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Se quiser usar os programas eleitorais sobre a saúde para decidir o seu voto…

(este é um post comum com o IPP – Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra)

Há duas formas de olhar para os programas eleitorais dos partidos políticos (e várias coligações). Primeiro, olhar por temas, e ver para cada tema o que cada partido ou coligação apresenta como proposta. Segundo, ver onde estão as grandes semelhanças e grandes diferenças.

Decidi incluir nesta apreciação os programas eleitorais do PS, da PàF, da CDU, do Bloco de Esquerda e do Livre/Tempo de Avançar. O objectivo não é induzir qualquer orientação de voto, e sim dar informação sobre o que surgem como principais características das propostas de cada partido ou coligação, para que o leitor possa fazer a sua avaliação própria.

Começando pela segunda abordagem, é fácil identificar um conjunto de áreas de consenso, onde apesar das diferentes formas de escrever, as propostas coincidem em grande medida.

Todas defendem explicitamente o Serviço Nacional de Saúde (o que significa para cada um dos partidos poderá ser diferente, mas em termos de retórica sobre o grande modelo de organização do sistema de saúde português não há aqui divergência).

Também todos coincidem na importância de reforçar os cuidados de saúde primários, e uma maioria dos programas refere explicitamente o aumento do número de unidades de saúde familiar. Igualmente coincidem na importância e reforço dos cuidados continuados. Não é muito arriscado que terão coincidência de visão no papel dos genéricos.

As diferenças estão no papel do sector privado, rejeitado pelos partidos mais à esquerda do espectro político, mas não pelos dois maiores candidatos a ganhar as eleições.

O programa do PS tem uma preocupação maior com os aspectos de pagamentos directos das famílias, enquanto o programa PàF tem como elemento de maior diferenciação a saúde digital (o que é ainda mais expectativas do que realidades) e a utilização de mecanismos de mercado dentro do sector público. Mesmo que ambos os programas destes dois candidatos falem em liberdade de escolha, não é claro quais as consequências que retiram desse princípio.

Olhando agora por temas.

