Momentos económicos… e não só

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isto hoje tem um lado um pouco demagógico, a partir de uma carta aberta ao Presidente da República

Via facebook surgiu várias vezes a carta aberta ao Presidente da República que uma estudante que pretende entrar em medicina escreveu na Visão (ver aqui), por ter ficado de fora por poucas décimas. Surgiu também um comentário de resposta de um recém licenciado em medicina (também na Visão), e até o Bastonário da Ordem dos Médicos se pronunciou (em coerência com o que tem sido a sua posição), estes dois tomando a posição de que existem já demasiados médicos em Portugal (e mais serão com a formação que entendem ser excessiva neste momento).

Compreendo o desencanto, que se vê em muitos jovens, da jovem estudante. A sua carta e os comentários surgidos misturam diferentes argumentos e problemas: a) o sistema de acesso ao ensino superior; b) a capacidade de formação; c) o destino depois da formação no ensino superior.

Sobre o sistema de acesso ao ensino superior, não é claro o que seria um sistema alternativo que garantisse a igualdade de oportunidades. É certo que alguns ficarão de fora das suas primeiras preferências em termos de cursos e áreas de formação, mas não é evidente que haja interesse e capacidade de ter um sistema de ensino superior que garantisse que se teria sempre a possibilidade de entrar no curso pretendido (seria preciso um excesso de capacidade). Pode-se, e se calhar deve-se, discutir com mais cuidado que princípios estão por detrás das vagas oferecidas em termos de cursos e de locais (universidades que os oferecem). A situação actual decorre de um equilíbrio entre o que as universidades querem oferecer porque têm os professores para esses cursos, o que Governo / Estado quer em balanço entre regiões, não abrindo mais vagas nalgumas universidades públicas para que outras universidades igualmente públicas possam ter alunos (claro que esta posição não é normalmente assumida como política), o que o Governo / Estado entende serem formações mais ou menos relevantes, e a procura efectiva dessas formações (que também influencia o elemento anterior).

Sobre a capacidade de formação em medicina, esta tem que ser vista com cuidado, procurando identificar métodos e formas de ensino que procurem dar uma formação adequada de forma eficiente (isto é, utilizando da melhor forma as possibilidades de formação que existem).

Sobre o argumento de haver depois médicos a mais, ou não, não deixa de ser curioso que os mais fortes defensores de reduzir as vagas de medicina (e aumentar assim o número de jovens com o mesmo grau de descontentamento da estudante que escreveu a carta aberta) sejam os jovens médicos, muitos ainda estudantes de medicina. Como já expressei noutros textos deste blog nos últimos anos, a minha visão é muito diferente – o objectivo do ensino superior na área de medicina não é ser formador de pessoal para o Serviço Nacional de Saúde ou, numa visão mais corporativa, formar poucos médicos para garantir rendimentos elevados aos que conseguem entrar nas escolas de medicina. O ensino superior deveria ser um instrumento para a formação dos jovens portugueses de uma forma que lhes permita seguir as suas ambições e os seus sonhos, seja na medicina seja em história de arte seja em psicologia, etc…

Prefiro um médico português a trabalhar na Alemanha, porque essa é a sua vocação, do que ter uma formação que não gosta num posto de trabalho que não gosta em Portugal.

Mas se querem usar argumentos económicos, também o podemos fazer, e não levam à restrição de entradas em medicina. O principal argumento apresentado é o de se fazer investimento em médicos que depois vão para fora do país. Os contra-argumentos são simples: vai haver emigração de médicos por pressão dos países do Norte da Europa que vão ter escassez de médicos, pensar que a emigração resulta apenas de desemprego médico em Portugal e que não existirá procura externa é, muito provavelmente, errado. Mas mesmo que fosse esse o caso, seria sempre possível definir que excesso de custos de formação de medicina seria pago pelos alunos com um empréstimo que seria anulado se ficassem a trabalhar em Portugal e pago se fossem trabalhar para o estrangeiro (afinal era esse objectivo, certo? evitar que fossem pagas formações a quem emigrasse). Ou outro mecanismo qualquer. Mas podemos ir mais longe, tendo capacidade formativa superior às necessidades efectivas do país em termos de recursos humanos (o que implica uma visão de planeamento central das profissões, que aceitemos para efeitos de argumento), porque não pode ser esta também uma “indústria exportadora”? formar bem médicos para o espaço europeu, incluindo formar candidatos que não sejam portugueses que trariam para Portugal as propinas e as despesas de vida, e talvez até a decisão de ficar num país com uma baixa taxa de natalidade (relembro que estou a usar argumentos económicos).

