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salários na função pública, e o ministério das finanças como excepção?

O Ministério das Finanças anunciou recentemente que será atribuído um suplemento remuneratório aos trabalhadores do respectivo ministério, e desde logo surgiram as críticas, baseadas até no tradicional “trabalho igual, salário igual”, sem cuidar de saber se o trabalho desenvolvido neste ministério é de facto igual ou não. A necessidade de apetrechamento em recursos humanos adequados no ministério das finanças é clara e tem sido reclamada. Até agora, houve sempre o pudor de o próprio ministério das finanças assumir as suas dificuldades de recrutamento. A lógica de dar o exemplo, com limitação das contratações resultou, ao longo dos anos, numa situação difícil para os recursos humanos deste ministério. Aliás, na série de seminários Sextas da Reforma, um dos assuntos recorrentes foi a falta de recursos humanos no ministério das finanças.

Significa então que há um problema na necessidade do ministério das finanças atrair trabalhadores qualificados? tudo indica que sim.

Dada esta resposta, a pergunta seguinte é saber se o suplemento remuneratório é um instrumento útil e desejável, se atinge os objectivos pretendidos.

E é aqui que creio surgir a dúvida central – este reenquadramento remuneratório deveria fazer parte de uma nova política de recursos humanos para toda a administração pública, onde o princípio de salário igual para trabalho igual fosse aplicada, sendo que “trabalho igual” não é o mesmo que “categoria na carreira igual”.  E onde se pensasse na utilização efectiva dos instrumentos que foram criados nos últimos dez anos dentro da administração pública. Mesmo com igual massa salarial, a sua distribuição poderia ser feita de forma distinta; em particular, a reposição de cortes que começou a ser feita este ano poderia ter sido usada de forma selectiva atendendo à produtividade e contributo dos diferentes funcionários. Se os trabalhadores do ministério das finanças tiverem um maior horário de trabalho, uma maior exigência sobre as suas vidas profissionais e até pessoais, então o suplemento remuneratório surgiria por essa via, e não por pertencerem a um ministério em particular.

Acresce que aceitando esta diferenciação de acordo com o ministério onde se trabalha se abre a porta para a pulverização em excepções das condições remuneratórias dentro da função pública. O que se irá trazer complexidade e opacidade, e devíamos ter aprendido já com essas duas características estão na origem de maior despesas sem correspondentes resultados.

Ou seja, esta excepção é um erro não por diferenciar mas por diferenciar de acordo com uma característica que não está necessariamente associada com melhor desempenho de funções e por permitir que conceptualmente possam haver excepções (hoje esta, amanhã certamente aparecerão outras funções públicas especialmente penosas a requerer suplementos remuneratórios).


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Sextas da Reforma – última sessão

Terminou esta sexta-feira, dia 5 de Dezembro, a série de sessões das Sextas da Reforma sobre a reforma da administração pública.

Na sessão de encerramento, houve as intervenções de quem preside às três instituições que promoveram estas sessões, das quais os principais pontos que anotei foram (e podem não ser o que consideraram mais relevante):

Artur Santos Silva (Fundação Calouste Gulbenkian)

A reforma da organização e gestão do sector publico é fundamental para Portugal enfrentar a actual situação portuguesa.

Como fazer uma reforma não tem uma resposta simples. Necessita de políticas sólidas e devidamente preparadas. Ter em conta a resistência cultural à mudança. É preciso que as reformas lançadas tenham suficiente capacidade de implementação. O livro que reúne os textos constitui uma base de trabalho a que nenhum governo devia ser indiferente.

Princípios, que são recomendações,

  • acabar com o ciclo de reformas permanentes que geram incapacidade de mudança de facto;
  • reconhecer que mudanças que perduram levam tempo a construir e necessitam de regras claras e estáveis;
  • necessidade de um consenso político para que as mudanças tenham tempo de produzir mudança
  • melhorar a qualidade do enquadramento normativo;

Como instrumentos, receberam destaque:

  • boa informação, fidedigna e a tempo, como conceito distinto de muita informação;
  • gestão das finanças públicos com um processo orçamental modernizado,
  • uma nova política de recursos humanos, que reconheça a adaptação continua de competências e uma capacidade de renovação de pessoas.

É necessário alteração orgânica do próprio estado. Reformar a própria forma de gestão do estado. Alteração de processos e dos serviços tal como se faz no microcosmos. Necessita de alterar a forma como a administração pública se reforma com os agentes externos (cidadãos, empresas e sector social).

É necessário depositar confiança nos actuais responsáveis da administração pública. Cultura de meritocracia e atrair as pessoas mais qualificadas. Reforçar de forma estável os quadros da AP com quadros de qualidade para preparar com rigor e segurança as políticas de reforma.

Tomar como exemplo a Finlândia para se conciliar contas públicas sãs com uma administração pública moderna.

É fundamental relançar uma nova vaga esperança de futuro, conhecendo com verdade a situação. Portugal tem que descobrir um novo caminho que seja capaz de a todos mobilizar.

Teodora Cardoso (Conselho das Finanças Públicas)

A reforma não está feita. Esta reforma abrangente não é um big bang. Não é apresentar um novo conjunto de leis. É um processo prolongado que leva tempo a conceber e a colocar em prática. É um processo que verdadeiramente nunca termina. Apesar de tudo houve reformas importantes e deve-se construir sobre elas. Foram feitas num período difícil para as contas públicas, para a administração pública e para o país.

A carreira pública é ainda altamente motivadora e que é preciso estimular. Nenhum país pode funcionar sem uma boa administração pública. Reforço do capital humano na administração pública, para tarefas de grande exigência técnica. As reformas dos últimos três anos foram reformas de emergência ou de pano de fundo, mas não criaram uma carreira motivadora no serviço público. É necessário um trio de competências: capacidade técnica, capacidade de gestão e capacidade …?

As carreiras têm que ser pensadas em termos de conseguir recrutar, bem como desenvolver a carreira em concorrência com o mercado de trabalho.

Também a feitura das leis tem que se alterar para melhorar a qualidade das leis. Hoje em dia o estado tem pouca capacidade de feitura de leis. Isto custa caro, e tem uma dimensão de captura do Estado. Fazer esta reforma não é o mesmo que cortar salários.

Mostramos que somos capazes de fazer coisas na reforma da administração públicas, mas ainda falta fazer muito. Não é possível voltar atrás.

