aquisitivo, podendo vir a gastar menos em turismo. Se a saída do Reino Unido significar, por outro lado, que o euro se desvaloriza face ao dólar, poderão surgir melhores oportunidades de exportação para mercados onde o dólar seja a moeda de referência. Nada fácil antecipar o que possa ser este impacto.

 

 

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União Europeia, instrumentos e sector da saúde

Interessante discussão no dia de ontem, numa conferência organizada pelo European Social Observatory, sobre como os aspectos institucionais da União Europeia afectam as políticas na área da saúde. Interessante quer do ponto de vista interno – papel das country specific recommendations e do semestre europeu como instrumento de coordenação das políticas macroeconómicas e reacções dos países a esse papel, quer do ponto de vista externo – acordos internacionais como o actual tratado em negociação com os Estados Unidos. Uma intervenção de uma pessoa da Comissão a dizer que desde que as contas públicas estejam equilibradas, pouco têm a dizer sobre como os países gastam em despesas públicas em saúde, e que nos casos de intervenção nem sempre defenderam cortes nas despesas de saúde, tendo no caso de Chipre uma preocupação com a cobertura universal de todos os cidadãos, e no caso do aconselhamento à Roménia a preocupação de reforçar as despesas em saúde. Também a referência a um crescente aligeirar das country specific recommendations para não serem excessivamente intrusivas nos estados membros.

Antes disso, uma visão sobre a mobilidade de doentes depois da directiva de cuidados transfronteiriços – numa síntese, não existe com significado em lado nenhum; e sobre a mobilidade de profissionais de saúde, existe há mais de uma década e não se prevê que pare, havendo cada vez mais fluxos migratórios dentro da União Europeia (o que para Portugal significa que a crescente emigração irá provavelmente continuar mesmo com as reposições salariais e alguma melhoria nas condições de trabalho que venha a ocorrer nos próximos anos).

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fim de tarde em Bruxelas, com céu azul

 


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sobre a escolha do comissário europeu de Portugal

tenho hesitado um pouco sobre o que tem sucedido. A minha visão sobre os princípios dessa escolha já os tinha colocado antes aqui. A “novidade” do processo em Portugal foi, entretanto, a colocação em diversos jornais, por exemplo no Jornal Público, de um texto de Maria João Rodrigues (site aqui). 

Devo dizer que numa primeira leitura tive alguma estranheza, mas tenho estado a pensar, e neste momento vejo com agrado que Maria João Rodrigues tenha escrito a defender a sua posição – tem aliás vários textos no Público (ver aqui). Não significa que eu defenda que devesse ter sido nomeada para o cargo, ou que defenda que não deva ser nomeada. Estou a pensar no processo. Ao escrever a sua visão sobre o que é o papel de um comissário europeu, e sobre o que poderia ser a sua contribuição, coloca a discussão num plano mais interessante, e bem mais saudável, que o nomeação partidária pelo partido que estiver no Governo na altura. 

Os nomeados para comissário europeu por cada país terão ainda que percorrer alguns passos, e nesses passos haverá uma forte componente “técnica” e “política” de escrutínio, que deveria ter uma parte feita antes, dentro do próprio país – só daria credibilidade aos candidatos portugueses para conseguirem ficar a seu cargo com aspectos importantes da política europeia (e para um desenvolvimento europeu e não de favorecimento do país de origem).

E lendo com cuidado a sequência de textos de Maria João Rodrigues, esta acaba por fazer esse percurso de alguma forma, mesmo tendo que esclarecer qual a sua posição pessoal.

Significa que Maria João Rodrigues seria uma melhor escolha que Carlos Moedas? não sei dizer, não tenho a mesma informação sobre ambos. Sobre Carlos Moedas, que foi depreciado de várias formas pelos opositores políticos do Governo, da sua actuação pública, numa posição chave durante o período oficial do resgate financeiro, mostrou discrição e capacidade de execução. Não encontro qualquer razão para que não possa ser um bom comissário europeu.

Mas a questão central é que não houve uma valorização dos pontos fortes e fracos de cada potencial candidato. Teria sido interessante que algum órgão de comunicação social tivesse pedido a cada um deles um artigo, uma entrevista, sobre como viam a posição de comissário europeu e o seu papel. Nomear para cargos não eleitos é sempre complicado, mas aqui, pelo simbolismo que encerra para as relações entre os países e a Comissão Europeia, teria sido saudável uma maior divulgação, mesmo publicidade, da pessoa que foi escolhida e suas razões. 