Ou seja, o desencanto da estudante que escreveu na Visão tem tudo para gerar uma discussão “viral” demagógica. Tem, porém, um fundo de realidade que merece discussão porque encerra também uma visão de sociedade e de missão para o ensino superior.

(os textos anteriores deste blog sobre as entradas em medicina estão aqui, aqui, aqui, aqui aqui, e ainda aqui)


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publicação académica e empreendedorismo a mais, ou como o “empreendedorismo” prejudica a ciência

Este não é um texto sobre as tão faladas ligações entre universidade e mundo empresarial. Este é um texto sobre spam e fraude científica.

Nos últimos meses tem vindo a subir o número de mensagens de spam de pretensas revistas académicas de ciência, nomeadamente da SciEdu – com o argumento de “open access”, se eu pagar umas quantas centenas de dólares poderei disseminar a minha investigação numa revista dita científica. Nestas revistas, o processo de “controle de qualidade” dos artigos (o chamado processo de revisão pelos pares, “peer review” soa melhor a tradução) é basicamente inexistente e existe já um site dedicado a listar as entidades, os empreendedores, que criam estas “casas editoriais” e as revistas que publicam, que têm recebido o nome de revistas predatórias. O site Scholarly Open Access (também conhecido como Beall’s list  (por ter sido criada por Jeffrey Beall) reporta casos conhecidos de “editoras cientificas predatórias“, em que o modelo de negócio consiste em fazer autores pagarem a publicação em supostas revistas científicas, como forma de “aumentarem” linhas no seu CV.

Com a “quantificação” do mundo académico – quantos artigos em revistas internacionais ? – em vez do contributo – o que avançou no conhecimento a investigação feita? – surgiu uma oportunidade para os empreendedores – criarem editoras.

Como a quantificação e pretensa objectividade também é usada nos concursos académicos (basta ir ver os editais de concursos, por exemplo, fazendo no google uma busca por: concurso para professor associado + edital), resulta que mais cedo ou mais tarde estes próprios concursos irão ser afectados por este “empreendedorismo” na publicação científica – candidatos com muitas publicações “compradas” irão querer ser preferidos, e contestarão decisões onde estas publicações sejam “desclassificadas” ou pelo menos muito desqualificadas. A parte séria e preocupante é que facilmente se poderá passar a ter uma parte da comunidade científica assente nestas ditas “publicações”.


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novo dia, nova semana, novo ano escolar, nova vida

para os milhares de alunos que entraram para o ensino superior este ano. Chegam numa altura em que as universidade públicas, tal como o sector público, enfrentam imposições de redução de despesa e cortes salariais. Sou obviamente parte interessada neste tema, e esse facto deve ser sempre tido em conta pelo leitor.

É inevitável que as universidades participem no esforço de redução da despesa pública. E que se tornem mais eficientes. O problema está em definir o que é essa eficiência e qual o valor acrescentado. Em particular, é relevante saber o que se pretende que o ensino superior faça. Uma solução minimalista, para as áreas de economia e gestão (para as outras, quem lá está saberá sugerir o que é minimalista em cada caso): se o objectivo é apenas fazer passar os alunos 3 anos numa instituição de ensino superior enquanto ganham a maturidade necessária para trabalhar, então a solução “mais barata” é deixar de ter professores em exclusividade, e ter apenas professores convidados oriundos dos principais empregadores, que não só darão a perspectiva da “vida real” como podem estabelecer pontes para emprego dos alunos formados. Afinal, também não é raro ouvir dizer que na universidade não se aprende nada, que é depois no posto de trabalho que se faz a verdadeira aprendizagem.