Carlos Costa (Banco de Portugal)

Resumo feito em 7 aforismos:

  1. não gere quem não quantifica
  2. não gere quem acumula números sem critério e sem escrutínio
  3. não gere quem não define objectivos nem define métricas
  4. não gere quem não confia na organização
  5. não gere quem não cuida da organização e não parte da organização que tem. A definição de uma estratégia não pode ser feita de forma separada
  6. não gere quem não conhece ou ignora a restrição de meios e recursos
  7. não gere quem está confrontado com objectivos voláteis (não podem oscilar com os tempos e os estados de humor).

É preciso consensos estáveis para reformar. Foram sessões abrangentes. Com utilidade prática, no sentido de definir propostas de reformas, propostas para criar processos de reformas. Reformar exige continuidade, persistência e tempo. É necessário aprender permanentemente. Não temos sequer aprendido com erros. Houve exemplos de sucesso, que são uma razão para confiar e que com um enquadramento apropriado em termos de método se conseguirá atingir os objectivos desejados.


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Sextas da reforma: território e descentralização orçamental

Decorreu no dia 24 de Outubro de 2014 mais uma sessão, a penúltima, das sextas da reforma, com o tema:

Território, desenvolvimento económico e descentralização orçamental

Um país tem território e a organização deste último provoca efeitos sobre as finanças públicas, cria também desafios, como a descentralização orçamental. As finanças locais envolvem despesas e receitas.

As apresentações de Linda Veiga e Rui Nuno Baleiras encontram-se disponíveis no livestream da Fundação Calouste Gulbenkian.

Várias questões resultam, a meu ver, das apresentações:

  1. uma maior descentralização das receitas gera, ou não, maior despesa pública local?
  2. Resolver o problemas das dívidas das autarquias resolve o problema das finanças públicas em Portugal?
  3. O ciclo eleitoral na despesa pública local é mau, ou corresponde à concretização de projectos? Se for mau, qual é a alternativa que se deseja e é essa alternativa alcançável?
  4. O que determina a dimensão mínima eficiente de um concelho?
  5. Os resultados do investimento feito localmente devem ser avaliados pela actividade económica que geram, pela qualidade de vida da população, ou por outra métrica (qual?)?
  6. Noutras sessões das Sextas da Reforma falou-se de muitos assuntos, desde processos de controle orçamental até políticas de recursos humanos. Como é que a organização do território limita ou potencia esses outros aspectos?
  7. Como é que o processo de construção do orçamento deve ter em conta o papel do território?
  8. Qual o papel do capital humano da administração pública local no desenvolvimento regional?

E, num pequeno resumo pessoal, para quem prefere ler a ver as apresentações e discussão que se seguiu.

Linda Veiga:

Identificou três tópicos para discussão: racionalidade económica para a descentralização, a situação financeira dos municípios e a gestão “eleitoralista”.

Sobre o processo de descentralização, avaliado pela proporção da despesa pública feita a nível local, houve uma evolução no sentido de maior descentralização, com retrocesso nos tempos recentes, devidos à crise. Os ganhos da descentralização apontados centraram-se na aproximação dos decisores aos cidadãos e às suas preferências. Estes ganhos são maiores quando há maior heterogeneidade entre cidadãos de diferentes localizações. Também aumenta a concorrência entre governos locais. Pode promover maior eficiência. [Comentário: mas também se pode ter mais free-riding se as receitas que financiam a despesa resultarem de fundos comuns, com baixo custo de oportunidade para quem faz a despesa]

Igualmente necessário considerar a escala óptima de uma região e a relevância das externalidades entre regiões. Áreas demasiado pequenas tendem a ser subóptimas. Reforçada a importância da responsabilização da administraçãoo local, nomeadamente reduzir a dependência das transferências centrais e ter recolha local de impostos é desejável [comentário: o que reduz como factor de “sucesso” junto das populações locais o conseguir obter fundos do Governo central].

Com a recente crise, ocorreram reformas para redução do número de entidades locais em vários países; em Portugal, houve uma redução significativa do número de freguesias mantendo-se os concelhos. A dimensão média dos conselhos em Portugal é maior do que na União Europeia, sem prejuízo de haver municípios muito pequenos [comentário: não é claro se o que determina a dimensão “eficiente” é o elemento geográfico ou a população abrangida, ou uma combinação de ambos]

Para responder à questão de qual o impacto da descentralização, a informação resultante de estudos com painéis de países diz que aumenta o peso das despesas locais em educação e ensino. Em contexto internacional, foi referido o estudo de Ivanyna e Shah (2014), em que Portugal, avaliando pelo peso da despesa local e estadual, é dos países menos descentralizados [comentário: não é claro qual o papel das regiões autónomas dos Açores e da Madeira nesta análise]

A evolução em Portugal teve um pico em 2002, depois volta reduzir-se [comentário: se a descentralização levasse a menor despesa, não se teria forças de movimento contrário? Como realmente interpretar este indicador?]

Em termos do que é feito, despesa pública local sobre despesa pública total é elevada na protecção do ambiente e serviços de habitação e desenvolvimento colectivo, mas estão muito longe do valor de referência dado pela média da OCDE na educação e protecção social [comentário: porque é a média da OCDE um bom ponto de referência?]

Em termos da composição da despesa, os serviços gerais da administração pública são o grande elemento e a crescer.

Na estrutura das receitas, nas transferências intergovernamentais, Portugal é dos países com menor valor, tal como nas receitas próprias. Impostos e taxas têm vindo a aumentar e as transferências intergovernamentais a descer. [comentário: será interessante estabelecer a associação com o volume global de despesa?]

Quanto às dívidas dos municípios, há crescimento de 2003 a 2010, com redução posterior, em resposta às medidas de reacção à crise (lei dos compromissos e programa de apoio à economia local).

A regra de endividamento excessivo é excedida por um terço dos municípios. É um desafio difícil de ultrapassar em contexto de consolidação orçamental. Como factores determinantes do endividamento: governos locais fracos estão associados a mais dívida, há uma gestão eleitoralista em que o investimento gera mais défice, o desemprego gera pior desempenho orçamental local, também há um saldo negativo maior nos concelhos com mais população acima dos 65 anos [comentário: o desafio é saber que factores levam a mais despesa de forma justificada e quais correspondem a mais despesa não justificada]

De uma forma global, conclui-se que a administração local contribuiu para a consolidação das contas públicas, e que tem vindo a aumentar a informação em geral quanto à política orçamental local.

