tal como Benjamin Button. É assim caracterizado o percurso do meu filho no Serviço Nacional de Saúde.
Mas contemos a história como ela deve ser contada.
Em Março deste ano, para rotina, marcamos uma consulta com a médica de família para o meu filho mais velho. Não indo ele ao centro de saúde há alguns anos, estava na altura de retomar esse contacto, para uma consulta.
Na altura da marcação, contra a apresentação do cartão de cidadão, foi dada a informação que no “sistema” já não seria jovem. O “sistema” foi aliás bastante preciso, dando como data de nascimento 28 de Janeiro de 1927.
Adoro o “sistema”, mas quanto à data de nascimento, falhou o dia, falhou o mês, falhou o ano, falhou a década.
Inevitável, mas sem grande esperança, a pergunta foi, “não pode mudar a data de nascimento, vendo a verdadeira no cartão de cidadão?”. Quem atendia, tentou solicitamente verificar se poderia registar a alteração. Não podia. O “sistema” tinha bloqueado esse campo a cinzento. Um “sistema cinzento”. Faz-se então o pedido de alteração da data. Pedido que recebe atenção diligente de quem atendia.
Sabendo como estes processos acontecem, ou não acontecem, em Portugal, passados uns meses, nada como uma tentativa de contacto para o centro de saúde. Verificou-se que a data de nascimento permanecia a mesma. O meu filho tem, nesse momento, 84 anos segundo o Registo Nacional de Utentes do Serviço Nacional de Saúde. Com esta idade chegará com facilidade a ser o idoso mais idoso de Portugal (…a menos que haja outros assim no Registo Nacional de Utentes…).
Claro, novo pedido de rectificação. Do outro lado, respondem que tomaram nota, mas que terão de enviar para a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. A sério?? sim, sim. Bom, nesse caso, escrevo também para lá, via o endereço de correio electrónico. Claro que as probabilidades de receber uma resposta são menores que as de ganhar o euromilhões.
Entretanto passa-se o Verão, e a 31 de Outubro acabo por ir ao centro de saúde por outro motivo, e confirmo que o meu filho continua nascido em 1927. Peço para saber se algum dos pedidos de rectificação anteriores teve seguimento ou resposta. Não sou capaz de obter qualquer resposta, sendo remetido para o gabinete do utente. Claro que são 8h30 da manhã e claro que o gabinete de utente só abre às 10h00.
A solução é óbvia telefonar mais tarde. Hora: 10h10, telefonema iniciado, passagem por duas telefonistas (?), até conseguir ser atendido por alguém do gabinete do utente. Repete-se a rotina já conhecida: o “sistema” tem a data errada, o “sistema” não permite alterar. Mas, levanta a suspeita a voz do outro lado, se calhar não é o “sistema” que está errado! (o “sistema” nunca está errado, e raramente tem dúvidas). Deve ser problema do cartão de cidadão. Claro! Como não me lembrei disso antes. E sobretudo impossível de verificar naquele momento, uma vez que costumo andar só com o meu cartão de cidadão, e não com o do meu filho.
De qualquer modo, com grande condescendência, refere que vai fazer por correio electrónico o pedido de alteração. Aproveito a informação para pedir que me coloque em cópia na mensagem que enviar. Surge a “mentira piedosa” do outro lado, que sim senhora, vai colocar, então diga lá o endereço. Até hoje não tenho conhecimento da mensagem, se é que foi enviada.
Nessa tarde, dou uso ao espantoso aparelho de leitura de cartão de cidadão que comprei há um par de anos depois de feita a troca do velhinho bilhete de identidade amarelo pelo moderno cartão do cidadão. Se no rosto do cartão de cidadão a data estava correcta, quem sabe se informaticamente não estaria outra data, como sugerido pela arguta, experiente e solícita funcionária do gabinete no utente?
Desilusão! Tudo se encontrava correcto nos dados do cartão do cidadão. A data de nascimento tem em todo o lado o dia, mês e ano correctos. Excepto no RNU do Serviço Nacional de Saúde. Não é ainda altura de desistir.