Para assuntos mais sofisticados, depois de alguma experiência laboral, os trabalhadores fariam os cursos (mestrados, pós-graduações) que fossem realmente precisos.

Assim por alto, sendo as despesas com pessoal a principal fatia, não chegando a transferência do orçamento do estado para os pagar na totalidade em várias instituições, esta “simples” alteração poderia trazer uma poupança de mais de 50% !  Sendo natural que a maior parte desses professores convidados também trabalha, as aulas seriam dadas de manhã cedo ou ao final do dia, libertando as salas para outras actividades, incluindo aluguer ao exterior, possibilitando receitas extra (se todas as escolas o fizerem, haverá um excesso de oferta e as receitas poderão afinal ser pequenas, mas adiante).

Os actuais professores permanentes, sendo dispensados, poderão ir para as empresas mostrar que o seu conhecimento tem algum valor, ou procurar, no mercado internacional, que oportunidades valorizam as suas competências (alguns já o fizeram nos últimos anos, com sucesso).

A visão de que o ensino superior serve apenas como filtro de ordenação de candidatos a empregos, sendo o seu fim último satisfazer as necessidades do mercado de trabalho implica uma apreciação de produtividade da universidade em que há ainda imenso onde cortar despesa.

Numa visão alternativa, o ensino superior tem como missão dar uma formação de capacidade de aprendizagem, de ensino de conteúdos e de processos que permitam uma actualização futura desses conteúdos, de desenvolvimento da capacidade de análise e de trabalho, de criação inclusivamente.  Em que o objectivo não é o emprego imediatamente obtido no final da formação e sim uma preparação para uma vida activa, que enquanto profissional poderá ser bastante distinta da formação inicial. Neste caso, as características do corpo docente são distintas, a importância da investigação científica e de como a avaliar tornam-se mais relevantes, não bastará ter relatos imediatos da vida empresarial para uma formação completa, e sobretudo a métrica de avaliação é mais complicada, pois muitos dos efeitos relevantes surgirão muitos anos depois. E aqui torna-se mais difícil saber o que é a produção da universidade, e logo saber qual é a sua produtividade.

Uma solução é deixar que as escolhas feitas pelos alunos expressem esse valor esperado da universidade. Afinal, os alunos e as suas famílias têm o maior interesse em fazer essa avaliação num tempo longo. Só que deixar às escolhas dos alunos é perigoso, pois podem não escolher as áreas e as instituições que o Governo decidiu que são apropriadas, ou simplesmente decidiu que algumas instituições que não seriam escolhidas num contexto de total liberdade acabem por receber alunos por imposição de limites noutras.

Há naturalmente ainda uma terceira via, dizer que as universidades vão bem, fazem bem o que têm de fazer, é preciso é gastar menos, e por isso é necessário impor cortes orçamentais e regras que limitem a capacidade de fazer despesa. Esta é porém uma visão que também tem custos elevados, pois o espartilho de regras do sector público começa a ficar desproporcionado face ao que é o peso das transferências do estado para o funcionamento das universidades.

Voltando aos novos alunos, espero que encontrem à sua frente professores e funcionários universitários dedicados à visão de lhes proporcionar uma preparação para a vida activa (e não apenas maximizar a possibilidade de terem um emprego no final, para cumprir indicadores de empregabilidade), mesmo num contexto orçamental e organizacional difícil.

 

ps. Neste tema, tenho dupla declaração de interesses – como professor de uma universidade pública, como pai de estudantes universitários, estreante este ano num dos casos.

 

nova


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formação curta no ensino superior

na discussão pública surgiu a proposta governamental de cursos mais curtos, de dois anos, a serem dados pelos institutos politécnicos. Nessa discussão há a confusão de vários elementos, e em particular do papel do Governo e das instituições de ensino. É aliás uma confusão que vejo presente em muitas outras discussões e que precisa de uma clarificação. Para explicitar porque fico confuso, vou ter de recorrer a algum jargão económico.

Essa confusão está em saber se o Governo é o lado da procura de ensino superior, ou se é o lado da oferta, ou se quer ser ambos ao mesmo tempo, e também afirmar que há autonomia das instituições. Tudo junto e ao mesmo tempo é que não tem coerência.

