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Sextas da reforma: território e descentralização orçamental

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Decorreu no dia 24 de Outubro de 2014 mais uma sessão, a penúltima, das sextas da reforma, com o tema:

Território, desenvolvimento económico e descentralização orçamental

Um país tem território e a organização deste último provoca efeitos sobre as finanças públicas, cria também desafios, como a descentralização orçamental. As finanças locais envolvem despesas e receitas.

As apresentações de Linda Veiga e Rui Nuno Baleiras encontram-se disponíveis no livestream da Fundação Calouste Gulbenkian.

Várias questões resultam, a meu ver, das apresentações:

  1. uma maior descentralização das receitas gera, ou não, maior despesa pública local?
  2. Resolver o problemas das dívidas das autarquias resolve o problema das finanças públicas em Portugal?
  3. O ciclo eleitoral na despesa pública local é mau, ou corresponde à concretização de projectos? Se for mau, qual é a alternativa que se deseja e é essa alternativa alcançável?
  4. O que determina a dimensão mínima eficiente de um concelho?
  5. Os resultados do investimento feito localmente devem ser avaliados pela actividade económica que geram, pela qualidade de vida da população, ou por outra métrica (qual?)?
  6. Noutras sessões das Sextas da Reforma falou-se de muitos assuntos, desde processos de controle orçamental até políticas de recursos humanos. Como é que a organização do território limita ou potencia esses outros aspectos?
  7. Como é que o processo de construção do orçamento deve ter em conta o papel do território?
  8. Qual o papel do capital humano da administração pública local no desenvolvimento regional?

E, num pequeno resumo pessoal, para quem prefere ler a ver as apresentações e discussão que se seguiu.

Linda Veiga:

Identificou três tópicos para discussão: racionalidade económica para a descentralização, a situação financeira dos municípios e a gestão “eleitoralista”.

Sobre o processo de descentralização, avaliado pela proporção da despesa pública feita a nível local, houve uma evolução no sentido de maior descentralização, com retrocesso nos tempos recentes, devidos à crise. Os ganhos da descentralização apontados centraram-se na aproximação dos decisores aos cidadãos e às suas preferências. Estes ganhos são maiores quando há maior heterogeneidade entre cidadãos de diferentes localizações. Também aumenta a concorrência entre governos locais. Pode promover maior eficiência. [Comentário: mas também se pode ter mais free-riding se as receitas que financiam a despesa resultarem de fundos comuns, com baixo custo de oportunidade para quem faz a despesa]

Igualmente necessário considerar a escala óptima de uma região e a relevância das externalidades entre regiões. Áreas demasiado pequenas tendem a ser subóptimas. Reforçada a importância da responsabilização da administraçãoo local, nomeadamente reduzir a dependência das transferências centrais e ter recolha local de impostos é desejável [comentário: o que reduz como factor de “sucesso” junto das populações locais o conseguir obter fundos do Governo central].

Com a recente crise, ocorreram reformas para redução do número de entidades locais em vários países; em Portugal, houve uma redução significativa do número de freguesias mantendo-se os concelhos. A dimensão média dos conselhos em Portugal é maior do que na União Europeia, sem prejuízo de haver municípios muito pequenos [comentário: não é claro se o que determina a dimensão “eficiente” é o elemento geográfico ou a população abrangida, ou uma combinação de ambos]

Para responder à questão de qual o impacto da descentralização, a informação resultante de estudos com painéis de países diz que aumenta o peso das despesas locais em educação e ensino. Em contexto internacional, foi referido o estudo de Ivanyna e Shah (2014), em que Portugal, avaliando pelo peso da despesa local e estadual, é dos países menos descentralizados [comentário: não é claro qual o papel das regiões autónomas dos Açores e da Madeira nesta análise]

A evolução em Portugal teve um pico em 2002, depois volta reduzir-se [comentário: se a descentralização levasse a menor despesa, não se teria forças de movimento contrário? Como realmente interpretar este indicador?]

Em termos do que é feito, despesa pública local sobre despesa pública total é elevada na protecção do ambiente e serviços de habitação e desenvolvimento colectivo, mas estão muito longe do valor de referência dado pela média da OCDE na educação e protecção social [comentário: porque é a média da OCDE um bom ponto de referência?]

Em termos da composição da despesa, os serviços gerais da administração pública são o grande elemento e a crescer.

Na estrutura das receitas, nas transferências intergovernamentais, Portugal é dos países com menor valor, tal como nas receitas próprias. Impostos e taxas têm vindo a aumentar e as transferências intergovernamentais a descer. [comentário: será interessante estabelecer a associação com o volume global de despesa?]

Quanto às dívidas dos municípios, há crescimento de 2003 a 2010, com redução posterior, em resposta às medidas de reacção à crise (lei dos compromissos e programa de apoio à economia local).