Como cidadão, gostaria de sentir que na Comissão Europeia está um comissário vindo de Portugal que representa bem, enquanto agente decisor, o país – no sentido de competência técnica e política, não na defesa do “interesse nacional” –  na condução dos destinos da União Europeia que estão a seu cargo, e não que é uma mera questão de “prémio político”. 

 


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são os italianos e espanhóis mais ricos que os alemães?

A propósito de um trabalho do Banco Central Europeu, surgiu a informação que os cidadãos dos países do Sul da Europa – em particular, espanhóis, italianos, cipriotas, seriam mais ricos que os alemães. Paul de Grauwe olhou para a questão através das desigualdades que também existem na Alemanha (aqui).

Uma questão similar tinha-me sido levantada há dias por um colega. Utilizando dados do inquérito SHARE, para 2011, que abrange apenas cidadãos acima de 50 anos mas tem um conjunto alargado de países inquiridos, entre os quais Portugal, é possível olhar um pouco mais para esta discussão, para este grupo da população e analisando um dos principais activos – a propriedade de habitação própria.

A importância desta discussão está em levar a questionar o apoio do Norte da Europa, leia-se Alemanha, ao Sul, leia-se países do Mediterrâneo pertencentes à zona euro.

Primeiro dado, os alemães têm por escolha comprar menos habitação própria. Esse facto é muito claro na população acima dos 50 anos, sendo mais natural no Sul da Europa uma percentagem muito elevada de pessoas acima desta idade que é dono da sua casa. (a responsabilidade dos gráficos e de imprecisões que neles possam constar são minha responsabilidade)

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Os alemães por outro lado são os que têm menos dívidas na aquisição de habitação própria.

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Em termos de rendimento ajustando para os níveis de preços em cada país e para a composição dos agregados familiares, na população com mais de 50 anos, os alemães não são os mais ricos, sendo mesmo ultrapassados pelos espanhóis. Mas como estamos a falar de habitação própria e resultante de valores auto-reportados pelos próprios donos das habitações, a existência de uma “bolha” de preços na habitação em Espanha poderá reflectir-se em valorizações pessoais e não de mercado (valor de transacção) das habitações. O valor de mercado é aquele pelo qual conseguimos vender não aquele pelo qual gostaríamos de vender ou que achamos que é “justo” vender. Por isso, a percentagem de proprietários sem dívida relacionada com a habitação poderá ser uma melhor aproximação da riqueza da população com mais de 50 anos de cada país, e nesse indicador os alemães surgem muito claramente diferenciados do sul da Europa (tal como os holandeses).

É preciso ter o cuidado de estes valores não serem rendimentos nominais de cada cidadão, e dizerem respeito a uma parte da população apenas.

Ainda assim, é notável que as diferenças entre os cidadãos de diferentes países assinalem rendimentos mensais que depois de ajustados para a dimensão do agregado familiar e poder de compra que não são muito diferentes entre países e em particular a Alemanha não aparece como uma posição de muito maior rendimento que os restantes, pelo menos nesta população. Se tal se deve à generosidade dos sistemas de pensões ou a outro motivo, é algo que não é possível aqui distinguir.

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sobre o resgate financeiro de Chipre

o aspecto mais visível neste momento é o imposto sobre depósitos nos bancos, depósitos esses que ficaram já congelados para efeitos de pagamento desse imposto (pelo que se percebe, os depositantes podem retirar dinheiro, mas fica sempre retido o valor referente ao imposto que terá de ser pago). Terça-feira veremos que corrida aos bancos existe, e como reage a população. De Chipre, mas também de outros países – Grécia, Portugal, e Irlanda – por estarem já sob resgate, e Itália e Espanha por terem andado lá perto. Uma corrida aos bancos num destes países poderá levar a uma espiral europeia. De qualquer modo, a confiança nos depósitos bancários dificilmente será a mesma. Uma retirada maciça de depósitos para dinheiro num país médio da zona euro criará problemas graves para o sector bancário europeu. A ver como evolui.

Entretanto, alguns links interessantes que discutem este resgate a Chipre:

 

_Washington Post: aqui

_Financial times: aqui

_El Pais: aqui e aqui (o Governo espanhol a dizer já que o que se passa em Chipre não pode ser tomado como exemplo do que se poderá passar em Espanha).