Vejamos, se o Governo se coloca do lado da oferta – e determina que estas formações têm que ser oferecidas, então não há autonomia das instituições definirem a sua oferta formativa.

Mas se o Governo se coloca do lado da procura, e considera que é necessário ter estas formações porque há interessados (ou o Governo “determina” que tem de haver interessados?), então deveria colocar verbas a suportar formandos, e logo se veria se a procura de facto existe, e existindo se a oferta reage a essa procura.

Pessoalmente, estou convencido que se se quer mesmo ter essas formações de dois anos, ter o Governo do lado da procura e deixar que as instituições sigam o incentivo dado pelo pagamento realizado pelas escolhas dos alunos (não precisa de ser pagamento directo do bolso dos alunos, pode ser bolsas pagas directamente) na sua oferta formativa será mais natural e mais claro.

Esta confusão que se instala com a (habitual) abordagem portuguesa de planeamento central é tudo menos salutar para o bom funcionamento do sistema de ensino superior. E mostra também a preguiça ou incapacidade de procurar mecanismos descentralizados que sejam duradouros e tenham a capacidade de reflectir as necessidades e preferências da população. Não sei se estas durações curtas para formação superior são boa ou má ideia, porque não deixar a sociedade, o “mercado”, escolher criando apenas as possibilidades para que essa escolha seja efectivamente feita?

E resta ainda discutir o que sucede depois com os formados destes cursos, será que se vai passar a pagar às empresas para que os acolham nos estágios (independentemente do valor que tenha para a empresa a presença destas formações)?


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Proximo objectivo: top 50? (e mais outro ranking)

Nem de propósito, saiu mais um ranking, desta vez das universidades com menos de 50 anos e a nível mundial – no top 50, em lugar 46 está a Universidade Nova de Lisboa, a única portuguesa a figurar neste ranking QS.

Curioso é também a predominância das universidades asiáticas neste ranking das 50 com menos de 50 anos – sinal da dinâmica dessa parte do mundo.

Nota: como estas avaliações se baseiam em informação que tem de ser dada pelas próprias universidades, poderão existir escolas importantes que não estão incluídas apenas por isso. De qualquer modo, “os critérios do QS ranking valorizam a reputação junto das entidades empregadoras, a internacionalização do corpo docente e ainda o rácio docentes/estudantes.”

E venha o próximo ranking !


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Próximo objectivo: top 50?

Há um ano atrás o LisbonMBA chegou ao top100 mundial, este ano subiu ao número 52 (ver aqui). Continuar a progressão é muito bom sinal, para as duas universidades envolvidas, a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade Católica Portuguesa, e para o país, como forma de reconhecimento do seu ensino na área da gestão.

Entrar para o top 50 do mundo está aí ao lado, e se olharmos para os países, há apenas um pequeno número neste grupo (curiosamente, com três instituições espanholas, há uma forte presença ibérica).

A exportação de serviços de ensino surge daqui e da contínua pressão para melhorar, uma vez que os outros programas e escolas certamente andam também a procurar essa melhoria.

Como é conhecido de posts anteriores, tenho uma certa desconfiança sobre o papel dos rankings e sobre como podem distorcer os objectivos de uma organização; mas também servem de objectivo genérico e de pressão.


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Ciência e agitação, bolseiros e outras coisas

A atribuição de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) gerou uma onda de impacto devido à sua redução considerável (ou enorme ou brutal ou…. conforme os diversos adjectivos  que têm sido usados). Há que ver além do descontentamento dos candidatos que não ganharam bolsa, e do descontentamento das instituições que os esperavam, bem como do calor da luta política (partidária).