O que é necessário? 1) transparência na gestão da política orçamental; 2) interiorização do interesse público [comentário: o que significa operacionalmente?] 3) aceitar recomendações das entidades fiscalizadoras; 4) aumentar a capacidade da administração local em obter receitas locais; 5) maior envolvimento dos cidadãos nas decisões das autarquias locais.

 

Rui Nuno Baleiras:

Território e desenvolvimento económico: o estado do desenvolvimento é reflexo do enquadramento, que tem algumas forças de bloqueio.

Duas ideias fortes: a) todos os territórios contribuem para o crescimento; o território é onde as pessoas e as políticas públicas se encontram. b) a acção política para as regiões “não-core” não tem que ser assistencialista, pode e deve ser um elemento indutor do crescimento num pacote de políticas estruturais. Negligenciar regiões “não-core” significa que se perdem oportunidades de crescimento.

[comentário: estes são dois pontos importantes, e concordo que são frequentemente esquecidos, é bom recuperá-los, boa chamada de atenção de Rui Nuno Baleiras]

Como referência para alguns números e discussão: OECD (2014) how’s life in your region?

Alguns factos: a dispersão do PIB per capita entre 1995 e 2010 aumentou na Europa, o afastamento relativo das regiões de Portugal; com a apresentação de um índice sintético de desenvolvimento regional observa-se que as regiões com melhor qualidade ambiental são as que têm menor competitividade [comentário: o crescimento é mau para o ambiente? O crescimento foi mau para o ambiente? O crescimento será compatível com qualidade ambiental no futuro? Que trade-offs defrontamos aqui e que escolhas queremos fazer?]

Causas de desenvolvimento regional, revisitando várias teorias económicas: factores de produção, base de exportação, economias de escala no sector exportador, economias de aglomeração, economias de rede, custos de transporte, tensões centro-periferia, factores intangíveis de desenvolvimento – qualidade das instituições, criatividade, capital humano, infra-estruturas e inovação.

[comentário: o que se sabe sobre o papel do capital humano da administração pública no desenvolvimento regional?]

Os factores de bloqueio de crescimento não estão apenas nas regiões desfavorecidas. Há diversos bloqueios institucionais em Portugal. Um dos evidenciados é a percepção dos cidadãos sobre as políticas sectoriais sem conseguirem ter uma visão transversal. As questões de desenvolvimento estão demasiado longe do cidadão comum.

Como pistas de solução: mecanismos de governação horizontal, explicitação de visão territorial por parte do governo; responsável político de valor reforçado; agência para favorecer a coordenação intersectorial de políticas baseadas no território (a agência para o desenvolvimento e coesão poderá ser aproveitada para isto), reforço do peso dos círculos eleitorais com menor densidade territorial.

 

Discussão da audiência:

Sobre a evidência de ciclo eleitoral na despesa local, o ciclo de programação inicia-se com os mandatos, é esse aspecto que cria o ciclo e não a procura de reeleição; há os ciclos próprios dos fundos estruturais.

Os termos vigilância e eleitoralismo têm uma carga pesada que pode ser excessiva.

O orçamento participativo como instrumento de dirigir despesa local é uma falácia em Portugal.

Como se consegue a descentralização orçamental funcionalmente? Ao nível regional não existe componente orçamental, deveria pensar-se numa lei das finanças regionais como instrumento [comentário: quantos níveis de decisão de despesa se deve ter? Seria apenas para obras públicas de natureza regional?]

Como articular heterogeneidade dos benefícios, homogeneidade das competências, heterogeneidade das realidades. A descentralização orçamental ou é uma atitude ou não é, implica uma revolução cultural.

Há ver o papel da incapacidade de dar continuidade ao que está em curso quando se fala em ciclos eleitorais no investimento local.

Os eleitores raramente têm uma noção de um desígnio seja regional seja nacional, e por isso focam a sua atenção nas políticas sectoriais e seus efeitos.

Não há uma visão territorial de longo prazo para o país, como desenvolver o território nestas condições.


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6ªs da reforma: Controlo da execução orçamental do Estado

Decorreu na sexta, 4 de abril, a sessão das sextas da reforma conduzida por Orlando Caliço (texto disponível aqui). Aqui ficam as minhas notas da sessão, em bruto como é hábito.

Num resumo rápido, propõe-se tratar o tema na perspectiva do gestor do orçamento. Como ponto de partida, o reconhecimento de que os resultados da execução orçamental não são bons, em geral, apesar de muito coisa boa que tenha sido feita. Onde tem havido novidades? Sobretudo na informação disponível, mas esse trabalho assenta no mesmo esquema de análise das contas públicas, olhando para variações homólogas. A visão consolidada não consegue encontrar o que se passa a nível das instituições.

A questão é como fazer um controlo orçamental num contexto de descentralização. A criação de dívida por falta de controlo orçamental é uma forma de uns actores lançarem impostos futuros sobre toda a sociedade. A informação sobre a situação financeira é repetidamente contestada, o que mostra um problema de credibilidade de contas. As instituições não disponibilizam informação adequada no decurso do ano. Não é uma preocupação existente.

A centralidade da responsabilidade no ministério das finanças não garante os objectivos. É uma herança que não se adequa às necessidades actuais. Pensar que se controla centralizando não levará a um melhor controlo. Hoje em dia, a maior fatia da despesa cabe à administração autónoma. A gestão “micro” das finanças públicas no Ministério das Finanças é ineficiente, conduz à desresponsabilizaçãoo nos ministérios sectoriais, desperdício e descontrolo orçamental.

Lições: Necessidade de consenso nacional sobre consolidação orçamental; articulação entre processo orçamental e controlo da execução; Exige liderança política, continuidade e capacidade de comunicação.

Os ministros sectoriais não são responsabilizados politicamente pela execução do seu orçamento. Quando as surpresas se concretizam já é tarde para implementar medidas de correcção. As alterações orçamentais recaem sobre o Ministério das Finanças e não são defendidas pelos ministros sectoriais na resposta pelo que sucede aos seus orçamentos. O sistema de cortar na despesa via “não libertação de cativos”, cortes nas dotações, proibição de assunção de novos compromissos não tem funcionado, além de penalizar quem realizou esforços.