_blog Theirisheconomy: aqui sobre as reacções na Irlanda

_The Economist: aqui

_blog de Protesilaos Stavrou: aqui


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o que ontem se disse

merece três comentários:

a) a triste discussão sobre milhões de orçamento comunitário, em que se passa implicitamente (ou se calhar mesmo explicitamente) à “compra” de votos dos países dando mais ou menos milhões para aqui ou para ali. Não sei o que se passa dentro das reuniões, mas a forma como são dadas as informações não levam a grande optimismo sobre o rumo da União Europeia. Não sei porquê faz-me confusão títulos como “oferece 1000 milhões de euros a Portugal” (subentende-se que com o propósito de toma, cala e leva para casa)

b) a afirmação do ministro da economia sobre um plano a nível europeu para recuperar indústrias deslocalizadas. Tal como colocada a afirmação presta-se a equívocos. Julgo que deve ser entendida como pretender que a Europa e Portugal nela incluído tenham capacidade de reter produção de bens e serviços, e não exactamente e num sentido literal que Portugal (ou a Europa) venham a ter a mesma estrutura produtiva que tinham há 30 anos. As vantagens de abertura às trocas internacionais está em grande medida em cada economia se ir especializando, o que aumenta a sua dependência mútua. Pretender manter uma estrutura produtiva sem mudanças é abdicar de ter parte substancial dos ganhos dessa inserção nas trocas internacionais. É que se fosse apenas uma questão de voltar a produzir o que se tinha no passado, a solução seria relativamente simples. Mas a questão, para a actuação das políticas públicas, é como facilitar que as empresas consigam descobrir quais os produtos, bens e serviços, que melhor são recebidos no exterior, e pelos quais conseguimos obter melhor preço. O problema não é a falta de um plano quinquenal de actividades produtivas no sector do aço e carvão (velhas actividades europeias). Creio que o ministro da economia tem estas distinções bem presentes, pela sua formação, mas a forma como as suas declarações são lidas pode ser menos correcta.

c) E de repente volta-se a falar de contrapartidas nos fornecimentos de material militar adquiridos no exterior. É um tema que surge de forma ciclica de 15 em 15 meses, mais coisa menos coisa. Desta vez, não é dar mais contrapartidas, e sim alterar a forma como os fornecedores do estado português dão essas contrapartidas, focando em empresas portuguesas que tenham capacidade de diálogo e de concretização, em lugar de pequenas e médias empresas que depois não conseguem executar essas contrapartidas. Mas o que era mesmo bom era converter essas contrapartidas ainda não executadas em descontos de preços a pagar pelo estado português. (para quem quiser ver uma discussão antiga, mas ainda perfeitamente válida sobre isto, ver aqui).


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O puzzle, saído no Diário Económico de ontem

O puzzle (no Diário Económico de 06.Fev.2012)

Há mais de meio século que a Europa Ocidental procura construir um espaço comum, político e económico. Nos dias que correm, o económico tem peso considerável, A falta de crescimento económico e o desemprego estão na frente das preocupações.

A criação de uma identidade europeia levará, sem ignorar as raízes de cada um, à capacidade e disponibilidade para circular no espaço europeu, como turista e como trabalhador.

O Primeiro-Ministro italiano falou sobre mobilidade entre postos de trabalho (e na quebra de monotonia), gerando reações que se assemelham às vistas em Portugal a  propósito de se sair da “zona de conforto” (eventualmente mesmo emigrar).

As reações observadas nos dois países, Portugal e Itália, traduzem o muito que ainda falta fazer em termos de construção europeia, em particular na facilidade em encarar a mobilidade dentro do espaço da União Europeia, em termos de emprego e dinâmica económica. Daqui é fácil saltar para a conclusão de que parte da solução dos problemas do emprego a nível europeu tem que passar pela mobilidade dos trabalhadores. Mas essa é a parte mais evidente, e, até certo ponto, mais contestada. Há contudo outra parte, mais ignorada no debate público.