Nesta discussão há alguns pontos prévios que importa estabelecer:

a)    a FCT iniciou no ano passado um sistema de atribuição de bolsas de doutoramento baseado nas instituições com programas de doutoramento financiados pela FCT. Esta iniciativa, que não foi contestada nos seus princípios, levaria naturalmente a uma redução do número de bolsas atribuídas directamente pela FCT. No actual contexto da despesa pública seria complicado que essas bolsas de doutoramento inseridas no financiamento a programas de doutoramento fossem adições líquidas ao número global de bolsas.

b)   Falou-se também na taxa de sucesso, que foi muito baixa. Ora, a taxa de sucesso (número de candidatos aprovados vs número de candidatos total) não é uma escolha, é uma consequência de se fixar o número de bolsas a atribuir e do número de candidatos que houver (que em momentos de crise económica é natural que aumentem por redução de outras oportunidades fora do contexto do trabalho científico). Uma taxa de sucesso muito baixa significa que pequenas diferenças entre candidaturas se traduzem em decisões muito diferentes (ter ou não ter bolsa), e que a avaliação das pequenas diferenças entre candidaturas tem sempre um grau de subjectividade dos avaliadores quanto ao conteúdo que potencialmente origina resultados discutíveis (por diferentes opiniões, igualmente válidas, quanto ao potencial do projecto proposto, da qualidade da instituição de acolhimento, etc.).

c)    As verbas destinadas à ciência têm que ser repartidas por vários programas, e não aumentando se a FCT pretende criar programas novos, tem que desviar verbas de alguma outra utilização. A forma de distribuir as verbas pelas diferentes actividades é o que define a política de actuação da FCT.

d)   A renovação dos quadros científicos obriga a um fluxo regular de entradas e saídas nas posições de investigação avançadas. Note-se que estamos a falar de investigadores cuja missão é alargarem a fronteira do conhecimento. Estas bolsas não são, não constituem, nem devem constituir, situações de emprego permanente.

e)    A redução das bolsas em 2013 face a 2012 foi realmente muito elevada. Usando os dados publicamente disponíveis no site da FCT e apenas para os concursos directos da FCT (não incluindo por isso as bolsas disponibilizadas dentro dos programas de doutoramento), a redução atingiu todas as áreas em igual proporção.

 

 

Aprovadas 2012

BD 2012

BPD 2012

Aprovadas 2013

BD 2013

BPD 2013

BDE 2013

Ciências da Vida e da Saúde

269

185

84

74

40

33

1

Ciências Exatas e da Engenharia

648

416

232

194

101

86

7

Ciências Naturais e do Ambiente

420

232

188

116

67

48

1

Ciências Sociais e Humanidades

538

365

173

163

90

66

7

 

1875

1198

677

547

298

233

16

BD: bolsas de doutoramento; BPD: bolsas de pós-doutoramento; BDE: bolsas de doutotamento em empresas

 

f)     Não se conhece (ou pelo menos não consegui encontrar) a forma como as verbas recebidas pela FCT são distribuídas pelas diferentes atividades para o ano de 2014. Há alguma informação pública sobre o passado recente:

Linhas de ação da FCT : (informação retirada do site da FCT)

* Projectos de investigação

* Formação avançada, inclui

a) emprego científico (cerca de 47M€/ano);

b) bolsas de doutoramento e pós-doutoramento (cerca de 160M€/ano, para 10,000 bolseiros)

* Instituições de investigação (56M€/ano)

* Cooperação internacional (44M€/ano)

* Sociedade da informação (0,252M€/ano)

* B-on e rede ciência, tecnologia e sociedade (13M€/ano)

* Outros apoios – à Comunidade Científica e à Cultura Científica (8M€/ano)

Tomando estes valores médios como representativos, cada um dos 10,000 bolseiros receberá cerca de 16,000€/ano (os de doutoramento menos, os de pós-doutoramento mais). Admitindo que este valor médio não se altera muito, por não ser muito grande a diferença de redução de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, a diminuição da verba deverá ser à volta dos 20M€ (mais coisa menos coisa), pelo que é relevante saber onde será aplicada dentro das outras linhas de acção, para se conhecer qual é o custo de oportunidade real desta alteração (ou se simplesmente corresponde a menor orçamento para a ciência, de facto). 

Do Plano de actividades da FCT para 2013 (o último disponível):

“Está prevista a reestruturação do concurso para Bolsas Individuais, que integrará em 2013, para além das Bolsas de Doutoramento e Pós-Doutoramento, as Bolsas de Doutoramento em Empresas (BDE), deixando o concurso para as BDE de estar aberto em permanência, ficando sujeito a prazos idênticos ao do concurso anual de bolsas individuais de Doutoramento e de Pós-Doutoramento.

