Decorreu na sexta-feira dia 10 de Janeiro mais uma sessão das 6ªs da reforma, tocando um aspecto que provavelmente afasta a maior parte das pessoas pelo (des)interesse que desperta – a lei de enquadramento orçamental. O formato desta sessão foi diferente dos anteriores, pois em lugar de uma apresentação com comentadores adoptou-se o formato de debate, com 4 ex-secretários de estado e coordenação de Teodora Cardoso, que lançou um conjunto de tópicos para discussão. O ponto de partida e as apresentações dos intervenientes encontram-se nos links seguintes: Introdução de Teodora Cardoso; Norberto Rosa; Manuel Baganha; Emanuel Santos; Luis Morais Sarmento.
Mas o que resultou do debate e discussão? A grande conclusão é que a Lei não é má, mas não atinge os objectivos pretendidos, e o que acontece? nada… (comentário inspirado num célebre sketch humorístico) a não ser incapacidade de controle orçamental.
Resumo da sessão (pessoal, com poucos comentários meus dentro de [ ]):
Lei da enquadramento orçamental. Até aqui a lei não teve os resultados de estabilidade e sustentabilidade orçamental pretendidos. A sua presença na lei não garantiu os resultados.
Não é por falta de regras e princípios que há problemas orçamentais. Lei de enquadramento orçamental tem valor reforçado e apesar disso… não produz os resultados pretendidos. É necessário alterações constitucionais para a regra de equilíbrio orçamental? Não é necessário, na visão de Norberto Rosa, e estar na Constituição também não garante que seja respeitado. A Alemanha não respeitou. E o rácio da dívida pública foi sempre aumentando, apesar da presença da regra de ouro, mesmo nesse país.
Comparação da dívida pública – Portugal está bem até ao inicio da crise, em 2008, que foi mais intenso em Portugal do que nos outros países europeus (excepção Grécia e Irlanda). Olhar para nível e trajectória, e ver a capacidade das administrações públicas gerarem fluxos necessários para a pagar.
Questão: o saldo estrutural é o melhor indicador para ter restrição à política orçamental? Não, segundo Norberto Rosa, é de difícil compreensão para o público em geral, e tem variações excessivas para ser útil como guia (revisões por atualizações dos cenários macroeconómicos por exemplo). Instrumento sugerido como alternativa: saldo primário como medida de estabilidade da dívida pública. Evolução da dívida pública – 1985 – 2000 – estabilidade do rácio, cresceu a partir dai acelerando depois de 2008 – saldo primário foi o principal factor de crescimento. Efeito snow-ball – taxa de juro e crescimento económico conjunto. Elemento residual: anos 80 e desornamentarão. Para reduzir a dívida pública, o saldo primário teria de ser 4,6% e reduzir até 4% (em 2034). É quase impossível: 5 mil milhões de redução da despesa primária. Sugestão: saldo primário ser sempre positivo, e valor que permita redução gradual do rácio da dívida para valores perto dos 60%.
[O que fará supor que esta regra seria cumprida, face à experiência recente de lidar com regras em Portugal?]
Principio de plurianualidade – favorável a limites de despesa – limites máximos para a despesa a médio prazo. Tectos para a despesa sem juros serem vinculativos, à semelhança da Suécia. Gestão flexível – competência para se autorizarem a realização de despesas e o seu pagamento; libertação de créditos depende da verificação de cabimento. Sugestões: limitar a capacidade do governo em reduzir a capacidade de gestão autónoma dos serviços; permitir a utilização dos saldos do ano anterior (premiar a boa gestão); agregar serviços por ministério; estabelecer à semelhança de Espanha que juros e amortizações da dívida pública têm prioridade sobre as restantes despesas; simplificar a lei do orçamento do estado; terminar com as cativações às dotações orçamentais; fazer uma revisão global e simplificação da atual lei do enquadramento orçamental.
Manuel Baganha: Lei actual tem detalhes excessivos. Que tipo de lei de enquadramento orçamental? A Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) teve 7 alterações de 2001 a 2013. Estas alterações eram mesmo necessárias? Segundo Manuel Baganha já estava tudo na lei de 2001. Se já lá estava tudo e não se conseguiu controlar, o problema não estará na Lei e sim noutro local ou noutra área. A implementação da lei é o principal problema [porquê?] Existem princípios a mais na LEO. Com muitos princípios é fácil entrarem em conflito entre si (ou são redundantes). Há princípios a mais na LEO. A economia, eficiência e eficácia devem ser sempre seguidos, não faz sentido estarem aqui na LEO. Não é preciso alterar a lei para assegurar os objectivos; mas há melhorias que podem ser introduzidas – exemplo tratamento dos activos e passivos financeiros. Retirar da lei o que for aplicável ou que se sabe que nunca será aplicado. Avaliar o POCP. Não será possível ter uma LEO simples não por razões técnicas e sim por razões políticas.