  • Cuidados de saúde primários – consensual o seu reforço e unanimidade.
  • Cuidados continuados – consensual o seu reforço e unanimidade.
  • Taxas moderadoras – propostas de eliminação por parte da CDU, Bloco de Esquerda e Livre. De alguma forma implícita no programa do PS quando refere os elevados pagamentos directos.
  • Hospitais – surgem aqui diferentes preocupações, que não são mutuamente exclusivas mas que revelam distintos pontos de interesse. O programa do PS destaca a gestão interna dos hospitais, enquanto o programa da PàF dá mais relevância a novos modelos de prática clínica e a ideia de crescente autonomia de acordo com os resultados alcançados. A preocupação com a gestão interna dos hospitais está também presente no programa do Livre. No caso da CDU não há uma ideia clara do que possa ser a intervenção. O Bloco de Esquerda tem como ponto central parar a devolução de hospitais às Misericórdias, o que deve ser incluído noutro ponto, relações entre sector público e sector privado.
  • No campo dos recursos humanos, os programas da CDU, Bloco de Esquerda e Livre enfatizam a revalorização salarial dos profissionais de saúde, sendo que o Bloco de Esquerda menciona ainda a exclusividade no exercício de funções no sector público. O programa do PS destaca-se pela menção à cooperação entre profissionais e o programa da PàF refere o enfermeiro de família. A diferença é menor do que parece nestes dois últimos casos, sendo a menção no programa do PS mais ampla ainda assim.
  • Medicamentos – defesa geral da utilização de genéricos, com indicação explícita nos programas do PS, da PàF e da CDU. Mas existem também diferenças. O programa do PS é o único a falar do acesso à inovação, com a preocupação de juntar a necessidade de rigor orçamental. O programa da CDU fala em acesso gratuito a medicamentos para doentes crónicos e o programa do Livre refere uso racional dos medicamentos e maior literacia (além da redução de copagamentos).
  • Nas questões de financiamento do Serviço Nacional de Saúde, há uma proposta concreta, do Bloco de Esquerda, de aumentar para 8,5% do PIB a verba disponibilizada ao SNS (resta saber o que diminui em contrapartida, ou se são aumentos de impostos que garantem este valor). O programa da CDU é mais prudente e refere apenas que deve ser o adequado, enquanto o Livre diz o mesmo, quando afirma que o financiamento deve ser o “suficiente”. Tem a proposta mais arrojada de retirar orçamento aos hospitais para dar aos cuidados de saúde primários (ficando por saber que serviços hospitalares são encerrados e onde, ou onde se diminui a actividade). O programa do PS refere o aumento do financiamento público reduzindo o privado, o que pode significar diferentes alternativas (que não são mutuamente exclusivas), como reduzir copagamentos nos medicamentos ou reintroduzir os benefícios fiscais para as despesas privadas em saúde. Globalmente, é mais interessante a primeira do que a segunda possibilidade. Não há uma explicitação do que pretende a coligação PàF neste campo, sendo provavelmente o mais simples assumir que é manter a situação actual de financiamento anual a partir do Orçamento do Estado.
  • Farmácias – são apenas mencionadas pelos Programas PàF e PS, ambos falando em valorizar o seu papel (expressão bastante vaga, e que não permite antecipar o que cada um fará caso seja eleito).
  • No papel dos cidadãos, o programa do PS e da PàF coincidem na ideia de introdução e desenvolvimento da liberdade de escolha, enquanto a proposta da CDU inclui a criação do estatuto do doente crónico (de forma consistente com a proposta no campo do medicamento). O Bloco de Esquerda fala em campanha de defesa dos direitos dos utentes do SNS, enquanto o Livre menciona apoio domiciliário, novos hábitos alimentares, e direitos dos utentes. Interessantemente, a referência aos novos hábitos alimentares remete também para o papel que os cidadãos devem ter na promoção da sua saúde (e prevenção da doença).
  • As relações público-privados apresentam diferenças importantes entre os vários programas. O PS fala em acompanhar as parcerias público – privadas (PPP), a CDU fala em terminar as PPP (suponho que seja resgatar? Ou não respeitar o contrato?) e rejeitar a gestão privada por princípio. O programa PàF tem dois aspectos centrais: papel das câmaras municipais e a devolução dos hospitais às Misericórdias. O Livre fala em parcerias locais, embora sem dar pormenores sobre como são estabelecidas essas parcerias e sobre quem recaem as obrigações financeiras. O Bloco de Esquerda apresenta uma proposta de imposto sobre vendas para apoiar a inovação.
  • Por fim, quanto às propostas que vão mais directamente à eficiência de funcionamento do SNS, há igualmente diferenças importantes entre as propostas. No caso do programa do PS há uma referência a modelos de governação baseados na melhoria contínua da qualidade. Para a PàF o elemento central é o pagamento por resultados e objectivos e a saúde digital. A CDU aposta na gestão pelos profissionais de saúde e suas organizações, e rejeita a municipalização (no que é um contraponto interessante à extensa experiência autárquica da CDU) e advoga a auto-gestão das unidades de saúde pelos profissionais de saúde. O Bloco de Esquerda alinha com este rejeitar da municipalização, e adiciona a realização de auditorias e aumento da autonomia dos agrupamentos de centros de saúde. O Livre tem uma opção diferente, falando em comunidades locais de saúde.

Aspectos positivos que destaco em cada programa eleitoral, no que têm de diferente: no caso do PS, a aposta na melhoria contínua da qualidade como forma de garantir eficiência no sentido de cuidados apropriados e permanentemente reavaliados; no caso da PàF, a atenção proposta aos cuidados paliativos, no que é acompanhada pelo Livre; no caso da CDU, o chamar de atenção para a saúde mental. No caso do Bloco de Esquerda, não identifiquei aspecto positivo distintivo face às restantes propostas.