No âmbito da política de convergência gradual dos instrumentos de apoio da FCT serão revistos o número e o calendário dos concursos centralizados de bolsas individuais, quer de doutoramento quer de pós-doutoramento. De facto, considera-se que as primeiras devem estar, por regra inseridas em programas de doutoramento e as segundas em projetos de investigação. Neste sentido, os Investigadores Responsáveis com projetos financiados no concurso de 2012 foram informados da possibilidade de revisão das rúbricas orçamentais de modo a contemplar custos com recursos humanos, nomeadamente bolsas de pós-doutoramento.  
 


Não obstante, considera a FCT dever manter concursos nacionais de bolsas individuais de menor dimensão para apoio aos melhores candidatos cujos planos de investigação ou percurso de formação não se integrem, adequadamente, nos programas de doutoramento apoiados ou nos projetos de investigação em curso.”

Ou seja, a redução de bolsas não deveria ser novidade, mas a magnitude dessa redução não foi prevista ou tornada previsível para os candidatos (e para as instituições de acolhimento). (mas quantas pessoas leram este relatório de actividades? eu só li agora, reactivamente, na procura de mais informação sobre a política anunciada da FCT).

A discussão e instabilidade criadas pelas recentes decisões de atribuições de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento resultam de um choque que podia e devia ter sido melhor anunciado, bem como de expectativas que se deveriam ter ajustado face às políticas científicas da FCT. Mas há claramente a necessidade de conhecer melhor que opções foram tomadas e o que veria as suas verbas reduzidas caso as bolsas tivessem sido mantidas nos números absolutos do ano passado.

Como seria de esperar, esta redução de bolsas tornou-se num instrumento de luta política, mais ou menos clara consoante os intervenientes na discussão.

Face aos valores envolvidos e ao número de bolsas que se reduziu é difícil perceber como evoluirá o sistema científico. E esta redução surge, sem mais explicações, como perigosa se permanente. 

Igualmente importante, e talvez até mais crucial, é saber como é que as actuais opções irão alterar o emprego científico de natureza permanente.

 Sobre ciência e economia, por agora, a sugestão do artigo de Carlos Fiolhais no Público de hoje. É um tema a que também vale a pena voltar um destes dias. 

 

Declaração de interesses: sou docente e investigador na Universidade Nova de Lisboa.


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rankings e mais rankings e ainda outro ranking no ensino superior

Hoje em dia as universidades entraram numa “guerra de reputação” através dos rankings, e onde há procura sempre surge oferta. Além dos rankings de escolas de gestão e de programas específicos (MBAs, mestrados, etc) do Financial Times, há rankings de universidades, e de outros programas, feitos por diversas entidades. Há rankings voltados para a investigação e rankings de programas de ensino.

Um desses outros rankings é feito pela Eduniversal que também tem em conta diversas áreas, e entre elas economia, segundo a origem geográfica. Depois de a Faculdade de Economia da Nova, também conhecida como Nova School of Business and Economics, ter conseguido entrar para as cerca de 100 escolas com 5 palmas a nível mundial, saiu agora o ranking dos mestrados em economia, e o mestrado de economia da Nova surge no top ten da Europa Ocidental. Apesar do meu cepticismo em geral sobre os rankings como sinal de qualidade de ensino, não posso deixar de ver nesta subida do lugar 20 para o lugar 7 o reconhecimento do trabalho da directora do mestrado, Susana Peralta, e sobretudo o reconhecimento do trabalho permanente dos excelentes alunos que temos. Se quiserem espreitar o Nova Economics Club é aqui, e o blog dos alunos do mestrado de economia está aqui.