Uma nova proposta e como implementar: a execução de qualquer orçamento é sempre um exercício de risco. Uma prioridade deverá ser identificar as áreas de risco e definir o processo de vigilância. O controlo efectivo da execução orçamental exige disponibilidade de informaçãoo sobre objectivos e incentivos para a tomada de medidas adequadas para um ajustamento dos recursos orçamentais no decurso do próprio ano. Sistema de controlo reforçada, em quatro linhas: 1) responsabilização política – ao nível dos ministros de cada pasta; 2) modelo organizativo – identificação de um responsável pela execução do orçamento do ministério, que seja o único que se relacione com a DGO; preparação de uma síntese mensal do relatório de avaliação da execução orçamental e perspectivas, apresentada pelo ministro das finanças ao conselho dos ministros – processo sistematizado e sem cedências. 3) sistema de informação – cabe às entidades executoras a principal responsabilidade, e devem ter a lista de riscos para a execução; todas as instituições devem ter uma síntese da situação orçamental e perspectivas, uma página A4, publicada com regularidade (mensal? Talvez seja demasiado frequente…) 4) incentivos ao cumprimento – ministros têm que assegurar dentro das verbas dos seus ministérios quaisquer derrapagens que ocorram; ministro deve defender no parlamento reforços de verba se forem necessários (e não o ministro das finanças); responsabilização acrescida para evitar sobre-estimação de receitas que justificam despesa que depois permanece mesmo que as receitas não se materializem; em casos de desvios persistentes, a entidade seria sujeita a “auditoria permanente”, ou quase em função da gravidade; esta regime substituiria até que os responsáveis pela gestão assegurassem que a situação estava ultrapassada.

O gestor de nível mais elevado da instituição assumiria pessoalmente a responsabilidade pelos valores reportados, no sentido de garantir que eles incorporam toda a informação conhecida na entidade e falhas graves neste domínio seriam obrigatoriamente objecto de auditoria ao sistema de controlo interno da entidade. É um sistema segundo Orlando Caliço para funcionar em paralelo ao que existe actualmente, não substitui os mecanismos existentes.

Desta informação seriam calculados indicadores de aviso prévio: a) indicador do desvio face ao valor do orçamento; indicador do perfil de risco intertemporal das previsões; indicador da qualidade das previsões; divida a fornecedores em % da despesa efetiva total orçamentada; aplicações financeiras em % da despesa efetiva total orçamentada.

Como implementar? Começar por selecionar zonas de risco, e começar por essas áreas. Identificar principais entidades e variáveis associadas ao risco. E conforme for resultando vai-se alargando. Iniciar pelas áreas mais difíceis. Conhecer se as entidades têm capacidade de previsão e sabem o que está a acontecer. O modelo obriga a alguma consistência na gestão.

Comentário de Manuela Proença [DGO]

–       modelo de partilha de responsabilidade – necessária a concertação entre MF e ministérios sectoriais; crescente flexibilidade no âmbito de cada programa orçamental, com poderes de gestão para as tutelas sectoriais; adoptar opções de política que viabilizem as poupanças esperadas inicialmente para cada programa; relação entre processo orçamental e execução orçamental – importante quando está a fazer o planeamento de medidas de consolidação orçamental. Quem vai fazer e quem vai acompanhar cada programa.

–       Sobre a responsabilização, os responsáveis são avaliados pelas realizações politicas e não são avaliados pelo cumprimento dos orçamentos; não existe uma cultura de quantificação de objectivos nas políticas públicas e confronto desses objectivos com os recursos disponibilizados; avaliação custo – benefício das iniciativas deverá ter maior ponderação nos modelos a adoptar; há muitos factos consumados que é necessário evitar; mecanismos ex-ante às medidas serem tomadas. O MF deve ser uma parte activa na valorização dos encargos financeiros esperados com as novas iniciativas políticas. Procedimentos subjacentes à decisão sobre novas iniciativas.

–       Instrumentos de gestão orçamental – existência de margens de contingência é um instrumento necessário; hoje em dia são feitas por cativos específicos, e dotação previsional. Gestão orçamental deixou de ser feita por duodécimos desde 2013. Quanto à lei dos compromissos, reduzindo o seu âmbito de aplicação, deixam de existir processos de autorização de despesa; tem dúvidas sobre universos variáveis ao longo do tempo de incidência da lei; há compromissos da lei que têm de ser mantidos como disciplina – não podem ser assumidos compromissos se não existirem fundos disponíveis. Sobre as alterações legislativas, há que fazer uma avaliação da legislação existente e sobre as consequências de uma alteração no sentido da proposta. As sucessivas alterações não são normalmente sujeitas a avaliação da situação anterior.

–       divulgação do trabalho da DGO no acompanhamento da execução orçamental – o modelo que está a ser aplicado tem características próximas ao modelo proposto; intenção de reforçar partilha de informação e objectivos, envolvendo as entidades no objectivo que tem de ser cumprido; reforçar o acompanhamento ao nível do programa orçamental, antecipando riscos e medidas correctivas para os mesmos. Contempla previsões mensais por programa, e análise dos desvios entre execução e previsão. Acompanhamento dos pagamentos em atraso e dos incumprimentos em termos da lei dos compromissos. Reuniões mensais de acompanhamento. Em 2014, ajustamentos para maior envolvimento dos responsáveis sectoriais na análise da execução orçamental, melhorar previsões, analisar desvios. Estas análises são feitas ao nível da entidades. Os desvios são qualificados em função da sua natureza (excesso, poupança ou carry over). Cada entidade produz um relatório mensal. A DGO elabora um relatório para a tutela. Registaram uma melhoria na qualidade das previsões no último ano, em praticamente todos os programas orçamentais. Houve ganhos no cumprimento da lei dos compromissos. O modelo implementado pelo MF está a ter impacto no acompanhamento dos ministérios. É um processo de mudança dos comportamentos que deve ser valorizado. A consolidação do modelo é limitada pelos sistemas de informação de suporte e pela capacidade técnicas das entidades que o têm de aplicar.

–       Quanto à publicitação da informação, tem-se avançado. O boletim da DGO tem alargado a informação publicada (em âmbito institucional e variáveis publicadas).

 

Comentário de Rui Nuno Baleiras [CFP]

A execução orçamental em perspectiva – regularidade estatística, enviesamento deficitário: tendência para que as acumulações de dívida tendam a dominar (défices mais frequentes que superavit).