Nos aspectos negativos, destaco, no caso do PS, a ideia de integrar a segurança social e a saúde (pois têm horizontes de intervenção muito diferentes, e problemas de natureza muito diferentes). Nas propostas da PàF, vejo como mais problemático o processo de devolução de hospitais às Misericórdias, caso ganhem um peso elevado no SNS. No programa da CDU, o que me preocupa é ignorar o papel dos “incentivos” (em sentido lato) que as respectivas propostas apresentam, como na gratuitidade absoluta na cedência de medicamentos e na auto-gestão pelos profissionais de saúde (na medida em que parece assumir que será sempre dado o dinheiro que for pedido, necessário ou não). No Bloco de Esquerda, a ideia de que basta gastar 8,5% do PIB, sem explicar como e porquê este valor, preocupa por ser fácil desaparecer o dinheiro (em aumentos salariais, por exemplo). Finalmente, relativamente ao Livre, preocupa a incerteza sobre o que significam as parcerias locais.

Em todos os casos, há um aspecto comum que é preocupante: todos falam no que querem alcançar, em objectivos, mas sem referir que restrições se defrontam e que escolhas ou prioridades estarão presentes se não for possível alcançar todos esses objectivos simultaneamente. Restrições neste contexto terão uma componente financeira, mas não exclusivamente. Existência de recursos humanos em termos de composição e dimensão poderão ser igualmente uma restrição activa a várias das medidas propostas. Todos os partidos são omissos quanto a este aspecto.

Uma visão complementar do André Peralta Santos está disponível aqui –  IPP – Instituto de Políticas Públicas Thomas Jefferson – Correia da Serra.


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saúde no programa “PàF” (6)

A coligação “PàF” tem ainda um conjunto de propostas interessantes na área da digitalização da saúde: sistema de informação georeferenciado de dados de saúde – que suponho queira dizer que cada cidadão ou profissional de saúde poderá aceder à informação de saúde em qualquer ponto do país (às vezes o jargão técnico não é muito claro) e saúde digital – registo clínico electrónico. Nesta parte do eHealth e mHealth (jargão técnico para acedermos a informação e a serviços relacionados com o Serviço Nacional de Saúde através da internet e dos telefones móveis), tem havido desenvolvimentos que provavelmente irão ser continuados por quem quer que seja venha a formar o novo Governo. As funcionalidades existentes ainda andam um pouco aos soluços e os interfaces ainda não são totalmente amigáveis ao utilizados.

Numa experiência que fiz para testar o que está disponível, não houve dificuldade em criar e entrar numa área do portal da saúde que me seja dedicada. Consegue-se agendar consultas de médico de família, mas não com rapidez (ou seja, para ver o meu médico de família com brevidade para qualquer problema de imediato, a app no telemóvel não serve); há também uma área onde posso colocar medicação tomada, mas desconfio que o meu médico de família não sabe o que eu lá indicar se não for falar com ele – talvez fosse útil ter um botão para enviar informação registada ao médico de família que depois poderia assinalar que viu (isto é detalhe excessivo para um comentário ao programa eleitoral, mas mostra que é adequado dar atenção a estes desenvolvimentos – como nota final, talvez aqui o sector público possa aprender com plataformas privadas que estão a ser desenvolvidas, incluindo algumas de raiz nacional). Mas confirmei que a informação que coloco fica disponível imediatamente para o médico de família. “Atrasei” 5 minutos uma consulta para fazer um teste ao vivo, em que no meu computador coloquei nova informação no portal da saúde, na minha área pessoal, e um refresh no computador do médico de família revelou imediatamente essa mesma informação. Quando propus o teste real não acreditei que fosse funcionar, mas foi rápido e simples. O esforço realizado ao longo dos anos no desenvolvimento desta ligação está a dar os seus resultados em termos de sistema, e por isso será de passar à fase da utilização desta informação.


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saúde no programa “PàF” (5)

Outras ideias que surgem no programa “PàF” são a integração entre níveis de cuidados, a criação de um SIGIC para MCDTs, desenvolvimento dos cuidados paliativos e a atenção a dar à saúde mental, em particular as demências.

Todos estes aspectos são relevantes no sistema de saúde português, e no Serviço Nacional de Saúde. E expressos de forma genérica são também provavelmente bastante consensuais. Refletem, com grande probabilidade, as pessoas que foram ouvidas na elaboração do programa.