 

 


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o cliente

As colocações dos candidatos ao ensino superior público foram publicadas esta semana. Ficaram muitas vagas por preencher e muitos cursos ou não têm alunos ou têm muito poucos alunos.
Daqui à conclusão da necessidade de fechar esses cursos vai um pequeno passo. Que foi rapidamente dado por muitos.
As discussões sobre as vagas e os cursos do ensino superior e porque são oferecidos cursos que não têm alunos têm sempre implícita a noção de que então vai o estado estar a pagar professores universitários e instalações para nada. O pequeno passo para a acusação de má gestão é também fácil de dar. O passo seguinte é discutir-se quais devem ser os cursos oferecidos. E dá-se o pequeno passo de os cursos serem abertos com base na respectiva empregabilidade (mais uma palavra que se tornou moda).

Toda esta discussão encerra algumas ideias certas com algumas ideias erradas. Tomemos os cursos oferecidos – provavelmente será possível que algumas instituições ofereçam cursos, ou percursos académicos, que combinam disciplinas comuns a vários cursos, e que alguém não escolher um determinado percurso (não preencher as vagas de um curso) não significa obrigatoriamente que outros cursos / percursos académicos não utilizem essas mesmas disciplinas, em parte, para a sua delineação. Claro que nem todos os casos serão deste tipo, mas ignorar que alguns possam ser e dizer que se deve fechar tudo é pouco sensato. Se oferecer uma combinação diferente de algo que existe, usando opções que estão disponíveis por outras razões não pode tornar o sistema pior, mesmo que ninguém faça essa escolha. Um exemplo rápido: suponhamos que se montava uma licenciatura em direito e economia entre uma faculdade de economia e uma faculdade de direito. Suponhamos que as cadeiras que fariam parte dessa licenciatura já existem em cada uma das faculdades para as suas outras licenciaturas. Permitir a opção dessa licenciatura, mesmo que não tenha inscritos, não significa desperdício de recursos. O tal pequeno passo de encerrar significa apenas diminuir a diversidade de opções sem qualquer ganho.

Segundo aspecto que por vezes me espanta, saber qual é o objectivo do ensino superior. Se for apenas abastecer empresas e instituições dos quadros que estas precisam, então essas entidades deveriam pagar os serviços da universidade. Se o cliente são as empresas e outras instituições, porque não tem esse cliente de pagar o serviço de formação que é prestado pelas universidades, em vez de recair sobre o sector público? Calculo que aqui se esteja a pensar que é importante a igualdade de oportunidades de todos na sociedade. Mas então se é essa a linha de argumentação, o cliente que está subjacente não são as empresas ou quem contrata. O cliente é a sociedade, os cidadãos, a quem, como sociedade, pretendemos garantir a capacidade de formação avançada. E pensar quem é o cliente faz toda a diferença. Se alguém quiser tirar um curso que não tem emprego depois, sabendo disso à partida (e este conhecimento é crucial que exista), então deverá a sociedade garantir essa possibilidade? E se alguém quiser tirar um curso para o qual há muitos candidatos mas poucas vagas, deve a oferta de ensino superior alargar-se nessa área?

As respostas que implicitamente ou explicitamente são dadas a estas perguntas frequentemente encerram o desejo de quem responde fazer engenharia ou planeamento social sobre o que cada um deve fazer. Mas se o cliente é o cidadão deveria ser ele a dar a resposta, e a nossa organização enquanto sociedade deveria permitir essas respostas. Não sei se é a empregabilidade o elemento crucial nas escolhas, ou se é cada um escolher o que mais considera ser a opção que mais contribui para a sua formação e preparação para a vida em sociedade (e não apenas vida profissional, emprego).

Depois de clarificar esse aspecto, então sim podemos pensar no que deve ser a intervenção do estado. Que pode mesmo passar por uma alteração radical do formato actual. Desde aumentar o financiamento do estado (hoje em dia, há instituições cujas receitas vêm maioritariamente de outras fontes que não o orçamento do estado), até passar todas as universidades para a esfera privada (sim, privatizar) sendo o papel do estado o de apoiar directamente o cliente no que ache que deva ser apoiado. Mas qualquer que seja a escolha, deverá primeiro especificar quais são os objectivos e quem é o cliente, perante quem tem a universidade pública responsabilidade.

Comentários, ideias e sugestões?

 

Declaração de conflito de interesses: sou professor numa universidade do sector público.