Baseando nos resultados de todas as tentativas passadas, hora de nova abordagem, dado que por estes dias foi anunciado o novo portal da saúde. E vamos a isto, alguns dias depois. Abrir o navegador de internet (o browser, mas tentemos usar termos portugueses quando for possível). Escrever portaldasaude.pt. Descortinar onde está o acesso ao RNU, e seleccionar. Abre-se nova página, e quatro escolhas como no “quem quer ser milionário”: e-agenda, rnu, e-sigic e portal do utente. Por enquanto é fácil, rnu, claro. Transportado para uma página de entrada, onde se pede para fazer o registo, com base no número de utente do SNS. Primeira tentativa de registo, usando a data de nascimento verdadeira e menção de dados incorrectos. Claro, o “sistema”, qual HAL 9000, não se deixa vencer tão facilmente. Bem, primeira reacção, mensagem de correio electrónico para o apoio, a informar que não consigo fazer o registo.
Depois de enviada a mensagem, surge, apenas uns minutos tarde demais, a ideia de tentar com a data de nascimento indicada pelo centro de saúde. Et voilá! Estou dentro do “sistema”, onde se pode consultar a data de nascimento. E que está a “cinzento”, não havendo possibilidade de alterar.
Qual o próximo passo? A opção tomada foi a de esperar por resposta à mensagem enviada. Poderá suceder que encontrem o problema e o solucionem. Ou pode suceder que nunca tenha resposta.
Passam-se 9 dias até ter uma resposta do apoio do RNU. Com uma mensagem tipo, provavelmente automatizada, dizendo que “o erro não tem a ver com os dados, mas com a senha que está a definir. Tentamos fazer registo e não surge qualquer dificuldade ou erro. Pelo que solicitamos que tente novo registo”. Como de costume, o “sistema” não falha.
Resiliência é a palavra chave para os tempos que correm. No dia seguinte, mensagem de resposta, indicando de forma mais clara o problema, e enviando imagem com cópia dos erros e cópia do cartão de cidadão com os dados correctos. Descrição do problema tão detalhada quanto me passou pela imaginação, para que não houvessem dúvidas.
Mais 9 dias, e finalmente a resposta. A informar que a data tinha sido rectificada. A mensagem diz “O seu pedido com o nº XXXXX, com a descrição RNU – atualização dados, foi resolvido com a seguinte solução: Os dados do utente [Número] – [Nome] foram rectificados de acordo com a informação recebida via Cartão de Cidadão.” Pisquei os olhos. Voltei a ler. HAL 9000, estás a brincar comigo?
Primeiro procedimento de verificação: Abrir computador, entrar no navegador de internet, portaldasaude.pt, RNU, tentativa de entrada, diz que utilizador com aquele número de utente não está registado, hummm. Será que a correcção alterou alguma coisa no “sistema”?! Tentativa então de novo registo. Avisa que já há um registo com aquele número de utente. HAL 9000 a actuar? Nova tentativa, limpar a memória do navegador de internet, fechar e reabrir (não sei porquê, às vezes resulta). Nova tentativa. Ainda nada. Talvez tenha digitado mal a senha secreta, com a mania de ser rápido. Nova tentativa, desta vez olhando bem para o teclado. E estou dentro do “sistema”. Afinal a culpa tinha sido minha, desta vez. Consulta da idade. E sim, está correcta. O “sistema” conseguiu fazer do meu filho um Benjamin Button, passando de 84 anos para adolescente em poucos dias. Satisfeito, mas ainda não confiante.
Segundo procedimento de verificação: Telefonar para o centro de saúde, pedir para passar ao gabinete de utente. A telefonista passa-me para outro lado qualquer, mas quem atendeu tem computador e acede, simpaticamente, a verificar a data de nascimento associada ao número de utente do SNS. Está correcto. Antes de desligar, ainda sou inquirido sobre como cheguei até aquele telefone, se por marcação directa ou de outra forma. De outra forma, claro, foi a telefonista que fez a ligação e ainda hoje não sei com quem falei.
No final, lição a retirar, a burocracia do SNS resolveu o problema. Não através do primeiro ponto onde foi detectado o problema (onde suspeito nunca darão resposta, nem perceberão que o problema já se encontra resolvido), mas através das funcionalidades de e-Government. O HAL 9000 às vezes pode ser vencido.
Obrigado às pessoas que responderam às mensagens enviadas para o RNU (e que vinham devidamente assinadas), por terem dado solução ao problema apresentado.
Novembro de 2012


Gostar disto:
Gostar Carregando...