Desta lista, seria interessante saber mais sobre a intervenção que se pensa fazer nos cuidados paliativos, por um lado, e na saúde mental, por outro lado.

Também surgem as ideias de programar a rede hospitalar (e estou curioso para ver como é que esta programação da rede hospitalar é compatibilizada com a liberdade de escolha que também se quer promover – e se as pessoas não escolherem o hospital que foi “programado” para elas, muda-se a programação ou “obriga-se” à escolha?), rever a gestão das Unidades Locais de Saúde; e aqui seria bom conhecer qual a base de evidência de que se parte, quais os problemas encontrados que sugerem necessidade dessa revisão, e que aspectos têm que ser incluídos na revisão para que alcance os objectivos pretendidos – as intervenções políticas propostas também podem ter um pouco de “remuneração por objectivos”?

Dentro desta linha, surge uma vez mais a devolução de hospitais às Misericórdias, que é uma opção política e válida enquanto tal, mas não uma opção técnica com evidência que a suporte de forma inequívoca (na verdade, também não conheço evidência que se lhe oponha).


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saúde no programa “PàF” (4)

Outros aspectos focados no programa do PàF, para a área da saúde, são o papel do enfermeiro de família, as farmácias como parceiro do Serviço Nacional de Saúde, e a qualidade.

Sobre estes três aspectos, é de realçar a importância que a procura de “qualidade” pode ter para a melhoria permanente das instituições públicas que prestam cuidados de saúde, se for bem usada e não se traduzir apenas em obrigações de reporte e auditoria que em nada alteram a organização interna. Qualidade é “fazer bem à primeira”, evitando repetições de actos, por exemplo. Para maior desenvolvimento do que me parece adequado como papel da qualidade, remeto para o que está escrito do Relatório da Gulbenkian “Um Futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar”.

Quanto ao papel das farmácias, é uma mudança mais importante do que possa parecer, uma vez que se trata de as ver como um parceiro privado (ou muitos parceiros privados, na verdade) e não como um fornecedor de serviços. Mas será importante a distinção entre a rede de farmácias, e sua densidade, e cada farmácia por si só. A forma concreta como se concretizará fará toda a diferença. A tendência é que sejam definidos programas de prestação de serviços, com remuneração e avaliação de desempenho. A alternativa seria a “nacionalização” das farmácias para as incluir no Serviço Nacional de Saúde, mas duvido que seja essa a ideia. Este é um caminho que está a ser iniciado em vários países, e será de ir aprendendo com essas outras experiências, sem receio de também experimentar opções novas e adaptadas à situação portuguesa.

No que toca ao enfermeiro de família, depois de um longo (demasiado longo) processo de aceitação da ideia em termos formais, é necessário cuidar de a aplicar adequadamente. É um esforço que terá de ser feito ao nível de cada unidade de cuidados de saúde, e não tanto a nível central. A tentação nacional é sempre a de estabelecer regulamentos que nunca chegam a ser cumpridos mas que impedem a acção, ou pior ainda de estabelecer documentos legais que remetem para regulamentos que têm de ser feitos, e que nunca chegam a ser feitos. Desconheço o que se passa neste momento com os enfermeiros de família, mas gostaria que o primeiro passo não fosse o de estabelecer o regulamento dentro de cada unidade de saúde do que pode ou não pode, do que deve ou não deve fazer. Seria também bom saber se está previsto algum tipo de acompanhamento na recolha de informação, que permita vir a documentar os resultados das primeiras experiências de funções e integração dos enfermeiros de família.


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saúde no programa “PàF” (3)

Prevenção – não poderia faltar num programa eleitoral a habitual “aposta na prevenção” (com esta ou outra formulação) Vai-se depois a ver e o que se propõe é em termos de orçamento, e não por objectivos – o objectivo da prevenção é … prevenir… prevenir é evitar … evitar é não acontecer, o objectivo é então fazer com que não aconteça, pagamento por objectivos (ver o post anterior) é então pagar por algo que não aconteça, o que implica medir o que não aconteceu… ou então fixa-se um orçamento para prevenção (paga-se o processo) e deixa-se de lado o princípio enunciado…

Ora, parece-me razoável exigir que haja coerência interna das propostas feitas (e este não é um problema apenas da coligação PàF), pois o arrumar de termos da moda, no que é quase um bingo de buzzwords (mais uma para o bingo), normalmente significa ausência de pensamento concreto sobre o que fazer.