A regra de endividamento excessivo é excedida por um terço dos municípios. É um desafio difícil de ultrapassar em contexto de consolidação orçamental. Como factores determinantes do endividamento: governos locais fracos estão associados a mais dívida, há uma gestão eleitoralista em que o investimento gera mais défice, o desemprego gera pior desempenho orçamental local, também há um saldo negativo maior nos concelhos com mais população acima dos 65 anos [comentário: o desafio é saber que factores levam a mais despesa de forma justificada e quais correspondem a mais despesa não justificada]

De uma forma global, conclui-se que a administração local contribuiu para a consolidação das contas públicas, e que tem vindo a aumentar a informação em geral quanto à política orçamental local.

O que é necessário? 1) transparência na gestão da política orçamental; 2) interiorização do interesse público [comentário: o que significa operacionalmente?] 3) aceitar recomendações das entidades fiscalizadoras; 4) aumentar a capacidade da administração local em obter receitas locais; 5) maior envolvimento dos cidadãos nas decisões das autarquias locais.

 

Rui Nuno Baleiras:

Território e desenvolvimento económico: o estado do desenvolvimento é reflexo do enquadramento, que tem algumas forças de bloqueio.

Duas ideias fortes: a) todos os territórios contribuem para o crescimento; o território é onde as pessoas e as políticas públicas se encontram. b) a acção política para as regiões “não-core” não tem que ser assistencialista, pode e deve ser um elemento indutor do crescimento num pacote de políticas estruturais. Negligenciar regiões “não-core” significa que se perdem oportunidades de crescimento.

[comentário: estes são dois pontos importantes, e concordo que são frequentemente esquecidos, é bom recuperá-los, boa chamada de atenção de Rui Nuno Baleiras]

Como referência para alguns números e discussão: OECD (2014) how’s life in your region?

Alguns factos: a dispersão do PIB per capita entre 1995 e 2010 aumentou na Europa, o afastamento relativo das regiões de Portugal; com a apresentação de um índice sintético de desenvolvimento regional observa-se que as regiões com melhor qualidade ambiental são as que têm menor competitividade [comentário: o crescimento é mau para o ambiente? O crescimento foi mau para o ambiente? O crescimento será compatível com qualidade ambiental no futuro? Que trade-offs defrontamos aqui e que escolhas queremos fazer?]

Causas de desenvolvimento regional, revisitando várias teorias económicas: factores de produção, base de exportação, economias de escala no sector exportador, economias de aglomeração, economias de rede, custos de transporte, tensões centro-periferia, factores intangíveis de desenvolvimento – qualidade das instituições, criatividade, capital humano, infra-estruturas e inovação.

[comentário: o que se sabe sobre o papel do capital humano da administração pública no desenvolvimento regional?]

Os factores de bloqueio de crescimento não estão apenas nas regiões desfavorecidas. Há diversos bloqueios institucionais em Portugal. Um dos evidenciados é a percepção dos cidadãos sobre as políticas sectoriais sem conseguirem ter uma visão transversal. As questões de desenvolvimento estão demasiado longe do cidadão comum.

Como pistas de solução: mecanismos de governação horizontal, explicitação de visão territorial por parte do governo; responsável político de valor reforçado; agência para favorecer a coordenação intersectorial de políticas baseadas no território (a agência para o desenvolvimento e coesão poderá ser aproveitada para isto), reforço do peso dos círculos eleitorais com menor densidade territorial.

 

Discussão da audiência:

Sobre a evidência de ciclo eleitoral na despesa local, o ciclo de programação inicia-se com os mandatos, é esse aspecto que cria o ciclo e não a procura de reeleição; há os ciclos próprios dos fundos estruturais.

Os termos vigilância e eleitoralismo têm uma carga pesada que pode ser excessiva.

O orçamento participativo como instrumento de dirigir despesa local é uma falácia em Portugal.

Como se consegue a descentralização orçamental funcionalmente? Ao nível regional não existe componente orçamental, deveria pensar-se numa lei das finanças regionais como instrumento [comentário: quantos níveis de decisão de despesa se deve ter? Seria apenas para obras públicas de natureza regional?]

Como articular heterogeneidade dos benefícios, homogeneidade das competências, heterogeneidade das realidades. A descentralização orçamental ou é uma atitude ou não é, implica uma revolução cultural.

Há ver o papel da incapacidade de dar continuidade ao que está em curso quando se fala em ciclos eleitorais no investimento local.

Os eleitores raramente têm uma noção de um desígnio seja regional seja nacional, e por isso focam a sua atenção nas políticas sectoriais e seus efeitos.

Não há uma visão territorial de longo prazo para o país, como desenvolver o território nestas condições.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

One thought on “Sextas da reforma: território e descentralização orçamental

  1. Em comentário aos comentários e questões adicionais, Rui Nuno Baleiras sugeriu a leitura de um texto que elaborou há cerca de uma década, e que deixo aqui para os leitores que possam estar interessados: http://fesrvsd.fe.unl.pt/WPFEUNL/WP2001/wp401.pdf

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