Emanuel Santos: Só houve uma alteração da LEO em 2005-2011, apenas com uma alteração e iniciativa da AR e apenas num artigo. É possível fazer gestão sem alterar a LEO. Primeira LEO surge por imperativo da constituição. Segunda também se segue a uma revisão constitucional. Terceira idem. Lei de 2001 decorre dos tratados do euro e da disciplina orçamental aí existente. Concorda que saldo estrutural não é boa ideia para colocar na lei. Praticamente nenhum país cumpre a regra do saldo estrutural. Portugal apresenta bons resultados na redução do saldo estrutural. Comparação dos yields da divida pública com redução de saldo estrutural é divergente (comparando com Irlanda e Espanha). Relatórios da OCDE eram favoráveis ao progresso. A crise de 2008 foi o que alterou o rumo. Questão que coloca: haverá um enquadramento legal óptimo?
Houve diversas reformas no período 2005-2011 com impacto duradouro no equilíbrio e estabilidade das finanças públicas, tendo várias ficando incompletas: PRACE, reforma do sistema de carreiras vínculos e remunerações, SIADAP, simplex, convergências dos sistemas de saúde da administração pública, convergência dos sistemas de protecção social, reforma da segurança social, revisão das leis das finanças locais, controladores financeiros. Como conclusão, ser importante ter um comando político que consiga fazer reformas com eficácia. Porque surgem problemas? O legislador não compreende que para se cumprir a lei é necessário ter instrumentos que permitam fazer a gestão desejada dos recursos. Sugestões de melhoria: Reforçar o principio da autoridade orçamental; Eliminar detalhes excessivos; Rever legislação complementar; Dar maior ênfase às funções do Tesouro e ao financiamento do OE; Repensar as disposições sobre o orçamento de base zero; Rever a sistemática da LEO; Ter presente a estrutura da despesa pública
Luis Morais Sarmento: também concorda que a LEO só por si não assegura os resultados pretendidos. Mas bons procedimentos podem ajudar a atingir esses objectivos. A LEO de 2011 permitiu antecipar algumas coisas do six-pack. Conseguiu evitar a fragmentação do nosso processo orçamental. Pensar nas 5 fases do processo orçamental e em qual é a função do cidadão (ou dos seus representantes) em cada uma destas fases. É ele que paga e por isso está em todas as fases. Primeira fase: o que vamos querer ter de bens e serviços públicos? Auditoria e prestação de contas: papel de acionista. [Papel adicional: Estado tem poder de distribuir – “assalta a mesa do orçamento” – quer serviços sem noção do pagamento/custo associado – via contacto directo com decisores políticos, via assembleia da república] A informação que o cidadão tem ao longo do processo não tem que ter sempre a mesma informação. Os interesses vão variando ao longo do ciclo do processo orçamental. Fragmentação orçamental – custos marginais da despesa pública não são internalizados pelos decisores orçamentais quando tomam decisões de despesa. Top down reduz, tal como a redução do número de decisores. Fragmentação como fragilidade: ciclo orçamental, fragmentação da informação, fragmentação orgânica. Ciclo orçamental parece ok, apenas com demasiados documentos apenas na primeira fase. Simplificação da primeira fase. Apresentação de documento na primavera, também compatível com o semestre europeu. Na primeira fase há demasiado detalhe (referência a 4000 linhas de aprovação do orçamento na assembleia da república). Defende a prestação de contas e certificação de contas quase imediata. Detalhe excessivo nas linhas de orçamento desfoca a discussão orçamental. Classificação económica – 491 alineas, funcional 54, classificação orgânica 401, fontes de financiamento 42, cruzando tudo dá mais de 440 milhões de “células”. Fragmentação orgânica: não há separação entre as funções de apoio à definição política e as funções operativas, não há intermediação e controlo ao nível sectorial. O ministério das finanças não sabe onde poderá delegar controle orçamental. Não se pensou como alterações da estrutura possam trazer vantagens para o processo orçamental. Distribuição do orçamento deve ser feito pelo ministério, que seria o interlocutor do MF. [nalguns casos correntes vemos completo alheamento dos ministros e secretários de estado da execução e gestão orçamental dos seus ministérios). Devemos também olhar para o que temos nos serviços públicos. Dois tipos de serviços públicos: natureza operacional e natureza de apoio à definição das políticas e sua implementação. Estes últimos deveriam ser agregados e depois relacionam-se com as unidades de natureza mais operacional.