Ou seja, há ainda aqui muito trabalho de concretização de pensamento a fazer, e tenho a sensação que não será durante a campanha eleitoral que essa clarificação será feita. Até porque na verdade não se encontra, regra geral, muito pensamento estruturado, cá e lá fora, sobre qual a melhor forma de pagar e medir os resultados de prevenção (acaba-se sempre por pagar “processo”).


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saúde no Programa “PàF” (2)

Continuando a leitura do programa no campo da saúde da coligação PSD e CDS, outros termos chave usados são: financiamento por resultados, remuneração por objectivos, maior autonomia aos hospitais com resultados financeiros equilibrados, princípio da livre escolha, reforçar a contratualização, sistemas de incentivos.

Há uma opção clara pela utilização de mecanismos típicos do sector privado que têm sido importados para o sector público desde há pelo menos duas décadas. O problema central não está na utilização destes instrumentos, mas na verificação das condições para o seu uso e saber se há a intenção de levar até ao fim as implicações. Tomemos um que parece óbvio – remuneração por objectivos – mas é necessário definir objectivos que façam sentido e que possam ser medidos sem ambiguidades. O que na área da saúde poderá não ser tão evidente assim. O objectivo é tratar mais pessoas? Basta pagar de acordo com o número de pessoas atendidas, mas atender mais significa melhor saúde da população? Se o objectivo for saúde, como medidos a contribuição de cada intervenção para esse objectivo? Pagar por resultados implicitamente significa não pagar pelo processo, mas depois queremos que todos utilizem o mesmo processo senão há queixas de que alguém foi discriminado, como resolver essa tensão?

Resultados financeiros equilibrados quando é a mesma entidade que determina em grande medida as receitas e os custos (pelas obrigações de atendimento que impõe) é algo facilmente manipulável e não reflecte necessariamente boa gestão.

Os princípios enunciados são acertados e fáceis de receber concordância, o problema é que são demasiado genéricos e é depois na sua concretização que está o problema (e onde facilmente surgem as contradições). Nas condições de conhecimento e até consenso actuais não basta enunciar estes princípios, é necessário dizer como se reflectem em termos operacionais.


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e passando à “concorrência” nos programas eleitorais

o comentário de hoje é dedicado ao programa “PàF”, por enquanto nos aspectos relacionados com o sistema de saúde e o Serviço Nacional de Saúde.

A referência às apostas no SNS são as habituais, falando-se em sustentabilidade, competitividade, excelência e condições de exercício de liberdade de escolha. Sobre sustentabilidade, seria interessante que apresentassem uma definição do que entendem por esse conceito e como irá guiar a política pública.

Competitividade é também um conceito interessante neste campo, porque havendo regulação de preços, imposição de atendimento e regulação de qualidade, não é claro o que significa competitividade do Serviço Nacional de Saúde (ou das unidades que prestam cuidados de saúde) e quais as implicações da falta de competitividade (saída, via falência ou venda, na actividade económica em geral, duas alternativas que não estão tradicionalmente disponíveis no SNS).

Quanto às condições de exercício de liberdade de escolha, é necessário saber onde quando e como se pode ter, e sobretudo ter em conta que concorrência permite esse exercício, mas que ele também pode existir sem concorrência (ou pelo menos concorrência nos aspectos mais habituais de preço e qualidade). Sobre o exercício de liberdade de escolha, a sugestão de leitura do recente documento do Expert Panel on Efficient Ways of investing in Health sobre este tema precisamente (aqui), para se perceber melhor o papel de liberdade de escolha e o que são as condições necessárias para que possa funcionar em conjunção com o aspecto de concorrência (e sempre que há liberdade de escolha, tem que haver escolha, se há escolha há alternativas que concorrem entre si, e o que se torna crucial é saber em que variáveis se faz essa concorrência e que instrumentos as unidades de saúde têm para concorrer, explícitos ou implícitos).