Será que a chave está na melhoria do processo de controlo? Sim, mas não é suficiente. Esta discussão é apenas uma parte do que é necessário para contrariar a tendência para os défices.
Antes da execução deve existir planeamento, depois execução, depois avaliação. Estas três fases têm que ser vistas como interdependentes. E há aspectos de ligação ao longo do tempo. Há uma natureza de médio prazo que não pode ser negligenciada.

Há um jogo estratégico no triângulo institucional – Ministério das finanças, ministérios sectoriais e assembleia da república não tem interesses alinhados. Há guerras de “silos”. Jogo de “gato” e “rato” entre as instituições deste triângulo. Ícones irracionais que pensam em termos de despesa.

Desafio a vencer: do antagonismo à cooperação.

Falhas de consistência estratégica: necessidade de estratégia económica e estratégia orçamental. Divórcio entre planeamento estratégico e políticas sectoriais.

As estratégias não amarram suficientemente a execução dessas estratégias.

Gestão das finanças públicas: mudança de paradigma – 7 ingredientes – estratégia económica e orçamental coerentes entre si; avaliação e revisão regulares de políticas públicas; regras de disciplina orçamental; âncoras plurianuais para a despesa pública (ou tectos de despesa a serem respeitados)-  equilíbrio entre objectivos conflituantes –sustentabilidade das finanças públicas, eficácia das políticas públicas e eficiência na gestão dos serviços públicos; contabilidade patrimonial a sério, integrada com contabilidade de fluxos de caixa; identificação e gestão de riscos orçamentais; gestão da execução orçamental (em lugar de controlo orçamental) – aspecto onde a proposta de orlando caliço entronca.

Observações sobre o conteúdo da proposta de OC – incentivos correctos, com descentralização e responsabilização – concorda com as linhas gerais da proposta.

Desconforto com alguns aspectos da proposta: a) não devemos adicionar uma nova camada de reporte sem antes avaliarmos a utilidade e a consistAvaliar a capacidade dos serviços para reportarem.tabilidade caçdo. A consolidaçimento da lei dos compromissos.  perfil de riscoência das camadas existentes. Avaliar a capacidade dos serviços para reportarem. Já há demasiados reportes, e toda a informação pedida acaba por ser prestada pelos serviços. São produzidos 195 reportes por 400 entidades ao longo do ano, qual a capacidade de usar esta informação pelao DGO.

Observações de conclusão: Pensar numa abordagem mais qualitativa em vez de abordagem quantitativa. Criar grande armazém de dados. Tornar o sistema de registo contabilístico dos serviços a fonte informativa para as entidades com deveres de acompanhamento de execução. Integração de plataformas. Retomar a sugestão de Luís Morais Sarmento de centralizar a gestão financeira de cada ministério numa única unidade, em vez da fragmentação actual.

Comentários da discussão geral:

Portugal tem problema crónico de indisciplina orçamental. O problema não está na legislação (contém os elementos de boa gestão orçamental, estão previstos os vários instrumentos internacionalmente apontados). Para onde orientar a atenção? Procedimentos orçamentais desadequados da dimensão da Administração Pública, em todas as fases – planeamento, execução e avaliação. O modelo apresentado responde a uma necessidade imediata, mas não resolve o problema de fragmentação orçamental, é necessário pensar a médio prazo nessa reformulação. Falta de capacidade técnica e de gestão no ministério das finanças; remunerar adequadamente os recursos humanos existentes.

Três questões: a) foi feita a discussão na óptica da despesa, há que olhar para o que se produz e resultados do que se produz em termos de funcionamento do sector público; b)  Sobre a legislação, não se dá importância devida na aprovação da legislação há que olhar para os custos presentes e futuros que são criados por iniciativas legislativas (são um foco de desvios orçamentais); c) Fim das cativações – a existência de cativações desresponsabiliza os serviços, e retira uma autonomia de gestão que é fundamental.

Dois comentários: a)  palavras na responsabilização de políticos, ministros e deputados e afastamento do controlo exaustivo do MF de tudo; é possível fazer com o modelo político existente?; b)  Pareceu estar ausente a administração, tudo se parece passar a nível político; é necessário contar com o papel de uma administração que está correntemente anulada, sem ela não se conseguirá alterar a situação actual. Suscita o problema do relacionamento entre os políticos e a hierarquia da administração.

Algumas questões: a) as soluções concretas são duas tabelas de indicadores – num deles é sobre as dívidas contraídas, parte das receitas vão ser aplicadas para pagar dívidas contraídas anteriormente; ter também a parte do orçamento que é usada para satisfazer compromissos anteriores; b) ser possível completar os quadros propostos por Orlando Caliço com a informação que é já recolhida; c) grande parte dos objectivos estão na óptica de contas nacionais, enquanto a proposta é na óptica de contabilidade patrimonial. É preciso uma tabela de conversão entre as duas ópticas.


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Sextas da reforma – Mário Marcel

Na sexta-feira passada decorreu mais uma sessão das Sextas da Reforma com Mário Marcel, tendo como tema “Public servants: from cost to asset after fiscal consolidation”. Como de costume segue a minha visão do que foi a sessão, com comentários alguns meus outros da audiência.

Identificou como desafios para a gestão dos recursos humanos da administração pública a necessidade de continua adaptação de competências, o envelhecimento dos trabalhadores e como gerir a renovação de pessoas e de competências.

Outro ponto relevante é o conjunto de novas possibilidades abertas pela utilização da internet, na relação com o cidadão e na forma de funcionar do sector público. Com mais informação a circular mais rapidamente, a centralização torna-se mais fácil, mas requere a capacidade de funcionar com elevados volumes de informação, remetendo de novo para as competências dos trabalhadores da administração pública, também em termos de interpretação dessa informação. Esta é uma mudança que não resulta da crise e sim de novos padrões do que a Administração Pública deve fazer.

Como comentário, esta mudança em tempos de crise pode ser mais fácil em termos de justificação, mas mais complicada de operacionalizar.

O aspecto seguinte focado por Mário Marcel foi a dimensão do emprego no sector público, que está a reduzir-se em termos relativos em vários países, e saber a que corresponde essa alteração.

A avaliação das reformas realizadas nos últimos anos tem que ser feita, de acordo com Mário Marcel, com vários elementos: impacto na confiança, impacto na eficiência (será que a redução do número de trabalhadores gera estrangulamentos por falta de pessoal ou desencontro entre as necessidades e as disponibilidades de competências dos recursos humanos da administração pública? É um problema de números ou um problema de conhecimento e capacidade?), impacto na satisfação dos trabalhadores e impacto na atractividade do emprego público.