[grande linha dos argumentos apresentados: ninguém acha que a LEO resolva o problema, então o que fazer?]
[para resolver a fragmentação, será que se pode pensar em OPAs “hostis” dentro do governo de uns serviços a proporem-se ficar com o orçamento e as responsabilidades de outros?]
Teodora Cardoso: Para nunca funcionar tem também que haver alguma coisa na lei que não está bem. Necessidade de o orçamento aderir e incorporar de facto a óptica plurianual. O orçamento tem que ser elaborado numa base patrimonial e não numa base de caixa, e para isso tem que haver contas patrimoniais, o que não existe hoje em dia. Este é um problema que terá de ser resolvido se se quiser passar a cumprir a lei. Para se saber quais as implicações em todos os dados quando se assume um compromisso de despesa. E também se verifica o mesmo quanto a direitos (como pensões e saúde), há que saber o impacto orçamental presente e futuro. Adequação do principio do saldo estrutural para estabilidade orçamental foi criticada, mas tem algumas vantagens, por exemplo, considerar o equilíbrio ao longo do ciclo económico (e torna-se um número menos bem definido por trabalhar com previsões). Os países podem assumir mais instrumentos para cumprirem as regras de equilíbrio orçamental. Há que completar a legislação europeia em termos nacionais, e não há esse esforço em Portugal. A legislação europeia tem regras muito gerais, que depois têm de ser adaptadas em detalhe em cada país. Há empresas públicas que mais cedo ou mais tarde vão aparecer no défice orçamental, e que excluímos porque a definição do Eurostat (ainda) não as inclui.
Discussão: Orçamentos com base em compromissos é diferente de orçamentos patrimoniais. Olhar para os parceiros europeus e ver o que funcionou. O caso sueco é um bom exemplo em que os procedimentos orçamentais funcionaram bem. Não têm um orçamento patrimonial. Temos que perceber o que está no orçamento, e orçamento patrimonial não dá isso. Neste caso, a criatividade não é bem vinda, não temos necessidade e não devemos ser criativos. Referência ao caso austríaco. Terminaram em 2011 uma alteração do processo orçamental que começou em 1998, com duas alterações constitucionais. Construiram um consenso sobre a reforma dos procedimentos orçamentais. Não se está a falar de opções políticas e sim de procedimentos. Suécia define tectos nominais de despesa a três anos. Norberto Rosa retoma o argumento de não ser preciso inovar demasiado. POCP foi bem feito e teve um problema à nascença, ter três meses para ser aplicado, de setembro até final do ano, não era possível. Transparência da decisão – governos assumem encargos plurianuais mas a assembleia da república não se pronuncia. Serviços partilhados para o governo na contabilidade, não é preciso ter ministério a ministério. Conta patrimonial previsional faz todo o sentido. Autorizações é que não faz sentido. Estas mudanças demoram muito tempo e não é por incompetência das pessoas.
Frase chave sobre a transformação do processo orçamental: Demoramos muito tempo a decidir. Quando decidimos queremos tudo amanhã. E acabamos por ficar com nada. (da autoria de Luis Morais Sarmento)
13 \13\+00:00 Janeiro \13\+00:00 2014 às 11:29
A meu ver o problema é que os orçamentos são previsões e depois a realidade e o descontrolo no dia a dia impõem-se.
A solução passará por retirar tudo o que for possivel da órbita do OE e passá-lo para a órbita da Sociedade.
Por exemplo o financiamento da Saúde centrado num Seguro Social de Saúde mutual (à moda da ADSE por exemplo), o Orçamento do Estado da Saúde será apenas para apoiar selectivamente as familias no pagamento da mutualidade na função inversa das suas incapacidades.
Eventual descontrolo nas despesas do SSS será resolvido pelo aumento da mutualidade ou por baixa das tabelas (ou ambos). O OE não é afectado. (Um pouoo ali+as como está a acontecer com a ADSE em que o aumento das despesas teve como consequência o aumento dos descontos)
António Alvim
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13 \13\+00:00 Janeiro \13\+00:00 2014 às 12:28
A contratação fora de serviços públicos não resolve integralmente estes problemas, uma vez que será preciso recolher os fundos para os pagar. No caso da ADSE, a proporcionalidade sobre o salário que é definida para a contribuição e o facto de a entidade patronal ser o Estado facilitam essas soluções, mas será complicado generalizar.
Abraço
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13 \13\+00:00 Janeiro \13\+00:00 2014 às 18:11
Estamos a falar de um Seguro Social Obrigatório Mutualista. A colecta ficaría a cargo do Ministério das Finanças (com o IRS?) mas consignada logo para ser entregue ao Instituto Seguro Social de Saúde (fundado a partir do ACSS?)
António Alvim
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