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (8).

Continuando na senda das garantias da coligação PSD – CDS, a sétima é sobre colocar na “Constituição um limite à dívida pública”, com um “garantimos que pugnaremos”, pois não podem garantir nesta altura mais do que tentar.

Associada aos compromissos vem a oitava garantia “Garantimos que a próxima legislatura dará particular importância
às questões da demografia, da qualificação das pessoas e da coesão do território”. Além de alguma repetição de aspectos anteriormente mencionados, teria sido importante ter aqui informação sobre avaliação de políticas passadas nestas áreas e a evidência sobre o seu funcionamento (ou não). É relevante conhecer as intenções, mas também gostava de saber se conhecem os factos. Por exemplo, quando se fala em “discriminação positiva de várias políticas públicas a favor dos territórios de menor densidade”, sabe-se qual é a densidade óptima de cada unidade territorial (e qual a unidade territorial em que estão a pensar quando se fala em menor densidade? e é densidade populacional ou outra?

A nona garantia retoma igualmente aspectos anteriores “Garantimos um Estado mais justo e eficiente, queremos uma sociedade com maior autonomia e liberdade de escolha”. E neste ponto há maior detalhe do que podem ser medidas concretas. Ainda assim, creio que se envereda pelo discurso fácil da defesa da liberdade de escolha como contraponto à burocracia, sendo que estes dois aspectos não são necessariamente opostos. Além de que burocracia oferece maior igualdade de tratamento, por exemplo.

Terminando as garantias, fica-se à espera do programa eleitoral para uma comparação maior com o programa do PS, sobretudo no campo da saúde.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (7).

Nos exemplos apresentados a propósito da sexta garantia, “Garantimos um estado social viável e com qualidade. Disso é é exemplo um Serviço Nacional de Saúde universal e geral que proporcione um médico de família a todos os portugueses”, surge a saúde. Retoma um objectivo já existente para a presente legislatura. Aliás, os principais partidos concordam com este objectivo, uma vez que também está presente no programa eleitoral do PS. Não será por este objectivo que os portugueses poderão decidir por um ou por outro dos lados. Com 1900 utentes por médico, e estimando-se que há cerca de 1,233 milhões de cidadãos sem médico de família (segundo a ACSS), então seriam necessários 650 médicos mais, ou como a distribuição de cidadãos pelo território não é perfeita terá que ser um valor superior a esse.

Será interessante comparar depois as propostas eleitorais concretas de como conseguir este objectivo.

Ainda no campo da saúde, há também uma referência ao papel do envelhecimento activo, aspecto em que o exemplo apresentado a propósito da garantia é praticamente coincidente com as preocupações expressas no programa eleitoral do PS.

Curiosamente, o resto do que é dito a propósito da saúde é para falar de “obra feita” e não de propostas para o futuro. A preocupação é mostrar que não houve desinvestimento do SNS durante este período de ajustamento orçamental.


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Linhas para o programa eleitoral do PSD+CDS (5).

Depois do conjunto de compromissos, a que dei atenção nos posts anteriores, a coligação PSD – CDS apresenta um conjunto de garantias. O que é um aspecto curioso, pois a apresentação de garantias pressupõe uma razoável capacidade de as assegurar. O que não sucederá em vários dos casos.

A primeira garantia é “… que Portugal não voltará a depender de intervenções externas e não terá défices excessivos”. Esta garantia é plenamente consistente com os compromissos enunciados antes. A pergunta fundamental é como se efectiva a garantia? aumentando impostos sempre que necessário? quais? reduzindo automaticamente despesas? se sim, quais?

A segunda garantia é uma ambição, não algo que se possa garantir: “crescimento económico robusto e gerador de emprego (…) crescimento económico médio de 2% a 3% nos próximos 4 anos.” Não é dito se é crescimento do PIB per capita em termos reais ou em termos nominais (sem ou com inflação incluída). A última vez que se conseguiu ter um crescimento continuado desta magnitude foi no período 1996 – 2000.