O que a crise deixa atrás de si: menor confiança nas instituições públicas, centralização das decisões governamentais, aversão ao risco, pouca motivação nos funcionários públicos, desencontro entre competências necessárias e competências disponíveis no sector publico, uma força de trabalho envelhecida na administração pública.

Respostas possíveis: manutenção de elevados padrões éticos no serviço público, recrutamento baseado no mérito, ter flexibilidade nos tipos de recrutamento incluindo contratos a termo certo, mobilidade, e melhor planeamento  das necessidades de recursos humanos (quantidade e qualidade). É também necessário pensar como se faz o alinhamento da avaliação de desempenho com os objectivos da administração pública, e como assegurar a cooperação entre funcionários públicos. Um dos desafios é como o Estado se pode tornar um melhor empregador.

O emprego excessivo no sector público não foi a causa da crise orçamental, mas os salários do sector público tornaram-se um alvo no processo de consolidação fiscal, atendendo quer ao seu volume quer à aceitação política de serem alvo (menor resistência política quando comparada com a redução de outras despesas – note-se que as considerações de Mário Marcel fazem com que Portugal não seja um caso isolado neste aspecto). Este efeito decorrente da crise adiciona-se a outras alterações que são necessárias no emprego no sector público de qualquer modo. É também crucial que os problemas de recursos humanos da administração pública sejam resolvidos antes que se tornem um estrangulamento para a recuperação económica. Há que ter uma visão de longo prazo, combinada com acções imediatas que evitem a tentação de voltar ao sistema anterior à crise. Como acções de curto prazo, Mário Marcel menciona o relocalização e formação, como acções de longo prazo, planeamento das necessidades de recursos humanos, desenvolvimento dos incentivos não monetários e desenvolvimento de competências. Também refere a necessidade de uma maior ligação entre a gestão de recursos humanos e o desempenho das organizações públicas.

Comentário de Joana Ramos

Sensação de redução do poder de compra de quem trabalha na função pública junta-se a uma fadiga da reforma, a ter em conta na urgência das soluções; é constatação de facto.

Administração pública tem vindo a reduzir de forma acentuada. Indica uma urgência de recrutamento. Pode-se ter uma oportunidade de recrutar para responder aos desafios que se colocam. Podem-se usar instrumentos que já existem. Fazer entrar gente na administração pública que possa trazer novas competências sem aumento da sua dimensão. Idade média estimada para as administrações públicas é de 45 anos, trabalhadores civis 46,5 anos. Com baixa renovação. Consequência da crise: SIADAP ficou congelado. É preciso avaliar o desempenho mas tem que haver capacidade de recompensar.

O que temos como alguma vantagem como ferramenta de gestão de recursos humanos? Reforço da mobilidade (dentro da própria administração). Apesar do modelo ter passado do estatutário para o contratual foram preservados muitos dos pontos essenciais à administração pública – não houve alteração quanto às obrigações do emprego público quanto a nomeados e contratados.

Desafio ao debate: pequenos passes de reforma que poderão estar ao nosso alcance numa primeira evolução.  Precisamos de dar algum sinal de que é possível encontrar modalidades de motivar e recompensar trabalhadores em funções públicas.

Comentário de Joaquim Filipe Araújo

Pensar na função pública como activo é pertinente. Pelo momento que se aproxima e pela necessidade de reflectir como ultrapassar os efeitos sobre a administração pública causados pelo regime de austeridade.

Redução da despesa com pessoal – corte nos vencimentos, nas promoções, etc.

Estas medidas têm sempre efeito nefasto na motivação e compromisso dos funcionários. O descrédito gera a desconfiança dos funcionários e da população em geral. Transmitem uma imagem para os potenciais candidatos ao emprego público da forma como os governos lidam com os seus recursos humanos.

Como vão os governos atrair pessoas qualificadas e competentes depois do que sucedeu nos últimos anos? Como vai renovar os seus quadros?

Novo serviço público exige novas competências, que irá também suceder em Portugal. O que tem a AP a oferecer de diferente quanto ao sector privado?

Após a crise, crescimento económico, e cresce a procura de trabalho qualificado por parte das empresas. Colocará maiores dificuldades a uma administração pública qualificada nos seus recursos humanos. Saída de jovens qualificados para o estrangeiro e podem não regressar. A procura de pessoas qualificadas será muito competitivo, e as empresas terão mais instrumentos e capacidade de recrutamento. O que vai sobrar para o sector público? Poderá haver aqui um estrangulamento?

Redução do capital intelectual da administração pública por saída de funcionários qualificados, que pode ter consequências negativas para o funcionamento dos serviços públicos [sobretudo por falta de documentação de procedimentos e princípios decorrentes da prática face ao normativo por vezes de difícil interpretação]

Transferência para terceiros de tarefas desempenhadas pelo estado faz com que este tenha uma perda de competências para a aplicação de políticas públicas.

Torna-se necessário rever a prática da gestão de recursos humanos na administração pública – liderança, modelos de gestão para melhoria de desempenho, escassas alterações no padrão de gestão, o salto para a frente pode ter fortes custos para a sociedade geral

Como determinar que a administração pública funciona melhor? Trabalhar melhor e gastar menos nem sempre será possível.  Estará o governo a preparar a administração pública para os desafios que se adivinham.

Mário Marcel

Elemento central – até que ponto o sistema de gestão de recursos humanos permite a quem gere uma organização compreender a contribuição dos trabalhadores para os objectivos da organização?

Como identificar os maus desempenhos? Mas usar uma formulação construtiva é possivelmente melhor do que pensar em termos punitivos.

Descentralizar e centralizar – quais as competências para funcionar bem em cada um dos modelos. Integração com outras funções de gestão é relevante – não se pode colocar de fora das outras actividades que também estão presentes num processo de centralização e descentralização.

Evitar trabalhar em silos dentro das organizações.

Questão de big bang ou sequência de reformas: Não acredita no primeiro para a administração pública, nunca viu a primeira situação nas reformas da administração pública. Em países legalistas, o que vem primeiro – o que funciona na prática ou leis que dizem como deve funcionar. Leis não ditam de forma tão detalhada como se trabalha. Há sempre um elemento de interpretação humana. Quanto se pode fazer dentro da legislação actual? E depois consolidar com legislação o que se conseguiu avançar antes de continuar com mais passos.