Para que um país (uma região) possa integrar o espaço económico europeu é necessário que pense em como atrair trabalhadores de todo esse espaço. As políticas de emprego em Portugal não podem ser apenas pensadas para os desempregados portugueses. É muito mais interessante pensar em que políticas de emprego permitem atrair trabalhadores, empresários e empresas, de toda a União Europeia. E se formos capazes de definir ambientes de trabalho e regras de funcionamento do mercado de trabalho português que sejam apelativas globalmente, então também serão atrativas para os portugueses.

Os desafios da mobilidade internacional e da mobilidade entre postos de trabalho, que tanta discussão têm gerado em Portugal e Itália, têm de ser vistos como um elemento de um desafio mais geral: como tornar Portugal um local de trabalho interessante para qualquer europeu. Pensar desta forma implica encaixar muitas peças de um puzzle complicado: mercado de trabalho, mas também mercado da habitação, segurança social em diferentes países, assistência da doença, educação para filhos, relação com a administração pública, etc… É este puzzle que temos de montar, se quisermos futuro para além dos tempos da troika. Teste simples para saber se cada peça encaixa: é amiga de trabalhadores “europeus”, portugueses ou não?


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no dinheirovivo.pt de hoje,

a contribuição habitual de segunda-feira, aqui, com uma sensação de profecia que se cumpriu,

União Europeia – Consegue-se aprender com os erros?

12/12/2011 | 17:17 | Dinheiro Vivo

A cimeira europeia do final da semana passada acabou por dominar, como seria de esperar, todas as atenções.

Não se chegou a qualquer solução real, como seria de esperar dadas as posições expressas antecipadamente pelos diversos países, Reino Unido incluído. A ideia de se avançar para uma “união de estabilidade orçamental” com os 17 países do euro é uma proposta de recurso, para tentar solucionar a actual instabilidade.

A necessidade de uma maior “estabilidade orçamental”, com controle comum, entendido a maior parte das vezes como controle alemão, tem sido implícita ou explicitamente justificada com os “excessos orçamentais”, sobretudo dos países do Sul da Europa.

Contudo, por politicamente atractiva que seja esta visão no Norte da Europa, e aceite tacitamente pelos países em situação de resgate financeiro ou com receio de dele virem a precisar, não deixa de esconder um aspecto crucial. Um aspecto que é crucial por estar na origem da actual crise política no seio da União Europeia: em finais de Novembro de 2003, há oito anos, numa cimeira europeia ficou decidido não iniciar procedimentos relativamente aos défices orçamentais excessivos da França e da Alemanha.

Na altura, escrevi no Semanário Económico: “passou a ser verdade que regras como as do Pacto de Estabilidade e Crescimento dificilmente serão cumpridas pelos países grandes em condições de dificuldade. Daqui resulta a necessidade de os decisores políticos, devidamente preparados, apresentarem iniciativas com imaginação suficiente para que se consiga processar uma coordenação de políticas orçamentais, com credibilidade suficiente para que seja sempre respeitada. A não suceder, a prazo, o próprio objectivo de uma zona euro estável poderá ficar comprometido.” (as vantagens da informática é a facilidade em recuperar o passado).

A meu ver, o elemento fundamental de estabilidade a médio e longo prazo não é controle orçamental dos países do Sul, como tem sido feito crer. O crucial é estabelecer mecanismos em que os países grandes, leia-se no contexto do euro França e Alemanha, não tenham capacidade ou interesse em subverter em função dos seus interesses quando forem abrangidos por esses mecanismos.

Obviamente que há detalhes operacionais a serem trabalhados, dado que limites fixos constitucionalmente e/ou por tratado internacional para variáveis como o défice público e a dívida pública vão exigir, para além dos mecanismos de penalização, uma definição exacta de cada conceito e de como se mede.

Mas mais importante é perceber se os mecanismos a instituir são suficientemente fortes para que no futuro, daqui a 5 ou 8 anos, a França ou a Alemanha não queiram argumentar com situações de excepcionalidade para não serem abrangidos.

É neste sentido que o novo tratado terá de ser mais exigente do que as anteriores regras. A credibilidade das regras, a reputação do mecanismo, estabelece-se quando é difícil fazer a sua aplicação, isto é, quando são aplicadas aos países com maior peso, e não quando é fácil (ou seja, na “punição” dos países mais pequenos).

A União Europeia tem que aprender com os seus erros. Em concreto, com as ações que comprometeram a credibilidade dos mecanismos criados para defesa do espaço do euro.

Nova School of Business and Economics 
ppbarros@novasbe.pt