Há formas de fazer avaliações comparativas entre países para ajudar a avaliar o desempenho das reformas. A OCDE avaliou oursourcing em vários países. Gerou alguns ganhos de eficiência mas eram mais forma de ultrapassar restrições mas não alterou muito.

O inimigo da reforma no serviço público é o cinismo.  A credibilidade das reformas é essencial para as fazer funcionar. Necessitam de acordo político e persistência.

 


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Sextas da reforma: a lei de enquadramento orçamental

Decorreu na sexta-feira dia 10 de Janeiro mais uma sessão das 6ªs da reforma, tocando um aspecto que provavelmente afasta a maior parte das pessoas pelo (des)interesse que desperta – a lei de enquadramento orçamental. O formato desta sessão foi diferente dos anteriores, pois em lugar de uma apresentação com comentadores adoptou-se o formato de debate, com 4 ex-secretários de estado e coordenação de Teodora Cardoso, que lançou um conjunto de tópicos para discussão. O ponto de partida e as apresentações dos intervenientes encontram-se nos links seguintes: Introdução de Teodora Cardoso;  Norberto Rosa;  Manuel Baganha;  Emanuel SantosLuis Morais Sarmento.

Mas o que resultou do debate e discussão? A grande conclusão é que a Lei não é má, mas não atinge os objectivos pretendidos, e o que acontece? nada… (comentário inspirado num célebre sketch humorístico) a não ser incapacidade de controle orçamental.

Resumo da sessão (pessoal, com poucos comentários meus dentro de [ ]):

Lei da enquadramento orçamental. Até aqui a lei não teve os resultados de estabilidade e sustentabilidade orçamental pretendidos. A sua presença na lei não garantiu os resultados.

Não é por falta de regras e princípios que há problemas orçamentais. Lei de enquadramento orçamental tem valor reforçado e apesar disso… não produz os resultados pretendidos. É necessário alterações constitucionais para a regra de equilíbrio orçamental? Não é necessário, na visão de Norberto Rosa, e estar na Constituição também não garante que seja respeitado. A Alemanha não respeitou. E o rácio da dívida pública foi sempre aumentando, apesar da presença da regra de ouro, mesmo nesse país.

Comparação da dívida pública – Portugal está bem até ao inicio da crise, em 2008, que foi mais intenso em Portugal do que nos outros países europeus (excepção Grécia e Irlanda). Olhar para nível e trajectória, e ver a capacidade das administrações públicas gerarem fluxos necessários para a pagar.

Questão: o saldo estrutural é o melhor indicador para ter restrição à política orçamental? Não, segundo Norberto Rosa, é de difícil compreensão para o público em geral, e tem variações excessivas para ser útil como guia (revisões por atualizações dos cenários macroeconómicos por exemplo). Instrumento sugerido como alternativa: saldo primário como medida de estabilidade da dívida pública. Evolução da dívida pública – 1985 – 2000 – estabilidade do rácio, cresceu a partir dai acelerando depois de 2008 – saldo primário foi o principal factor de crescimento. Efeito snow-ball – taxa de juro e crescimento económico conjunto. Elemento residual: anos 80 e desornamentarão. Para reduzir a dívida pública, o saldo primário teria de ser 4,6% e reduzir até 4% (em 2034). É quase impossível: 5 mil milhões de redução da despesa primária. Sugestão: saldo primário ser sempre positivo, e valor que permita redução gradual do rácio da dívida para valores perto dos 60%.

[O que fará supor que esta regra seria cumprida, face à experiência recente de lidar com regras em Portugal?]

Principio de plurianualidade – favorável a limites de despesa – limites máximos para a despesa a médio prazo. Tectos para a despesa sem juros serem vinculativos, à semelhança da Suécia. Gestão flexível – competência para se autorizarem a realização de despesas e o seu pagamento; libertação de créditos depende da verificação de cabimento. Sugestões: limitar a capacidade do governo em reduzir a capacidade de gestão autónoma dos serviços; permitir a utilização dos saldos do ano anterior (premiar a boa gestão); agregar serviços por ministério; estabelecer à semelhança de Espanha que juros e amortizações da dívida pública têm prioridade sobre as restantes despesas; simplificar a lei do orçamento do estado; terminar com as cativações às dotações orçamentais; fazer uma revisão global e simplificação da atual lei do enquadramento orçamental.

Manuel Baganha: Lei actual tem detalhes excessivos. Que tipo de lei de enquadramento orçamental? A Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) teve 7 alterações de 2001 a 2013. Estas alterações eram mesmo necessárias? Segundo Manuel Baganha já estava tudo na lei de 2001. Se já lá estava tudo e não se conseguiu controlar, o problema não estará na Lei  e sim noutro local ou noutra área. A implementação da lei é o principal problema [porquê?] Existem princípios a mais na LEO. Com muitos princípios é fácil entrarem em conflito entre si (ou são redundantes). Há princípios a mais na LEO. A economia, eficiência e eficácia devem ser sempre seguidos, não faz sentido estarem aqui na LEO. Não é preciso alterar a lei para assegurar os objectivos; mas há melhorias que podem ser introduzidas – exemplo tratamento dos activos e passivos financeiros. Retirar da lei o que for aplicável ou que se sabe que nunca será aplicado. Avaliar o POCP. Não será possível ter uma LEO simples não por razões técnicas e sim por razões políticas.

Emanuel Santos: Só houve uma alteração da LEO em 2005-2011, apenas com uma alteração e iniciativa da AR e apenas num artigo. É possível fazer gestão sem alterar a LEO. Primeira LEO surge por imperativo da constituição. Segunda também se segue a uma revisão constitucional. Terceira idem. Lei de 2001 decorre dos tratados do euro e da disciplina orçamental aí existente. Concorda que saldo estrutural não é boa ideia para colocar na lei. Praticamente nenhum país cumpre a regra do saldo estrutural. Portugal apresenta bons resultados na redução do saldo estrutural. Comparação dos yields da divida pública com redução de saldo estrutural é divergente (comparando com Irlanda e Espanha). Relatórios da OCDE eram favoráveis ao progresso. A crise de 2008 foi o que alterou o rumo. Questão que coloca: haverá um enquadramento legal óptimo?

Houve diversas reformas no período 2005-2011 com impacto duradouro no equilíbrio e estabilidade das finanças públicas, tendo várias ficando incompletas: PRACE, reforma do  sistema de carreiras vínculos e remunerações, SIADAP, simplex, convergências dos sistemas de saúde da administração pública, convergência dos sistemas de protecção social, reforma da segurança social, revisão das leis das finanças locais, controladores financeiros. Como conclusão, ser importante ter um comando político que consiga fazer reformas com eficácia. Porque surgem problemas? O  legislador não compreende que para se cumprir a lei é necessário ter instrumentos que permitam fazer a gestão desejada dos recursos. Sugestões de melhoria: Reforçar o principio da autoridade orçamental; Eliminar detalhes excessivos; Rever  legislação complementar; Dar maior ênfase às funções do Tesouro e ao financiamento do OE; Repensar as disposições sobre o orçamento de base zero;  Rever a sistemática da LEO; Ter presente a estrutura da despesa pública

Luis Morais Sarmento: também concorda que a LEO só por si não assegura os resultados pretendidos. Mas bons procedimentos podem ajudar a atingir esses objectivos. A LEO de 2011 permitiu antecipar algumas coisas do six-pack. Conseguiu evitar a fragmentação do nosso processo orçamental. Pensar nas 5 fases do processo orçamental e em qual  é a função do cidadão (ou dos seus representantes) em cada uma destas fases. É ele que paga e por isso está em todas as fases. Primeira fase: o que vamos querer ter de bens e serviços públicos? Auditoria e prestação de contas: papel de acionista. [Papel adicional: Estado tem poder de distribuir – “assalta a mesa do orçamento” – quer serviços sem noção do pagamento/custo associado – via contacto directo com decisores políticos, via assembleia da república] A informação que o cidadão tem ao longo do processo não tem que ter sempre a mesma informação. Os interesses vão variando ao longo do ciclo do processo orçamental. Fragmentação orçamental – custos marginais da despesa pública não são internalizados pelos decisores orçamentais quando tomam decisões de despesa. Top down reduz, tal como a redução do número de decisores. Fragmentação como fragilidade: ciclo orçamental, fragmentação da informação, fragmentação orgânica. Ciclo orçamental parece ok, apenas com demasiados documentos apenas na primeira fase. Simplificação da primeira fase. Apresentação de documento na primavera, também compatível com o semestre europeu. Na primeira fase há demasiado detalhe (referência a 4000 linhas de aprovação do orçamento na assembleia da república). Defende a prestação de contas e certificação de contas quase imediata. Detalhe excessivo nas linhas de orçamento desfoca a discussão orçamental. Classificação económica – 491 alineas, funcional 54, classificação orgânica 401, fontes de financiamento 42, cruzando tudo dá mais de 440 milhões de “células”. Fragmentação orgânica: não há separação entre as funções de apoio à definição política e as funções operativas, não há intermediação e controlo ao nível sectorial. O ministério das finanças não sabe onde poderá delegar controle orçamental. Não se pensou como alterações da estrutura possam trazer vantagens para o processo orçamental. Distribuição do orçamento deve ser feito pelo ministério, que seria o interlocutor do MF. [nalguns casos correntes vemos completo alheamento dos ministros e secretários de estado da execução e gestão orçamental dos seus ministérios). Devemos também olhar para o que temos nos serviços públicos. Dois tipos de serviços públicos: natureza operacional e natureza de apoio à definição das políticas e sua implementação. Estes últimos deveriam ser agregados e depois relacionam-se com as unidades de natureza mais operacional.

[grande linha dos argumentos apresentados: ninguém acha que a LEO resolva o problema, então o que fazer?]

[para resolver a fragmentação, será que se pode pensar em OPAs “hostis” dentro do governo de uns serviços a proporem-se ficar com o orçamento e as responsabilidades de outros?]

Teodora Cardoso:  Para nunca funcionar tem também que haver alguma coisa na lei que não está bem. Necessidade de o orçamento aderir e incorporar de facto a óptica plurianual. O orçamento tem que ser elaborado numa base patrimonial e não numa base de caixa, e para isso tem que haver contas patrimoniais, o que não existe hoje em dia. Este é um problema que terá de ser resolvido se se quiser passar a cumprir a lei. Para se saber quais as implicações em todos os dados quando se assume um compromisso de despesa. E também se verifica o mesmo quanto a direitos (como pensões e saúde), há que saber o impacto orçamental presente e futuro. Adequação do principio do saldo estrutural para estabilidade orçamental foi criticada, mas tem algumas vantagens, por exemplo, considerar o equilíbrio ao longo do ciclo económico (e torna-se um número menos bem definido por trabalhar com previsões). Os países podem assumir mais instrumentos para cumprirem as regras de equilíbrio orçamental. Há que completar a legislação europeia em termos nacionais, e não há esse esforço em Portugal. A legislação europeia tem regras muito gerais, que depois têm de ser adaptadas em detalhe em cada país. Há empresas públicas que mais cedo ou mais tarde vão aparecer no défice orçamental, e que excluímos porque a definição do Eurostat (ainda) não as inclui.

 

Discussão: Orçamentos com base em compromissos é diferente de orçamentos patrimoniais. Olhar para os parceiros europeus e ver o que funcionou. O caso sueco é um bom exemplo em que os procedimentos orçamentais funcionaram bem. Não têm um orçamento patrimonial. Temos que perceber o que está no orçamento, e orçamento patrimonial não dá isso. Neste caso, a criatividade não é bem vinda, não temos necessidade e não devemos ser criativos. Referência ao caso austríaco. Terminaram em 2011 uma alteração do processo orçamental que começou em 1998, com duas alterações constitucionais. Construiram um consenso sobre a reforma dos procedimentos orçamentais. Não se está a falar de opções políticas e sim de procedimentos. Suécia define tectos nominais de despesa a três anos. Norberto Rosa retoma o argumento de não ser preciso inovar demasiado. POCP foi bem feito e teve um problema à nascença, ter três meses para ser aplicado, de setembro até final do ano, não era possível. Transparência da decisão – governos assumem encargos plurianuais mas a assembleia da república não se pronuncia. Serviços partilhados para o governo na contabilidade, não é preciso ter ministério a ministério. Conta patrimonial previsional faz todo o sentido. Autorizações é que não faz sentido. Estas mudanças demoram muito tempo e não é por incompetência das pessoas.

Frase chave sobre a transformação do processo orçamental: Demoramos muito tempo a decidir. Quando decidimos queremos tudo amanhã. E acabamos por ficar com nada. (da autoria de Luis Morais Sarmento)